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Processo nº 238/2013
(Recurso Contencioso)

Relator: João Gil de Oliveira
Data: 13/Março/2014



Assuntos:
- Autorização de residência
- Antecedentes criminais
- Poderes discricionários
- Princípios da razoabilidade, proporcionalidade justiça


SUMÁRIO :
    1. A previsão normativa do artigo 9º, n.º 1, 1, da Lei 4/2003 prevê que na ponderação se atente nos antecedentes criminais e ao cumprimento das leis da RAEM, deixando uma margem de discricionariedade na ponderação desses elementos que não cabe ao Tribunal sindicar na medida em que extravase aquela margem de liberdade que a lei confere à Administração em ponderar ou deixar de ponderar um determinado requisito.
    2. Os tribunais superiores de Macau têm-se pronunciado em casos em que se poderia pôr em causa a decisão administrativa de não concessão de autorização de residência por contender com institutos que, à primeira vista, teriam um alcance mais profundo do que o da suspensão da execução da pena, tal como tem acontecido com os casos em que sobreveio mesmo a reabilitação e, mesmo assim, tem-se entendido que as razões ínsitas às decisões administrativas pautam-se por outros critérios e a Administração pode até relevar autónoma e negativamente uma conduta criminal nesses casos.
    3. Não há desrazoabilidade se se descortina a prossecução do interesse público, a adequação do comportamento à prossecução desse interesse público e compreende-se ainda o sacrifício dos interesses privados em função da importância do interesse público que se procura salvaguardar.
    4. Também não ocorre violação do princípio da proporcionalidade, consagrado no artigo 5º do CPA, entendido este como uma ideia de variação correlativa de duas grandezas conexionadas, se são ponderados os benefícios decorrentes da decisão administrativa para o interesse público prosseguido pelo órgão decisor e os respectivos custos, medidos pelo inerente sacrifício de interesses dos particulares, seja na sua vertente de exigibilidade e adequação na prossecução do interesse público, seja na relação custos-benefícios.
    5. Se o interessado pede autorização de residência em Macau e alega a necessidade de ficar em Macau para tratar do filho, tal não é fundamento para a apreciação e concessão da autorização de residência e não pode afastar o obstáculo que a Administração invoca de aquele possuir antecedentes criminais, se esta considera que esse factor é relevantemente impeditivo da concessão da autorização de residência.

O Relator,
João A. G. Gil de Oliveira

Processo n.º 238/2013
(Recurso Contencioso)

Data: 13 de Março de 2014

Recorrente: A

Entidade Recorrida: Secretário para a Segurança

    
    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
    A, mais bem identificado nos autos, vem, nos termos do disposto nos artigos 20.º e 25.º do Código de Processo Administrativo Contencioso, apresentar Recurso Contencioso de Anulação do despacho de indeferimento do Exm.º Senhor Secretário para a Segurança de 31/01/2013, notificado através da notificação MIG/02515/2013/E relativamente ao pedido de autorização de residência apresentado pelo ora recorrente em 22/10/2012, alegando, em síntese conclusiva:
    1.ª O Recorrente assume ter no passado, há quase mais de 25 anos, cometido actos que foram carreados para o seu registo criminal em Hong Kong.
    2.ª O Recorrente assume também que aprendeu a lição e o tempo é testemunho desssa realidade!
    3ª O Recorrente tem uma família em Macau que necessita dele, tem uma filha menor que de momento precisa muito de si!
    4.ª O Recorrente aceita que a Admnistração baseie a sua Decisão em factos concretos, mas, que em face da realidade, e na modesta opinião do mesmo, não deveriam salvo douta e melhor opinião, influenciar de forma negativa o seu pedido de Autorização de Residência, uma vez que não só já decorreram mais de 25 anos, como os factos em concreto não foram praticados em Macau e se tivessem sido nos termos daLei já teriam sido alvo de reabilitação judicial!
    5.ª O Recorrente tem meios de subsistência na RAEM.
    6.ª O Recorrente não incumpriu as Leis da RAEM.
    7.ª O Recorrente, salvo douta e melhor opinião, demonstrou serem suficientemente fortes os motivos actuais e realidade actual para ser deferido o seu pedido de Residência.
    8.ª O Recorrente tem uma família, esposa e filha menor que no momento necessitam mais do que nunca da sua presença e do seu apoio!
    Nestes termos, entende, deve, pelas apontadas razões, ser julgado procedente o presente recurso contencioso, com a consequente anulação do despacho recorrido e deferimento da autorização de residência ao recorrente.
    
    O Exmo Senhor Secretário para a Segurança do Governo da Região Administrativa Especial de Macau, contesta, dizendo, em suma:
:
    Ser-se residente de Macau significa possuir-se um especial estatuto de direitos e deveres (incluindo certos direitos de natureza política), em tudo idêntico à noção de cidadania, o que demanda um redrobrado cuidado e apertados critérios na sua concessão, não só quanto ao merecimento inerente à outorga desse mesmo estatuto como também em matéria de segurança pública da população e das próprias instituições;
    Cuidado esse que assume tanto mais sentido quando o candidato, como no caso vertente, possui um passado criminal de manifesta notoriedade, em que avulta, designadamente, o crime de roubo, pese embora cometido há cerca de 20 anos (vide registo criminal de Hong Kong a fls. do processo instrutor);
    Para efeitos de autorização de residência e de avaliação dos seus pressupostos que se prendem, pois, com o merecimento inerente à outorga do estatuto de residente e com o perigo para a segurança e ordem públicas que o candidato possa constituir, a Administração da RAEM basta-se, em concreto, com a notícia de que no passado o requerente tenha sofrido diversas condenações pela prática de vários crimes;
    E isto independentemente de as condenações sofridas terem ocorrido num passado próximo ou longínquo, o que em qualquer caso não afasta uma certa propensão para o envolvimento no mundo do crime, e que sempre faz temer pela ordem, segurança e tranquilidade públicas;
    A disciplina do DL n.º 27/96 não tem qualquer aplicabilidade em matéria de autorização de residência;
    Naquele regime está em causa a reabilitação do delinquente numa perspectiva de ressocialização e reintegração de pleno direito na sociedade, isto é, do gozo de todos os direitos civis e políticos, sem quaisquer dos impedimentos ou limitações resultantes da lei, os quais são paralizados por força da reabilitação;
    Na autorização de residência existe uma quase totalmente discricionariedade em termos de quase se poder dizer que a Administração (obviamente fora dos casos em que o indivíduo possui, pelo nascimento, o direito "originário" de residência, o qual se impõe "per se" e não depende de qualquer acto de autoridade) concede essa autorização se quiser, e se não quiser não concede.
    Termos em que pugna pelo não provimento do presente recurso contencioso.
    
    A, ora recorrente, em sede de alegações facultativas, repete, em síntese, a posição assumida inicialmente.
    O Exmo Senhor Procurador Adjunto emite o seguinte douto parecer:
    Não nominando qualquer tipo de vício específico de que o acto padeça, invoca o recorrente, em abono da anulação que almeja, a desnecessidade e exagero do indeferimento registado, pois que o passado criminal que lhe é imputado em Hong Kong data já de 1981 e 1988, não tendo incumprido quaisquer leis da RAEM, aqui detendo meios de subsistência, sendo que, a terem ocorrido tais factos na Região se encontraria, certamente, já reabilitado judicialmente, ao que acresce ter aqui agregado familiar residente, designadamente uma filha menor de 11 anos, a carecer da sua presença e acompanhamento, alegação a denotar, pois, inconformismo com a necessidade e proporcionalidade do decidido.
    Vejamos:
    Sendo certo que a mera constatação da existência de antecedentes criminais não vincula a Administração à denegação do pedido de autorização de residência na RAEM, a verdade é que também se não descortina, no caso vertente, que a entidade recorrida, ao decidir como decidiu, se tenha desviado do objecto legislativo da Lei 4/2003, ou que, no exercício dos poderes discricionários conferidos pela norma em questão, tenha cometido erro grosseiro ou manifesto, sabendo-se que só tal erro ou a total desrazoabilidade no exercício daqueles poderes podem constituir forma de violação de lei judicialmente sindicável e que, conforme jurisprudência constante do TUI, ainda que os factos delituosos tivesse ocorrido em Macau, a eventual reabilitação judicial resultante do tempo entretanto decorrido não deteria natureza vinculativa para a Administração na decisão relativa à concessão de autorização de residência, por os requisitos a esta referentes terem fundamento diferente, com diferentes interesses do regime do registo criminal, preocupando-se este com a ressocialização dos delinquentes e relevando naquela primordialmente interesses de ordem pública e segurança da comunidade da RAEM.
    No que tange à proporcionalidade, não existirão dúvidas de que, de acordo com este princípio, as limitações dos direitos ou interesses dos particulares se devem revelar idóneas e necessárias para garantir os fms visados pelo acto.
    A este nível, compreende-se perfeitamente o alegado pelo recorrente relativamente à situação do seu agregado familiar, residente na RAEM, como bem se entende a conveniência e, até, a necessidade do acompanhamento da sua filha menor por parte da progenitor : só que, encontrando-nos em sede em que a Administração actua, como se frisou, no exercício de poderes discricionários, inexistindo matéria a resolver por vinculação, a decisão em questão (que, bem vistas as coisas, não poderia deixar no sentido em que o foi, ou o seu contrário, sem alternativa de qualquer espécie de gradação), só poderia, a tal nível, ser alvo de controle jurisdicional se, se modo intolerável, violasse aquele princípio.
    Ora, no caso, visando o acto controvertido prosseguir a prevenção e salvaguarda da segurança e estabilidade sociais da RAEM, os estimáveis interesses pessoais e familiares adiantados pelo recorrente haverão sempre que ceder perante aqueles superiores desideratos.
    Donde, por se não descortinar a ocorrência de qualquer vício de que cumpra conhecer e, sem necessidade de maiores considerações ou alongamentos, sermos a entender não merecer provimento o presente recurso.

Foram colhidos os vistos legais.

II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito.
    
    III - FACTOS
    Com pertinência, têm-se por assentes os factos seguintes:

O pedido de autorização de residência apresentado em 22 de Outubro de 2012 pelo recorrente foi indeferido por despacho do Exmo Senhor Secretário para a Segurança, de 31 de Janeiro de 2013, com base nos seguintes fundamentos expressos na seguinte informação:
    
    ”1. O requerente, do sexo masculino, casado, de 49 anos de idade, nascido em Hong Kong e portador de bilhete de identidade de residente permanente de Hong Kong, requer a autorização de residência em Macau com a finalidade de se reunir com a sua mulher que é portadora do bilhete de identidade de residente permanente de Macau.
    2. Segundo o ofício nº CNCC17483/12 da Força Policial de Hong Kong, o requerente tem os seguintes antecedentes criminais:
    Data
    Crimes cometidos
    Resultados
    05-09-1981
    A-B. Roubo
    
    
    C. Resistência
    Na pena de 4 anos de prisão
    As penas aplicadas por cada crime foram cumpridas ao mesmo tempo
    Na pena de 9 meses de prisão.
    Cumpridas ao mesmo tempo as penas aplicadas pelos crimes A-B.
    14-09-1988
    Jogar em estabelecimento de jogos
    Pena de multa de $600
    11-10-1988
    Aceitar e recolher apostas em jogos
    Pena de multa de $12000
    3.Tendo em conta os antecedentes criminais do requerente, não deve ser deferido o seu pedido.
    4. Realizada a audiência escrita, este Serviço recebeu alegações do requerente, apresentadas através da sua representante (Advogada XX).
    5. Atendendo à falta de fundamento nas suas alegações e tendo em consideração as disposições do artº 9º, nº 2, al. 1) da Lei nº 4/2003, propõe-se que seja indeferido o presente requerimento.”
    
    IV - FUNDAMENTOS
     1. O recorrente vem, a título prévio, levantar uma questão que se prende com os requisitos da notificação do acto recorrido, mas daí não retira conclusão donde se extraia algum efeito invalidante do acto ou que abale a sua eficácia, para além de não levar a questão às conclusões – nem a ela se referindo aquando das alegações facultativas -, pelo que dela não se conhecerá, até porque se demonstra que o recorrente revela perfeito conhecimento dos fundamentos do mesmo acto, o que contraria as razões subjacentes a uma eventual falta de eficácia da notificação enquanto esta não se mostrar devidamente efectuada.
    Por outro lado, o recorrente, embora não assacando ao acto recorrido qualquer dos vícios típicos dos actos administrativos, invoca erro na interpretação e aplicação da lei, dizendo que a lei não impõe necessariamente que os antecedentes criminais levem necessariamente a um indeferimento do pedido de autorização de residência, importando apreciar o circunstancialismo do caso concreto, mais dizendo que por efeito da reabilitação que resultaria do tempo já decorrido sobre os factos objecto do seu registo criminal, não se devia atender a tais antecedentes e o facto de possuir uma família em Macau, devia ser atendido, podendo ter-se como implícita a invocação de desrazoabilidade/inconveniência do acto), sendo certo que não deixa de dizer que a medida não foi justa nem proporcional.
    
    2.1. 2. Alega o recorrente que para o indeferimento se levou um passado criminal reportado a 1981 e 1988 e que esses factos, visto o decurso do tempo e por terem sido factos praticados fora da RAEM não devia relevar.
    Diz basicamente o recorrente que o pressuposto em que a entidade recorrida se baseou para lhe indeferir o pedido de residência se baseou na condenação anteriormente sofrida, mas ele encontra-se limpo, por força da reabilitação legal que sempre opera em Hong Kong e que não deve deixar aqui de ser levada em linha de conta.
    
2.2. Nos termos do art.º 9.º, n.º 1 e 2 da Lei n.º 4/2003:
“1. O Chefe do Executivo pode conceder autorização de residência na RAEM.
   2. Para efeitos de concessão da autorização referida no número anterior deve atender-se, nomeadamente, aos seguintes aspectos:
   1) Antecedentes criminais, comprovado incumprimento das leis da RAEM ou qualquer das circunstâncias referidas no artigo 4.º da presente lei;
   2) Meios de subsistência de que o interessado dispõe;
   3) Finalidades pretendidas com a residência na RAEM e respectiva viabilidade;
   4) Actividade que o interessado exerce ou se propõe exercer na RAEM;
   5) Laços familiares do interessado com residentes da RAEM;
   6) Razões humanitárias, nomeadamente a falta de condições de vida ou de apoio familiar em outro país ou território.”
    A previsão normativa do artigo 9º, n.º 1, 1, da Lei 4/2003 prevê que na ponderação se atente nos antecedentes criminais e ao cumprimento das leis da RAEM, deixando uma margem de discricionariedade na ponderação desses elementos que não cabe ao Tribunal sindicar na medida em que extravase aquela margem de liberdade que a lei confere à Administração em ponderar ou deixar de ponderar um determinado requisito.
     2.3. Os Tribunais superiores de Macau têm-se pronunciado em casos em que se poderia pôr em causa a decisão administrativa de não concessão de autorização de residência por contender com institutos que, à primeira vista, teriam um outro alcance mais profundo do que o da suspensão da execução da pena, tal como tem acontecido com os casos em que sobreveio mesmo a reabilitação e mesmo assim tem-se entendido que as razões ínsitas às decisões administrativas pautam-se por outros critérios e a Administração pode até relevar autónoma e negativamente uma conduta criminal nesses casos.1
     Esta sensibilidade à diversidade das diferentes situações e dos fins visados nas diferentes ponderações em função de um determinado passado acaba por legitimar o recurso a tal elemento do passado do indivíduo. Não em termos de conditio sine qua non, mas em termos aferidores de uma personalidade que se quer conformada com o ordenamento em que se vai integrar.
    
     Esse o sentido da Jurisprudência que vem sendo firmada neste Tribunal 2, alguma já citada e que não deixou de ter eco, ao mais alto nível, na Jurisprudência do TUI, no processo n.º 36/2006, de 13/12/2007, aí se proclamando não ser possível aplicar pura e simplesmente as disposições de reabilitação de direito ao regime de entrada, permanência e autorização de residência.
     2.4. Podem-se configurar diferentes níveis em termos dos efeitos penais de uma condenação e que podemos desenhar como diversos círculos que se vão alargando dentro de um dado ordenamento.
    Assim um círculo mais restrito respeitante às consequências penais no âmbito penal, um outro mais alargado respeitante às consequências penais no âmbito não penal, seja em termos de interdições, inabilitações, exercício profissional, quando o cadastro limpo seja um requisito de integração numa dada situação jurídica. E podemos ainda configurar, intra-ordenamento, um círculo de situações em que aquele factor, não sendo requisito legal de ponderação, jogue efectivamente ao nível da tomada de decisão, seja em função da vontade e liberdade que dominam as relações jurídicas privadas, seja em função de uma margem de liberdade e discricionariedade em certos níveis da actividade administrativa.
    Tudo isto em termos de conformação e readaptação social à vivência no seio de um dado ordenamento.
    Mas sempre se poderá sustentar que se reforce um nível de exigência e de adequação com o ordenamento para quem não seja residente e aqui se pretenda integrar, não sendo difícil aceitar que a Administração possa ponderar uma condenação, mesmo que extinta, para esses efeitos.
     
     2.5. Importa referir, em todo o caso, descendo ao concreto, analisando o acervo fáctico acima transcrito, que não foi apenas uma condenação que constituiu fundamento da negação do pedido, mas o recorrente cometeu várias infracções.
     Ou seja, não foi apenas uma conduta criminógena, mas várias, e algumas por infracções relacionadas com o jogo, matéria muito sensível na RAEM. A dizermos isto, bem sabemos que estas razões não constam do acto ora recorrido e talvez devessem constar, pois a decisão talvez fosse mais bem compreendida.
     O certo é que esta pequena divagação pouco importa, na medida em que basta o cometimento no passado de crimes, mesmo com a dilação decorrida, para a Administração poder deferir ou indeferir o pedido de autorização de residência.
     Na verdade, a razão principal - isso resulta bem claro do despacho proferido - foram os antecedentes criminais, entrando-se aí num domínio caracterizado pela discricionariedade da Administração que não está impedida de valorar em nome dos superiores interesses da Segurança esse passado para o projectar em termos de uma prognose comportamental do indivíduo em causa de forma a avaliar das vantagens e inconvenientes em autorizar a sua residência.
    
    2.6. Acresce que no recurso contencioso, se o acto impugnado for praticado no âmbito de poderes discricionários, o tribunal só pode sindicar o mérito deste tipo de acto quando se verifica o erro manifesto ou a total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários, ou a violação, de forma intolerável, dos princípios fundamentais do Direito Administrativo.
    “Para a lei não é particularmente relevante o tempo decorrido desde a prática de crimes e as condenações. Na óptica do legislador, as condenações criminais anteriores, bem como os fortes indícios de terem praticado ou de se prepararem para a prática de quaisquer crimes susceptíveis de ser motivo de recusa da entrada dos não residentes na RAEM (art.º 4.º, n.º 2, al. d) da Lei n.º 4/2003), constituem sempre motivo de alarme para a ordem e segurança públicas da Região.
Em princípio, os interesses públicos de tranquilidade prevalecem sobre os interesses individuais de interessados de entrar e residir na Região.
Ou seja, os antecedentes criminais, seja qual for o período já decorrido depois da condenação, são sempre o factor a considerar na apreciação do pedido de autorização de residência.” 3
    
    2.7. No recurso contencioso, se o acto impugnado for praticado no âmbito de poderes discricionários, o tribunal só pode sindicar o mérito deste tipo de acto quando se verifica o erro manifesto ou a total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários, ou a violação, de forma intolerável, dos princípios fundamentais do Direito Administrativo.

2.8. Ainda que desnecessário, face ao que ficou dito acima, bem pode o recorrente fazer as interpretações que entender da citada norma que manda atender aos antecedentes criminais, no sentido de que não é uma mancha isolada que vai inquinar a personalidade nem fazer perigar a segurança, pode-se até concordar com o que afirma, em termos abstractos, só que não é a sua interpretação que vale, nem sequer os Tribunais têm o poder de impor a sua visão das coisas no âmbito do poder discricionário da Administração, sob pena de se substituírem àquela, o que, de todo, não se mostra legítimo em nome da separação dos poderes executivo e judicial.

3. O recorrente fala ainda de proporcionalidade e justiça no acto impugnado.
3.1. É verdade que os actos administrativos discricionários são atacáveis por desrazoabilidade, todavia não se trata de uma qualquer desrazoabilidade apreciada em termos de subjectividade aferida de acordo com os interesses de quem a invoca.
Por norma, esta afronta pressupõe a violação dos princípios de adequação e proporcionalidade na decisão proferida.
E quanto a isto, dir-se-á tão somente que, ao entender-se que foi feita correcta aplicação da lei, constituindo tais princípios índices aferidores do controle da discricionariedade, em vista da conformação da decisão com a prossecução do interesse público, afastada estará a desrazoabilidade no exercício dos poderes discricionários conferidos à Administração no caso concreto.
No caso em apreço, descortina-se a prossecução do interesse público, a adequação do comportamento à prossecução desse interesse público e compreende-se ainda o sacrifício dos interesses privados em função da importância daqueles superiores valores que se procura salvaguardar.4
Na verdade, os interesses económicos, familiares e emocionais invocados pela recorrente serão estimáveis, mas haverão sempre que ceder face ao manifesto interesse público na salvaguarda da segurança e estabilidade social da Região.
Como está bem de ver, muito ligado àquele vício ( desrazoabilidade) também não ocorre violação do princípio da proporcionalidade, consagrado no artigo 5º do CPA, entendido este como uma ideia de variação correlativa de duas grandezas conexionadas, ou seja, se são ponderados os benefícios decorrentes da decisão administrativa para o interesse público prosseguido pelo órgão decisor e os respectivos custos, medidos pelo inerente sacrifício de interesses dos particulares, seja na sua vertente de exigibilidade e adequação na prossecução do interesse público, por um lado e na relação custos-benefícios, por outro.5
3.2. Quanto à violação do princípio de Justiça, a prossecução do interesse público terá estado na mira da decisão proferida e não se deixa de compreender a sua prevalência sobre interesses particulares, donde por imbuída de imparcialidade, de racionalidade, de adequação, de proporção, se configurar ainda como materialmente justa.
3.3. Salvaguardando uma pretensa violação das normas a um outro nível, a Lei Básica, nomeadamente nos artigos 38.º e 43.º, protege a família, protecção esta concretizada nos princípios fundamentais da lei de Bases da Política Familiar (arts. 1.º a 3.º da lei n.º 6/94/M, de 1 de Agosto) da RAEM, podendo até considerar-se que o ordenamento jurídico da RAEM protege a família, a unidade e a estabilidade familiar como um direito fundamental, decorrendo esta protecção de uma necessidade programática que deve pautar a actuação da Administração e dos administrados, não deixando contudo de ter que se encontrar o equilíbrio entre os diversos princípios e valores que devem igualmente ser prosseguidos pela Administração.
Não obstante aquela consagração, importa atentar que o direito à protecção da família não passa necessariamente pela junção familiar em Macau, sob pena de termos de admitir que a autorização de residência individual passaria automaticamente a ser alargada para toda a família de qualquer interessado que viesse a Macau para aqui trabalhar.
Esta interpretação tem sido a acolhida neste Tribunal, já se tendo afirmado por várias vezes que a protecção da unidade familiar não passa necessariamente pela garantia de reunião de familiares que se encontrem no Exterior.6
    
    Em face do exposto o recurso não deixará de improceder.
    
    V - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao presente recurso contencioso.
    
    Custas pelo recorrente, com 6 UC de taxa de justiça
                   Macau, 13 de Março de 2014,
                   João A. G. Gil de Oliveira
                   Ho Wai Neng
                   José Cândido de Pinho
                   
                   Estive presente
                   Mai Man Ieng
1 - Ac. do TUI 36/2005, do TSI 234/2011, 163/2012, 360/2012, 766/2011.
2 - Acs deste TSI, processo 310/2011, de 31/5/2012; 394/11, de 3/5/12; 305/05, de 25/5/06; 71/2000, de 24/2/03, 360/2012
3 - Acs do TUI de 3 de Maio de 2000, 6 de Dezembro de 2002, 21 de Junho de 2006, processos n.ºs 9/2000, 14/2002, 1/2006.

4 - João Caupers, in Int. ao Dto. Administ., 2001, 80
5 - Int. ao Dto Adm., João Caupers, 6ª ed., 80
6 Vide Ae. do TSI de 16/12/2010, Proc. n.º 167/2009

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