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Processo nº 301/2012
(Autos de recurso contencioso)

Data: 27/Março/2014

Assunto: Subsídio de residência
Audiência de interessados
Aposentados

SUMÁRIO
    - O que se pretende com a audiência de interessados é assegurar-lhes o direito do contraditório, evitando a chamada decisão surpresa, e permitir os mesmos, no caso de se ter realizado alguma diligência instrutória, manifestarem os seus pontos de vista adquiridos no procedimento, visando, no fundo, dotar a Administração elementos necessários para poder dar uma decisão acertada.
    - Verificando-se que o procedimento administrativo foi instaurado a pedido do recorrente, nele foram suscitadas questões jurídicas que já teve oportunidade de se pronunciar quer no seu requerimento inicial quer no requerimento de recurso hierárquico, para além de que não foi efectuada nenhuma diligência instrutória destinada a apurar qualquer matéria de facto alegada pelo recorrente, entende-se desnecessária a realização da referida audiência.
    - Por se tratar do exercício pela Administração de uma actividade administrativa estritamente vinculada, além disso por que não está em causa decisão que afecte os interesses da classe, em termos de regulação dos interesses corporativos, pouca relevância e utilidade poderia ter a audiência da APOMAC para efeitos de decisão do pedido formulado pelo recorrente.
    - Compete ao intérprete procurar saber o pensamento e a intenção do legislador, sem se descurar dos factos históricos e sociais no momento em que a norma foi elaborada.
    - De acordo com a Lei Básica, a RAEM só se responsabiliza pelo encargo e pagamento das pensões de aposentação e de sobrevivência aos trabalhadores da função pública que se aposentem depois de 19 de Dezembro de 1999, enquanto aqueles que não transitaram o seu vínculo funcional para a RAEM, deveriam já ter escolhido em altura própria ou a integração nos quadros dos serviços da República Portuguesa, ou a desvinculação mediante compensação pecuniária, ou a transferência da responsabilidade pelo encargo e pagamento das respectivas pensões para a Caixa Geral de Aposentações de Portugal, nos termos definidos no Decreto-Lei nº 357/93.
    - Com o retorno da soberania para a República Popular da China, os antigos trabalhadores da função pública que se aposentaram antes dessa data mais não sejam do que meros aposentados do Território de Macau, e não da própria RAEM, pelo que, de acordo com o espírito ínsito naquela norma da Lei Básica, só se reconhece o estatuto dos trabalhadores e aposentados da função pública da RAEM aos indivíduos que tenham prestado serviço à RAEM, mesmo que tenham só trabalhado um dia.
    - Por ser o direito ao subsídio de residência um direito decorrente do estatuto dos trabalhadores e aposentados da função pública da RAEM, aqueles trabalhadores que se aposentaram já na época da Administração Portuguesa, como é o caso do recorrente, deixariam de ter direito ao seu recebimento a partir do momento em que entrou em vigor a Lei Básica.
    - Mesmo em termos da própria Lei nº 2/2011, que veio introduzir alterações ao regime do prémio de antiguidade e dos subsídios de residência e de família, não obstante se referir no seu artigo 10º que o direito ao subsídio de residência é concedido aos trabalhadores efectivos dos serviços públicos, desligados para efeitos de aposentação e aposentados, mas atento o disposto no artigo 1º dessa mesma lei, verifica-se que o novo diploma tem por objecto regular o regime de prémio de antiguidade e dos subsídios de residência e de família dos trabalhadores dos serviços públicos da RAEM, isto para concluir que ficaram excluídos aqueles que se aposentaram antes do estabelecimento da RAEM.
   
   
O Relator,


________________
Tong Hio Fong

Processo nº 301/2012
(Autos de recurso contencioso)

Data: 27/Março/2014

Recorrente:
- A

Entidade recorrida:
- Secretário para a Economia e Finanças

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
A, funcionário aposentado, residente de Macau, melhor identificado nos autos, inconformado com o despacho do Exmº Secretário para a Economia e Finanças de 1 de Março de 2012, que indeferiu o recurso hierárquico interposto do despacho da Exmª Directora dos Serviços de Finanças de 20 de Julho de 2011, que por sua vez lhe indeferiu o requerimento de atribuição de subsídio de residência, vem interpor o presente recurso contencioso de anulação, em cujas alegações facultativas formulou as seguintes conclusões:
1. Por acto do Senhor Secretário para a Economia e Finanças de 01/03/2012, exarado na Informação n.º XX/NAJ/LRB/2012 e notificado a coberto do ofício n.º XX/NAJ/LRB/2012, foi indeferido o abono do subsídio de residência ao ora recorrente, que havia sido requerido ao abrigo do artigo 10º da Lei n.º 2/2011.
2. O recorrente nunca se pronunciou no procedimento de 1º grau, que culminou com o acto da Senhora Directora dos Serviços que naquele procedimento indeferiu o pedido formulado pelo recorrente.
3. A violação do direito de audiência do recorrente imposto pelos artigos 10º e 93º e seguintes, ambos do CPA, consubstancia vício de forma determinante da invalidade do acto recorrido, conducente à sua anulação.
4. A falta de audiência, naquele procedimento, da APOMAC, organismo representativo dos trabalhadores aposentados e pensionistas, detentora de legitimidade para esse efeito, ao abrigo do n.º 1 do artigo 55º do CPA, viola o disposto no artigo 10º do mesmo Código, que adicionalmente assegura a intervenção das Associações que defendam os interesses dos interessados, quando envolvidos em procedimentos administrativos, violação de lei que fere de invalidade o acto recorrido, devendo por isso ser anulado.
5. A dispensa da audiência de interessados prevista no artigo 97º do CPA exige uma decisão devidamente fundamentada nesse sentido.
6. Não existe no procedimento administrativo qualquer decisão da Senhora Directora da DSF, que dispense a audiência de interessados, e respectiva fundamentação, pelo que a decisão da entidade recorrida que sancionou tal actuação ofende a regra do artigo 97º do CPA, o que consubstancia vício de violação de lei conducente à anulabilidade do acto recorrido.
7. A Lei n.º 2/2011 expressamente afastou o critério de residência como condição para a atribuição do subsídio previsto no seu artigo 10º.
8. Essa decisão consta do Relatório das Linhas de Acção Governativa para o ano Financeiro de 2011, na área da Administração e Justiça e da Nota Justificativa que acompanhou o ante-projecto da Lei n.º 2/2011.
9. O abono do transporte para Portugal ao abrigo do DL n.º 14/94/M, não impede ao recorrente o acesso ao direito previsto no artigo 10º da Lei n.º 2/2011.
10. O artigo 10º da Lei n.º 2/2011 afastou expressamente o critério da residência em Macau como requisito para a concessão do subsídio previsto nessa norma, pelo que o acto recorrido, fazendo depender a atribuição do subsídio ao critério de residência em Macau, viola o disposto naquela regra, o que o torna anulável por vício de violação de lei.
11. A entidade recorrida indeferiu a atribuição do subsídio de residência com fundamento nos DL n.ºs 14/94/M, 38/95/M e 96/99/M, diplomas que em Macau executavam o DL n.º 357/93, de 14 de Outubro, que definiu várias componentes para o denominado processo de integração, para aferir dos requisitos de acesso a um direito previsto em legislação da RAEM – a Lei n.º 2/2011.
12. A faculdade de transferir a responsabilidade do pagamento das pensões para a CGA para aqueles que exerceram funções na administração pública do Território de Macau e se aposentaram antes de 19 de Dezembro de 1999, decorreu do Ponto VI do Anexo 1 da Declaração Conjunta do Governo da República Portuguesa e do Governo da República Popular da China sobre a Questão de Macau, assinado em Pequim em 13/04/1987.
13. Na Declaração Conjunta a Parte Chinesa só se responsabiliza pelo pagamento das pensões de aposentação e de sobrevivência dos trabalhadores da administração pública que se aposentassem depois de 19 de Dezembro de 1999.
14. A Parte Portuguesa assegurou o pagamento das pensões aos aposentados de Macau até 19/12/1999 pelo DL n.º 357/93, de 14 de Outubro, com a consequente regulamentação no Território de Macau, através do DL n.º 14/94/M, do DL n.º 38/95/M e do DL n.º 96/99/M.
15. Havendo aposentados que transferiram o pagamento das pensões para a CGA que permaneceram em Macau, o DL n.º 38/95/M e o DL n.º 96/99/M concede-lhes o direito ao subsídio de residência, mesmo quando tenham exercido total ou parcialmente os direitos conferidos pelo n.º 3 do artigo 17º DL n.º 14/94/M, maxime o direito de transporte.
16. Transferiu-se a responsabilidade pelo pagamento de pensões de pessoas que permaneceram como aposentados de Macau após 20 de Dezembro de 1999 com todos os direitos inerentes a essa condição, salientando-se o acesso a assistência médica e medicamentosa: os cuidados de saúde.
17. Foi regulada a forma de pagamento das suas contribuições para efeitos de acesso aos cuidados de saúde, nos termos do regime geral em vigor à data da transferência da pensão de aposentação para a CGA, a efectuar directamente junto dos Serviços de Saúde de Macau, por iniciativa de cada um dos interessados.
18. Situação que ainda hoje se mantém para todos os aposentados, independentemente de terem ou não transferido a responsabilidade pelo pagamento das suas pensões para a CGA e de terem ou não accionado o direito a transporte para Portugal enquanto direito conexo.
19. Não resulta da legislação invocada no acto recorrido nem dos respectivos preâmbulos que os aposentados que transferiram o pagamento das pensões para a CGA e receberam o abono de transporte não beneficiam do subsídio de residência porque a lei os considerava residentes de Portugal.
20. Mesmo que o recorrente não estivesse abrangido pelo direito ao subsídio de residência previsto naqueles diplomas, a aferição dos pressupostos de acesso a esse mesmo direito definido, ex novo, na Lei n.º 2/2011, só pode ser feita com base na previsão do artigo 10º desta Lei, única lei vigente na matéria no ordenamento jurídico da RAEM.
21. O acto recorrido, aferindo dos pressupostos ao subsídio requerido com base nos DL n.ºs 14/94/M, 38/95/M e 96/99/M, incorre em violação do artigo 10º da Lei n.º 2/2011, vício que o invalida.
22. O DL n.º 96/99/M eliminou do n.º 2 do artigo 3º do DL n.º 38/95/M o limite temporal para o acesso dos aposentados ao subsídio de residência bem como a condição de os mesmos residirem em Macau.
23. A alínea b) do artigo 1º do DL n.º 96/99/M, abandona o requisito da prévia existência do direito ao subsídio de residência, no momento da transferência das pensões para a CGA, permitindo que os aposentados que reunissem as condições previstas no artigo 203º do ETAPM beneficiassem daquele direito, mesmo que anteriormente o não detivessem.
24. Se o legislador apenas pretendesse eliminar o limite temporal fixado, bastaria proceder à alteração do n.º 2 do artigo 3º do DL n.º 38/95/M, eliminando a referência a 19/12/1999, mantendo a restante redacção da norma.
25. A expressão “mantido”, no corpo do artigo 1º do DL n.º 96/99/M, não comporta qualquer referência ao passado.
26. A expressão “mantido”, no corpo do artigo 1º do DL n.º 96/99/M, afirma que o direito, em abstracto, permanece no ordenamento jurídico da RAEM, englobando aqueles que não estavam a beneficiar do abono mas que a ele pretendiam aceder, seja pela primeira vez, seja na sequência de uma interrupção de pretérito.
27. Os SAFP emitiram Parecer, em Fevereiro de 2002, na qual a Secretária para a Administração e Justiça definiu orientação no sentido que são aposentados de Macau, para todos os efeitos legais segundo o regime jurídico fixado pelas normas legais aplicáveis, aqueles que transferiram a responsabilidade do pagamento das suas pensões para a CGA.
28. O Senhor Secretário para a Economia e Finanças, entidade aqui recorrida, decidiu em 24/07/2001, ser legal que os aposentados que transferiram a responsabilidade do pagamento da sua pensão para a CGA tivessem direito ao subsídio de residência, de acordo com um parecer da sua assessoria jurídica elaborado em 23/07/2001.
29. Os SAFP, em Maio de 2011, através do ofício n.º 1105120001/DIR, defenderam que o pessoal abrangido pelo DL n.º 96/99/M continua a beneficiar do regime de residência previsto na Lei n.º 2/2011, desde que não esteja abrangido por nenhuma das situações indicadas no n.º 2 do seu artigo 10º.
30. O Comissariado contra a Corrupção, em Parecer elaborado em 24/08/2011, conclui que os aposentados que transferiram as suas pensões para a CGA têm direito ao subsídio de residência, de acordo com o teor do artigo 10º da Lei n.º 2/2011.
31. Não existe qualquer obrigação de continuidade no acesso ao subsídio de residência a coberto da legislação de 1994, 1995, 1999 e 2011.
32. A ausência de Macau num determinado período temporal ou o exercício do direito a transporte ao abrigo do artigo 17º do DL n.º 14/94/M, não fazem decair o critério de residência para efeitos de acesso ao direito ao subsídio.
33. A entidade recorrida acolheu como fundamento da sua decisão um parecer jurídico que se pronuncia sobre a questão da residência em Macau, matéria regulada na Lei n.º 8/1999.
34. A Lei n.º 8/1999 apenas exige que aqui se tenha residência legalmente consentida, presumindo residentes de Macau os portadores de Bilhete de Identidade de Residente Permanente da RAEM, como é o caso do ora recorrente.
35. O acto recorrido sustenta que o recorrente fixou residência em Portugal, sem que conste no procedimento qualquer documento que demonstre o que alega, em sentido inverso do dever estabelecido no n.º 1 do artigo 86º do CPA.
36. O acto recorrido afasta, implicitamente, a qualidade de residência que a Lei n.º 8/1999 lhe confere, enquanto titular do Bilhete de Identidade de Residente de Macau, para efeitos de atribuição de um direito previsto na legislação da RAEM.
37. O acto recorrido traduz que o pensionista que se ausente da RAEM, no âmbito de um processo de integração que admite o transporte por conta do território em função de uma intenção de residência em Portugal, fica impedido de voltar a residir em Macau e usufruir dos direitos que as leis lhe conferem, por isso lhe retirando o direito ao subsídio de residência, que a Lei n.º 2/2011 lhe concede.
38. Do acto recorrido resulta que a ausência de Macau numa determinada situação ao abrigo de legislação soberana portuguesa condiciona a percepção de um abono geralmente concedido a quem se inclua nas classes inactivas da administração pública de Macau e que aqui permaneça, o que é ilegal, na medida em que o princípio básico do estatuto dos residentes de Macau não pode ser restringido na sequência de uma ausência, ainda que temporária, encontrando-se por isso o acto recorrido ferido de violação de lei, por ofensa aos artigos 2º, 4º, 5º e 7º da Lei n.º 8/1999, o que o torna anulável.
Conclui, pedindo que se julgue procedente o recurso, anulando-se o acto do Exmº Secretário para a Economia e Finanças, de 01.03.2012, que indeferiu ao ora recorrente a atribuição do subsídio de residência.
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Regularmente citada, pela entidade recorrida foi apresentada a contestação constante de fls. 100 a 123 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, pugnando pelo não provimento do recurso.
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Findo o prazo para alegações, o Ministério Público deu o seguinte parecer:
“Tem o presente recurso por objecto o despacho do Secretário para a Economia e Finanças de 01/03/12 que, em sede de recurso hierárquico, manteve decisão da directora dos Serviços de Finanças de indeferimento de pretensão do recorrente, A, em receber subsídio de residência ao abrigo da Lei 2/2011, assacando aquela ao acto vícios de forma por falta de audiência prévia, violação de lei, por erro nos pressupostos, bem como por afronta dos art.ºs 10º da citada Lei 2/2011 e 2º, 4º, 5º e 7º da Lei 8/1999.
Vejamos:
O direito do interessado a ser ouvido no procedimento, consagrado no art.º 93º, CPA, concretiza-se na possibilidade de aquele participar, de forma útil, no procedimento, utilidade essa atinente ao próprio, com a faculdade de apresentar a sua motivação e argumentos que possam, de algum modo, conformar a decisão a ser tomada, constituindo também específica forma de controlo preventivo relativamente à Administração, à qual, desta forma, é possibilitada uma mais ponderada e adequada decisão, mediante a recolha de elementos e dados porventura relevantes para a mesma, permitindo-se, pois, melhor ponderação dos interesses em presença.
Nestes parâmetros, resulta evidente que o direito conferido por lei para pronúncia dos interessados no procedimento há-de conter algum efeito útil não se justificando a mesma quando todos os dados pertinentes a boa decisão se encontram já na posse da Administração, sob pena de se estar a proceder a uma repetição desnecessária, sendo certo que aquela não deixa de se encontrar sujeito ao dever de celeridade, desburocratização e eficiência.
Terá sido precisamente isso que o legislador terá tido em vista ao consignar a dispensa de audiência se os interessados já se tiverem pronunciado no procedimento sobre as questões que importam à decisão – al a) do art.º 97º, CPA.
Ora, no caso, ao formular a sua pretensão, o recorrente introduziu todos os dados e provas que julgou pertinentes e relevantes para o efeito, para além dos que sabia serem do conhecimento oficial e oficioso da Administração, não se vendo que os elementos constantes do procedimento não constituam fundamento suficiente para a decisão, nem que outros, relevantes, pudessem ter sido carreados para o efeito (os quais, aliás, próprio interessada não adianta), não se descortinando que na motivação do decidido se tenha lançado mão de prova ou elemento “surpresa”, pelo que forçosamente haverá que concluir que, a registar-se a almejada audiência, a mesma não poderia passar, no caso da mera duplicação do já devidamente registado no procedimento, razão por que a dispensa daquela terá plena justificação, não carecendo tal dispensa, como é obvio, de qualquer acto administrativo prévio que a sustente, já que a audiência dos interessados constitui, em si, uma formalidade, um elemento do procedimento, dispensável ou indispensável, com as consequência inerentes.
Por último, não faz também qualquer sentido a argumentação sobre pretensa ofensa do art.º 10º, CPA por falta de audição da APOMAC, por essa associação defender os interesses dos aposentados, reformados e pensionistas de Macau: não sendo crível que se pretendesse a audição de tal associação relativamente ao caso de cada aposentado, tal pronúncia destinar-se-ia à atribuição (genérica) do subsídio de residência aos aposentados da CGA que requereram passagens na condição de fixarem residência em Portugal.
Só que, não é isso que aqui se encontra em causa, mas tão só a não concessão casuística do almejado subsídio de residência, na interpretação feita da Lei 2/2011, matéria para que, òbviamente, se não impunha a pretendida consulta.
No que tange à pretensa violação de lei, cremos que não andaremos muito arredados da verdade ao entendermos que a questão fulcral a delucidar no caso presente será a de saber se o recorrente, enquanto funcionário aposentado do então Território de Macau, tendo transferido a responsabilidade pelo pagamento da sua pensão para a Caixa Geral de Aposentações no processo de integração (tendo em conta a transferência da Administração da República Portuguesa para a República Popular da China em 20/12/99) e requerido e obtido, para si e seus familiares, os direitos consagrados nos n.ºs 3 e 4 do art.º 17º do Dec Lei 14/94/M (viagem aérea para Portugal, transporte de bagagens e veículo ligeiro e seguro), terá ou não direito ao abono do subsídio mensal de residência a que se reporta o n.º 1 do art.º 10º da Lei 2/2011 de 1/4.
Desde logo, uma nota: encontramo-nos, de forma geral, de acordo com a análise empreendida pela entidade recorrida no que concerne ao âmbito de aplicação dos diversos diplomas legais que têm regido sobre a matéria, ou seja, no essencial e para o que agora nos ocupa, concordamos que, tendo o exercício do direito a que supra nos reportamos ficado legalmente condicionado à decisão de fixação de residência em Portugal, o recorrente terá, por esse motivo, deixado de poder usufruir do subsídio de residência a que se reportava o n.º 1 do art.º 203º, ETAPM, não se podendo arrogar, melhor dizendo, ficando também excluído como “destinatária” das previsões sobre a matéria contempladas pelo Dec Lei 38/95/M de 7/8, pela razão simples que, nos termos legais, havia, sob ficção legal, fixado residência em Portugal e tais diplomas se reportavam expressamente a residentes em Macau, revelando-se inquestionável, à luz daqueles diplomas, que a situação dos aposentados que transferiram a responsabilidade para a CGA se revela diversa, conquanto tenham ou não exercido o direito de viagem para Portugal nos termos sobreditos, apresentando-se clara a manutenção do subsídio relativamente aos que não fizeram uso daquele direito e sucedendo o inverso ao que o fizeram, como é o caso do recorrente.
Algo diversa se apresenta, porém, a nosso ver, a apreciação do disposto sobre a matéria pelo Dec Lei 96/99/M de 29/11, diploma que visou garantir aos aposentados e pensionistas que transferiram a responsabilidade pelo pagamento das suas pensões para a CGA, a manutenção dos direitos respectivos, designadamente o subsídio de residência (al b) do art.º 1º).
É que, se bem se atentar, o seu art.º 3º revogou expressamente a al b) do art.º 3º do art.º 17º do Dec Lei 14/94/M e o n.º 2 do art.º 3º do Dec Lei 38/95.
E, percebendo-se que na génese dessa revogação se encontrará fundamentalmente, para compatibilização, a necessidade de “quebrar” o prazo limite (19/12/99) do abono do subsídio em questão, a verdade é que era em tais normativos revogados que se expressava o condicionalismo da residência em Macau como condição de percepção do subsídio, sendo que, embora o teor do preâmbulo do citado Dec Lei 96/99/M pareça continuar a apontar como visados os aposentados, naquelas condições específicas, que continuavam a residir em Macau, o normativo aplicável – al b) do art.º 1º - não expressa tal circunstância como condicionante do abono daquele benefício.
Como, de resto, o não faz a Lei 2/2011, diploma que, regulando o regime do prémio de antiguidade e dos subsídios de residência e de família dos trabalhadores dos serviços públicos da RAEM, revogou o estipulado na matéria pelo ETAPM (art.ºs 203º a 212º), sendo que no seu art.º 10º, sob o epíteto de “Direito ao subsídio”, se contempla, sem distinções o acesso ao mesmo dos aposentados, em parte alguma se descortinando qualquer diferenciação “negativa” relativamente aos aposentados que, tendo transferido a responsabilidade para a CGA, usufruíram dos direitos contemplados nos já citados n.ºs 3 e 4 do art.º 17º do Dec Lei 14/94/M, ou, dizendo de outra forma, não se alcança do diploma em causa qualquer dispositivo que limite o acesso do direito ao abono do subsídio de residência aos aposentados residentes na Região.
Poderá, porventura, argumentar-se, a esse nível, com o elemento histórico e sistemático, o que, aliás, a entidade recorrida não deixou de empreender.
Só que, para além da especificidade do sucedido com o Dec Lei 96/99/M e respectivas revogações, o já mencionado Dec Lei 38/95/M de 7/8 destinou-se, conforme os termos do preâmbulo respectivo, a clarificar e adaptar o ETAPM a determinadas situações específicas do processo de integração dos funcionários de Macau nos Serviços da República Portuguesa e da transferência da responsabilidade das pensões de aposentação e sobrevivência para a CGA, sendo certo que, como já se frisou, de acordo com o art.º 24º da Lei 2/2011, as normas daquele Estatuto (art.ºs 203º e 204º) referentes à atribuição do subsídio em questão foram expressamente revogadas, passando a vigorar na matéria, “tout court” as disposições daquele diploma, onde, repete-se, em parte alguma se configura o reporte à residência em Macau como condicionante no acesso ao benefício.
Aceita-se que deve haver uma limitação do universo de aposentados a quem a RAEM deve abonar subsídio de residência, reportando-se, naturalmente, o normativo em causa – art.º 10º - aos aposentados da RAEM.
Só que, aceitando a Administração abranger nesse conceito, para efeitos de atribuição do subsídio de residência, os funcionários que, no processo de integração, transferiram a responsabilidade pelo pagamento das pensões para a CGA e mesmo aqueles que, nessas condições, requereram e obtiveram o direito ao transporte de bagagens e, ou, veículo ligeiro de passageiros para Portugal (e, refira-se, a este propósito, a estranha circunstância de, reportando-se o “direito a transporte” a que alude o n.º 4 do art.º 17º do Dec Lei 14/94/M não só às pessoas, mas também às bagagens, veículo ligeiro de passageiros e seguro, a entidade recorrida apenas ter accionado a ficção legal da fixação da residência em Portugal, supostamente impeditiva do direito almejado, relativamente aos aposentados e pensionistas que requereram e obtiveram o transporte de pessoas, com ou sem bagagem e veículo, indeferindo-lhes o pedido de atribuição de subsídio de residência, do mesmo passo que o deferiu relativamente àqueles que requereram e a quem foi abonado apenas o transporte de bagagens e, ou, veículo ligeiro de passageiros, quando o preceito em causa não reporta, para a citada ficção, qualquer destrinça, não se alcançando, pois, o porquê de, à luz de tal dispositivo, se ficcionar a decisão da fixação da residência em Portugal apenas relativamente ao transporte de pessoas), não se descortina, à luz do novo diploma em questão, razão válida para afastar do acesso a esse subsídio os aposentados que, nas mesmas condições, no processo de integração, solicitaram e obtiveram o transporte de pessoas para o mesmo país, sendo certo que, no caso do recorrente, não deixou a mesma de deter o estatuto de residente da RAEM e aqui efectivamente residir.
E, não se diga que, neste contexto, a atribuição daquele subsídio ao recorrente e casos similares constituiria um absurdo por natureza, como parece pretender a recorrida: a partir do momento em que a Administração decide conceder aos aposentados que transferiram a responsabilidade pelo pagamento das suas pensões para a CGA (e a quem, portanto, não paga as respectivas pensões) o subsídio de residência, neles se abrangendo mesmo os que, naquelas condições, requereram e obtiveram o transporte para Portugal de bagagens e, ou veículo ligeiro de passageiros e seguro, não se vê que constitua maior “salto” ou algo de transcendente que se possa concluir que, a partir da publicação da Lei 2/2011, tenha a mesma Administração decidido estender a concessão do mesmo aos aposentados naquelas mesmas condições, mas que entenderam requerer também o transporte de pessoas para o mesmo país.
Que se saiba, “a questão humana e social”, a “idade avançada”, as dificuldades de se encontrarem “alternativas de residência compatíveis com a pensão auferida”, algumas das razões invocadas no preâmbulo do Dec Lei 96/99/M para a manutenção do subsídio de residência aos visados, não serão monopólio dos aposentados que não requereram as passagens para Portugal, ou que só para ali requereram o transporte de bagagens e, ou veículo, razão por que, não estabelecendo o n.º 1 do art.º 10º da Lei 2/2011 qualquer distinção ou destrinça relativamente aos aposentados, se entende como incorrecta a interpretação efectuada do preceito.
Donde, sermos, por tal via, a entender merecer provimento o presente recurso.”
*
O Tribunal é o competente e o processo o próprio.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas, e têm interesse processual.
Não existe outras nulidades, excepções nem questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
Cumpre decidir.
***
II) FUNDAMENTOS DE FACTO E DE DIREITO
Resulta provada dos elementos constantes dos autos, designadamente do processo administrativo, a seguinte matéria de facto com pertinência para a decisão da causa:
O recorrente aposentou-se em 28.05.1994, tendo pedido, em 04.08.1999, que a responsabilidade pelo pagamento da sua pensão de aposentação fosse transferida para a Caixa Geral de Aposentações (CGA), o qual foi autorizado em 03.09.1999. (fls. 157 e 158)
Em 11.08.1999 dirigiu um requerimento ao Presidente do Conselho de Administração do Fundo de Pensões de Macau pedindo que lhe fossem abonadas as passagens aéreas para si e esposa, bem como o transporte de bagagem para Portugal, onde pretendia fixar residência. (fls. 200)
Pedido esse que após apreciação foi autorizado e efectuado o pagamento de tais passagens. (fls. 198)
Em 2011, O recorrente formulou junto da Direcção dos Serviços de Finanças o pedido de atribuição do subsídio de residência, nos termos da Lei nº 2/2011.
Por despacho da Exmª Directora dos Serviços de Finanças, de 20.07.2011, foi indeferida a pretensão do recorrente nos seguintes termos:
“經考慮行政公職局於本年6月1日第110601005/DIR公函所載的法律意見以及根據退休基金會提供的名單已正實該147名屬葡國退休事務管理局的退休人士已經收取因決定往葡萄牙定居的航空交通費,故不符合第96/99/M號法令所規定要在1999年回歸後繼續居住於澳門。基此本人同意建議,拒絕發放房屋津貼予有關人士。”
Inconformado com o despacho, o recorrente apresentou recurso hierárquico junto do Exmº Secretário para a Economia e Finanças.
Em consequência, foi lavrada a seguinte Informação:

“事由:必要訴願-房屋津貼 編號INFORMAÇÃO: XXX/NAJ/LRB/12
Assunto: Recurso hierárquico necessário 日期 Data: 20/02/2012
    Subsídio de residência

Ex.ma Sr.a Directora
Na sequência do recurso hierárquico necessário dirigido ao Sr. Secretário para a Economia e Finanças, interposto por A, e cumprindo o despacho da Sr.a Coordenadora do NAJ, de 20/09/2011 cumpre emitir parecer.

Questão prévia
Insere-se o presente recurso numa série, que versa a mesma questão de facto, a decidir no âmbito de mesma legislação. A motivação consiste no indeferimento da pretensão a receber subsídio de residência, nos termos da Lei n.º 2/2011, apresentada por aposentados da Caixa Geral de Aposentações (CGA).
A questão de fundo, é a de saber se os aposentados que transferiram a responsabilidade do pagamento das pensões de reforma para a CGA, e beneficiaram do direito a transporte de pessoas e bens para Portugal, na condição de aí fixarem residência, ao abrigo do estipulado nos n.ºs 3 e 4 do artigo 17º do DL 14/94/M, face ao disposto no n.º 1 do artigo 10º da Lei 2/2011, passam a ter direito a receber subsídio de residência, uma vez que deixou de constar neste normativo a condição de residência na RAEM.
Entendem os recorrentes que sim. Eliminada a exigência de residência, a condição estabelecida no DL 14/94/M deixaria de operar e portanto podem começar a receber subsídio de residência.
A Administração assim não entendeu e indeferiu todos os pedidos. Na verdade, sendo aposentados da CGA e, presumidamente, residentes em Portugal, estão completamente desligados da Administração da RAEM. Excepcionalmente, por considerações de ordem social e justiça social, aos aposentados da CGA que decidiram manter a residência em Macau, não usufruindo das passagens previstas no DL n.º 14/94/M, foi mantido o direito a subsídio de residência. Como melhor se explica infra.
Inconformados com a decisão, recorreram hierarquicamente, apresentando todos os recursos a mesma argumentação de fundo. Assim sendo, foi um primeiro recurso apreciado e submetido a decisão superior, com a proposta de indeferimento. Atendendo à identidade da questão de fundo e do enquadramento jurídico, a decisão final deve ser a mesma para todos os recorrentes.
Superiormente, foi decidido proceder a uma reavaliação da questão. Efectuada a reavaliação, não se encontraram fundamentos legais na legislação actualmente em vigor, para alterar o sentido da decisão. Procedeu-se, quiçá, a uma melhor explanação dos fundamentos da proposta de indeferimento.
Veio esta a merecer a concordância superior. Pelo exposto, é lícito esperar que todos os recursos venham a merecer idêntica decisão, com base na fundamentação ora expendida.

Recurso hierárquico necessário
Deu entrada a 19 de Setembro de 2011 nestes Serviços recurso hierárquico necessário, interposto por A e aí melhor identificada, do indeferimento da pretensão a subsídio de residência apresentado pela recorrente.

Objecto do recurso
Constitui objecto do presente recurso o despacho da Sr.a Directora da Direcção dos Serviços de Finanças, (DSF) de 20/07/2011 lavrado na Informação n.º 52/DCP/2011, de 20/07/2011, que indeferiu a pretensão a subsídio de residência da ora recorrente.
O Senhor Secretário para a Economia e Finanças é a entidade competente para decidir, nos termos do disposto no artigo 153º e no n.º 2 do artigo 156º, ambos do Código do Procedimento Administrativo.

Dos factos
1. O ora recorrente apresentou uma declaração para efeito de atribuição de subsídio de residência nos termos do artigo 10º, n.º 1 da Lei n.º 2/2011, a que juntou cópias do BIRP, do cartão de pensionista da Caixa Geral de Aposentações (CGA), caderneta bancária e recibo da CEM.
2. A 20/07/2011 foi elaborada a informação n.º 052/DCP/2011, na qual foi exarado despacho da Sr.a Directora da DSF da mesma data.
3. Foi notificado o recorrente, através do ofício n.º 109/DCP/2011 de 26/08/2011 da impossibilidade de proceder à atribuição do subsídio de residência visado.
4. Consta do procedimento que o recorrente exerceu o seu direito a transporte para Portugal, nos termos do n.º 3 e ss. do artigo 17º do Decreto-Lei n.º 14/94/M de 23 de Fevereiro.

Apreciação do recurso
O recorrente assaca ao despacho da Sr.a Directora supra mencionado, o acto administrativo em causa, três vícios:
I. Vício de forma, por preterição da audiência prévia
II. Vício de violação de lei – artigo 10º da Lei n.º 2/2011
III. Vício de violação de lei – artigos 2º, 4º, 5º e 7º da Lei 8/1999

I. Sobre o pretenso vício de forma
1. Começa-se por analisar o vício de forma, uma vez que a confirmar-se a razão do recorrente o acto é anulável, ex vi do artigo 124º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), independentemente da conformidade ou não do seu conteúdo com a Lei.
2. Tem o recorrente absoluta razão quando diz que não foi chamado a pronunciar-se oralmente ou por escrito e que inexistem, in casu, os motivos elencados no artigo 96º do CPA em que tal formalidade é dispensável.
3. Já não quando cita o aresto do Tribunal de Segunda Instância, proferido no processo 234/2003. Na própria citação constante do ponto 21 do recurso, diz-se “… nas circunstâncias concretas do caso…”. E, no caso, trata-se de um procedimento sancionatório, onde, é óbvio, a audição do interessado configura-se nos moldes de um direito de defesa, de contraditar. O que aqui não se aplica.
4. Cabe aqui dizer que, se a cada pretensão dos particulares fosse a Administração obrigado a promover audiências, os serviços ficariam paralisados. Importante como são, o direito que assiste aos particulares de serem ouvidos, artigo 10º do CPA, não é um direito absoluto. Pelo que o legislador previu as situações em que a audiência é dispensável.
5. Crucial para aferir da eventual preterição desta formalidade essencial, é o disposto no artigo 97º do CPA (sublinhados nossos):
Artigo 97º
(Dispensa de audiência dos interessados)
O órgão instrutor pode dispensar a audiência dos interessados nos seguintes casos:
a) Se os interessados já se tiverem pronunciado no procedimento sobre as questões que importem à decisão e sobre as provas produzidas;
b) Se os elementos constantes do procedimento conduzirem a uma decisão favorável aos interessados.
6. A questão é de saber se o interessado já se pronunciou ou não sobre as questões que importem ao procedimento.
7. Ora quando o interessado apresentou a declaração que consta do procedimento, todos os elementos pertinentes à decisão ficaram expressos.
8. Aliás, o recorrente não faz menção, nas suas doutas alegações, de qualquer elemento que pudesse ter carreado para o procedimento, que tivesse a virtualidade de alterar o sentido da decisão ou habilitar a uma melhor apreciação e decisão.
9. Compreende-se o equívoco do recorrente. A Administração bastou-se com uma declaração, acompanhada com cópias de documentos para iniciar o procedimento. Tivesse o recorrente apresentado um requerimento, claro se tornaria a inexistência da necessidade da audiência.
10. Porque, reitera-se, não é necessário que para todos os requerimentos se tenha de socorrer de audiência do interessado. No caso trata-se, apenas, de aplicar o que dispõe Lei ao pedido do interessado, concessão de subsídio de residência ao abrigo do estipulado no artigo 10º da Lei n.º 2/2011, sendo conhecidos todos os dados jurídicos relevantes. Como prevê o artigo 97º a) do CPA. Sendo certo que, ainda que se pretendesse dever a mesma ter sido observada, a sua preterição jamais teria carácter invalidante, uma vez que a decisão tomada é a única legalmente possível.
11. Pelo que soçobra a argumentação do recorrente.
12. Em conclusão, inexiste qualquer preterição de audiência prévia.

II. Vício de violação de lei – artigo 10º da Lei n.º 2/2011
1. Entende o recorrente que o artigo 10º da Lei n.º 2/2011 deve ser interpretado literalmente. Para o que interessa ao caso, atribui subsídio de residência a todos os reformados, com as únicas excepções contidas no seu n.º 2.
2. Por lapso, no ponto 42 refere o recorrente o Decreto-Lei n.º 35/95/M, quando queria dizer Decreto-Lei n.º 38/95/M. E faz uma interpretação de parte do articulado no n.º 2 do seu artigo 3º. Vejamos todo o texto deste número:
2. Os pensionistas que têm direito a subsídio de residência, nos termos do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, após a transferência da respectiva pensão para a CGA mantêm esse direito, até 19 de Dezembro de 1999, enquanto residirem no território de Macau, sendo o pagamento efectuado pela Direcção dos Serviços de Finanças.*
3. Quer o recorrente concluir deste número que o termo “mantêm” apenas quer dizer que o direito, em abstracto, permanece no ordenamento jurídico da RAEM.
4. Não se consegue acompanhar o raciocínio do recorrente. Do texto retira-se que:
a) quem tem nos termos do ETAPM direito a subsídio de residência – condição prévia;
b) depois de transferirem a pensão para a CGA;
c) mantêm esse direito;
d) na condição de continuarem a residir em Macau.
É óbvio que quem tem direito a subsídio de residência nos termos do ETAPM e que não transferiu a pensão para a CGA continua a ter esse direito. A norma pretende regular a situação dos que, tendo direito a subsídio de residência, transferiram a pensão para a CGA.
5. E para estes determina que, na condição de continuarem a residir em Macau, esse direito será mantido, até 19 de Dezembro de 1999.
6. Se bem se entende o alcance que o recorrente quer retirar desta norma, ela significaria que o direito a subsídio de residência, permanece no ordenamento da RAEM, pelo que, quando se alteram os pressupostos da sua concessão, como o faz a Lei n.º 2/2011, apenas há que cuidar da verificação destes novos pressupostos para conceder o direito.
7. Diga-se de passagem, que esta norma foi revogada pelo Decreto-Lei n.º 96/99/M.
8. Supõe o recorrente, mal, que ausência de Macau, ou o uso do direito consagrado no artigo 17º do Decreto-Lei n.º 14/94/M, não põe em causa o critério de residência, pelo que, a todos os reformados agora residentes em Macau, se deve aplicar directamente o estipulado no Lei n.º 2/2011.
9. Para clarificar a situação, urge fazer uma recapitulação mais completa da situação jurídica em questão.
10. O Decreto-Lei n.º 14/94/M de 23 de Fevereiro veio regulamentar a aplicação no então Território de Macau do Decreto-Lei 357/93 de 14 de Outubro – legislação da República Portuguesa -. No artigo 2º define-se o seu âmbito de aplicação. Na alínea b) refere-se ao pessoal que reúna condições de transferência da responsabilidade das pensões de aposentação e sobrevivência para a Caixa Geral de Aposentações. É neste pessoal que se integra o recorrente.
11. Reza o 17º, sob a epígrafe Direitos, na parte que nos interessa, (sublinhados nossos):
3. Ao pessoal a quem tenha sido autorizada a transferência das respectivas pensões para a CGA é mantido o direito a:
a) Transporte para Portugal por conta do Território;

4. O direito a transporte referido neste artigo compreende o transporte de pessoas, o transporte e desalfandegamento de bagagens e de veículo ligeiro de passageiros, bem como os respectivos seguros, sendo o seu exercício condicionado à decisão de fixação de residência em Portugal.
12. Ou seja, define o conteúdo do direito, e uma condição para o seu exercício: fixação de residência em Portugal. Como consequência, aos aposentados que fizessem a transferência da responsabilidade das pensões de aposentação e sobrevivência para a Caixa Geral de Aposentações e exercerem o direito a transporte, a Lei presumia que tivessem fixado residência em Portugal.
13. De outro modo, considerava que tinham deixado de residir em Macau. E daí retirava as consequências no que tange ao subsídio de residência: deixavam de poder usufruir desse direito, atento o facto de não terem residência em Macau, para esse efeito.
14. Posteriormente, veio o Decreto-Lei n.º 38/95/M esclarecer no seu artigo 3º, que para os pensionistas que tendo transferido a sua pensão para a CGA, tinham direito a subsídio de residência, nos termos do ETAPM, isto é, que residiam em Macau, e enquanto aqui residissem, lhes era assegurado o subsídio de residência, até 19/12/1999.
15. Por exclusão de partes, os outros, como é óbvio, que não residiam em Macau, por terem beneficiado do direito a transporte, continuavam a não ter esse direito. Note-se que tudo se passa durante a Administração Portuguesa. São aposentados da Administração Portuguesa, que optaram por receber as suas pensões pela Caixa Geral de Aposentação de Portugal e que usufruíram do direito a transporte para Portugal, porque aí iam fixar residência. A ligação ao então Território de Macau deixava, em termos legais de existir. Passaram a ser aposentados de Portugal.
16. Ainda mais tarde, o Decreto-Lei n.º 96/99/M veio prolongar esse direito no tempo. Retirou o limite temporal anteriormente estabelecido, 19/12/1999. Mais esclarecedor é, no entanto, o preâmbulo:
… parte significativa destes aposentados e pensionistas (da CGA mas que se tinham mantido em Macau, sem exercer o direito a transporte) tencionam continuar a residir em Macau para além de 19 de Dezembro de 1999, mantendo a condição de arrendatários de moradias do Território, bem como o acesso ao subsídio de residência.
Assim, o Governo de Macau não pode alhear-se da questão humana e social, atendendo à idade avançada da maior parte destes cidadãos, à dificuldade destes encontrarem alternativas de residência compatíveis com a pensão auferida, assim como ao desenraizamento provocado pelo abandono da sua residência habitual e da comunidade circundante.
17. O presente diploma visa, por questões humanas e sociais, portanto excepcionalmente, garantir aos aposentados e pensionistas que tinham transferiram a responsabilidade pelo pagamento das suas pensões para a CGA, a manutenção dos referidos direitos.
18. O conjunto dos pensionistas da CGA continuou a compreender duas classes: os que tinham mantido a residência em Macau, e os que, tinham utilizado o direito de transporte para Portugal. Os primeiros viram estendido esse direito no tempo. Os segundos, continuaram a ser considerados como não residentes em Macau, para o efeito de pagamento de subsídio de residência.
19. Aliás, o preâmbulo deste normativo é bem explícito. Trata-se de proteger os reformados que, apesar de o serem pela CGA, por manterem a residência em Macau, devem ser auxiliados.
20. Os outros estão afastados dos cuidados da Lei. O Decreto-Lei 14/94/M operou um corte.
21. A remissão para o ETAPM, feito no artigo 1º do Decreto-Lei 96/99/M, tem por âmbito de aplicação, por pressuposto, a classe de reformados da CGA que mantiveram a sua residência em Macau.
22. Significa que não é a exigência de residir em Macau plasmada no artigo 203º n.º 1 do ETAPM que aqui opera em primeiro lugar. A que opera em primeiro lugar é a referida, contida no Decreto-Lei 14/94/M.
23. Após satisfazer esse requisito, é que passam a operar os pressupostos do artigo 203º do ETAPM.
24. Chegados a 2011, a Lei 2/2011 revogou a norma referida no ponto anterior.
25. Mas não revogou a primeira exigência estabelecida no Decreto-Lei 14/94/M. E por isso esta continua a operar.
26. E é por força deste normativo que, os pensionistas da CGA, que beneficiaram do direito a transporte, não têm direito a subsídio de residência.
27. A Lei n.º 2/2011 não criou um direito ex novo para estes aposentados. Alargou o âmbito dos beneficiários, com a supressão da restrição da posse de habitação própria livre de encargos e a residência.
28. Importa esclarecer que não se trata, como diz o requerente, de uma espécie de “trata sucessivo”. Do que se trata é de determinar o regime jurídico a que está sujeito o requerente. E da continuidade do sistema jurídico da RAEM, como consta do artigo 8º da Lei Básica.
29. Acresce que este entendimento está conforme com o facto do recorrente, embora residente permanente da RAEM, só agora vir requerer o subsídio em causa. Se se tratasse de mera questão de residência, sempre teria tido direito ao subsídio.
30. Fica assim demonstrada a inexistência de violação da Lei 2/2011 pelo acto em crise.

III. Do vício de violação de lei – artigo 2º, 4º, 5º e 7º da Lei 8/1999
1. Com o devido respeito, que é muito, não se acompanha a argumentação do recorrente no que concerne à violação da Lei 8/1999.
2. É que em todo o procedimento nunca foi posto em causa o estatuto de residente da RAEM do recorrente.
3. Como supra se referiu, a lei considerou que, o exercício do direito ao transporte para Portugal é condicionado à decisão de fixação de residência em Portugal.
4. E preciso é convir que a norma faz sentido. Tudo o conteúdo do direito, transporte de pessoas, bens, seguros, entre outros, é compreensível visando a finalidade de fixação de residência fora da, agora, RAEM.
5. Nunca como um prémio.
6. Os termos em que está redigida a norma não implicam qualquer consideração sobre o estatuto de residente ou não. O recorrente foi e é livre de estabelecer residência onde melhor lhe aprouver, de acordo com as leis locais.
7. O que a lei fez foi condicionar um direito. Exercido o direito, considera a lei que a condição foi satisfeita e retira daí as devidas consequências. Para os efeitos que a lei pretende regular.
8. Não é nada de novo. Como exemplo, o artigo 5º do ETAPM diz:
Artigo 5º
(União de facto)
1. Aqueles que não sendo casados ou, sendo-o, se encontrem separados judicialmente de pessoas e bens e vivam, há mais de dois anos, em condições análogas às dos cônjuges são havidos como cônjuges para efeitos do presente diploma.
9. Não se trata de uma alteração ao Código Civil então vigente. Apenas para efeitos de aplicação do estatuto, se criou uma regra se restringe o seu âmbito de aplicação ao estatuto. E que tem consequências, pacificamente aceites.
10. Repete-se não se descortina lugar algum onde se tenha posto em causa o estatuto de residentes do recorrente. Como supra se demonstrou, nem isso é necessário.
11. Pelo que não pode haver qualquer violação da Lei 8/1999, quando ela nunca foi considerada, nem sequer tida em conta, no procedimento que se concluiu com a acto administrativo sub judice.

結論 Conclusão
當上訴人向當局遞交含作出決定的所有資料的申請書時,就不存在忽略預先聽證的形式瑕疵,因為《行政程序法典》第九十七條a項規定,當作出決定的所有資料已被提供時,免除預先聽證,這就如本個案。肯定上訴人沒有可證明預先聽證的任何理由或資料附入程序。除此之外,即使不是這樣理解,忽略絕沒有無效的標誌,因為採取的決定是唯一可依法而行的決定。
Quando o recorrente apresenta um requerimento à Administração onde constam todos os elementos pertinentes à tomada de uma decisão, inexiste vício de forma por preterição de audiência prévia, uma vez que o artigo 97º alínea a) do CPA, dispensa a audiência prévia quando, como no caso, todos os elementos atinentes à decisão já foram fornecidos. Sendo certo que o recorrente não aduz qualquer razão ou elemento a carrear para o procedimento que pudesse justificar a audiência prévia. Além disso, ainda que assim se não entendesse, a preterição jamais teria carácter invalidante, uma vez que a decisão tomada é a única legalmente possível.
正如第14/94/M號法令第十七條第三款和第四款的明確規定,上訴人是依照在葡萄牙定居的條件,才能行使運輸人和物往葡萄牙的權利。為此,上訴人不列入第96/99/M號法令範圍內,因為這項法令僅適用已將退休金和撫恤金責任轉往退休事務管理局且已決定留居澳門的退休人士。這項法令澄清及擴展了載於第14/94/M號法令的1999年12月19日房屋津貼日期的權利。為此,第2/2011號法律不適用於上訴人,因為這項法律僅擴展了受惠人的範圍,而這些受惠人不是因第14/94/M號法令而被排除的人士。為此,沒有違反第2/2011號法律。
O recorrente, ao ter exercido o direito a transporte de pessoas e bens para Portugal, consagrado no artigo 17º n.ºs 3 e 4 do Decreto-Lei n.º 14/94/M, fê-lo, na condição de fixação de residência em Portugal como é claramente expresso nessas normas. Por isso fica excluído do âmbito de aplicação do Decreto-Lei 96/99/M, uma vez que este apenas se aplica aos reformados que, tendo efectuado a transferência da responsabilidade das pensões de aposentação e sobrevivência para a Caixa Geral de Aposentações, tinham decidido permanecer em Macau. Este decreto veio clarificar e estender o direito a subsídio de residência para lá da data de 19/12/1999, que constava do Decreto-Lei n.º 14/94/M. Pelo que ao recorrente é inaplicável a Lei n.º 2/2011. Esta apenas alarga o âmbito de beneficiários, de entre os que, não foram excluídos pelo Decreto-Lei n.º 14/94/M. Pelo que não houve violação da Lei n.º 2/2011.
在作出有關行為的程序中,上訴人的居民身份沒有被考慮,故沒有違反法律的瑕疵,尤其是第8/1999號法律第二條、第四條、第五條和第七條規定。法律為着本身規定的目的,才制定上訴人留居葡萄牙方得行使運輸權的條件。第14/94/M號法律、被上訴批示及依該批示完成的程序等均沒提及上訴人有否居民身份。
Não existe vício de violação de lei, nomeadamente dos artigos 2º, 4º, 5º e 7º da Lei 8/1999, quando em parte nenhuma do procedimento que conduziu à prolacção do acto sub judice, se desconsiderou o estatuto de residente do recorrente. É a lei que condiciona o exercício ao direito a transporte do recorrente à fixação de residência em Portugal, para os efeitos que a própria lei visa disciplinar. Não se pronuncia nem o Decreto-Lei n.º 14/94/M, nem o despacho recorrido, nem o procedimento que culminou nesse despacho sobre o estatuto de residente ou não do recorrente.
為此,建議訴願理由不成立及有關行為維持不變。
Pelo que se propõe o indeferimento do recurso e a manutenção do acto.
請上級考慮
À consideração superior

法律專家
O jurista
(XXX)” (fls. 1 a 15 do processo administrativo)
Por despacho do Exmº Secretário para a Economia e Finanças, de 01.03.2012, foi indeferido o recurso hierárquico apresentado pelo recorrente. (fls. 1 do processo administrativo)
Este é o acto recorrido.
*
Do vício de forma por falta de audiência prévia
Assaca o recorrente ao acto recorrido vício de forma por falta de audiência prévia no procedimento, alegando que o recorrente e o organismo representativo dos trabalhadores aposentados e pensionistas (APOMAC) não foram ouvidos antes de ser proferido despacho que indeferiu o pedido por si formulado, nem alguma vez no procedimento tenha sido proferido despacho que dispense aquela audiência.
Salvo o devido respeito por melhor opinião, entendemos não assistir razão ao recorrente.
É verdade que a audiência de interessados consiste numa formalidade importante no procedimento administrativo, encontrando-se a respectiva previsão legal plasmada no CPA, nomeadamente,
dispõe o nº 1 do artigo 93º do mesmo diploma legal que “Salvo o disposto nos artigos 96º e 97º, concluída a instrução, os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta.”
Por sua vez, preceitua-se no artigo 10º do Código do Procedimento Administrativo que “os órgãos da Administração Pública devem assegurar a participação dos particulares, bem como das associações que tenham por objecto a defesa dos seus interesses, na formação das decisões que lhes disserem respeito, designadamente através da respectiva audiência, nos termos deste Código”.
Ora bem, o que se pretende com a audiência dos interessados é assegurar o direito do contraditório dos interessados, evitando a chamada decisão surpresa, e permitir os mesmos, no caso de se ter realizado alguma diligência instrutória, manifestarem os seus pontos de vista adquiridos no procedimento, visando, no fundo, dotar a Administração de elementos necessários para poder dar uma decisão acertada.
No vertente caso, verifica-se que o respectivo procedimento administrativo foi instaurado a pedido do recorrente, nele foram suscitadas questões jurídicas que o recorrente já teve oportunidade de se pronunciar quer no seu requerimento inicial quer no requerimento de recurso hierárquico, para além de que não foi efectuada nenhuma diligência instrutória destinada a apurar qualquer matéria de facto alegada pelo recorrente, daí que entendemos ser desnecessária a dita audiência de interessados, nos termos do artigo 97, alínea a) do CPA.
Por outro lado, uma vez que se trata do exercício pela Administração de uma actividade administrativa estritamente vinculada, o que interessa saber aqui é qual deve ser o regime jurídico aplicável aos aposentados que optaram por transferir a responsabilidade para a CGA, portanto, pouca relevância e utilidade poderia ter a audiência da APOMAC para efeitos de decisão do pedido formulado pelo recorrente.
Além de que não está em causa decisão que afecte os interesses da classe, em termos de regulação dos interesses corporativos, mas apenas uma questão de interpretação de normas que não exige qualquer intervenção da referida associação.
Tudo isto para apontar a improcedência do vício invocado.
*
Do vício de erro sobre os pressupostos de facto e de direito
Alega o recorrente, em seguida, que o acto padece do vício de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, mas entendemos que o problema em causa não será tanto um erro sobre os factos, mas sim sobre a aplicação de direito, e para resolver o problema temos que recorrer a alguns diplomas legais, nomeadamente, DL nº 357/93, DL nº 14/94/M, DL nº 38/95/M, DL nº 96/99/M, Lei nº 8/1999 e Lei nº 2/2011.
No caso vertente, a entidade recorrida indeferiu a atribuição do subsídio de residência formulado pelo recorrente, por entender que o mesmo já exerceu o direito a transporte e fixou residência em Portugal, nos termos previstos no Decreto-Lei nº 14/94/M.
Salvo o devido respeito, entendemos que tanto o exercício do direito a transporte como a fixação de residência em Portugal não constituem critérios determinantes para se concluir que o recorrente não poderia usufruir do subsídio de residência previsto no artigo 10º da Lei nº 2/2011.
Dispõe o artigo 10º daquele diploma legal que “os trabalhadores dos serviços públicos que se encontrem em efectividade de funções ou desligados do serviço para efeitos de aposentação, bem como os aposentados, incluindo os magistrados aposentados, têm direito a um subsídio mensal de residência, nos termos previstos na presente lei, ainda que existam entre eles relações de parentesco e residam na mesma morada”.
Como se deve interpretar a norma ora citada? Será a mesma aplicável indistintamente a todos os aposentados? Ou haverá alguma distinção entre os que se aposentaram antes do estabelecimento da RAEM e os que se aposentaram após o retorno da soberania? Eis a questão.
Para melhor entender o âmbito de aplicação da norma citada, convém conhecer a evolução histórica e jurídica do regime de atribuição do subsídio de residência, focando-se, sobretudo, na situação dos aposentados.
Consagra-se no nº 1 do artigo 203º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau (ETAPM), aprovado pelo Decreto-Lei nº 87/89/M, de 21 de Dezembro que “Os funcionários e agentes em efectividade de funções, desligados do serviço para efeitos de aposentação ou aposentados, que residam em Macau e recebam, total ou parcialmente, vencimento, salário ou pensão por conta do Território, têm direito a um subsídio de residência de montante constante da tabela nº 2, ou de importância igual à renda paga se esta for inferior àquela quantia.”
De acordo com aquela disposição legal do ETAPM, no que aos aposentados se concerne, verifica-se que os funcionários aposentados que tinham residência em Macau e que recebiam pensão por conta do Território, teriam direito ao abono do subsídio de residência.
Em 1993, foi publicado o Decreto-Lei nº 357/93, de 14 de Outubro, o qual veio estabelecer o regime da integração dos trabalhadores da função pública de Macau nos quadros da República Portuguesa, nele foram reconhecidos direitos aos funcionários que não pretendiam continuar a exercer funções na Administração da RAEM após a transferência da soberania em 1999, nomeadamente, podiam os funcionários efectivos exercer o direito de integração nos quadros de pessoal dos serviços públicos portugueses ou pedir a desvinculação da Administração Pública mediante compensação pecuniária, enquanto os aposentados podiam pedir a transferência da responsabilidade pelo encargo e pagamento das pensões aos aposentados e sobreviventes para a Caixa Geral de Aposentações de Portugal.
Posteriormente, foi publicado o Decreto-Lei nº 14/94/M, de 23 de Fevereiro, o qual veio regulamentar a aplicação do Decreto-Lei nº 357/93, encontrando-se previsto no seu artigo 17º, nº 3, alínea b) que ao pessoal a quem tenha sido autorizada a transferência das respectivas pensões à CGA, enquanto residir em Macau, é mantido o direito a continuar a habitar moradia do Território até 19 de Dezembro de 1999, ou seja, à data de transferência da soberania para a República Popular da China, mediante o pagamento da respectiva renda.
Em 7 de Agosto publicou-se o Decreto-Lei nº 38/95/M, e no tocante à matéria do subsídio de residência, estatui-se no nº 2 do artigo 3º que “Os pensionistas que têm direito a subsídio de residência, nos termos do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, após a transferência da respectiva pensão para a CGA mantêm esse direito até 19 de Dezembro de 1999, enquanto residirem no território de Macau, sendo o pagamento efectuado pela Direcção dos Serviços de Finanças”. Isto é, esse último diploma veio salientar a manutenção do direito do subsídio de residência mesmo em relação aos pensionistas que tinham escolhido a transferência da respectiva pensão para a CGA, até 19 de Dezembro de 1999.
Entretanto, já em cima da data da transferência da Administração para a República Popular da China, surgiu o Decreto-Lei nº 96/99/M, de 29 de Novembro, preceituando-se no seu artigo 1º, alínea b) que “Ao pessoal a quem seja autorizada a transferência das respectivas pensões para a Caixa Geral de Aposentações é mantido o direito a subsídio de residência nos termos do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, sendo o pagamento efectuado pela Direcção dos Serviços de Finanças”.
Com a publicação deste último diploma legal, é fácil perceber que a intenção do legislador foi eliminar o limite temporal definido no nº 2 do artigo 3º do Decreto-Lei nº 38/95/M, de modo que os aposentados residentes em Macau pudessem continuar a receber o subsídio de residência mesmo depois da transferência ocorrida em 20 de Dezembro de 1999.
Assim, de acordo com este último diploma legal, parece que para aqueles que se aposentaram antes do estabelecimento da RAEM, e que continuaram a residir em Macau, teriam direito ao subsídio de residência.
Contudo, e salvo o devido respeito por melhor interpretação, não se nos afigura ser este o melhor entendimento, uma vez que este último diploma de 1999 (Decreto-Lei nº 96/99/M) viola quer a Declaração Conjunta quer a Lei Básica.
Senão vejamos.
Dispõe o artigo 8º do Código Civil que “A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”.
No fundo, compete ao intérprete procurar saber o pensamento e a intenção do legislador, sem se descurar dos factos históricos e sociais no momento em que a norma foi elaborada.
Nos termos do artigo 98º da Lei Básica da RAEM, o qual reproduz o teor estabelecido no artigo 6º do Anexo I da Declaração Conjunta do Governo da República Portuguesa e do Governo da República Popular da China sobre a questão de Macau, estatui-se o seguinte:
“À data do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau, os funcionários e agentes públicos que originalmente exerçam funções em Macau, incluindo os da polícia e os funcionários judiciais, podem manter os seus vínculos funcionais e continuar a trabalhar com vencimento, subsídios e benefícios não inferiores aos anteriores, contando-se, para efeitos de sua antiguidade, o serviço anteriormente prestado.
Aos funcionários e agentes públicos, que mantenham os seus vínculos funcionais e gozem, conforme a lei anteriormente vigente em Macau, do direito às pensões de aposentação e de sobrevivência e que se aposentem depois do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau, ou aos seus familiares, a Região Administrativa Especial de Macau paga as devidas pensões de aposentação e de sobrevivência em condições não menos favoráveis do que as anteriores, independentemente da sua nacionalidade e do seu local de residência.”
De acordo com esta disposição da Lei Básica, podemos concluir que a RAEM só se responsabiliza pelo encargo e pagamento das pensões de aposentação e de sobrevivência aos trabalhadores da função pública que se aposentem depois de 19 de Dezembro de 1999, enquanto aqueles que não transitaram o seu vínculo funcional para a RAEM, deveriam já ter escolhido em altura própria ou a integração nos quadros dos serviços da República Portuguesa, ou a desvinculação mediante compensação pecuniária, ou a transferência da responsabilidade pelo encargo e pagamento das respectivas pensões para a Caixa Geral de Aposentações de Portugal, de acordo com os termos definidos no Decreto-Lei nº 357/93.
Na verdade, por que os aposentados nunca foram trabalhadores da RAEM, o que significa que nunca de forma alguma tenham dado o seu contributo à RAEM, então é lógico que o novo Governo não irá assumir qualquer encargo e pagamento das pensões dos trabalhadores da Administração Portuguesa.
O mesmo acontece em relação ao abono do subsídio de residência.
Com o retorno da soberania para a República Popular da China, os antigos trabalhadores da função pública que se aposentaram antes dessa data mais não sejam do que meros aposentados do Território de Macau, e não da própria RAEM, pelo que, de acordo com o espírito ínsito naquela norma da Lei Básica, só se reconhece o estatuto dos trabalhadores e aposentados da função pública da RAEM aos indivíduos que tenham prestado serviço à RAEM, mesmo que tenham só trabalhado um dia.
Daí que, em nossa opinião, por ser o direito ao subsídio de residência um direito decorrente do estatuto dos trabalhadores e aposentados da função pública da RAEM, ou seja, um direito que só é concedido a quem possui o estatuto de funcionário público ou aposentado da RAEM, aqueles trabalhadores que se aposentaram já na época da Administração Portuguesa, como é o caso do recorrente, deixariam de ter direito ao seu recebimento a partir do momento em que entrou em vigor a Lei Básica.
De igual modo, com a entrada em vigor da Lei nº 2/2011, a qual veio introduzir alterações ao regime do prémio de antiguidade e dos subsídios de residência e de família, a situação não foi alterada, ou seja, os aposentados do Território de Macau continuam a não ter direito ao subsídio de residência.
Sem prejuízo dos fundamentos acima expostos, temos ainda outra razão, talvez mais simples.
Não obstante se referir no seu artigo 10º que o direito ao subsídio de residência é concedido aos trabalhadores efectivos dos serviços públicos, desligados para efeitos de aposentação e aposentados, mas se prestamos atenção no disposto no artigo 1º dessa mesma lei, podemos concluir que o novo diploma legal tem por objecto regular o regime de prémio de antiguidade e dos subsídios de residência e de família dos trabalhadores dos serviços públicos da RAEM, verificando-se aqui que o legislador teve o cuidado de usar a expressão “RAEM”, e não outra, por que nunca teria ignorado aquela disposição da Declaração Conjunta ou da Lei Básica acima referida.
Nestes termos, no tocante à definição de aposentados consagrada no artigo 10º da Lei nº 2/2011, salvo o devido respeito por opinião contrária, a mesma diz respeito exclusivamente a aposentados da RAEM, e não do Território de Macau, sob pena de violação da Declaração Conjunta e da Lei Básica.
Razão pela qual o recorrente, por se ter aposentado antes do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau, ou seja, altura em que Macau ainda estava sob a Administração Portuguesa, nunca chegou a possuir o estatuto de aposentado da RAEM, daí que não tem direito a receber o subsídio de residência na qualidade de aposentado da função pública da RAEM, previsto nos termos do artigo 10º da Lei nº 2/2011.
Não obstante que aos aposentados do Território de Macau foi atribuído o direito aos cuidados de saúde, mas isto não significa necessariamente que a atribuição do tal direito esteja ligada à qualidade estatutária de aposentado da RAEM, uma vez que podem os mesmos beneficiar dos direitos e regalias que o legislador ordinário lhes confira, fora do regime jurídico estatutário dos aposentados da função pública da RAEM, simplesmente por razões humanitárias.
Pelo que improcede o vício invocado.
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Do vício de violação dos artigos 2º, 4º, 5º e 7º da Lei nº 8/1999
Salvo o devido respeito, em conformidade com o entendimento acima exposto, somos da opinião de que o direito ao subsídio de residência, no caso do recorrente, não depende da circunstância de ele ter ou não a sua residência habitual em Macau, razão pela qual julgamos não haver necessidade de apreciar a questão respeitante à pretensa violação dos artigos 2º, 4º, 5º e 7º da Lei nº 8/1999.
***
III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao presente recurso contencioso.
Custas pelo recorrente, com a taxa de justiça de 4 U.C.
Registe e notifique.
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Macau, 27 de Março de 2014

Tong Hio Fong

Lai Kin Hong

João A. G. Gil de Oliveira
(voto a decisão, concordando com os fundamentos expostos no Acórdão que não colidam com a minha posição já exposta no Proc. n.º 197/2012, de que fui Relator.)

Presente
Victor Manuel Carvalho Coelho



Processo 301/2012 Página 41