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Processo n.º 12/2014 Data do acórdão: 2014-3-13 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– reincidência
– art.º 69.º, n.º 1, do Código Penal
S U M Á R I O
Para a verificação da reincidência nos termos do art.º 69.º, n.º 1, do Código Penal, não basta considerar apenas os elementos constantes do registo criminal do arguido, ou seja, meramente as condenações anteriores, antes são necessários factos concretos capazes de suportar o juízo de insuficiência de advertência contra o crime através das condenações anteriores.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 12/2014
(Autos de recurso penal)
Arguido recorrente: A (XXX)





ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformado com o acórdão proferido a fls. 278 a 286v dos autos de Processo Comum Colectivo n.° CR3-13-0068-PCC do 3.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base na parte em que se decidiu condená-lo como delinquente reincidente na prática do crime de tráfico de menor gravidade, veio o 1.º arguido desse processo chamado A, aí já melhor identificado, recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), imputando àquele Tribunal a errada consideração dele como reincidente no cometimento do dito delito, ao arrepio do n.º 1 do art.º 69.º do Código Penal (CP), para pedir que esse seu crime fosse punido na pena mais próxima do mínimo legal, sem ser ele qualificado como reincidente (cfr. com mais detalhes, o teor da motivação de recurso, apresentada a fls. 310 a 321 dos presentes autos correspondentes).
Aos recursos respondeu (a fls. 329 a 332v dos autos) a Digna Delegada do Procurador junto do Tribunal recorrido, no sentido de improcedência da argumentação do recorrente.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer (a fls. 352 a 353v), pugnando pelo provimento do recurso na parte respeitante à rogada revogação da condenação do recorrente como reincidente, apesar de opinar pela manutenção das penas deste arguido, mesmo depois de revogada a sua condenação como reincidente.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se o seguinte, com pertinência à solução do recurso:
1. O recorrente encontra-se condenado no acórdão recorrido, pela autoria material de um crime, consumado de modo reincidente, de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art.º 11.º, n.º 1, alínea 1), da Lei n.º 17/2009, de 10 de Agosto, na pena de um ano e cinco meses de prisão, e de um crime de consumo ilícito de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 14.º da mesma Lei, na pena de dois meses de prisão, e, em cúmulo jurídico dessas duas penas, finalmente na pena única de um ano e seis meses de prisão efectiva.
2. Da factualidade descrita como provada no acórdão recorrido, não constam quaisquer factos concretos capazes de suportar o juízo de insuficiência de advertência contra o crime através das condenações anteriores.
3. Na fundamentação fáctica do mesmo acórdão, constam detalhadamente cinco condenações anteriores do recorrente (já transitadas em julgado) por crimes dolosos (dois roubos, um furto e dois furtos qualificados) em penas de prisão efectivas superiores a seis meses, todas já cumpridas.
4. E segundo a mesma fundamentação fáctica: o recorrente negou a prática do tráfico de estupefacientes, e declarou estar desempregado, com um filho a seu cargo, e com o 3.º ano do curso secundário como nível de instrução.
5. Da fundamentação jurídica do acórdão recorrido, constam as seguintes considerações (escritas originalmente em chinês nos 6.º e 7.º parágrafos da página 11 do mesmo texto, a fl. 283) para sustentar a decisão de condenação do recorrente como reincidente na prática do crime de tráfico de menor gravidade:
– “de acordo com a matéria de facto provada, o 1.º arguido cometeu crimes por várias vezes e foi por isso condenado em penas de prisão superiores a seis meses. […]. Vê-se, com base nos factos delinquentes do 1.º arguido, as condenações anteriores não serviram de suficiente advertência para o 1.º arguido contra o cometimento de novo crime, pelo que há que censurá-lo, punindo-o como reincidente”;
– “Nestes termos, o 1.º arguido, ao cometer o crime de produção e tráfico de estupefacientes de menor gravidade, é reincidente, sendo este crime punível com o mínimo legal da moldura penal previsto no art.º 70.º do Código Penal”.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, é de notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Nesses parâmetros, vê-se que o recorrente pretendeu afastar a sua condenação como delinquente reincidente na prática do crime de tráfico de menor gravidade.
Tem razão o recorrente, porquanto é inteiramente aplicável à situação processual fáctica do caso dos autos (e já referenciada na parte II do presente aresto) o entendimento jurídico veiculado, ante semelhante factualidade provada, no douto Acórdão do Venerando Tribunal de Última Instância de 2 de Junho de 2010 do Processo n.º 18/2010, segundo o qual para a verificação da reincidência, não basta considerar apenas os elementos constantes do registo criminal do arguido, ou seja, meramente as condenações anteriores, antes são necessários factos concretos capazes de suportar o juízo de insuficiência de advertência contra o crime através das condenações anteriores.
Havendo que decair assim a condenação do recorrente como reincidente na perpetração do crime de tráfico de menor gravidade, cumpre ver qual a pena concreta a achar para este delito, dentro da respectiva moldura normal de um a cinco anos de prisão, prevista inicialmente no art.º 11.º, n.º 1, alínea 1), da Lei n.º 17/2009.
Pois bem, ante os elementos pertinentes acima referidos na parte II do presente acórdão, é de verificar que sendo o recorrente um delinquente já não primário, mas com vários antecedentes criminais, e havendo muito prementes necessidades de prevenção geral do crime de tráfico de estupefacientes, mesmo que se trate de tráfico de menor gravidade, uma dose de um ano e cinco meses de prisão para o crime de tráfico de menor gravidade cometido nesta vez já não é nada de excessiva aos padrões da medida da pena plasmados nos art.os 40.º, n.os 1 e 2, e 65.º, n.os 1 e 2, do CP, de maneira que deverá ser mantida a pena de prisão já fixada no acórdão recorrido para este crime, embora com base em fundamentação algo deversa da sustentada pelo Tribunal recorrido.
Com o que acaba por improceder o pedido de redução da pena do crime de tráfico de menor gravidade.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar parcialmente procedente o recurso, revogando a decisão recorrida na parte em que se condenou o recorrente A como delinquente reincidente na prática do crime de tráfico de menor gravidade, sendo intocadas, porém, as penas parcelares e única aí já aplicadas ao mesmo arguido.
Pagará o recorrente a metade das custas do seu recurso e duas UC de taxas de justiça.
Fixam em duas mil e quinhentas patacas os honorários a favor da Ex.ma Defensora Oficiosa do recorrente, devendo este pagar a metade desta quantia, enquanto a outra metade ficará suportada pelo Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância.
Macau, 13 de Março de 2014.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta) (Com a declaração de voto por entender que decaída a condenação do recorrente como reincidente, deveria ser a pena de prisão condenada reduzida por um mês de prisão.)



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