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Processo nº 802/2012
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 27 de Março de 2014

ASSUNTO
- Caso julgado

SUMÁRIO
- Não se verifica o caso julgado se o acórdão disse simplesmente que os elementos existentes dos autos apontavam a Ré como entidade patronal da Autora, não tendo afirmado nem julgado de forma peremptória que a Ré era a entidade patronal da Autora.
O Relator,
Ho Wai Neng

Processo nº 802/2012
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 27 de Março de 2014
Recorrente: A Limitada (Ré)
Objecto do Recurso: Despacho que indeferiu o pedido da intervenção principal provocada

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
Por despacho de 11/05/2012, foi indeferida a intervenção principal provocada requerida pela Ré, A Limitada.
Dessa decisão vem recorrer a Ré, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
1. No despacho recorrido foi recusada a intervenção principal provocada requerida pela recorrente da “XXX DE MACAU, LIMITADA”.
2. Por outro lado, o despacho recorrido julgou ainda como matéria dada como assente pelo Tribunal de Segunda Instância ter sido a recorrente a entidade patronal da Autora e que tal consistiria “caso julgado formal”.
3. Ora, o despacho posto em crise violou a norma jurídica constante do art. 575.º do C.P.C., no respeitante ao “caso julgado formal”, ao dele ter feito uma errada interpretação e aplicação.
4. E violou igualmente o regime do art. 267.° e seguintes do mesmo diploma, no que respeita à recusa em admitir o chamamento aos autos da “XXX DE MACAU, LIMITADA”, dele tendo feito igualmente uma errada interpretação e aplicação.
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A Autora, XXX, respondeu à motivação do recurso da Autora, nos termos constantes a fls. 662 a 668 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do recurso interposto.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II – Factos:
- Por sentença de 23/07/2010, proferida a fls. 439 a 443 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, julgou-se a acção improcedente, absolvendo a Ré dos pedidos, por considerar não estar provada qualquer relação laboral entre a Autora e a Ré.
- Por acórdão deste Tribunal de 07/12/2011, proferido a fls. 512 a 519v dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, anulou-se o julgamento a quo de forma a sanar as contradições e insuficiência verificadas.
- Em 27/01/2012, por requerimento constante a fls. 525 a 530, a Ré requereu a intervenção principal provocada da A, Limitada, com fundamento de que esta é o titular do estabelecimento comercial denominado HOTEL XXX (XXX Hotel, entidade patronal figurada no contrato de trabalho da Autora).
- Por despacho de 21/03/2012, proferido a fls. 547 e 548 dos autos, foi indeferida a requerida intervenção provocada, por entender que a chamada “não tem interesse nem direito de intervir”, uma vez que já foi considerado como assente o facto de que a entidade patronal da Autora era a Ré.
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III – Fundamentação
Para o Tribunal a quo, o acórdão desta instância de 07/12/2011, proferido a fls. 512 a 519 dos autos, pelo qual se anulou o julgamento a quo de forma a sanar as contradições e insuficiência verificadas, considerou como provada a existência da relação laboral entre Autora e a Ré.
Salvo o devido respeito, não nos parece que tivesse sido interpretado de forma correcta o alcance do acórdão em referência.
Disse o acórdão em referência o seguinte:
   “...
   4. Importa então ensaiar essa reanálise da matéria de facto, na esteira da proposta que é feita pela recorrente a este Tribunal.
   A Autora começou a trabalhar na confecção dos fatos exibidos pelos bailarinos nos espectáculos organizados pela Ré em Maio de 2005.
   Vem igualmente provado que quem pelo Governo da RAEM, foi autorizado a contratar a Autora para trabalhar em Macau, enquanto trabalhadora não residente, foi "Hotel XXX (XXX hotel)", desconhecendo-se qualquer outro elemento identificativo.
   A prova destes dois factos, desde logo se mostra contraditória, uma vez que se considera provado a actividade laboral da Autora com início em Maio de 2005 nos termos supra expostos, e a primeira autorização para trabalhar emitida pela DSAL em nome do "XXX Hotel" data de 4 de Julho de 2005 de acordo com fls. 289 dos autos.
   Contrariedade que, a não ser sanada, geraria, porque invocada, eventual nulidade da sentença por contradição nos fundamentos e deste com a decisão – cfr. artigos 556º, n.º 5 e 571º, n.º 1, c) do CPC.
   Na verdade, atento o período de dois meses contados de Maio de 2005 a 4 Julho de 2005, se por um lado está provado que foi autora que confeccionou os fatos exibidos pelos bailarinos, antes até de ser contratada pelo Hotel, entidade que aparece aqui como um quidem acéfalo, então não deverá a ré ser considerada como a entidade patronal, enquanto beneficiou do trabalho prestado por aquela.
   Por outro lado, de acordo os títulos de autorização de trabalhadora não-residente n.ºs XXXX/2006; XXXX/2005, de que a autora foi titular , constam como actividade laboral massagista e actor.
   Trata-se de actividades que não são objecto de alegação ou de prova, mas que não deixam de apontar para a afectação dessa actividade a uma área de entretenimento e recreação, vincando a ideia de que a "a utilidade final da execução da actividade laboral da Autora revertia em favor ou era utilizada pela Ré, pois que os bailarinos dos espectáculos organizados pela Ré no Casino do "Hotel XXX", aliás, tal como expresso na sentença em sede de matéria provada.
   Donde continua a acentuar-se a contradição, enquanto por um lado se diz que foi contratada pelo Hotel e por outro o beneficiário era a ré. E esta aparente contradição até seria evitável, porquanto bem pode acontecer que um hotel, enquanto entidade distinta de uma sociedade que explora actividades de entretenimento também pode prosseguir actividades de lazer e entretenimento para os seus hóspedes.
   5. Temos então de procurar uma ligação entre esses factos e um possível caminho é o de considerar que o hotel bem pode ser desenvolvido e pertencer à ré, o que explicaria a conexão entre a diferente factualidade comprovada, ou pelo menos, dessa actividade hoteleira a ré aproveitaria, donde ubi comoda ibi incomoda não poder deixar de assumir as responsabilidades correspondentes.
   Nesta linha, resulta de fls. 290 e 297 dos autos constam carimbos e assinaturas em nome de "XXX Sauna" como entidade beneficiária de quotas ligada ao Hote XXX e a fls. 303 e 308 já constam carimbos em nome de "Hotel XXX" como a entidade contratante e beneficiária dessas mesmas quotas.
   E no que respeita a estas duas entidades o nome do responsável pela contratação da Autora, ou pelo menos, para quem era endereçada toda a correspondência é o Sr. XXX.
   Sendo a Autora contratada como massagista em princípio deveria trabalhar na Sauna, mas curiosamente, o seu nome aparece como trabalhadora do "Hotel XXX".
   Tudo isto quando sabemos que o que fazia - prova feita em julgamento - era que costurava fatos para os artistas dos espectáculos organizados pela ré no casino.
   Donde, retirando do facto de na Conservatória de Registos Comerciais e Bens Móveis de Macau em nome de "XXX Sauna" ou em nome de "XXX Hotel" resulta o seguinte não se encontrar qualquer firma ou empresa registada nessa Conservatória com a denominação "XXX Sauna" nem em Inglês nem em Chinês" e o mesmo sucede com o nome "Hotel XXX" ou "XXX Hotel", não existindo o XXX Hotel como sociedade, não sendo pessoa colectiva, pelo que não existindo como sociedade, nunca poderia figurar como entidade patronal da autora, não é difícil chegar à ré como a efectiva titular da relação laboral. Não se trata aqui de inventar um patrão à força, o que não deixaria de ser perigoso e, porventura temerário, mas sim trabalhar os diferentes elementos da matéria de facto e a partir desse elemento essencial que é o de quem tirava proveito do trabalho da autora, julgá-lo como responsável pelos pagamentos em falta.
   Sendo até de estranhar, estranheza que não pode jogar a desfavor da ré, que não se exiba o contrato de trabalho com ela realizado e que terá servido de base atodas as autorizações necessárias.
   Com efeito, de acordo com os aludidos documentos numerados sob os n.ºs 1 a 4, encontram-se insertos recibos de pagamentos efectuados em nome do Casino à autora, o que corrobora o facto provado relativo quer ao trabalho realizado, quer ao local onde o trabalho era prestado, quer ao beneficiário do mesmo, quer à prestação inserida nas actividades organizadas pela ré, tudo apontando para que esta possa ser efectivamente a entidade patronal da autora.
   6. Com base em toda a matéria acima exposta considera-se padecer a sentença ora recorrida do erro de julgamento apontado e não haveria razões para deixar de proceder aqui, nesta sede, a uma reapreciação da matéria de facto, de modo a entender-se como provada a relação laboral estabelecida com a ré, se os autos contivessem desde já os indispensáveis elementos.
   Continua a mostrar-se, assim, necessário, empreender outras diligências probatórias, apontadas no Ac. n.º 480/2008 deste Tribunal de Segunda Instância de Macau e onde se determinava " ... naturalmente em prol dos legítimos interesses processuais das Partes com vista última à justa e legal composição do pleito - na remessas, pelo Corpo de Polícia de Segurança Pública de Macau, na cópia integral do(s) processo(s) administrativo(s) no seio do(s) qual(ais) foram emitidos sucessivamente a favor da Autora os Títulos de Identificação de Trabalhador Não-Residente n.º XXX/2005, de 4 de Julho de 2005, n.º XXX/2005, de 4 de Janeiro de 2006, e n.º XXX/2006, de 22 de Março de 2006, para efeitos da descoberta, para já, da identidade do ex-empregador da Autora como trabalhador não-residente, e, depois, na eventual hipótese fáctica de não ser a ora Ré o ex-patrão da Autora, mandar intervir nos autos laborais em causa o real exempregador da mesma, para assegurar, ao fim e ao cabo a legitimidade das partes em litígio.
   E com isso, fica prejudicado, por inútil, o conhecimento de outras ilegalidades apontadas pela Autora na sua motivação".
   7. Mesmo a considerar que a ré era a entidade empregadora da autora, cremos não estar em condições de julgar o recurso procedente, mesmo se se viesse a considerar uma relação laboral estabelecida entre a A. e Ré, pois que se deu como não provado o quesito 2º, base das condições contratuais que permitiriam o cálculo das compensações devidas, evidenciando-se aqui uma lacuna instrutória relativamente ao contrato de trabalho celebrado, não se podendo conceber que o tribunal não tenha meios para indagar desse facto, não sendo bastante uma inacção ou passividade perante a não entrega por parte de determinadas entidades, sendo certo que outras, para além das policiais, não podem deixar de prestar a colaboração devida à Justiça, v.g., DSAL(insistindo), sociedade prestadora de serviços, Finanças, Economia, Serviços do Turismo, gerência do Hotel, para além da insistência com a PSP, não se compreendendo que se não consiga indagar quem detém o hotel em causa e que se não consiga apurar do contrato celebrado...”.
Como se vê, o acórdão em referência disse simplesmente que os elementos existentes dos autos apontavam a Ré como entidade patronal da Autora, nunca afirmou nem julgou de forma peremptória que a Ré era a entidade patronal da Autora, pois entendeu que, não obstante existir indícios de que a Ré era entidade patronal, continuava a ter a necessidade de empreender outras diligências probatórias para efeitos da descoberta da identidade do ex-empregador da Autora como trabalhador não residente.
Não existe, portanto, qualquer caso julgado, quer formal, quer material, quanto à identificação da entidade patronal da Autora.
Nesta conformidade e sem necessidade de demais delongas, é de concluir pelo provimento do recurso.
Tendo em conta os fundamentos invocados no requerimento da intervenção provocada e os documentos juntos para o efeito, especialmente o documento de fls. 541, que comprovam que a chamada é titular do estabelecimento comercial Hotel XXX, não vemos qualquer razão para o seu indeferimento.
Tudo visto, resta decidir.
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IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conceder provimento ao recurso interposto, revogando a sentença recorrida e, em consequência, determina-se a admissão da requerida intervenção provocada.
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Custas pela Autora.
Notifique e registe.
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RAEM, aos 27 de Março de 2014.
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong



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