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9Processo nº 145/2014 Data: 27.03.2014
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Liberdade condicional.
Pressupostos.



SUMÁRIO

1. A liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão.

2. É de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social.



O relator,

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José Maria Dias Azedo


Processo nº 145/2014
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A, com os restantes sinais dos autos e ora preso no Estabelecimento Prisional de Macau (E.P.M.), vem recorrer da decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, motivando para, a final, concluir, imputando à decisão recorrida o vício de violação do disposto no artº 56º do C.P.M.; (cfr., fls. 78 a 84-v que como as que adiante se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os legais efeitos).

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Em resposta, pugna o Exm° Magistrado do Ministério Público no sentido da improcedência do recurso; (cfr., fls. 89 a 91).

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Em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto douto Parecer com o teor seguinte:

“Na Motivação do recurso (fls.79 a 85 dos autos), a recorrente solicitou a revogação do douto despacho recorrido, assacando-lhe o vício de violar o disposto no art.56° do CPM.
Antes de mais, subscrevemos inteiramente as criteriosas explanações do nosso ilustre Colega na douta Resposta (fls.106 a 107 dos autos), e nada temos, de relevante, a acrescentar-lhes.
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No dia de hoje, constitui jurisprudência firme que a concessão da liberdade condicional depende do preenchimento cumulativo de todos os pressupostos, quer formais quer substanciais, consignados no art.56° do CPM, bastando a não verificação de qualquer um para se negar o pedido da liberdade condicional (a título exemplificativo, Acórdão do TSI no Processo n.°195/2003).
Importa recordar que a liberdade condicional não é uma medida de clemência ou de recompensa por mera boa conduta prisional, e serve na política do C.P.M. um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o recluso possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão. (Acórdão do TSI no Processo n.°50/2002) Daí decorre que se, não obstante um comportamento prisional adequado, pelo passado do recluso e perspectivas de reintegração se não se formula um juízo de prognose favorável a uma regeneração e se teme pelas razões de prevenção geral. (Acórdãos do TSI nos Processos n.°225/2010)
Ainda se inculca reiteradamente que cada situação deve ser observada em concreto e caso a caso, num circunstancialismo de modo, tempo e lugar próprios, analisando de forma crítica a personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo se vai reinserir na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo ainda constituir matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social. (Acs. do TSI nos Processos n.°225/2010 e n.°404/2011)
Envolvendo conceitos indeterminados de prognose, as alíneas a) e b) do n.°l do referido art.56° dotam aos julgadores certa margem de livre apreciação na interpretação e na valorização, pelo que a convicção de não verificação dos pressupostos subjectivos só poderia ser neutralizado se houvesse uma exemplar e excelente evolução activa da personalidade do recluso durante a execução da prisão, e não um mero comportamento passivo cumpridor das regras básicas de conduta prisional. (Acórdãos do TSI nos Processos n.°9/2002).
No caso vertente, ajuizando todos os dados constantes dos autos, a MMa. Juiz a quo entendeu cautelosamente que não mereciam suficiente confiança o remorso do recorrente e da sua sinceridade de cumprir a obrigação de indemnização (實令本法庭對被判刑人的悔悟及承擔責任的真誠有所保留).
No que diz respeito à prevenção geral, a MM. Juiz a quo mostrou a cristal e prudente preocupação de que a cristal e prudente preocupação de que本案被判刑人行使假籌碼以騙取娛樂場的金錢,彼等的行為己對被害公司造成直接經濟損害。考慮到本地區以博彩業為主要的社會經濟支柱,博彩業的發展吸引大量其他國家及地區的不法分子前來犯罪,且相類同罪行正不斷增加,為保障澳門社會經濟的穩定,對有關犯罪行為的一般預防要求較高。倘現時提前釋放被判刑人,極有可能對潛在的不分子釋出錯誤訊息,使之將澳門視為犯 a cristal e prudente preocupação de que本案被判刑人行使假籌碼以騙取娛樂場 的金錢,很等的行為己對被害公司造成直接經濟損害。考慮到本地區以博彩業為主要的社會經濟支柱,博彩業的發展吸引大量其他國家及地區的不法分子前來犯罪,且相類同罪行正不斷增加,為保障澳門社會經濟的穩定,對有關犯罪行為的一般預防要求較高。倘現時提前釋放被判刑人,極有可能對潛在的不分子釋出錯誤訊息,使之將澳門視為犯罪的樂土,因此,本法庭認為必須繼續執行刑罰,方能達震懾犯罪及防衛社會之效。
Pois, é verdade que não obstante se militarem, nos autos, umas circunstâncias favoráveis ao recorrente, na esteia das jurisprudências supra citadas, aderimos à posição da Mesma. Juiz a quo, no sentido de ele ainda não reunir cumulativamente, por ora, os pressupostos previstos nas alís. A) e b) do n.° 1 do art. 56° do CPM.
Com efeito, como bem observou a Mesma. Juiz a quo, revela-se seriamente duvidoso que a recorrente será capaz de reintegrar-se na sociedade de modo auto-responsável. O que nos dá a prever, a jusante, que não se verifica, na presente altura, o pressuposto consagrado naquelas alínea a) e b), pelo que a concessão da liberdade condicional periga a prevenção especial e geral.
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Por todo o exposto, propendemos pela improcedência do recurso em apreço”; (cfr., fls. 98 a 99)

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Corridos os vistos legais dos Mmºs Juízes-Adjuntos, e nada obstando, vieram os autos à conferência.

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Passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Flui dos autos a factualidade seguinte (com relevo para a decisão a proferir):

– por Acórdão do T.J.B. de 09.03.2012, foi, A, natural da Malásia, sem residência fixa em Macau, e ora recorrente, condenado na pena de 4 anos de prisão pela prática do crime de “burla qualificada”;
– o mesmo recorrente, deu entrada no E.P.M. em 24.05.2011, e em 22.01.2014, cumpriu dois terços da referida pena, vindo a expiar totalmente a mesma pena em 22.05.2015;
– se lhe vier a ser concedida a liberdade condicional, irá regressar à Malásia, vivendo com a sua família.

Do direito

3. Insurge-se o ora recorrente contra a decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, afirmando, em síntese, que se devia considerar que reunidos estão todos os pressupostos do artº 56º do C.P.M. para que tal libertação antecipada lhe fosse concedida.

Vejamos.

— Preceitua o citado artº 56º do C.P.M. (que regula os “Pressupostos e duração” da liberdade condicional) que:

   “1. O tribunal coloca o condenado a pena de prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo 6 meses, se:
a) For fundamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
   
2. A liberdade condicional tem duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, mas nunca superior a 5 anos.

3. A aplicação da liberdade condicional depende do consentimento do condenado”; (sub. nosso).
   
Constituem, assim, “pressupostos objectivos” ou “formais”, a condenação em pena de prisão superior a seis (6) meses e o cumprimento de dois terços da pena, num mínimo de (também) seis (6) meses; (cfr. nº 1).

“In casu”, atenta a pena que ao recorrente foi fixada, e visto que se encontra ininterruptamente preso desde 04.05.2011, expiados estão já dois terços de tal pena, pelo que preenchidos estão os ditos pressupostos formais.

Todavia, e como é sabido, tal “circunstancialismo” não basta, já que não sendo a liberdade condicional uma medida de concessão automática, impõe-se para a sua concessão, a verificação cumulativa de outros pressupostos de natureza “material”: os previstos nas alíneas a) e b) do nº 1 do referido artº 56º.

Com efeito, importa ter em conta que a liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão; (cfr., v.g., J. L. Morais Rocha e A. C. Sá Gomes in “Entre a Reclusão e a Liberdade – Estudos Penitenciários”, Vol. I, em concreto, “Algumas notas sobre o direito penitenciário”, IV cap., pág. 41 e segs.).
É pois um instituto da maior importância no sistema de execução da pena de prisão, em especial, na execução das penas de média e longa duração, na medida em que afasta os inconvenientes de uma permanência em reclusão por períodos demasiado longos, quando tal deixe de se justificar, e em que assegura uma transição menos brusca da reclusão prisional para a liberdade total.

Porém, e na esteira do repetidamente decidido nesta Instância, a liberdade condicional “é de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir óbviamente matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 11.04.2013, Proc. nº 177/2013, de 25.04.2013, Proc. nº 213/2013 e o de 20.06.2013, Proc. n.° 350/2013).

Assim, detenhamo-nos na apreciação de tais pressupostos de natureza material.



Ponderando na factualidade atrás retratada, poder-se-á dizer que é fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, mostrando-se a pretendida liberdade condicional compatível com a defesa da ordem jurídica e paz social?

Cremos que de sentido negativo deve ser a resposta, mostrando-se-nos de subscrever o teor do douto Parecer do Ilustre Procurador Adjunto, que aqui, por uma questão de economia processual, se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.

De facto, (e independentemente do demais), atento o tipo e circunstancialismos do crime pelo ora recorrente cometido, em conformidade com um plano previamente traçado e em comparticipação com outros conterrâneos seus, importa pois acautelar a sua repercussão na sociedade, o que equivale a dizer que não podem ser postergadas as exigências de tutela do ordenamento jurídico; (cfr., F. Dias in “Dto Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 528 e segs.), havendo igualmente que salvaguardar a confiança e as expectativas da comunidade no que toca à validade da norma violada através do “restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada”; (cfr., F. Dias in “Temas Básicos da Doutrina Penal”, pág. 106, notando-se que, por recente Acórdão deste T.S.I. de 20.03.2.014, se decidiu negar idêntico recurso a um co-arguido do ora recorrente).

Assim, em face das expostas considerações, e verificados não estando os pressupostos do art. 56°, n.° 1 do C.P.M., há que confirmar a decisão recorrida.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.

Custas pelo recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 4 UCs.



Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.500,00.

Macau, aos 27 de Março de 2014
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 145/2014 Pág. 14

Proc. 145/2014 Pág. 3