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Processo n.º 902/2012
(Recurso Contencioso)

Relator: João Gil de Oliveira
Data : 27/Março/2014


ASSUNTOS:
    
    - Recurso hierárquico
    - Natureza do recurso de actos praticados pela Exma Senhora Directora dos Serviços de Finanças em matéria fiscal relativa à Contribuição Predial Urbana

SUMÁRIO:
De um acto praticado pela Exma Senhora Directora de Finanças que indeferiu um pedido de anulação das liquidações de Contribuição Predial Urbana não cabe recurso hierárquico necessário para o Exmo Senhor Secretário para a Economia e Finanças.
              Relator,
João A. G. Gil de Oliveira

Processo n.º 902/2012
(Recurso Contencioso)

Data : 27 de Março de 2014

Recorrente: A (XXX)

Entidade Recorrida: Secretário para a Economia e Finanças

    
    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
    1. A, mais bem identificado nos autos,
    notificado pelo ofício n.º XX/NAJ/DM/2012, de 5 de Setembro, da Direcção dos Serviços de Finanças, do despacho do Exmo Senhor Secretário para a Economia e Finanças de 31 de Agosto de 2012 que lhe indeferiu o peticionado em sede de recurso hierárquico necessário, e não se podendo conformar com tal decisão,
    vem, ao abrigo do disposto no artigo 20.º do Código de Processo Administrativo Contencioso (doravante "CPAC"), conjugado com a subalínea (2) da alínea 8) do artigo 36.º da Lei n.º 9/1999 (com as alterações introduzidas pela Lei n.º 9/2004) e com o artigo 7.º da Lei n.º 15/96/M, de 12 de Agosto, interpor RECURSO CONTENCIOSO DE ANULAÇÃO, concluindo da seguinte forma as suas alegações facultativas:
1. É entidade recorrida o Senhor Secretário para a Economia e Finanças, que por despacho de 31/08/2012, indeferiu o recurso indeferiu c recurso hierárquico necessário interposto contra o despacho da Senhora Directora dos Serviços de Finanças, de 12/01/2012.
2. Advém a ilegalidade da falta de notificação ao recorrente dos actas de liquidação adicional da Contribuição Predial Urbana, relativos aos anos económicos de 2007 a 2009, do prédio urbano sito em Macau, na Avenida do Dr. XXX, n.º XX, RC, XXX, Edifício XX Garden, inscrito na matriz sob o n.º XXX-RC-XXX, no valor global de MOP1,095,253,00.
3. O recorrente foi notificado e pagou a Contribuição Predial Urbana de 2007 a 2009 no período normal de cobrança, de acordo com o disposto no artigo 94.º do RCPU.
4. Em Agosto de 2011 foram enviados ao recorrente 4 notificações para pagamento da CPU, alegadamente devida pelos anos económicos de 2007 a 2010.
5. O recorrente não foi notificado dos actos de liquidação adicional de CPU.
6. A administração fiscal não forneceu quaisquer elementos que permitam compreender a fundamentação dos actos de liquidação que antecederam a comunicação para o pagamento da CPU.
7. A administração fiscal apenas enviou ao recorrente meros avisos para pagamento da CPU.
8. O recorrente nunca se pronunciou no procedimento de 1.º grau, que culminou com o acto da DSF que liquidou adicionalmente a CPU.
9. A violação do direito de audiência do recorrente imposto pelos artigos 10.º e 93.º e seguintes, ambos do CPA, consubstancia vício de forma determinante da invalidade do acto recorrido, conducente à sua anulação.
10. A dispensa da audiência de interessados prevista no artigo 97.º do CPA exige uma decisão devidamente fundamentada nesse sentido.
11. Não existe no procedimento administrativo qualquer decisão que dispense a audiência de interessados e respectiva fundamentação, pelo que a decisão da entidade recorrida ofende a regra do artigo 97.º do CPA.
12. A administração fiscal carece de fundamento legal para remeter um simples aviso para pagamento da colecta resultante da liquidação adicional.
13. O acto de liquidação adicional não é alheio à fixação do rendimento colectável dos prédios urbanos - é subsequente a uma alteração do rendimento colectável da iniciativa da administração fiscal, estando sujeita à aplicação da regra do n.º 3 do artigo 24.º do RCPU.
14. A fixação do rendimento nos prazos normais é apurada de acordo com os valores constantes da matriz à data do último encerramento, sabendo o contribuinte antecipadamente qual o montante do rendimento colectável sobre o qual vai incidir a liquidação.
15. Quando a fixação do rendimento ocorre nos prazos normais o contribuinte acompanha todo o procedimento de fixação do rendimento colectável.
16. Quando a fixação do rendimento é feita fora do período normal do lançamento da CPU, independentemente do motivo que conduziu à fixação tardia desse rendimento, esse acto tem de ser notificado ao contribuinte.
17. Quando a fixação do rendimento é feita fora do período normal do lançamento da CPU o contribuinte não dispõe de nenhum elemento que lhe permita tomar conhecimento do rendimento sobre o qual vai incidir a taxa respectiva.
18. Quando a fixação do rendimento é feita fora do período normal do lançamento da CPU o contribuinte só toma conhecimento desse facto se lhe for dado conhecimento pela administração fiscal, mediante notificação.
19. As liquidações adicionais que sustentam a colecta apurada e antecederam a expedição do aviso para pagamento resultam da fixação de um rendimento colectável diverso do anteriormente apurado.
20. As liquidações adicionais são actos administrativos que condicionam o valor do imposto a pagar pelo contribuinte, produzindo efeitos jurídicos numa situação individual e concreta e sujeitos a notificação nos termos determinados pelo n.º 1 do artigo 97.º e do n.º 3 do artigo 24.º, ambos do RCPU, conjugado com os artigos 68.º e 70.º do CPA.
21. A Decisão recorrida admite a prolação de um acto de liquidação adicional sem que esse acto seja notificado de acordo com a regra do artigo 24.º do RCPU, consubstanciando uma errada interpretação e aplicação dessa norma e do 97.º do RCPU.
22. O artigo 97.º do RCPU impõe à administração fiscal a notificação do contribuinte, comunicação que tem de obedecer ao artigo 68.º do CPA, porque a liquidação adicional agrava a sua situação patrimonial, devendo conter os elementos previstos no artigo 70.º daquele Código.
23. O aviso para pagamento não permite ao contribuinte saber quem é o autor do acto, qual a data dessa decisão, qual a matéria colectável fixada pela Administração Fiscal e quais os critérios ou elementos que conduziram a esse apuramento.
24. A entidade recorrida conclui erradamente quanto á materialidade do contrato de arrendamento que sustenta a liquidação adicional, quando afirma que um empréstimo a terceiro constitui um rendimento pago ao recorrente.
25. Nos prédios arrendados a base tributável é a valor da soma das rendas efectivamente recebidas que no caso do ora recorrente se traduziram numa redução do seu valor pela outorga de um contrato misto, mediante o qual a retribuição devida, no âmbito de um contrato que se constituiu como misto de arrendamento e mútuo, se cifra em HKD8,000,00 mensais.
26. A Administração Fiscal ignorou toda a prova levada ao procedimento tributário importando um princípio de presunção de legalidade do acto tributário, ilegal à luz do Direito, que se traduz ao cálculo de imposto sem correspondência no facto tributário, com colecta que não se mostra devida.
27. A fundamentação aduzida pela entidade recorrida não se sustenta em prova mas em convicções (erradas), o que viola o artigo 87.º do CPA, para alem de colidir com o princípio da liberdade contratual expresso no artigo 399.º do Código Civil.
28. A inexistência de prova e de cumprimento do artigo 399.º do Código Civil torna o acto recorrido ilegal por vício de violação de lei.
29. Não consta do processo administrativo tributário relativo à matéria do presente recurso, junto aos presentes autos em 15/01/2013, o acto administrativo de fixação do rendimento colectável que sustente a emissão dos avisos para pagamento da CPU.
30. Não consta do processo administrativo tributário relativo à matéria do presente recurso, junto aos presentes autos em 15/01/2013, o acto administrativo de liquidação que sustente a emissão dos avisos para pagamento da CPU.
31. Não existe acto de fixação do rendimento colectável nem acto de liquidação adicional da contribuição predial urbana relativa aos anos de 2007 a 2010.
32. Não existe um acto proferido pela Directora dos Serviços de Finanças. ou por quem, ao abrigo de poderes delegados, detenha competência para a fixação do rendimento colectável e para a liquidação da CPU, c acto de apuramento do rendimento colectável, nem o acto de liquidação (adicional) antecedente à expedição ao recorrente dos avisos para pagamento.
33. A Administração Fiscal exteriorizou uma vontade com efeitos de facto lesivos da esfera jurídica do recorrente, sem emitir um acto que suporte a vontade exteriorizada.
34. O indeferimento, pela entidade recorrida, do pedido de revogação do acto de liquidação adicional inexistente, configura um acto nulo', por impossibilidade do seu objecto, de acordo com o disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 122.º do CPA.
35. Devendo ser declarada, nos presentes autos, a inexistência do [aparente] acto de liquidação adicional e a nulidade do acto recorrido que indeferiu o pedido de revogação desse acto [aparente], ao abrigo da alínea f) do n.º 2 do artigo 122.º do CPA.

Nestes termos requer:
a) seja declarada a inexistência do acto de liquidação adicional e, consequentemente, a nulidade do acto do Senhor Secretário para a Economia e Finanças, datado de 31 de Agosto de 2012, que indeferiu o pedido de revogação do aparente acto de liquidação adicional, subsequente ao acto aparente de determinação da matéria colectável, pedido que se fundamenta, de acordo com o artigo 21.º do CPAC, nas alíneas c) e f) do n.º 2 do artigo 122.º do CPA,
ou, caso assim não se entenda,
b) a anulação do acto do Senhor Secretário para a Economia e Finanças, datado de 31 de Agosto de 2012, pedido que se fundamenta, de acordo com o artigo 21.º do CPAC, em vício de violação de lei do artigo 97.º do CPA e em vício de forma por preterição da audiência do interessado, imposta pelo artigo 93.º do mesmo Código;
c) a anulação do acto do Senhor Secretário para a Economia e Finanças, datado de 31 de Agosto de 2012, pedido que se fundamenta, de acordo com o artigo 21. º do CPAC, em vício de violação de lei do n.º 3 do artigo 24.º e n.º 1 do artigo 97.º, do RCPU, e dos artigos 68.º e 70.º do CPA, por falta de notificação dos actos de liquidação adicional de CPU;
d) a anulação do acto do Senhor Secretário para a Economia e Finanças, datado de 31 de Agosto de 2012, pedido que se fundamenta, de acordo com o artigo 21.º do CPAC, em vício de violação de lei na vertente de erro sobre os pressupostos de facto, decorrentes da ausência de prova que contrarie o efectivo valor da renda e em vício de violação de lei por restrição ao princípio da liberdade contratual previsto no artigo 399.º do Código Civil.
    
    2. O Exmo Senhor Secretário para a Economia e Finanças contesta, sustentando, em sede de alegações facultativas:
    1. O recurso que ora se contesta tem por objecto o despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças de 31.08.2012 que indeferiu o recurso hierárquico necessário anteriormente interposto pelo recorrente.
    II. O recorrente para efeitos de sua defesa, invocou o seguinte: inexistência do acto de fixação do rendimento colectável e da liquidação adicional, erro sobre os pressupostos de facto, incumprimento do dever de notificação do rendimento colectável e preterição da audiência dos interessados.
    III. Em primeiro lugar, cabe destacar que se mantém tudo o que foi apontado na Contestação apresentada, bem como o que foi rematado na Informação n.º 353/NAJ/DM/2012 que sustentou o despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças, de 31.08.2012.
    IV. Além do incumprimento do dever de participação do arrendamento junto à Administração Fiscal, foi impossível apresentar recibos de rendas efectivamente pagas (realçando que é imposto aos particulares o dever de colaboração activa com a Administração), portanto, não existem provas que sustentem a veracidade das declarações do recorrente.
    V. Sublinha-se que a matéria colectável resultante das declarações do recorrente afastam significativamente para menos, sem razão justificada, o valor locativo do prédio.
    VI. Considerando que as declarações do recorrente (e também do arrendatário) apresentaram omissões, erros, inexactidões e indícios fundados que não reflectem a matéria tributária real do sujeito passivo, não há nenhuma razão convincente para os fazer valer, como também não há motivo atendível para que possa ser operado o efeito pretendido do recorrente.
    VII. O princípio do inquisitório tem a ver com os poderes e deveres de a Administração proceder às investigações necessárias ao conhecimento dos factos essenciais ou determinantes para a decisão, exigindo-se dela a descoberta e ponderação de todas as dimensões de interesses públicos e privados, que se liguem com a decisão a proferir - portanto, não é suficiente, como é óbvio, a documentação apresentada pelo recorrente para demonstrar a verdade alegada.
    VIII. O próprio contribuinte que prejudicou a Administração Fiscal na fixação do rendimento colectável das fracções em causa sob o valor das rendas e na observância de todos os trâmites e procedimentos de liquidação e cobrança da contribuição predial de prédios arrendados, pretende, agora, fazer valer uma norma que faz parte do tal procedimento (artigo 24.º do RCPU).
    IX. Dado que já saiu daquela fase e estamos perante uma fase em que foi detectada pela Administração Fiscal uma situação em que o recorrente não declarou, proceder-se à liquidação do tributo que for devido, como se prevê no n.º 1 do artigo 90.º do RCPU e, tendo em conta os procedimentos regulados pelo artigo 97.º do RCPU.
    X. Não é verdade o que o recorrente alegou que a Administração fiscal não forneceu quaisquer elementos que permitam compreender a fundamentação dos actos de liquidação adicional, pois, o recorrente teve conhecimento de que a liquidação adicional foi resultante do arrendamento existente, uma vez que foi assim notificado pelo Administração Fiscal
    XI. Os contribuintes têm direito à participação relativamente à fixação do rendimento colectável e não quanto à liquidação adicional - esta liquidação a que a Administração procedeu ocorre por motivo de o quantitativo cobrado não ter sido suficiente (in casu, por factos imputáveis ao próprio recorrente), daí não ser necessário proceder a uma nova fixação do rendimento colectável, pois a liquidação adicional teve por objecto os rendimentos do mesmo período relativos à liquidação primária.
    XII. Por inexistir erro nos pressupostos de facto e de direito, como também não existe qualquer violação da lei, que origem da liquidação adicional da Contribuição Predial Urbana, o acto administrativo em apreço não enferma de quaisquer vícios conducentes à sua anulabilidade.
    
    Termos em que se requer que o presente recurso seja declarado improcedente sendo, consequentemente, mantido o despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças, de 31 de Agosto de 2012, com as devidas consequências legais.
    
3. O Exmo Senhor Procurador Adjunto oferece o seguinte douto parecer:
    Assaca o recorrente ao acto - despacho do Secretário para a Economia e Finanças de 31/8/12 que, em sede de recurso hierárquico, manteve decisão do director dos Serviços de Finanças que indeferiu pedido de anulação de liquidações de Contribuição Industrial relativas aos anos de 2007 a 2010 de prédio seu, sito em Macau - vícios de forma por preterição de audiência do interessado e falta de notificação do rendimento colectável fixado pela A.F. em liquidação adicional e de violação de lei, por erro nos pressupostos e restrição ao princípio da liberdade contratual.
    Cremos não lhe assistir razão.
    Por partes:
    Como bem acentua a recorrida "A especialidade da relação jurídica tributária assinala-lhe características e confere-lhe um regime jurídico próprio, derrogante, em muitos aspectos, do regime da relação jurídica em geral".
    Na verdade, embora o direito de audiência constitua regra do procedimento administrativo comum, o certo é que, no que tange ao acto tributário, mais concretamente ao estabelecimento do imposto, a sua natureza especial e específica não se compadece com o cumprimento estrito de tal formalidade, impondo-se, por isso, uma disciplina e procedimentos específicos, já que, como a própria nomenclatura anuncia, aquela prestação pecuniária é "imposta" directamente pela lei, independentemente de manifestação de vontade do contribuinte, encontrando-se a Administração vinculada à obediência da regulamentação respectiva, relativamente a quem, quando e como tributar, sem prejuízo de, no desenvolvimento desses procedimentos assistirem aos contribuintes formas variadas de informação, colaboração e reacção, ao que acresce que se não compreenderia, em termos normais e naturais, a consulta prévia pretendida, face às centenas de milhares de liquidações a que, em cada ano fiscal, haverá que proceder (o chamado procedimento "em massa"), a tal entendimento se não opondo o facto e nos encontrarmos face a liquidação adicional, que, para todos os efeitos, continua a ter por objecto os rendimentos do mesmo período a que se reporta a liquidação primária, a qual não é revogada nem substituída, mas simplesmente complementada.
    No que tange à invocada violação do dever de notificação do rendimento colectável, limitar-nos-emos a remeter para recente acórdão deste Tribunal de 24/1/13, no âmbito do proc. 870/2012, referente a oposição de execução fiscal do aqui recorrente, relativamente à mesma dívida exequenda :
    "Ora bem. Em vez de batalhar contra a falta de notificação da liquidação, o que o recorrente pretende discutir é a falta de notificação da fixação do rendimento colectável. Mas, se assim é, foge-lhe a razão.
    Na verdade, o rendimento colectável fora fixado oportunamente nos termos dos arts. 83° e sgs. do RCPU, na sequência do que o recorrente efectuou o pagamento das contribuições respeitantes aos anos de 2007 a 2010. O que ao recorrente foi notificado foi o resultado de uma liquidação adicional ("fixação de rendimento" e "liquidação" são coisas distintas) em virtude do tardio conhecimento por parte da Administração (por omissão do próprio recorrente, que da locação não fez participação às Finanças) de que a fracção tinha sido dada de arrendamento.
    Pergunta-se então: teria a Administração que efectuar alguma outra notificação em junção do "novo" rendimento colectável? Foi violado o n.º 3, do art. 24° do RCPU?
    Em nossa opinião, o art. 24°, n.º 3 que o recorrente convoca não tem aplicação ao seu caso. Na verdade, todo o preceito parte da ideia de que ainda se está no âmbito de um procedimento de liquidação, diríamos "normal", assente na declaração do contribuinte, e que como se sabe é plurifaseado, sendo uma das fases, precisamente, a da fixação do rendimento colectável. Ora, o que o art. 24° prevê é, precisamente, a fase da determinação desse rendimento colectável, o qual, se em princípio deve estar apurado até 28/02 de cada ano (n.º 2), por outro qualquer motivo pode vir a ser" apurado" posteriormente, devendo então ser notificado ao contribuinte no prazo de 5 dias a contar da data da sua fixação (n.º 3). Portanto, o que este n'3 traz de novo não é a necessidade de notificação; o que ele ilumina é o prazo dentro do qual a notificação deve ser feita.
    O art. 24° trata, pois, da "fixação do rendimento colectável", isto é, da fase em que se efectua o cálculo do rendimento sobre o qual haverá de incidir o imposto a pagar. Isso, porém, já havia sido feito inicialmente neste caso concreto. Portanto, mostra-se inócuo o apelo a este dispositivo legal para dar cobertura à tese do recorrente.
    A liquidação adicional continua a ter por objecto os rendimentos do mesmo período a que se reporta a liquidação primária, que assim mesmo não é revogada, nem substituida, mas simplesmente desta é complemento. É esse, aliás, o fundamento da liquidação adicional:
    "A Administração, verificando que mercê de omissão foi definida uma prestação inferior à legal, fixa o quantitativo que a esta deve acrescer para que se verifique uma absoluta conformidade com a lei".
    Assim, não se tomava necessário proceder a nova fixação do rendimento colectável, nem consequentemente à sua notificação, mas simplesmente apurar o valor do imposto (acto de liquidação) face a estes novos elementos obtidos a partir do seu conhecimento oficioso.
    Esse apuramento foi feito e dele o recorrente foi notificado (fls. 35 a 38 dos autos), a fim de proceder ao pagamento no prazo de 20 dias, sob pena de relaxe. Tal é o que emana dos autos e o que o próprio recorrente confessa. O recorrente só não procedeu ao pagamento, por ter apresentado reclamação e recurso hierárquico em reacção à dita liquidação adicional (fls. 19 a 27), que como vimos não podiam ter o efeito suspensivo que o recorrente pensou que tivessem.
    Pelo que acaba de ser dito, tendo a Administração acatado correctamente o preceituado no art. 97º do RCPU - que, sem necessidade de socorro do CPA, manda apenas notificar o contribuinte para pagar o correspondente imposto derivado da liquidação adicional também o argumento lançado pelo recorrente a propósito da inexequibilidade tem que claudicar."
    Os termos do douto aresto em causa são claros e expressivos, nada tendo a acrescentar, no específico.
    Finalmente, para além de quer o visado, quer o arrendatário não terem logrado apresentar comprovativos válidos das alegações relativas ao valor efectivamente pago a título de rendas como forma de sustentar a veracidade do argumentado a tal propósito, a verdade é que o facto de o apelidado "contrato de redução de renda com mútuo" apresentado pelo recorrente estipular que o remanescente da renda HKD6.769.000,00 - será pago no prazo de 180 dias após a cessação do arrendamento, não altera o respectivo rendimento colectável, o valor da contribuição que o contribuinte tinha direito a receber pela cedência do uso e fruição do prédio ao arrendatário, alterando apenas a forma como o total das rendas foi amortizado, não se descortinando, pois, prova, por quem de direito, de que o rendimento colectável apurado não corresponda e reflicta o valor locativo real, factor de avaliação fiscal, até por comparação com os preços praticados em prédios similares, na mesma zona, valores que oscilando entre os HKD138.000,00 e HKD160.000,00, são dificilmente compagináveis com os HKD8.000,00 pretendidos pelo visado.
    Tudo razões por que, por não ocorrência de qualquer dos vícios assacados, ou qualquer outro de que cumpra conhecer, somos a entender não merecer provimento o presente recurso.

    4. A, notificado para se pronunciar a respeito do despacho de fls. 161, em que o relator do processo suscitou a questão relativa à irrecorribilidade do acto por inexistência de recurso hierárquico necessário, disse:
    1. Suscita V. Ex.ª a possibilidade do acto recorrido ter sido proferido no âmbito de um recurso hierárquico facultativo, ao invés de decorrer de recurso hierárquico necessário, nos termos notificados ao ora recorrente pela entidade recorrida.
    2. Para tanto, é expressa por V. Ex.ª uma possível interpretação jurídica mediante a qual o artigo 2.º da Lei n.º 12/2003, pelo seu carácter de generalidade, não poderia revogar tacitamente o disposto em leis especiais, consubstanciadas nos vários Regulamentos Fiscais em vigor na Região, em especial em matéria de Contribuição Predial Urbana, mantendo-se, por esta leitura da lei, as competências e os meios de impugnação resultantes do respectivo Regulamento, interpretação esta com acolhimento no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 15/96/M, de 12 de Agosto.
    3. A questão suscitada por V. Ex.ª é da maior pertinência à luz dos n.ºs 2 e 3 do artigo 6.º do Código Civil, onde se dispõe sobre a impossibilidade de uma lei geral revogar uma lei especial, excepto se essa for a vontade inequívoca do legislador, de essa revogação declarar de declaração expressa, de incompatibilidade entre as novas disposições e as que as precederam ou de a lei nova regular toda a matéria da lei anterior.
    4. Neste sentido, e salvo melhor opinião, cremos que efectivamente o artigo 2.º da Lei n.º 12/2003, apesar de apresentar uma redacção infeliz de acordo com as regras da melhor legística, expressa a vontade inequívoca do legislador em alterar o regime de competências de todos os Regulamentos Fiscais da Região, para além de alterar as vias de impugnação dos actos tributários proferidos ao abrigo dessas competências, numa conformação legal manifestamente incompatível com o que resulta desses mesmos Regulamentos.
    5. Com efeito, a norma em análise é extremamente directa, porquanto a sua epígrafe se reporta a "Competências em matéria fiscal", o que determina desde logo o carácter generalista que se pretendeu atribuir por forma a alterar de forma abrangente o regime fiscal tributário.
    6. E, por isso, o n.º 1 do artigo 2.º elenca expressamente quais as competências em causa, os seus variados detentores e, finalmente, a entidade a quem essas mesmas competências passam a estar exclusivamente atribuídas.
    7. Ou seja: independentemente do que os Regulamentos Fiscais dissessem, o legislador pretendeu que todas as competências que se prendessem com lançamento, liquidação, fixação, notificação e aplicação de penalidades dispersas, nesses Regulamentos, em favor do chefe da Repartição de Finanças de Macau e do chefe do Departamento de Auditoria, Inspecção e Justiça Tributária, ficassem unicamente atribuídas ao director dos Serviços de Finanças.
    8. E tais foram as cautelas para que assim acontecesse que, no sentido de não permitir que ficassem excluídas algumas dessas competências, o legislador do artigo 2.º da Lei n.º 12/2003 refere-se não só às competências derivadas dos Regulamentos Fiscais mas, também, àquelas que derivavam, de forma implícita, da Lei Orgânica da DSF (Decreto-Lei n.º 30/99/M, de 5 de Julho), porquanto deste diploma resultam situações em que as chefias das referidas subunidades da Direcção dos Serviços de Finanças se podiam arrogar de uma competência conjunta para a prática do mesmo acto tributário (cfr. artigos 11.º, 12.º, 13.º, 23.º e 26.º).
    9. Dado este passo, entendeu o legislador que seria necessário (re)organizar todo o sistema de impugnações administrativas dos diferentes Regulamentos fiscais porquanto, naturalmente, concentradas as competências no director dos Serviços de Finanças, não faria sentido que do exercício das mesmas coubessem reclamações para outras entidades que não fosse o próprio autor do acto.
    10. Deste regime de impugnação em primeiro grau ficaram excluídas todas aquelas que se referissem a reclamações contra a determinação da matéria colectável, que se manteve em comissões especialmente vocacionadas para o efeito, normalmente designadas por "Comissões de Revisão".
    11. Instituiu de seguida o legislador que da decisão proferida pelo director dos Serviços de Finanças em reclamação, coubesse recurso hierárquico para o Chefe do Executivo, que expressamente qualificou como necessário.
    12. O motivo pelo qual o fez só pode ser um: o artigo 5.º da Lei 15/96/M, de 12 de Agosto determina que são facultativos os recursos hierárquicos interpostos para o Chefe do Executivo, excepto em caso de menção expressa em contrário. Donde, entende o recorrente, que houve por parte do legislador uma vontade manifesta em que dúvidas não subsistissem, fazendo menção expressa que o recurso hierárquico pretendido tem natureza necessária e nunca facultativa, atento o grau de generalidade que pretendeu alcançar.
    13. A título de exemplo, quanto à impugnação de primeiro grau, temos todo o Capítulo VIII do Regulamento do Imposto Profissional (RIP) o qual, no artigo 76.º, como norma genérica, permitia uma garantia graciosa de reclamação, dirigida ao chefe do Departamento de Auditoria, Inspecção e Justiça Tributária, com posterior recurso para o Chefe do Executivo, a coberto do artigo 78.º.
    14. No entanto, o artigo 79.º do mesmo Regulamento contém normas especiais relativas à fixação da matéria colectável, atribuindo a competência para a apreciação das reclamações à Comissão de Revisão.
    15. Da aplicação prática da intenção do legislador expressa no artigo 2.º da Lei 12/2003, resulta que a leitura do artigo 76.º como regra geral de impugnação, admite uma reclamação para o director dos Serviços de Finanças e, em segundo grau, um recurso hierárquico necessário dirigido ao Chefe do Executivo.
    16. Já as competências para apreciar, em primeiro grau, a reclamação da fixação da matéria colectável manteve-se inalterada e sem que se aplicasse o regime do recurso hierárquico para o Chefe do Executivo, porquanto das deliberações da Comissão de Revisão cabe recurso contencioso imediato para o Tribunal Administrativo (cfr. artigo 83.º do RIP).
    17. No entanto, em casos como o que constituiu o acto recorrido, sujeitos ao regime da Contribuição Predial Urbana (CPU), a questão é substancialmente distinta.
    18. Como bem se sabe, o Regulamento da Contribuição Predial Urbana (RCPU) disciplina um imposto sujeito, na sua maior parte, à expressão de um rol nominativo materializado nas matrizes prediais, o que conduz a que a matéria colectável deva ser impugnada sobre o valor das mesmas.
    19. De tal forma que em matéria de reclamações, incluindo aquelas que se aplicam à fixação do rendimento colectável, o RCPU determinava, em norma genérica, a reclamação dirigida ao chefe da Repartição de Finanças (artigo 116.º), cabendo da decisão proferida em primeiro grau de impugnação recurso hierárquico para o Chefe do Executivo.
    20. Mesmo em matéria de fixação do rendimento colectável, pese embora se lhe conferisse um regime procedimental específico, a competência para a sua apreciação cabia ao director dos Serviços de Finanças, ao invés de, como acontece no RIP, se colocar essa competência em Comissões de Revisão.
    21. Donde, e mais uma vez aplicando o artigo 2.º da Lei n.º 12/2003, na Contribuição Predial Urbana todas as competências ficaram, efectivamente, concentradas no director dos Serviços de Finanças (excluídas as de avaliação de imóveis) dos seus actos cabendo recurso hierárquico necessário para o Chefe do Executivo.
    22. Dados estes dois exemplos em que as situações são distintas, parece-nos possível tirar desde já uma conclusão; o legislador da Lei n.º 12/2003 pretendeu, efectivamente, abranger todos os impostos em vigor na Região, e não apenas aqueles que foram alterados pelos artigos 1.º e 6.º (RIP e RICR).
    23. Ou seja, quanto a estes dois impostos não havia necessidade de incluir competências no director dos Serviços de Finanças relativas à fixação e liquidação, porquanto as mesmas estão cometidas a Comissões especialmente criadas para o efeito.
    24. Enquanto nos restantes Regulamentos (Imposto do Turismo, Contribuição Industrial e Contribuição Predial Urbana) a competência para a fixação e liquidação se encontravam cometidas a chefias de subunidades específicas.
    25. Constituem excepção ao regime instituído pelo artigo 2.º da Lei n.º 12/2003 os Regulamentos do Imposto do Selo e do Imposto sobre Veículos Motorizados os quais, em virtude da vontade de concentração de competências no director dos Serviços de Finanças com recurso hierárquico necessário para o Chefe do Executivo, apresentavam já essa solução por via das alterações que entretanto sofreram em 2001 e 2002, respectivamente.
    26. Aliás, em reforço da posição que temos vindo a desenvolver no sentido de que o legislador pretendeu, de forma inequívoca, alterar o regime de impugnação de todos os Regulamentos Fiscais da Região temos, desde logo, as delegações de competências realizadas pelo director dos Serviços de Finanças, antes e depois da entrada em vigor da Lei n.º 12/2003, que ocorreu no dia 1 de Outubro de 2003, nos termos do seu artigo 6.º.
    27. Se verificarmos o teor do Despacho n.º 27/DIR/20G1, publicado no Boletim Oficial n.º 31, II Série, de 1 de Agosto, páginas 3740 e 3741, encontramos uma delegação de competências em matéria fiscal, no âmbito dos mais variados impostos, na subdirectora que tutelava esta área.
    28. No entanto, o Despacho n.º 30/DIR/2003, publicado no Boletim Oficial n.º 42, II Série, páginas 5353 a 5354, determina a delegação efectuada pelo director dos Serviços de Finanças na mesma subdirectora (responsável pela área fiscal) onde expressamente se refere, no n.º 1, que as mesmas constituem uma delegação das competências próprias do director tal como conferidas no n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 12/2003.
    29. Ademais, o n.º 4 deste último Despacho vem ratificar todos os actos praticados pela referida subdirectora entre o dia 1 de Outubro de 2003 e a data da sua publicação. Dia 1 de Outubro de 2003 que, relembre-se, coincide exactamente com o da entrada em vigor da Lei n.º 12/2003.
    30. A consistência das delegações de competências, desde essa data, tem sido permanente dando-se, a título de exemplo, os Despachos n.º 21/DIR/2007, publicado no Boletim Oficial n.º 30, II Série de 25 de Julho, páginas 6165 e 6166 e o Despacho n.º 2/DIR/2011, publicado no Boletim Oficial n.º 3, II Série, de 19 de Janeiro, páginas 601 e 602.
    31. Nesta sequência, todas as notificações efectuadas pela Direcção dos Serviços de Finanças nesta última década, relativas a actos proferidos no âmbito das competências e meios de impugnação em matéria fiscal, têm observado escrupulosamente o conteúdo dos n.ºs 1, 2 e 3 do artigo 2.º da Lei n.º 12/2003, da mesma forma que esse Venerando Tribunal tem vindo a decidir, desde então, em diversos contenciosos em matéria fiscal, sobre recursos jurisdicionais de actos administrativos proferidos pelo Senhor Secretário para a Economia e Finanças decidindo em recurso hierárquico necessário, tal como o qualifica o n.º 3 da citada norma e diploma - vide, em especial sobre Contribuição Predial Urbana, os Acórdãos proferidos nos processos n.ºs 588/2007, de 22/11/2012, 295/2010, de 17/11/2011 e 327/2004, de 9/12/2005 e, em geral, nos processos n.ºs 767/2011, de 7/02/2013 e 172/2012, de 28/02/2013.
    32. Finalizando, compreende-se a dúvida suscitada no Douto Despacho de V. Ex.s, mas entende-se defensável a posição que o recorrente ora manifesta, no sentido de se dever considerar que o acto recorrido foi proferido no âmbito de um recurso hierárquico necessário, tendo em especial atenção o que dispõe o n.º 3 do artigo 6.º do Código Civil, na medida em que se reputa como evidente ter sido intenção inequívoca do legislador alterar, através do artigo 2.º da Lei n.º 12/2003, toda a matéria de competências e de impugnação em matéria fiscal na globalidade do sistema tributário da Região.
    33. Nestes termos devem os presentes autos prosseguir, por inexistirem motivos conducentes à sua rejeição.

    5. O Exmo Senhor Secretário para a Economia e Finanças, entidade recorrida, a respeito da mesma questão, suscitada no despacho de fls. 161, veio dizer:
    1. Devido ao tardio conhecimento (causado pela não participação do facto pelo contribuinte conforme exposto no artigo 17.º do RCPU) da Administração Fiscal sobre a existência de um contrato de arrendamento da fracção XXX-RC-XXX celebrada em 2007, procedeu o órgão competente, em 2011, às liquidações adicionais em causa, por força do artigo 90.º do RCPU.
    2. De realçar, o referido facto apenas chegou ao conhecimento da Administração Fiscal através da entrega da declaração de rendimentos modelo Mil pelo arrendatário (enquanto contribuinte de Imposto Complementar de Rendimentos) juntamente com a cópia do contrato de arrendamento (para efeitos de consideração de custos suportados no exercício da actividade).
    3. Quanto às liquidações adicionais em causa, o recorrente apresentou reclamação sobre elas, nos termos do artigo 116.º do RCPU.
    4. Antes de mais, é de sublinhar que, não obstante estarmos no âmbito de contribuição predial urbana, pelo que à partida parece que o diploma apropriado ao caso é o respectivo RCPU, destaca-se que, deve, em simultâneo, ter-se em conta dois outros diplomas legais - a Lei n.º 15/96/M e a Lei n.º 12/2003 - principalmente na matéria em que foi por estes alterados.
    5. Assim sendo, o n.° 2 do artigo 116.° do RCPU deve ser interpretado juntamente com o artigo 4.° da Lei n.º 15/96/M (passando, assim, o prazo de reclamação de dez dias para quinze dias).
    6. Relativamente a quem é dirigida a reclamação (n.º 1 do artigo 116.° do RCPU) esta matéria também foi alterada pelo n.º 2 do artigo 2.° da Lei n.º 12/2003.
    7. Trata-se aqui de uma reclamação sobre o acto de liquidação, compete assim à Directora dos Serviços de Finanças apreciá-la (o que foi o caso - vide informação n.º 00 l/RFM/2012, de 05.01.2012).
    8. Entretanto, estabelece o n.º 1 do artigo 117.° do RCPU que "da decisão proferida em reclamação graciosa, cabe recurso para o Governador" (de acordo com o anexo IV à Lei n.º 1/1999, a designação "Governador" deve ser interpretada como Chefe do Executivo da RAEM).
    9. Por conseguinte, pergunta-se: Da decisão da reclamação - sobre o acto de liquidação - caberá recurso hierárquico necessário ou facultativo?
    10. Como consabido, "o recurso é necessário ou facultativo, consoante o acto a impugnar seja ou não insusceptível de recurso contencioso" (n.º 1 do artigo 154.° do CPA).
    11. Ou seja, o recurso hierárquico é necessário quando o acto do subalterno é insusceptível de recurso contencioso, por não ser definitivo verticalmente. Ao passo que, quando o acto do subalterno é susceptível de recurso contencioso imediatamente, o recurso hierárquico diz-se facultativo.
    12. Assim sendo, cabe neste momento aferir se o acto de liquidação é um acto definitivo ou não.
    13. Decorre do artigo 1.º da Lei n.º 15/96/M o seguinte:
"Artigo 1.º
(Actos impugnáveis)
    1. São equiparados a actos administrativos definitivos e executórias, para efeitos de impugnação administrativa nos termos previstos nas leis e regulamentos fiscais, quaisquer actos ou vias de facto praticados pela Administração em matéria fiscal que tenham por efeito:
    a) Manifestar uma decisão sobre quaisquer pretensões formuladas pelos contribuintes;
    b) Impor deveres, sujeições ou sanções, ou causem prejuízos;
    c) Extinguir ou diminuir direitos ou interesses legalmente protegidos, ou que de algum modo afectem as condições do seu exercício.
    2. (…)"
    14. Da leitura desta norma, pareceria que a solução prende-se com o que se deve considerar o presente caso enquadrado na alínea b) do n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 15/96/M; portanto, sendo um acto administrativo definitivo e executório, é desde logo impugnável contenciosamente.
    15. Esta solução poderia parecer acertada. O acto de liquidação (em especial, a liquidação adicional e oficiosa) é considerado como definitivo e executório, uma vez que o subalterno tem competência própria e exclusiva por lei - assim como está conforme o n.º 1 do artigo 2.° da Lei n.º 12/2003 "as competências para lançamento, liquidação, fixação, notificação e aplicação de penalidades que, nas leis ou regulamentos fiscais, se encontram atribuídas ao chefe do Departamento de Auditoria, Inspecção e Justiça Tributária e ao chefe da Repartição de Finanças de Macau, seja directamente seja por, em virtude das leis orgânicas da Direcção dos Serviços de Finanças, lhes terem sido atribuídas implicitamente, são atribuídas ao director dos Serviços de Finanças." (sublinhado nosso)
    16. Aliás, é de igual modo postulado nos outros regulamentos fiscais, vide por exemplo, entre outros, artigo 31.° do Regulamento do Imposto Profissional, artigo 49.° do Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos e artigo 18.° do Regulamento do Imposto sobre Veículos Motorizados.
    17. A partir do que ficou dito, pareceria lógico concluir que da decisão da reclamação sobre o acto de liquidação não caberá recurso hierárquico necessário, mas sim e somente recurso hierárquico facultativo.
    18. Todavia, o n.º 3 do artigo 2.° da Lei n.º 12/2003 estabelece que da reclamação cabe recurso hierárquico necessário - eis aqui a "menção expressa em contrário" referida no artigo 5.° da Lei 15/96/M ("Salvo menção expressa em contrário, são facultativos os recursos hierárquicos interpostos para o Governador, nos termos previstos nas leis e regulamentos fiscais." - sublinhado nosso).
    19. Além disso, ao abrigo do critério da posterioridade - princípio lex posterior derogat legi priori - aplica-se a mais recente, ou seja, mais uma vez conduz-se à aplicação do n.º 3 do artigo 2.° da Lei n.º 12/2003 no presente caso.
    20. Ora, bem como acontece nos efeitos do recurso hierárquico. Como consabido no recurso hierárquico necessário a regra geral é efeito suspensivo da eficácia do acto administrativo, ainda assim, existem excepções, precisamente, quando a lei disponha em contrário.
    21. Portanto, é de salientar que o facto de se concluir que no caso o recurso tem apenas efeito meramente devolutivo, não significa que se está perante a espécie ou no âmbito de recurso hierárquico facultativo, o mesmo se diga que estar perante um recurso hierárquico necessário não significa que este tem, de maneira certa, efeito suspensivo (pois existem as ditas excepções).
    22. Ou seja, em termos excepcionais, pode não ser através dos efeitos dos actos administrativos (suspensivo ou devolutivo) que se determina ou se deduz que um recurso hierárquico é necessário ou facultativo e vice-versa.
    23. No presente caso o próprio RCPU no seu artigo 120.° veda o efeito suspensivo da reclamação ou do recurso, estabelecendo o efeito meramente devolutivo - aliás manifestamente é esta ainda a intenção do legislador, visto a mesma matéria não ter sido alterada pelas leis mais recente (a Lei n.º 15/96/M e a Lei n.º 12/2003) em que, por outro lado, houve alterações, por exemplo, em matérias de prazos e nas competências em matéria fiscal.
    24. À cautela, analisa-se de seguida mais pormenorizadamente o artigo 2.° da Lei n.º 12/2003, para demonstrar que o aludido artigo é aplicável ao presente caso.
    25. As questões que ora se colocam são estas: Quais serão então os poderes funcionais que o n.º 1 do artigo 2.° da Lei n.º 12/2003 determinou ao Director dos Serviços de Finanças? Portanto, qual será o campo da actividade definida no referido preceito legal?
    26. Em primeiro lugar, chama-se a atenção de que a norma inicia-se por "As competências ...", logo, trata-se de mais do que uma competência. Para já, afasta-se a ideia de que o preceito diz respeito apenas a penalidades. Caso contrário, a respectiva palavra não estaria no plural. Por outro lado, também não faria sentido em falar de "lançamento de penalidades" ou de "liquidação de penalidades" nem de "fixação de penal idades", uma vez que e,
    27. Em segundo lugar, destaca-se que, nesta norma que determina as competências em matéria fiscal, evidentemente que quando o legislador fala de "lançamento" refere-se a lançamento do imposto, bem como na "liquidação" refere-se de liquidação do imposto. Por sua vez, a "fixação" refere-se obviamente a fixação do rendimento colectável. A notificação é atinente também a assuntos fiscais. E, por fim, a "aplicação de penalidades", obviamente é no domínio da chamada "determinação da medida da pena" quando for verificado, pela Administração Fiscal, situações de incumprimento de deveres fiscais acessórios (por exemplo, a falta de apresentação ou participação dos contratos de arrendamentos).
    28. Sendo assim e, em terceiro lugar, sublinha-se que na epígrafe do aludido artigo lê-se "Competências em matéria fiscal", ora, cremos que é peremptório afirmar que a liquidação adicional de contribuição predial urbana (matéria que se trata no caso em apreço) é matéria fiscal.
    29. Neste contexto, bem podemos afirmar que o Director dos Serviços de Finanças é competente para lançar o imposto, liquidar o imposto, fixar o rendimento colectável, notificar aos contribuintes sobre os assuntos fiscais e aplicar multas devido às infracções previstas nos regulamentos fiscais.
    30. Entretanto, não cabe aferir a idoneidade das alterações introduzidas pelo legislador na Lei n.º 12/2003, certo é que actualmente esta é a intenção inequívoca do legislador. Como tal, e sendo que a Administração Fiscal, bem como todos os órgãos administrativos, está sujeita ao Princípio da legalidade - é a lei que estabelece se da decisão da reclamação cabe recurso hierárquico necessário - tem o dever de informar o contribuinte do respectivo meio de reacção disposto pela lei ao caso concreto.
    31. Assim, e concluindo, o n.º 3 do artigo 2.° da Lei n.º 12/2003 é o normativo com a aplicação directa in casu. Isto é, da decisão da reclamação cabe recurso hierárquico necessário, e, no entanto, consoante o artigo 120.° do RCPU o respectivo recurso tem efeito meramente devolutivo.
    
    
6. Sobre a mesma questão o Exmo Senhor Procurador Adjunto pronuncia-se:
    Compreendendo as dúvidas suscitadas no douto despacho constante de fls. 180, somos a concordar, de forma geral, com o entendimento assumido sobre a matéria, quer pelo recorrente, quer pela entidade recorrida, no sentido de o art° 2° da Lei 12/2003 (a nosso ver, desde já aplicável à situação) expressar a vontade inequívoca do legislador em alterar o regime de competências de todos os regulamentos fiscais da Região, assegurando que os actos que se prendam com o lançamento, liquidação, fixação, notificação e apreciação de penalidades dispersas nesses regulamentos em favos do chefe da Repartição de Finanças e do chefe do Departamento de auditoria, Inspecção e Justiça Tributária, serem unicamente atribuídos ao director dos Serviços de Finanças.
    E, dada essa concentração de competências, entendeu, do mesmo passo, (como, aliás, não podia deixar de ser), o legislador alterar as vias de impugnação dos actos tributários, por vezes, porventura ao arrepio ou em incompatibilidade com o que resultava de alguns desses regulamentos, prevendo-se, em regime de impugnação em 1 ° grau a reclamação para o director de serviços, excepto em domínio atinente à fixação da matéria colectável, onde se manteve a competência das Comissões de Revisão, nos casos em que se previa a reclamação para os mesmos.
    Aqui chegados, o conteúdo do n° 3 do normativo a que nos vimos reportando mostra-se inequívoco, no sentido de da decisão do director dos Serviços de Finanças em sede de reclamação graciosa caber recurso hierárquico necessário para o Chefe do Executivo.
    Nestes parâmetros, tratando-se, no caso, efectivamente de decisão em representação do Chefe do Executivo, em sede de apreciação hierárquica de indeferimento pela directora dos S.F. de reclamação sobre actos de liquidação de Contribuição Predial Urbana relativa aos anos de 2007 a 2010, somos a entender tratar-se de acto recorrível, pelo que se mantém, na íntegra, o conteúdo do entendimento assumido no "Parecer" constante de fls. 154 a 159 sobre o mérito da causa.

    
    7. Foram colhidos os vistos legais.
    
    III - FACTOS
    Com pertinência, têm-se por assentes os factos seguintes:
    O Exmo Senhor Secretário para a Economia e Finanças, por despacho de 31/08/2012, indeferiu o recurso hierárquico necessário interposto contra o despacho da Senhora Directora dos Serviços de Finanças, de 12/01/2012.
    O despacho ora impugnado assumiu a forma de "Concordo com o parecer, indefiro o respectivo recurso", apropriando-se assim da fundamentação de facto e de direito constante da informação n.º 353/NAJ/DM/2012, de 11/07/2012, tudo como melhor se extrai do ofício n.º 225/NAJ/DM/2012, de 5/09 - Documento 1 que ora se dá aqui por reproduzido.
    O despacho proferido concretizou o indeferimento do pedido de anulação das liquidações de Contribuição Predial Urbana relativas aos anos económicos de 2007 a 2010, do prédio urbano sito em Macau, na Avenida do Dr. XXX, n.º XX, RC, XXX, Edifício XXX, inscrito na matriz sob o n.º XXX-RC-XXX, no valor global de MOP 1,095,253,00.
    
    IV - FUNDAMENTOS
    
    1. Está em causa o pedido de anulação das liquidações de Contribuição Predial Urbana relativas aos anos de 2007 a 2010.
    Vem oficiosamente suscitada nos autos, pelo juiz relator, uma questão que se configura como prévia e cujo conhecimento obsta ao conhecimento do mérito do presente recurso contencioso, qual seja a de saber se, no caso, o acto da Exma Senhora Directora de Finanças estava sujeito a recurso hierárquico necessário para o Exmo Senhor Chefe do Executivo, ou se, ao invés, dele cabia imediato recurso contencioso, o que, assim sendo, determina a intempestividade do presente recurso.
    
    2. Fizeram-se diligências no sentido de apurar qual o exacto alcance da Lei n.º 12/2003, em particular, pediram-se as actas relativas aos trabalhos preparatórios e aos pareceres que a informaram.
    
    3. Ouvidas as partes intervenientes, todos se pronunciam por uma situação de recurso hierárquico necessário, no que são secundados pelo Digno Magistrado do MP.
    
    4. Regista-se o entendimento recentemente consagrado nesta instância nos processos n.ºs 272/2013, de 28/11/13, 20/2013, de 16/01/2014 e 51/2013, de 13/2/2014 deste TSI, e que vão no sentido de se entender que o artigo 2º da Lei n.º 12/2003, na esteira do que se adivinhava, aquando da decisão proferida no processo n.º 870/2012, apenas se aplica ao Imposto Profissional e Complementar de Rendimentos, desde logo vista a sua inserção sistemática.
    
    5. Importará primeiramente fazer uma breve referência quanto às regras da interpretação das normas fiscais.
    Dada a natureza e as características das normas fiscais, coloca-se a questão da existência de uma doutrina específica para a interpretação dessas normas, na ausência de normas interpretativas privativas do direito fiscal.
    Muito resumidamente se dirá que os princípios in dubio contra fiscum (na dúvida, em sede de prova, contra o fisco) e odiosa restringenda (interpretação restritiva por odiosas as leis da tributação) emergentes de ideias erigidas em defesa dos particulares contra a arbitrariedade dos poderes públicos, bem como o princípio in dubio pro fisco, emergente de uma ideia de que os poderes públicos seriam sempre os mais representativos do interesse geral, traduzem concepções que se encontram já hoje ultrapassadas.
    Pode colher-se com alguma consistência a ideia de que igualmente os princípios interpretativos parcelares baseados nas doutrinas da interpretação literal, funcional ou económica não bastam para responder às dificuldades que se colocam no âmbito do direito fiscal, donde se estabeleceu o consenso de que uma solução de equilíbrio plasmada nas regras gerais da interpretação das normas, tal como decorre entre nós do artigo 8º do Código Civil, é a que melhor tutela os vários interesses em presença.1
    Tal não significa que se desprezem, tal como decorre daquela norma geral, os princípios próprios do direito fiscal decorrentes da natureza v.g. das isenções tributárias, benefícios e isenções fiscais, seja para restringir, seja para permitir a interpretação extensiva.23
     No direito fiscal o preceito fundamental de hermenêutica jurídica radica basicamente no art. 8º do Código Civil4 e na interpretação da lei, tal como determina tal norma do Código Civil, o intérprete
    
    “(…) não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”
  
  
   6. Tal como se frisou no processo n.º 272/2013 “No que diz respeito ao título da respectiva lei (n.º 12/2003), a supracitada lei foi elaborada no sentido da alteração dos «Regulamento do Imposto Profissional» e «Regulamento do Imposto Complementar de Rendimento».
  Por outro lado, independentemente do parecer quanto à apreciação do respectivo projecto da lei pela Primeira Comissão Permanente da Assembleia Legislativa ou, da acta da aprovação da lei na especialidade em plenário (vd. fls. 215 a 304 dos autos), não se verificou neles que o legislador pretendesse alterar a disposição geral de impugnação administrativa estipulada no art.º 5.º da Lei n.º15/96/M, ou seja a intenção de alterar “salvo menção expressa em contrário, são facultativos os recursos hierárquicos interpostos para o Governador, nos termos previstos nas leis e regulamentos fiscais”. Pelo contrário, o proponente do referido projecto da lei (Administração) frisou por várias vezes que o respectivo projecto de lei visa alterar os «Regulamento do Imposto Profissional» e «Regulamento do Imposto Complementar de Rendimento».”
    
    7. Feito este enquadramento, somos a acompanhar o que foi decidido nos supracitados processos n.º 20/2013 e 272/2013, ao considerar-se que o disposto no artigo 2º da Lei n.º 12/2003 rege apenas para o Imposto Profissional e Complementar de Rendimentos, não havendo lugar, no presente caso, a recurso hierárquico necessário do despacho da Exma Senhora Directora dos Serviços de Finanças para o Exmo Senhor Secretário para a Economia e Finanças.
    
    Trata-se de matéria sensível e controvertida e que deve merecer, porventura, uma definição jurisprudencial ao mais alto nível ou uma intervenção legislativa, clarificando a unificação de critérios.
    
    Damos aqui por reproduzida, com a devida vénia, a argumentação ali expendida:
    “O problema equacionado consiste em saber se o acto impugnado nos presentes autos é recorrível contenciosamente. Parece-nos que não, pelo que se dirá.
    Atente-se, em primeiro lugar, no que prescreve o diploma atinente especificamente ao imposto que aqui está em discussão, o imposto de selo. O art. 91º da Lei nº 17/88/M, de 27 de Junho, com as alterações introduzidas pelas Leis nº 4/2009 e 4/2001, que aprova o Regulamento do Imposto do Selo, diz textualmente que:
    «1. É garantido ao contribuinte recurso contencioso com fundamento em ilegalidade, contra a liquidação do imposto, as multas aplicadas e demais actos definitivos e executórios.
    2. Em todas as matérias relativas ao recurso contencioso observa-se, com as necessárias adaptações, o disposto no Regulamento da Contribuição Industrial, aprovado pela Lei n.º 15/77/M, de 31 de Dezembro».
    Pois bem. Não obstante não ser este dispositivo legal um arquétipo de perfeição normativa, dá-nos ele, porém, logo nota no nº1 que todos os actos que liquidem imposto profissional são sujeitos a recurso contencioso imediato, por serem “definitivos” e “executórios”.
    Claro, poderá dizer-se que esse nº1 não é bem ajustado à hipótese sub judice, já que se não trata da “liquidação do imposto profissional”, mas de liquidação oficiosa. Pois bem. Admitindo em abstracto que a intenção do legislador possa ter sido diferente consoante as ditas hipóteses, vejamos se o quadro legal modifica a estatuição.
    Olhemos, então, para o art. 92º do mesmo diploma (Regulamento do Imposto de Selo ou RIS):
    Artigo 92.º
    1. A reclamação de actos de liquidação oficiosa ou adicional de imposto do selo sobre transmissões de bens imóveis, nos termos do capítulo XVII, quando fundamentada em discordância com o valor atribuído à transmissão, é obrigatoriamente dirigida à Comissão de Revisão.
    2. A reclamação referida no número anterior deve ser apresentada na Repartição de Finanças de Macau no prazo de 15 dias contados da notificação da liquidação.
    3. Das deliberações da Comissão de Revisão cabe recurso contencioso imediato nos termos gerais.
    
    Ora, este artigo trata da reclamação de actos de liquidação adicional ou oficiosa, para afirmar duas coisas:
    a) Se a reclamação se funda na discordância com o valor atribuído à transmissão, ela é dirigida à Comissão de Revisão. Nesse caso, a reclamação tem efeito suspensivo, tal como promana do art. 96º do diploma, sendo certo que da deliberação da Comissão “caberá recurso contencioso imediato nos termos gerais” (art. 92º, nº3). É bom de ver que estas disposições estão perfeitamente em linha com o preceituado no art. 150º do CPA, segundo o qual “a reclamação de acto de que não caiba recurso contencioso tem efeito suspensivo…”.
    b) A contrario, se a reclamação tiver qualquer outro fundamento, então ela deixa de ser obrigatoriamente dirigida à Comissão de Revisão e perde o efeito suspensivo. O mesmo é dizer, a reclamação é facultativa e a decisão que vier a ser tomada não é impugnável contenciosamente, porque o acto definitivo é, precisamente, o acto de liquidação oficiosa administrativamente impugnado.
    Temos assim que, no caso vertente, o Regulamento do Imposto de Selo dá a solução para a “vexata quaestio”, uma vez que a reclamação se não deveu à discordância relativamente ao valor atribuído à transmissão, nem foi dirigida à Comissão de Revisão.
     *
    Para quem entenda que isto não basta, importa recuar ao citado artigo 91º do RIS, desta vez ao nº2, segundo o qual “Em todas as matérias relativas ao recurso contencioso observa-se, com as necessárias adaptações, o disposto no Regulamento da Contribuição Industrial, aprovado pela Lei n.º 15/77/M, de 31 de Dezembro”.
    Dá para sentir a “mens legis”, o espírito do legislador! Ele quis que, tirando o caso excepcional previsto no art. 92º, a matéria do recurso contencioso observasse aquilo que está previsto no Regulamento da Contribuição Industrial (RCI). Ora, este diploma, no capítulo V, é muito claro ao afirmar o princípio da reclamação “graciosa” facultativa (art. 49º), de cuja decisão se permite o recurso hierárquico (art. 50º), sendo que nem uma, nem outro têm efeito suspensivo, mas apenas devolutivo (art. 51º). Portanto, e em sintonia com o CPA (arts. 150º e 157º), a decisão definitiva e recorrível é aquela que logo lesou o contribuinte com a liquidação oficiosa (art. 52º do RCI), porque não sujeita a impugnação administrativa necessária (art. 28º, nº1, do CPAC).
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    Trata-se de uma solução, de resto, perfeitamente harmonizável com os princípios expostos na Lei nº 15/96/M de 12 de Agosto (“clarificação de alguns aspectos em matéria fiscal”), diploma que, para além da impugnabilidade contenciosa fundada em actos lesivos (art. 1º), recorda e exprime aquilo que já promana do CPA: “Salvo menção expressa em contrário, são facultativos os recursos hierárquicos interpostos…”. Por conseguinte, sendo facultativos, obviamente a decisão tomada no seu seio não é recorrível contenciosamente.
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    E será que o art. 2º da Lei nº 12/2003, de 11/08 retira alguma força ao que acabou de se expor?
    Vejamos o que ele dispõe.
    Artigo 2.º
    Competências em matéria fiscal
    1. As competências para lançamento, liquidação, fixação, notificação e aplicação de penalidades que, nas leis ou regulamentos fiscais, se encontram atribuídas ao chefe do Departamento de Auditoria, Inspecção e Justiça Tributária e ao chefe da Repartição de Finanças de Macau, seja directamente seja por, em virtude das leis orgânicas da Direcção dos Serviços de Finanças, lhes terem sido atribuídas implicitamente, são atribuídas ao director dos Serviços de Finanças.
    2. O director dos Serviços de Finanças é a entidade competente para apreciar das reclamações de actos administrativos praticados no âmbito das competências referidas no número anterior, com excepção das que se refiram à impugnação da fixação da matéria colectável quando especialmente se preveja a reclamação para Comissões de Revisão, caso em que a competência se mantém nessas Comissões.
    3. Da decisão do director dos Serviços de Finanças em reclamação graciosa cabe recurso hierárquico necessário para o Chefe do Executivo.
    Em nossa opinião, a resposta à questão só pode ser negativa.
    Antes de mais nada, este é um diploma que tem um objecto plasmado na sua epígrafe: “Altera o Regulamento do Imposto Profissional e o Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos”. Esse é o seu objectivo específico! Não pretende intrometer-se em mais nenhuma área, nem introduzir modificações no regime concernente a outros impostos, nomeadamente o de selo e o da contribuição industrial.
    Reconhecemos o embaraço que pode provocar no intérprete quando o nº1 do artigo faz uma referência às competências atribuídas pelas leis e regulamentos ao Chefe do Departamento de Auditoria, Inspecção e Justiça Tributária e ao Chefe da Repartição das Finanças. Cremos, todavia, que mesmo aí o legislador não se está a referir a todas as leis e a todos os regulamentos respeitantes aos mais diversos impostos, mas sim e somente aos diplomas (leis e regulamentos) atinentes aos impostos a que o diploma se refere expressamente no seu título, ou seja, o Profissional (Lei nº 2/78/M) e o Complementar de Rendimentos (Lei nº 21/78/M).
     Assim é que, sempre que tais diplomas específicos cometerem competências ao Chefe da Repartição de Finanças (v.g., art. 18º, nº1, al. c, do RIP), ou ao Chefe de Repartição de Contribuições e Impostos (v.g. art. 36º, do RICR) ou ao Chefe do Departamento de Auditorias, Inspecção e Justiça Tributária (v.g., art. 18º, nº1, al. a), do RIP), elas devem agora ser entendidas para o Director do Serviço de Finanças. É isso o que o nº1, do art. 2º citado diz!
    O nº2 do art. 2º e o nº3 do mesmo artigo, por outro lado, sem excluírem a competência das Comissões de Revisão no âmbito desses mesmos impostos Profissional e Complementar de Rendimentos (v.g., arts. 79º, nº9, do RIP ou 45º do RICR), prescrevem que as decisões tomadas pelo Director dos Serviços de Finanças em sede de reclamação estão sujeitas a recurso hierárquico necessário. Mas só essas!
    Não vale a pena procurar encontrar razões para o legislador conferir ao Director nestes dois impostos (excepcionado, repita-se, o caso das decisões praticadas pelas respectivas Comissões de Revisão) uma competência para a prática de actos não definitivos, enquanto para outros o legislador manteve para o mesmo Director uma competência para a prática de actos definitivos e imediatamente recorríveis contenciosamente. É assim que a lei se encontra escrita; nada há a fazer. Se existe quebra de uniformidade do sistema, é porque o legislador, ou não se apercebeu dela, ou quis efectivamente estabelecer diferenças assentes em diferenças que entreviu na natureza diversa dos impostos. E para quem se preocupa com estas questões de uniformização do sistema fiscal, mais do que bradar contra o quadro “de constituto”, o que deve fazer é canalizar a energia para uma nova ordem “de constituendo”, um novo quadro legal unitário e de boa ordem sistemática.
    Portanto, o regime da impugnabilidade das decisões referentes a estes dois impostos (Profissional e Complementar de Rendimentos) foi modificado pelo artigo 2º da referida Lei nº 12/2003, sem dúvida, de forma a conferir ao Director do Serviço de Finanças uma competência que pertencia a outras entidades até então e a interferir no regime da reclamação “graciosa” e no recurso hierárquico que vinha dos diplomas respectivos (Lei nº 2/78/M e Lei nº 21/78/M). Não se estranhe, porém, esta alteração, cujos fundamentos assentam na autonomia e soberania do legislador.
    É por isso que não vemos nesta atitude do legislador nenhum intuito de revogar o regime de impugnabilidade das decisões respeitantes aos restantes impostos.
    Se o legislador da referida Lei nº 12/2003 tivesse querido abolir o regime de todos os restantes impostos nesse capítulo, nem haveria de dar o nome que deu ao diploma, nem se teria esquecido de revogar as normas que entendesse adequadas para conformar o regime da impugnabilidade de todos os outros impostos ao ali “ex novo” explanado. Contudo, como se pode ver do seu art. 5º, a revogação a que procedeu limitou-se a algumas normas dos diplomas que foram objecto da sua atenção: o imposto profissional e o imposto complementar de rendimentos. Ao fazer uma revogação expressa sobre uma determinada matéria, não se aceita que não tivesse feito o mesmo em relação a outras se essa fosse a sua intenção.
    É certo que a revogação também pode ser implícita, mas nesse caso fala-se de revogação de uma lei por outra com o mesmo enquadramento ou contexto, sendo isso particularmente aceite entre leis que se sucedem com o mesmo objecto de regulação (art. 6º, nº2, do Código Civil). Por exemplo, uma lei de inquilinato pode ser revogada por outra lei do inquilinato; o regime constante das expropriações pode ser revogado por uma lei nova com outra regulação outra lei que verse sobre o mesmo assunto específico. Portanto, se uma lei tem um enquadramento mais vasto e geral, dificilmente se pode dizer que revogue implicitamente o regime exposto em várias outras leis, a não ser que tal resulte inequivocamente do seu texto, através, por exemplo, de expressões do tipo “São revogadas todas as leis em contrário, mesmo as especiais”5.
    Ora, no caso, estamos perante uma lei (12/2003) que, versando sobre as alterações do Regulamento do Imposto Profissional e do Imposto Complementar de Rendimentos, por isso especial, dificilmente poderia apagar o regime da impugnação de decisões concernentes a outros impostos, sem que isso resultasse inequivocamente do seu texto.
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    Tudo isto para concluir que o acto da Entidade recorrida, eleito que foi como o objecto do presente recurso contencioso, não era sindicável, na medida em que recorrível, porque definitivo, era o do Director do Serviço de Finanças, tal como de resto foi decidido no Ac. deste TSI, de 28/11/2013, Proc. nº 272/2013 acima citado. O acto sindicado do Ex.mo Secretário, nada inova na sua dispositividade; nessa medida, limita-se a confirmar o acto primário e definitivo anterior6.
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    E não se diga que diferente haverá de ser a natureza deste recurso hierárquico, apenas porque foi interposto, não do acto de liquidação adicional, mas do acto que indefere uma reclamação sobre o referido acto de liquidação oficiosa (ver doc. fls. 47 e sgs, junto com a petição do recurso), tal como vem defendido na resposta de fls. 234 e sgs. e no parecer de fls. 336.
    Na verdade, em nossa opinião – salvo o devido respeito, que muito é - , a natureza não se modifica, apenas porque entre a decisão que procede à liquidação adicional e a decisão do Ex.mo Secretário para a Economia e Finanças, aqui sindicado, se interpôs uma “reclamação graciosa”. Esta, pelo que acima se viu, é meramente facultativa, face ao art. 51º, nº1 do RCI, “ex vi” art. 92º do RIS (só tem efeito suspensivo aquela que é dirigida à Comissão de Revisão e quando fundamentada em discordância com o valor atribuído à transmissão, tal como emerge do nº1 deste art. 92º. E esse não é o caso!
    Ou seja, se a reclamação é facultativa, se o seu efeito é devolutivo e se a decisão que no seu âmbito vier a ser tomada não é acto definitivo - porque esse carácter definitivo e executório apenas o tem o acto reclamado - então dela não pode ser interposto recurso hierárquico necessário, sob pena de aberrante contradição. O que queremos dizer é que a natureza facultativa da reclamação vai estender os seus efeitos devolutivos até à própria decisão de eventual recurso hierárquico, a qual, como bem se compreenderá, apenas poderá ter também natureza facultativa e não necessária.
    Então, e o nº3, do art. 2º da Lei nº 12/2003, não terá qualquer préstimo? Terá, mas não para este processo. Sublinhe-se isto: se o nº3 do art. 2º da referida Lei nº 12/2003 confere natureza necessária ao recurso hierárquico interposto da decisão da reclamação “graciosa”, a sua estatuição deverá ser decifrada no âmbito objectivo da própria Lei. Isto é, apenas se deverá interpretar como reportado ao caso de reclamação concernente a uma decisão do Director dos Serviços de Finanças em matéria fiscal referente aos impostos profissional e complementar de rendimentos. Ora, o que está em causa é, diferentemente, um imposto de selo! Significa que o nº3, do art. 2º da Lei em apreço não serve para proteger a posição dos recorrentes, manifestada a fls. 236, e do MP expendida a fls. 336.”
     8. Para se concluir, como ali, no sentido de que a irrecorribilidade com este fundamento constitui matéria exceptiva que obsta ao conhecimento de mérito do recurso contencioso (arts. 28º, nº1, 31º, do CPAC), circunstância que podia ter levado à rejeição liminar (art. 46º do CPAC). Não tendo, porém, sido tomada tal decisão liminar, em momento mais oportuno, crê-se agora que constituindo a irrecorribilidade uma excepção dilatória inominada (art. 413º do CPC), a solução adequada ao caso, pese embora o disposto no art. 62º, nº4, do CPAC, deve ser a absolvição da instância, com assento no art. 230º, nº1, al. e), do CPC, “ex vi” art. 1º do CPAC.
    
    III - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em não tomar conhecimento do mérito do presente recurso contencioso e absolver da instância a entidade recorrida com fundamento em irrecorribilidade contenciosa do acto sindicado.
    Custas pelo recorrente, com taxa de justiça em 6 UC.
               Macau, 27 de Março de 2014,
               João A. G. Gil de Oliveira
               Ho Wai Neng
               José Cândido de Pinho
               
               Presente
               Victor Manuel Carvalho Coelho

1 - Soares Martínez, Dto Fiscal, 1993, 140
2 - Acs do STA, Pleno de 7/7/66, Acs Dout., V, 1432,; STA, proc. 14521, de 9//97, http://www.dgsi.pt e Martínez, ob. cit. 145
3 - Cfr. Ac. deste TSI, Proc. n.º 92/2003, de 20/11/2003
4 - Ac. do STA, Proc. n.º 0314/12, de 9/5/2012
5 Menezes Cordeiro, Da Aplicação da lei no tempo e das disposições transitórias, em «Cadernos de Ciência da Legislação», INA, nº7, 1993, pág. 17 e sgs., citado por Abílio Neto, em Código Civil anotado, 17ª ed., pág. 18.
6 Sendo a decisão do Director já definitiva e executória (portanto, recorrível contenciosamente), a decisão que os recorrentes aqui censuram nada àquela acrescenta ou tira e, assim, não passa de acto meramente confirmativo. Neste sentido, ver M. Caetano, in Manual de Direito Administrativo, I, pago 452; tb. M. Esteves de Oliveira, P. Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, in Código de Procedimento Administrativo anotado, 2ª ed., pago 770; na jurisprudência comparada, entre outros, os Acs. do STA de 24/02/99, Rec. n° 31160 e de 23/01/2001, Rec. n° 46653.

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902/2012 47/47