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Proc. nº 466/2013
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 20 de Março de 2014
Descritores:
-Prova
-Julgamento da matéria de facto
-Causa de pedir
-Enriquecimento sem causa
-Resolução do contrato
-Nulidade de sentença

SUMÁRIO:

I - A livre convicção do tribunal de 1ª instância acerca da matéria de facto formada a partir da prova testemunhal e documental obtida é insindicável, salvo nos casos dos arts. 599º e 629º do CPC e ante a presença de elementos dos autos indesmentíveis em sentido diferente ou contrário.

II - O que integra a causa de pedir são os factos e não a figura jurídica ou o instituto legal que o autor elege como fundamento do direito para a pretensão.

III - Tendo o autor da acção preenchido a causa de pedir com factos densificadores do enriquecimento sem causa, não pode o tribunal decidir o caso segundo as regras da resolução do contrato por incumprimento do réu, se o autor não traçou devidamente o desenho factual de uma causa de pedir fundada em incumprimento contratual.

IV - Também não podia a resolução ser fundada na perda de interesse do credor (autor), por não ter sido invocada matéria que a ilustrasse.

V - Nula a sentença por qualquer motivo, se o processo dispuser de todos os elementos necessários à decisão, o TSI procederá ao conhecimento do pedido na perspectiva da causa de pedir invocada na petição inicial, nos termos do art. 630º do CPC.

VI - O enriquecimento sem causa é um instituto que apresenta um carácter subsidiário (art. 468º, do CC), isto é, só é possível no caso de inexistir um meio alternativo para ressarcimento dos prejuízos, tal como, por exemplo, a declaração de nulidade, de anulação, de cumprimento.

















Proc. nº 466/2013
(No TJB, nº Proc. nº CV3-11-0061-CAO)

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.

I - Relatório
A, do sexo masculino, residente em Macau, na Rua XX, nº XX, edif. XX, XXº, letra XX, intentou no TJB acção declarativa com processo ordinário contra B, do sexo masculino, residente em Macau, na Rua XX, nº XX, edif. XX, XXº, letra XX, em que, a título de enriquecimento sem causa, pede a condenação do réu a pagar-lhe o montante de HK$ 1.000.000,00 e juros respectivos, bem como as custas do processo e procuradoria condigna.
*
A seu tempo foi proferido acórdão decisor no TJB, datado de 25/03/2013, que julgou procedente a acção e condenou o réu a pagar ao autor a quantia de HK$ 1.000.000.00, convertível em Mop$ 1.030.000,00, acrescidos de juros de mora à taxa legal desde a citação até efectivo e integral pagamento.
*
É contra esse acórdão que ora vem interposto o presente recurso jurisdicional para o TSI pelo réu da acção, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
«Dos factos
1) De acordo com os quesitos 5º e 6º que ficaram provados após a audiência de julgamento, o autor concordou em adquirir 3% das quotas das dez sociedades de Hong Kong e de Macau detidas pelo réu, pelo valor de HK$1.705.995,75.
2) Segundo o quesito 20.º que ficou provado, após realizada a audiência de julgamento, até à presente data, o autor ainda não pagou ao réu a quantia remanescente de HK$705.996 pela inscrição de quota.
3) Pelo que, de acordo com o princípio da liberdade contratual e o princípio de implementação do contrato, o réu tinha interesse do prazo e, antes de o autor ter concluído o pagamento de todas as prestações (não cumprimento integral), não ficou obrigado a constituir sociedade holding.
4) Assim sendo, os factos provados não dão para sustentar a decisão do acórdão recorrido. Nos termos do art.º 571.º, n.º1, al. b) do Código de Processo Civil, é nulo o acórdão recorrido por “não ter especificado os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”.
5) Além disso, as quotas de todas as sociedades podem variar de acordo com a situação de funcionamento da respectiva sociedade e do mercado (por exemplo, a empresa listada vai fixar ininterruptamente o valor da sua acção, consoante a alteração do valor na parte da manhã e da tarde), razão pela qual, é necessário fixar a data de vigência na inscrição das quotas das dez sociedades do réu feita pelo autor e pelos outros gerentes superiores, a fim de se determinar a alteração do preço de quota e o risco. Após ajustado o acordo de compra e venda por parte do réu, autor e restantes subscritores, tendo todos concordado unanimemente em fixar em 1 de Janeiro de 2003, a respectiva data de vigência quanto à transacção das quotas e aos lucros e prejuízos (“effective 1st January 2003”).
6) Tanto as testemunhas do autor, como as do réu, também consideram que o réu era pessoa qualificada no sector de transporte marítimo, com muita experiência, alta capacidade administrativa e força convincente, respeitado por todas as pessoas. Pelo que todos concordaram em confiar-lhe a detenção e gerência das quotas em nome dos subscritores (ou seja cabe aos efectivos titulares assumirem ou gozarem os prejuízos e lucros das quotas, devido à eventual alteração do valor das quotas), só mais tarde constituir-se-iam duas sociedades holding, e antes disso, com base na confiança mútua, cabe ainda ao senhor B deter temporariamente as quotas em nome dos subscritores.
7) Em 5 de Agosto de 200S, o senhor C, como gerente superior e também um dos subscritores, pediu a demissão por causa de doença da vértebra cervical, tendo restituído ao réu, 3% das quotas por si adquiridas junto do senhor B, das dez empresas de que o mesmo era o sócio maioritário. E o senhor B também conforme os lucros obtidos pelas dez sociedades, segundo a proporção das quotas detidas por si nessas sociedades, calculou que o senhor C obteve lucros de HK$142.138,52 no investimento feito na altura.
8) Daí pode verificar-se que não obstante o senhor C ainda não ter concluído o pagamento de todas as prestações nem ter sido registado como titular das quotas sem realização da respectiva partilha, o réu, segundo o acordo, fixou o então preço de recompra das quotas, conforme calculado segundo a data de vigência de 1 de Janeiro de 2003.
9) Pelo que, o pagamento parcial de prestações pelo autor destinava-se a adquirir as quotas das dez sociedades do réu, pelo igual valor, e o autor, por sua vez, também tem que assumir o respectivo risco consoante a proporção das quotas por si detidas.
10) Não tendo, contudo, o acórdão recorrido, tomado em consideração tal facto, condenou o réu a restituir ao autor HK1.000.000 já pago pelo autor sem que fizesse o desconto consoante o princípio de equidade, sendo isso a insuficiência para a decisão dos factos provados.
11) Nos termos do art.º 571.º, nº 1, al. b) do Código de Processo Civil, é nulo o acórdão recorrido, por não ter especificado os fundamentos de facto e de direito da decisão.
12) De acordo com o conteúdo da petição inicial, da contestação e dos quesitos 4º, 21º e 22º que ficaram provados, após realizada a audiência, nos autos, o processo de inscrição das quotas é o seguinte: após concluído o pagamento de todas as prestações, efectua-se a partilha das quotas e em consequência, constitui-se empresa “holding”, no sentido de se deter e controlar as quotas das respectivas sociedades (incluídos o autor e outros subscritores na empresa nova como sócios)
13) Segundo os depoimentos prestados na audiência pelo senhor D, na qualidade da testemunha do autor, tendo o mesmo referido que só tinha concluído o pagamento de todas as prestações até 2008, e antes de concluído as prestações, sentiu que não era conveniente solicitar a constituição da empresa holding junto do réu.
14) Em princípios de 2009, o autor solicitou ao réu que constituísse empresa holding; mas após ouvido a explicação dada pelo réu, o autor concordou que o réu cumpriria o contrato quando todos concluíssem o pagamento de todas as prestações.
15) Segundo os depoimentos prestados pelo senhor E, na qualidade de testemunha do réu, tendo o mesmo indicado que o réu chegou a oficiar a todos os gerentes superiores (incluindo o autor) para participarem na constituição da empresa “holding”, mas eles não queriam isso, mas sim a restituição do dinheiro.
16) De acordo com as regras da experiência, podemos saber se todos os subscritores (incluindo o autor) não tinham concordado unanimemente com o processo de transacção, nem podiam obter lucros até fins de 2008, de nenhuma maneira, eles não efectuaram pagamento sem que fosse fixado o prazo determinado para a constituição da empresa holding.
17) Não tendo, contudo, o acórdão recorrido apreciado tal processo de transacção autorizado pelo réu, autor e outros subscritores, condenou que mesmo o autor não tenha concluído o pagamento de todas as prestações, também tem direito a exigir do réu a constituição da empresa, porém, quanto a isso, nos termos do art.º 571.º, n.º1, al. b) do Código de Processo Civil, é nulo o acórdão recorrido por não “ter especificado os fundamentos de facto e de direito da decisão.”
18) Indica o acórdão recorrido que o réu não cumpriu o contrato e sempre demorou a constituição da respectiva empresa holding, após recebido parte da quantia do autor (vd. acórdão, fls.6). Mas na realidade, foi o autor quem não cumpriu em primeiro lugra o contrato.
19) Segundo os quesitos 4º, 21º e 22 que ficaram provados após realizada a audiência de julgamento, devem o autor e outros outorgantes concluir o pagamento integral e efectivo das quantias na subscrição das quotas, e vão ser transmitidas as respectivas quotas, ficando assim o réu obrigado a constituir empresa.
20) Segundo os factos provados n.020, pode saber-se que até à presente data, o autor ainda não pagou ao réu a quantia remanescente de HK$705.996.
21) O autor pagou em 2002 e 2003 parte de quantia no valor total de HK$1.000.000 (factos provados nº D e E, vd. acórdão recorrido, fls. 2), mas este, só em 2009, começou a exigir activamente ao réu que cumprisse, o mais breve possível, a sua promessa. No período entre 2003 e 2009, o autor sempre carecia de pagar a quantia remanescente de HK705.996 de tal modo a cumprir o contrato (o contrato deve ser pontualmente cumprido, ao abrigo do art.º 400.º do Código Civil). Pode o autor dar cumprimento disso, mas ele o não fez nem justificou por que razão parou de efectuar o pagamento (antes de 2009 quando começou a desconfiar do réu).
22) Em termos gerais, pode dizer-se que em termos gerais, as dez sociedades do réu tinham ainda lucros no período entre 2003 e 2008 (vd. documento n.º 20 anexo à contestação), perante essa situação de existir lucro, o autor não manifestou oposição. Até o fim do ano 2008, como as quotas adquiridas pelo autor sofreram graves prejuízos por causa de crise financeira ocorrida na altura, veio então o autor negar o original acordo por não querer assumir os eventuais riscos conforme estipulados no acordo (vd. documentos nºs 22 a 29, anexos à contestação e os documentos n.º 2 e 3, apresentados em 21 de Maio de 2012 pelo réu)
23) Pelo que, na realidade, foi o autor quem demorou efectuar o pagamento integral das quantias, fazendo com que ficassem demoradas as obrigações do réu de transmitir formalmente as quotas e constituir as empresas.
24) Perante a situação em que o autor (credor) ainda não cumpriu totalmente o contrato, o réu não tinha obrigação de constituir uma empresa nova ou transmitir as quotas das sociedades por si detidas ao autor para serem tituladas por ele. Razão pela qual, o autor não indicou na sua petição inicial, como causa de acção. O incumprimento do contrato por parte do réu, mas sim veio exigir a restituição da quantia pela razão de enriquecimento sem causa, ao abrigo do art.º 467.º do Código Civil.
25) Quer dizer, segundo consta dos factos provados do acórdão recorrido, o autor não cumpriu integralmente a sua obrigação de pagamento de quantia, mas o acórdão recorrido condenou o réu pelo incumprimento do contrato. Nos termos do art.º 571.º, n.º l, al. c) do Código de Processo Civil, o acórdão recorrido é nulo, pelos fundamentos em que se baseia estão em oposição com a decisão”.
Do Direito
Âmbito de julgamento
26) Nos autos, o autor, pela razão de enriquecimento sem causa, vem exigir do réu a restituição da quantia, mas o Colectivo indicou no acórdão recorrido que “nos termos do art.º 790.º, n.º 2 do Código Civil, julgo procedente a razão da acção deduzida pelo autor, decretando resolvido o contrato celebrado em 2002 entre o autor e o réu, e em consequência ordenando o réu na restituição ao autor da quantia recebida de HK$1.000.000.” (acórdão, fls. 8 e 9)
27) Nos termos do art.º 567.º do Código de Processo Civil, o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à aplicação das regras de direito, contudo, nos termos do art.º 564.º, n.º l do mesmo código, não pode a sentença condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir.
28) Tendo em conta que na petição inicial, o autor só pediu a condenação do réu na restituição do montante no valor total de HK$1.000.000 e de juros, mas nunca pediu a resolução do contrato (nos termos do art.º 790.º, n.º do Código Civil, a resolução do contrato só pode ser feita, a pedido do credor).
29) Pelo que, o acórdão recorrido violou o disposto no art.º 564.º, n.º 1 do Código de Processo Civil. Nos termos do art.º 571.º, n.º 1, al. a) do Código de Processo Civil, é nulo o acórdão recorrido por “ter condenado em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.”
Natureza do contrato
30) Nos termos do art.º 197.º, n.º 1 do Código Comercial, o aumento de lucros e os riscos de prejuízos indicados no contrato em causa devem passar a ser gozados ou assumidos pelos gerentes superiores que tinham adquirido as quotas.
31) As dez sociedades do réu tinham lucros no período entre 2003 e 2008. Os subscritores e o autor, a fim de expandir continuamente as actividades das empresas, concordaram unanimemente com o reinvestimento nas empresas pelos lucros obtidos. Embora o autor tenha detido apenas 3% das quotas, também tinha certos lucros. Na realidade, o autor já ganhou respectiva recompensa com parte da quantia paga.
32) Salvo o devido respeito, o que o acórdão recorrido julgou que deve o réu restituir ao autor a quantia por si paga, negligenciou a influência exterior mundial causada às dez sociedades do réu no final de 2008 (crise financeira), resultando daí que o capital do autor utilizado na aquisição de quotas do réu e os lucros obtidos desde 2003 até 2008 sofreram greves prejuízos.
33) Pelo que, o réu não necessita de restituir ao autor a quantia por si paga; o autor só tem obrigação de transmitir ao autor 3% das quotas das dez empresas e de constituir empresa holding.
34) É nulo o acórdão recorrido que condenou o réu a restituir ao autor a respectiva quantia, por ter violado o disposto no art.º 197.º do Código Comercial.
Alteração das circunstâncias
35) Mesmo que assim não se entenda, o incumprimento do réu também não foi devido à causa imputável ao réu, mas sim à impossibilidade em termos objectivo, e se se continua a exigir do réu a continuação de incumprimento, é contra o princípio da boa fé.
36) Dizem o art.º 431.º do Código Civil e o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal, proferido em 10/1/2013 no processo n.º 187/10.4TVLSB.L2.S1: “III - Muito embora a crise económico-financeira possa criar desequilíbrios económicos susceptíveis de provocarem alterações anormais das circunstâncias, nem todos os incumprimentos - em tempo de crise - se ficam a dever a essa alteração das circunstâncias. IV - É necessário que haja uma correlação directa e demonstrada factualmente entre a crise económica geral e a actividade económica concreta que determinado agente para que se possa falar de uma alteração anormal das circunstâncias.”
37) Pelo que, não é imputável ao réu o incumprimento do contrato. Tanto o autor como o réu sofrem prejuízos no investimento por causa da crise financeira ocorrida no final de 2008.
38) O Código Civil dispõe no seu art.º 779.º, n.º 1 que “a obrigação extingue-se quando a prestação se toma impossível por causa não imputável ao devedor.
39) Pelo que, é nulo o acórdão recorrido por ter violado o disposto no art.º 431.º e 779.º do Código Civil, assim sendo, o réu não necessita de restituir ao autor a respectiva quantia.
Litigância de má fé
40) De acordo com os quesitos 1º, 2º, 3º,4º, 21º, 22º, 5º, 6º, 7º, 9º, 10º, 11º, 12º, 13º, 14º e 20º dados por provados no acórdão recorrido, pode saber-se que o autor, na petição inicial, ocultou deliberadamente os verdadeiros factos de ter subscrito quotas das dez sociedades do réu quanto à parte por si detida, mas alegou que o réu tinha vendido ao autor 3% das quotas duma sociedade “F Investiment (Macau) Limited que nunca existiu; pedindo então a condenação do réu na restituição ao autor da quantia já paga, pela razão de enriquecimento sem causa;
41) O autor ocultou deliberadamente o acordo ajustado pelas ambas as partes, quanto às condições de transacção por eles prometidas, que devem, em primeiro lugar, todos os subscritores (incluindo o autor) concluir o pagamento integral de todas as prestações, e cabe então ao réu constituir as empresas holding para receber as respectivas quotas das empresas por si detidas e proceder à respectiva distribuição ao autor.
42) Assim sendo, segundo os factos provados nos autos, o autor, a fim de ocultar os factos de sofrer prejuízo no investimento, deliberadamente deduziu a pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar, bem como desfigurou ou ocultou os factos que se revestem importantes para o julgamento do caso, enganando a terceira pessoa para ter uma ideia de que o réu, com intenção de obter dinheiro do autor com engano.
43) Nos termos do art.º 385.º, n.º 2, al. b) do Código de Processo Civil, deve o acto do autor ser considerado como litigância de má fé; e nos termos do art.º 386.º, n.º2 do Código de Processo Civil, deve o autor responder pelos prejuízos sofridos pelo réu.
44) Pelo que, o acórdão recorrido é nulo por ter violado o disposto nos art.ºs 385.º, n.º 2, al. b) e 386.º, n.2 do Código de Processo Civil.
Termos em que, contando com o douto suprimento de V. Exªs., deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser declarado nulo o acórdão recorrido ou, deve ser revogado o acórdão proferido pelo Tribunal a quo e julgado o autor como litigante de má fé, condenando-o no pagamento de indemnização por todas as despesas e custas judiciais causadas ao réu pela litigância de má fé do autor.».
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Em resposta ao recurso, o réu da acção contra-alegou, tendo apresentado as seguintes conclusões:
«1- A sentença recorrida não padece de qualquer vício, não existindo, assim, qualquer motivo para que a mesma seja total ou parcialmente revogada.
2- O recorrente inicia as suas alegações de recurso misturando um conjunto de factos, alguns deles dados como provados pelo douto Colectivo e outros consubstanciados meramente na sua própria contestação e na sua versão, muito própria e pessoal dos acontecimentos, omitindo que estes últimos factos não obtiveram aceitação do Colectivo.
3- O recorrente menciona ainda alguns documentos particulares por si exclusivamente elaborados e apresentados, (onde não consta sequer qualquer assinatura do A., ora recorrido), pretendendo com os mesmos fazer prova plena dos factos por si alegados e da sua versão dos acontecimentos.
4- Ora, esses documentos particulares não foram aceites pelo douto colectivo, pelo que não tem qualquer sentido vir agora, em sede de alegações de recurso tentar utilizar o que deles consta, ou melhor o que neles foi escrito pelo R., ora recorrente em defesa do mesmo recorrente.
5- O que o recorrente está a tentar colocar em causa é, pura e simplesmente, o princípio da livre apreciação das provas pelo tribunal, a que alude o artigo 55º do C.P.C.
6- O recorrente está a sindicar a livre convicção dos Meritíssimos Juízes a qual é, insindicável, pelo que não merece qualquer colhimento o alegado neste ponto das suas alegações de recurso.
7- Acrescenta o recorrente que, em virtude do A. não ter pago a totalidade do valor acordado para a quota o R., ora recorrente, não tem a obrigação de criar a companhia holding.
8- Ora, em lado nenhum ficou provado que a constituição da sociedade “holding” dependeria do pagamento total do montante da quota ou até, como alega o recorrente, que seria efectuada no prazo de 5 anos a partir da data do inicio do pagamento da quota.
9- O que ficou provado é que o pagamento dessa quota poderia ser efectuado em prestações e que, “após a cessão de quotas ser formalizada, constituir-se-ia uma empresa “holding”.
10- A transferência da quota e a constituição da sociedade “holding” não ficou dependente do pagamento total do preço como parece fazer crer o recorrente.
11- Esta suposta “condição” que teria de ser cumprida para que se efectuasse a constituição da “holding” não foi sequer alegada e muito menos provada!
12- A compra e venda da quota pelo recorrido foi imediatamente efectuada, tendo, porém, sido acordado que o pagamento da mesma seria efectuado por prestações.
13- A cessão de quotas deveria ter sido imediatamente formalizada para, em seguida, se ter constituído a sociedade holding, situação que não ocorreu até hoje.
14- Pois, como ficou provado “o R. nunca chegou a formalizar a cessão das suas quotas a favor dos compradores, incluindo o aqui A., nem nunca foi constituída qualquer empresa “holding” denominada “F Investment (Macau) Limited”, apesar de várias vezes instado pelo A. e outros colegas de trabalho para se proceder à respectiva formalização.”
15- Na verdade, o incumprimento do recorrente foi DUPLO: por um lado nunca formalizou a cessão de quotas a favor do recorrido e, por outro lado, também nunca chegou a constituir qualquer empresa “holding”.
16- Face à não transmissão das quotas para o recorrido (apesar de interpelado para tal), aliada às sucessivas dilações do recorrente na recorrido esperou mais de 7 anos), conjugado ainda com o facto de o próprio recorrente estar a vender algumas das quotas que detinha nestas sociedades comerciais, fez com que o A., ora recorrido, perdesse o interesse no negócio. (art.º 797º do Código Civil)
17- Perca de interesse que levou o recorrido a pedir a resolução do contrato e a devolução do montante por si entregue.
18- Não corresponde à verdade que a douta sentença não especifique os fundamentos de direito e de facto que levaram o Meritíssimo Juiz a chegar à decisão final.
19- O recorrente até pode não concordar com estes fundamentos mas não pode é negar que os mesmos existem.
20- Tal como não existe qualquer contradição entre a fundamentação da sentença e a decisão final.
21- A douta sentença recorrida também não violou o disposto no artigo 571º nº alínea e) do C.P.C. pois não condenou em objecto diverso do pedido.
22- Na verdade, de acordo com o disposto no art.º 567º do C.P.C. “o Juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, mas tão só pode servir-se dos factos articulados pelas partes, sem prejuízo do disposto no artigo 5º.”
23- Situação que ocorreu no caso vertente pois, apesar do recorrido não ter, expressamente, requerido a resolução do contrato celebrado com o recorrente, esta declaração decorre da condenação do recorrente na devolução ao recorrido do montante por este entregue.
24- Nem de outra forma faria sentido, isto é, corno poderia a sentença condenar o recorrente a devolver o montante entregue pelo recorrido e manter a validade do contrato celebrado entre ambos, contrato este que se provou impossível de ser cumprido?
25- As alegações constantes dos artigos 51º a 65º nada têm a ver com a matéria que foi dada corno provada, pois baseiam-se apenas, em factos que foram trazidos aos autos pelo recorrente na sua contestação, mas dos quais não foi efectuada qualquer prova em audiência de discussão e julgamento e, por consequência, não foram dados corno provados pelo douto Colectivo, pelo que não tem qualquer sentido o recorrente vir agora utilizá-los nas suas alegações de recurso.
26- Por outro lado, sempre se dirá que não tem qualquer cabimento a alegação de má fé por parte do recorrido urna vez que este não omitiu qualquer facto nem distorceu qualquer aspecto da realidade.
27- Por último, não deverá ser aceite a junção de documentos agora efectuada pelo recorrente em sede de alegações de recurso, dado que todos os documentos juntos foram emitidos antes do encerramento da discussão em primeira instância e teriam que ser, necessariamente, j untos aos autos até à data de encerramento desta fase processual. (art.º 616º nº 1 do C.P.C.)
Nestes termos, nos melhores de Direito e sempre com o Mui Douto suprimento de v. Excelências, deve, pelas apontadas razões, ser mantida, na íntegra, a sentença recorrida, assim se fazendo a esperada e sã JUSTIÇA!».
*
Cumpre decidir.
***
II - Os Factos
A sentença deu por provada a seguinte factualidade:
«- O A. trabalhou, desde 12 de Julho de 1983 e até meados de 1992, na sociedade comercial denominado G(澳門) 船務有限公司, exercendo as funções de secretário, na secção de vendas. (A)
- Desde 1992 e até hoje, o A. passou a trabalhar na H Shipping Company. (B)
- Desde a altura em que iniciou funções nessas sociedades e até meados de 2009, o A. trabalhou sob as ordens e direcção do R., que foi até meados de 2009 o sócio maioritário destas empresas. (C)
- Em 31 de Agosto de 2002, o A efectuou o primeiro pagamento da referida quota entregando, para tal ao R, o montante de HK$360.000,00 (D)
- Em 2 de Abril de 2003, o A entregou ao R HK$640.000,00. (E)
- Em data não apurada de 2002, o R falou com o A e alguns colegas de trabalho deste propondo-lhe a compra de quotas duma das variadas sociedades de que este alegava ser sócio maioritário. (1º)
- O R explicou ao A que os negócios relativos ao comércio de mercadorias no Delta do rio das Pérolas estavam a correr muito bem e com um crescimento muito rápido, pelo que era uma excelente ideia investir nas sociedades comerciais que operavam neste tipo de actividade. (2º)
- O R informou o A que era sócio de várias sociedades comerciais de responsabilidade limitada e, uma vez que o A já era seu funcionário há vários anos, lhe tencionava vender parte das quotas de uma dessas sociedades por um preço muito vantajoso aceitando, inclusive, caso ele não tivesse a totalidade do capital imediatamente disponível, que o pagamento do preço fosse efectuado em prestações. (3º)
- Foi dito pelo R ao A que a ideia seria cada um dos seus funcionários optar pela compra de quotas duma das variadas sociedades comerciais de que o R alegava ser sócio maioritário, e mais tarde, após a cessão de quotas ser formalizada, constituir-se-ia uma empresa “holding” denominada por “F Investment (Macau) Limited” para controlar todas estas sociedades comerciais. (4º, 21 º e 22º)
No caso do A, o R propôs que ele compraria um quota das sociedades comerciais de que o R era sócio, correspondente a 3% do valor do capital da alegada empresa holding “F Investment (Macau) Limited”, tendo o A aceite comprar pelo preço de HK$1.705.995,75 (5º e 6º)
- Uma vez que o A. trabalhava para o R e nele depositava a sua total confiança nunca suspeitou que nessa oferta pudesse haver qualquer irregularidade. (7º)
- Após a conversa tida com o A, o R teve outras reuniões com outros trabalhadores da mesma empresa, subordinados do R, para os convencer a participar no mesmo negócio, ou seja, comprar parte das quotas das empresas dele. (9º)
- Em virtude da relação existente de patrão-empregado, o A nunca se apercebeu de que algo estava errado, embora considerasse estranho nunca ser marcada a data para formalizar a cessão de quotas, bem como a constituição da empresa “holding”. (10º)
- O R. nunca entregou ao A. quaisquer lucros, embora sempre dissesse a todos os “compradores” que estava a ter muitos lucros e que os negócios iam muito bem. (11º)
- A partir do início do ano de 2009 quando começou a saber que o R pretendia vender a sua quota na sociedade comerical H, local onde o A. trabalhava este começou a insistir com o R para que se formalizasse a cessão de quotas prometida e a constituição da sociedade comercial “F Investment (Macau) Limited” (12º)
- Durante muitos meses o R respondeu ao A que estava à espera que todos terminassem os seus pagamentos para formalizar, apenas de uma vez, todos os documentos. (13º)
- O A. convencido da veracidade dos argumentos apresentados pelo R e ainda pelo facto de continuar a trabalhar para este aceitou esperar mais um tempo. (14º)
- Em Dezembro de 2010, depois de ter contactado com os seus colegas que também estavam a pagar em prestações as quotas das “empresas” do R. descobriu que alguns deles já tinham terminado os seus pagamentos ou até desistido destes e se encontravam também à espera que o R. formalizasse a cessão de quotas. (15º e 27º)
- O A. e os restantes colegas que tinham aceite comprar as quotas das “empresas” do R. começaram a descobrir de que algo estava errado. (16º)
- A sociedade comerical “F Investment (Macau) Limited” nunca existiu. (17º)
- O A. e os seus colegas entraram em contacto com o R. para que este lhes devolvesse o dinheiro por eles entregue. (18º)
- O R. ainda tentou insistir com o A. a esperar mais tempo mas não foi aceite pelo último, tendo o R. deixado até de responder aos telefonemas do A. e a todas as tentativas que este fez para o contactar e mantém na sua posse o dinheiro do A. (19º)
- Até à presente data, o autor ainda não pagou o remanescente no valor de HKI$705.996,00. (20º)».
***
III - O Direito
1 - Em linhas gerais, e expurgada a matéria de facto sobre a qual havia contradição, o caso pode traduzir-se pela seguinte maneira:
Ao autor - que era empregado numa das empresas do réu (melhor dizendo, numa das empresas de que o réu era sócio maioritário), designada “H Shipping Company”, - juntamente com outros seus colegas, igualmente empregados do demandado, foi proposto adquirir uma quota de 3% das respectivas sociedades daquele. O preço seria de HK$ 1.705.996,00, a pagar em prestações, tendo o autor apenas pago HK$ 1.000.000,00. O réu, na oportunidade, formalizaria a cessão de quotas, após o que constituiria uma sociedade “holding”, que se designaria, “F Investment (Macau) Limited”, de forma a gerir e controlar todas as sociedades comerciais de que era sócio maioritário.
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2 - O que levou o autor a accionar o réu?
Foi o facto de, após a celebração do dito “contrato” em 2002, nunca ter sido formalizada por escrito a prometida cessão de quotas, nem constituída a dita sociedade “holding”e, mais ainda, foi o facto de ter sabido em 2009 que o réu pretendia alienar a terceiros a quota que detinha na sociedade comercial “H”.
Com que fundamentos o fez?
De acordo com a tese do autor, tudo não terá passado de uma actuação ilícita do réu, que assim agiu com intenção de enriquecer sem causa à sua custa. E por assim pensar, e apelando ao art. 467º e 474º do Código Civil, pretendeu obter na acção a restituição do prestado e juros respectivos.
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O acórdão recorrido, nos termos dos arts. 790º e 797º do Código Civil, declarou resolvido o contrato e condenou o réu a restituir a importância que, por conta do contrato celebrado, o autor lhe havia adiantado.
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O recorrente (réu) acha que o tribunal “a quo” andou mal em várias frentes e, para todas elas, cometeu a sanção de nulidade.
Nulidade, que tanto fundou:
a) - Na violação do art. 571º, nº1, als a), b) ou c), do CPC (ver pontos 12º, 27º, 46º e 50º das alegações); como,
b) - Na violação do art. 197º do Código Comercial (ponto 58º das alegações); ou até,
c) - Na violação dos arts. 431º e 779º do Código Civil (ponto 65º das alegações); e inclusive,
d) - Na violação dos arts. 385º, nº2, nº1, al. b) e 386º, nº2, do CPC (ponto 70 das alegações).
Apreciando.
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3 - No ponto 12 das alegações, na sequência dos pontos 1 a 11 dessa peça, o recorrente invoca a nulidade do art. 571º, nº1, al. b), do CPC, por o tribunal não ter especificado os fundamentos de facto e de direito justificativos da decisão.
Todavia, a matéria de facto que o recorrente aponta nesses pontos do articulado, não tem a menor importância para o desfecho do caso. Na verdade, ninguém pôs em causa que a “aquisição” das quotas assentasse num processo de coacção; efectivamente, os factos provados revelam que a “aquisição” foi feita de livre vontade por cada um dos interessados (autor e colegas).
Também não interessa perder mais tempo a discutir se a compra de 3% se referia a alguma sociedade já existente, como era a tese do autor, ou se ela se referia a uma quota do capital de uma das empresas do réu da acção, como era a tese do réu, que foi dada como a verdadeira.
Quanto ao que o recorrente assevera nos pontos 10º e 11º, é matéria que não está assente e o tribunal de recurso não tem modo de contrariar o que foi adquirido no TJB. Efectivamente, não se provou que a constituição da “holding” apenas teria lugar após o pagamento integral e acordado por parte dos interessados na aquisição de parte do capital de uma das sociedades do réu. Provado apenas está que a constituição da “holding” seria feita após a cessão de quotas ser formalizada (resposta aos quesitos 4º, 21º e 22º). A matéria que o recorrente invoca no art. 11º das alegações não foi dada por provada por não fazer sequer parte da base instrutória.
O tribunal julgou de acordo com os factos assentes e provados, em conformidade com a livre convicção formada a partir da prova testemunhal e documental obtida (cfr. art. 558º do CPC), que, como se sabe é insindicável, salvo em presença de elementos dos autos indesmentíveis em sentido diferente ou contrário. Nesta ordem de ideias, princípios como os da imediação, da aquisição processual (art. 436º do CPC), do ónus da prova (art. 335º do CC), da dúvida sobre a realidade de um facto (art. 437º do CPC), da plenitude da assistência dos juízes (art. 557º do CPC), da livre apreciação das provas (art. 558º do CPC), conferem lógica e legitimação à convicção. Isto é, se a prova é “livre” até certo ponto, a partir do momento em que o julgador respeita esse espaço de liberdade sem ultrapassar os limites processuais imanentes, a sindicância ao seu trabalho no tocante à matéria de facto só nos casos restritos no âmbito dos arts. 599º e 629º do CPC pode ser levada a cabo. Nada há a fazer, se o processo não desmente categoricamente a factualidade provada.
Face ao exposto, não se verifica a apontada nulidade.
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4 - No ponto 27º o recorrente insiste na nulidade da sentença em virtude de ela não ter especificado os fundamentos de facto e de direito em que assentou.
Não tem razão, mais uma vez. O recorrente acha que o tribunal não poderia ter condenado a restituir HK$ 1.000.000,00 ao autor, sem ter considerado o risco da actividade social das empresas deste consoante a proporção da sua quota de 3%. Não percebe muito bem este TSI o que o recorrente quer dizer. Provavelmente, pretendia que se abatesse àquele valor a importância correspondente à perda de valor da comparticipação social do autor, face aos lucros e perdas dos exercícios desde 1 de Janeiro de 2003.
Ora, isso nunca esteve em causa nos autos. Aliás, o tribunal não podia enveredar por esse caminho, se na génese da sua decisão esteve apenas o incumprimento contratual por parte do réu que, em sua óptica, o terá levado a resolver o contrato. Ou seja, a sentença foi coerente com o pressuposto de que partiu e, por isso, não tinha que fazer o exercício dedutivo que o recorrente aqui aporta.
O tribunal “ a quo” utilizou os fundamentos de facto e de direito concernentes à situação que deu por verificada e retirou dela as devidas consequências legais. Se o fez bem, se deveria ter ido por outro caminho fundamentativo, se o direito foi bem ou mal aplicado, isso é já questão diferente, mas que não se revê na nulidade suscitada, a qual assim se dá por inverificada.
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5 - No ponto 34º suscita, pela terceira vez, a nulidade do art.571º, nº1, al. b), do CPC.
Em sua opinião – e isso decorre de outros pontos desse articulado – uma coisa era a “subscrição de quotas”, outra era a transacção real das quotas com a assinatura formal do contrato de cessão. E o recorrente considera que o tribunal não especificou os fundamentos em que assentou a sua decisão, na medida em que não apurou se o recorrente somente tinha que cumprir o contrato (cremos que se refere à assinatura formal de cessão de quotas e constituição de uma sociedade “holding”) quando todos os seus colaboradores interessados na aquisição tivessem pago as prestações a que se vincularam.
Ora, nem essa matéria foi levada ao questionário, nem a falta de prova exemplifica ou densifica a nulidade invocada. Com efeito, não especificar os fundamentos de facto ou de direito não é o mesmo que erro na apreciação da prova que justifique, por exemplo, a modificação da decisão de facto (art.629º do CPC). E tanto quanto é perceptível, o que o recorrente pretenderá com esta invocação é chamar a atenção do tribunal de recurso para o facto de haver prova no sentido por si proposto, isto é, no sentido de que não incumpriu o contrato, pois, segundo diz, apenas estava obrigado a ceder efectiva e formalmente as quotas quando todos os compradores tivessem feito todos os pagamentos prestacionais a que se vincularam.
Não se mostra, pois, verificada a invocada nulidade. Aliás, como se verá mais adiante, nem sequer esta factualidade se apresenta relevante para o desfecho do litígio.
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6 - No ponto 46º o recorrente, na esteira dos arts. 35º a 45º, continua a considerar que a sentença é nula, desta vez face ao art. 571º, nº1, al. c), do CPC, por os fundamentos estarem em oposição com a decisão.
Em sua opinião, os factos provados demonstram, não um incumprimento seu, mas sim um incumprimento por banda do autor. E porquê? Porque a “holding” apenas deveria ser constituída após o pagamento integral e efectivo das quantias afirmadas na “subscrição” das quotas. Ora, se está provado que o autor não pagou o remanescente de HK$ 705.996,00, não pode ser atribuída ao recorrente a culpa no atraso da constituição da tal sociedade “holding”. Teria sido, aliás por essa razão, diz ele, que o autor não invocou o incumprimento do contrato por parte do réu, mas sim e apenas pediu a restituição da quantia entregue a título de enriquecimento sem causa.
Ora bem. Este argumentário segue a linha dos anteriores fundamentos de nulidade. Sobre isso, o que nos cumpre dizer é que esta matéria nunca seria causa de nulidade. Efectivamente, só haveria nulidade com este fundamento se os factos demonstrassem claramente um incumprimento por parte do autor e a sentença viesse a concluir pela condenação do réu. Mas, acontece que não está demonstrado que a transmissão efectiva e formal das quotas apenas ficasse de ser feita após o pagamento integral das prestações do autor. Mas não é isso que está provado.
Com efeito, nem sequer a resposta ao art. 13º da Base Instrutória serve esse propósito de forma muito evidente. Quer dizer, apesar de o recorrente dizer ao autor que “estava à espera que todos terminassem os seus pagamentos para formalizar, apenas de uma só vez, todos os documentos”, nem isso é apto a provar com total liquidez e segurança que esse foi o acordo inicial, ou seja, que a formalização da cessão estava dependente da verificação dessa condição.
Sendo assim, não vemos que haja qualquer contradição na sentença. Quando muito, o que pode é eventualmente ver-se nela uma inconsistente análise de mérito, uma insustentável apreciação jurídica do caso, desde que se chegue à conclusão de que este não podia ser solucionado pela via da resolução. E como teremos oportunidade de ver, cremos que não podia.
Improcede, pois, a invocada nulidade.
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7 - Continuando, no art. 50º das alegações, o recorrente insurge-se contra a sentença, apelidando-a de nula, uma vez mais, mas agora nos termos do art. 571º, nº1, al. a), do CPC, na consideração de que o tribunal condenou em quantidade superior ou em objecto diferente do pedido.
Efectivamente, o autor da acção centrou a sua atenção no instituto do enriquecimento sem causa. Esse foi o fundamento legal expressamente invocado.
E nessa base fundamentativa, o autor pediu a restituição do dinheiro que tinha entregado ao réu (um milhão de dólares de HK, do total acordado, de 1.705.996,20 dólares de HK), isso é certo (facto 18º).
Mas, o que pode esta pretensão configurar? Poderemos nós dizer que houve incumprimento do contrato por parte do réu, tal como foi concluído no aresto recorrido? Ou poderemos, por outro lado, nós acolher a ideia de ter havido perda de interesse do autor, face às circunstâncias? E que circunstâncias eram essas?
Ora bem. A sentença recorrida enveredou directamente pela via do incumprimento contratual por banda do réu. E, consequentemente, avançou para o direito do autor à resolução do contrato.
Face a tal decisão, o recorrente (réu da acção) entende que a dissonância entre a causa de pedir da acção e os fundamentos da decisão impugnada terá que ser resolvida à luz do art. 571º, nº1, al. a), do CPC (ver arts. 47º a 50º das alegações).
Vejamos.
É sabido que o que integra a causa de pedir são os factos e não a figura jurídica ou o instituto legal que o autor elege como fundamento de direito para a pretensão (art. 417º, nº4, CPC). Mas se isto é assim, isto é, se o juiz apenas se pode servir dos factos articulados pelas partes (art. 567º, 2ª parte, do CPC), já por outro lado não está vinculado às alegações delas no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 567º, 1º Parte, do CPC). Aliás, por tal motivo, a jurisprudência comparada teve oportunidade de se manifestar a favor da possibilidade de a acção ser julgada procedente e o réu ser condenado a restituir a quantia emprestada, não pelo instituto do enriquecimento sem causa invocado pelo autor na acção, mas sim pela nulidade do negócio, desde que os factos concernentes à nulidade do contrato de mútuo tivessem sido invocados e provados (Ac. STJ, de 25/01/2007, Proc. nº 4414/06, in C.J., Acórdãos do STJ, ano XV, Tomo I, 2007, pág. 43-44).
O que precisamos de ver, portanto, é se o autor invocou factos integradores da resolução do contrato.
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O tribunal “a quo”, progrediu directamente para a resolução, passando por cima do enriquecimento sem causa. O TJB concluiu que o Réu da acção, ora recorrente, incumpriu o contrato, o que nos termos do art. 790º do CC conferia ao autor o direito de resolução. Isto é, integrou a factualidade provada numa fundamentação jurídica diferente. Tê-lo-á feito com acerto?
Todavia, e é com muito respeito por opinião contrária que o dizemos, não nos parece que existam factos alegados suficientes que revelem esse incumprimento. Por exemplo, é caso para perguntar:
- Quando é que o Réu deveria ter procedido à cessão formal das quotas?
- Qual a data, qual o momento, qual o acontecimento que deveria funcionar como factor determinante para o apuramento da data do contrato de cessão das quotas?
- Tal ficou ao livre alvedrio do autor? Quando este quisesse interpelá-lo nesse sentido?
- Ou, segundo a tese do Réu, quando todos os pretensos adquirentes tivessem pago o valor do negócio de cada um? Recorde-se, a propósito, que o autor da acção, de um total acordado de HK$ 1.705.996,00, apenas chegou a pagar HK$ 1.000.000,00.
- Por outro lado, o que se passou nesta negociação?
- Foi um negócio completo e perfeito, este que juntou o autor ao réu?
- Foi um contrato definitivo de cessão, apenas faltando a sua formalização?
- Ou foi, simplesmente, um contrato-promessa de cessão de quotas, cuja celebração definitiva haveria de depender do pagamento integral do preço (tese do réu da acção)?
Verdadeiramente, nenhuma destas questões tem resposta clara, porque o autor não traçou devidamente o desenho factual de uma causa de pedir fundada em incumprimento contratual. Isto é, porque na mente do autor não estava (parecia não estar, pelo menos), verdadeiramente, a intenção de invocar a resolução, não teve ele a preocupação de construir o quadro de facto correspondente. Por isso, deixou o tribunal na ignorância acerca da verdadeira situação subjacente.
Mas, consequentemente, também não podemos com liquidez de sentimento ou tranquilidade e segurança de espírito afirmar que o réu não cumpriu o contrato. Aliás, a resposta ao quesito 13º (“durante muitos meses o R. respondeu ao A que estava à espera que todos terminassem os seus pagamentos para formalizar, apenas de uma vez, todos os documentos”) até parece inculcar (não provar, note-se) que o negócio formal, com escritura de cessão de quotas, apenas se realizaria logo que todos os interessados adquirentes pagassem o preço acordado. Não é possível inferir isso com toda a segurança, mas o sentido até parece ser esse!
Se fosse de admitir que o contrato estava já concretizado em definitivo, apenas faltando a sua celebração formal, então, como também dissemos, faltaria sempre saber qual seria a data convencionada para a sua formalização, para só então se poder concluir pelo momento do incumprimento definitivo. E para tal se apurar, seriam precisos mais dados de facto que não foram, sequer, trazidos aos autos pelo autor.
Portanto, impossível é poder dizer-se que o negócio não foi cumprido pelo réu, aqui recorrente. E se não temos factos que ilustrem claramente esse incumprimento, também a procedência da acção não podia ser reflectida nesse fundamento resolutório.
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E, perguntamos nós agora, podia ser relevada a resolução fundada na perda do interesse do credor, fundamento a que o recorrido agora se agarra nas contra-alegações do recurso?
Em abstracto, sim. Mas, o caso traz-nos duas dificuldades.
Em primeiro lugar, a perda de interesse deveria ter sido alegada, porque isso é verdadeira matéria de facto. Veja-se o que se disse no Ac. TSI, de 18/10/2012: 668/2012: “a “perda de interesse” (facto 13) não é apenas noção jurídica, mas também expressão de uma realidade que pode ser demonstrada no plano dos factos. Isto é, não parece que a perda de interesse seja redutível somente a um conceito de carácter técnico-jurídico, se ele pode ter na prática uma significação com um valor de linguagem e expressividade comuns (v.g., Ac. do STJ de 18/12/2002, Rec. Nº 3888/02)”.
E esta “perda de interesse do credor” não mereceu a inclusão de qualquer facto para a sua ilustração real.
Em segundo lugar, se for de entender que aquele é um contrato de promessa de cessão (como se disse, também isso não é evidente), então a resolução do contrato-promessa, por via de lei, só poderá ocorrer perante um incumprimento definitivo (arts. 790º e 797º, do CC)1, o que se verificará:
- quando, em consequência da mora, o credor mostrar perda de interesse (objectivamente apreciada) na prestação;
- quando a prestação não for realizada no prazo cominatório, suplementar e razoável, que o credor fixar;
- quando o credor faça inequívoca e categórica declaração de que não pretende cumprir2.
O mesmo foi dito na Relação de Lisboa, nos termos que parcialmente se passam a transcrever:
“Decorre do art. 432 do CC que é admitida a resolução do contrato fundada na lei ou em convenção.
O direito de resolução do contrato fundado na lei será um direito potestativo, extintivo e dependente de um fundamento – terá de verificar-se o facto ou situação a que a lei liga como consequência surgir esse direito potestativo. Ora, nos termos da lei, a simples mora do devedor não confere ao credor o direito a resolver o contrato – tal resolução só é consentida quando houver incumprimento definitivo imputável ao devedor.
Efectivamente, o direito de resolução de um contrato promessa (contrato bilateral) fundamentar-se-á na impossibilidade culposa da prestação – arts. 801 e 802 do CC. A regra do CC é a de que a mora do devedor não faculta imediatamente ao credor a resolução do contrato donde nasce a obrigação que não foi pontualmente cumprida. Para que, tendo a obrigação não cumprida por fonte um contrato bilateral, o credor possa resolver o contrato desonerando-se da sua contraprestação, torna-se necessário, em princípio, que a prestação da outra parte se tenha tornado impossível, por causa imputável ao devedor (art. 801º, nº 1, do Cod. Civil).
Todavia, em duas situações a mora culposa do devedor é equiparada pela lei ao não cumprimento definitivo: ter o credor, em consequência da mora, perdido o interesse que tinha na prestação, perda de interesse essa a ser apreciada objectivamente; não ser a prestação efectuada dentro do prazo razoavelmente fixado pelo credor (art. 808 do CC). Uma terceira situação pode, ainda, ser perspectivada: a de um dos promitentes declarar ao outro, inequívoca e categoricamente, que não cumprirá o contrato; nesse caso, como tem sido entendido, não se justificaria a fixação de um prazo razoável para cumprir.
A par disto, haverá que ter em conta a resolução convencional”3.
Portanto, se o caso devesse ser apreciado pelo prisma da perda de interesse por parte do credor (autor) isso, além de implicar uma impossibilidade culposa (art. 790º, CC), também deveria ter subjacente a verificação da mora (nº1, do art. 797º). Ora, como vimos atrás, não foram sequer alegados factos que demonstrem a mora do recorrente, nem tão pouco é evidente a culpa do réu.
Sendo assim, lamentamos dizer que o tribunal não pode simplesmente com base no facto 18 inferir que a vontade do A., aqui recorrido, era resolutória por “perda de interesse” ou por incumprimento do réu, aqui recorrente. À falta de mais dados consistentes e claramente reveladores de uma premissa menor fáctica adequada à premissa maior normativo/resolutória, impossível é ao tribunal extrair a conclusão fundada na resolução do contrato.
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Dito isto, porque não há factos necessários à resolução em qualquer das supra indicadas vertentes, não podia a decisão recorrida tratar o caso como sendo de resolução de contrato, se os factos da causa de pedir estavam vocacionados somente para o enriquecimento sem causa. Estamos, pois, em crer que a decisão aqui sob censura foi além do que podia e, com isso, atentou contra o disposto no art. 563º, nº3 e 564º, nº1, ambos do CPC, com o que cometeu a nulidade do 571º, nº1, al. d), do CPC (neste sentido, o Ac. TSI, de 23/09/2004, Proc. nº 186/2004).
O que se declarará.
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8 - No ponto 58º das alegações, entende ainda o recorrente que o acórdão recorrido é nulo, por violação do art. 197º do Código Comercial.
Todavia, se a decisão recorrida tiver violado aquele dispositivo não estaremos perante uma nulidade, mas sim perante um erro de julgamento de direito, que importa a sua revogação.
De qualquer maneira, a argumentação vertida nos artigos 51º a 57º das alegações, em que o 58º se estribou, não tem aqui qualquer aplicabilidade. É que se trata ali de uma disposição que confere aos sócios o direito e o dever de quinhoar nos lucros e nas perdas da sociedade, respectivamente, segundo a sua percentagem nos valores nominais das respectivas participações sociais. Ora, nada disto estava em discussão nos autos, nem a sentença tinha que lhe fazer referência, sequer, uma vez que para o tribunal o litígio tinha solução pela via resolutória do contrato com os efeitos legais dos arts. 426º e sgs. e 790º, do CC.
Improcede, pois, a arguida nulidade.
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9 - Com a conclusão alcançada no ponto 7 do presente aresto, fica prejudicada a apreciação do ponto “III – Alteração das circunstâncias” das alegações, que se estende pelos arts. 59º a 65º dessa peça. Isto é, tal como seria escusado tratar dos pontos 1 a 6 deste aresto, se partíssemos prioritariamente para a análise do ponto 7, onde se concluiu que o litígio nos presentes autos não pode ser resolvido sob o prisma fundamentativo do incumprimento do réu ou da perda de interesse do autor/credor (por falta de factos invocados nesse sentido), assim escusado será também, agora por maioria de razão, continuar o estudo do assunto neste ponto com base no mesmo pressuposto, que demos por não verificado.
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10 - Cumpre, agora, observar o art. 630º, nº1, do CPC, accionando os poderes de substituição deste TSI, para o que se deu, na oportunidade, cumprimento ao nº3 do mesmo artigo. Ou seja, uma vez que a sentença é nula nos termos acima apontados, e sabido que os factos não permitem a condenação do réu com base no seu incumprimento ou, até mesmo, na falta de interesse do autor, importa averiguar se a procedência da acção se mostra possível, atentos os factos provados, com base no enriquecimento sem causa invocado na petição inicial.
Avancemos, então, para essa análise.
Como é sabido, o enriquecimento sem causa é uma fonte de obrigações e dá-se quando o património de certa pessoa se valoriza ou deixa de desvalorizar, à custa de outra pessoa, e sem que para isso exista uma causa justificativa4.
O instituto pressupõe assim: 1º- um enriquecimento; 2º - que esse enriquecimento não tenha causa justificativa; 3º - que esse enriquecimento seja obtido à custa alheia (há quem defenda que este outrem deve ser o empobrecido5; mas, para outros, não tem que existir sempre uma necessária relação entre o enriquecido e o empobrecido; ou seja, se tem que haver um enriquecimento à custa de outrem, não significa isso que este outrem fique necessariamente empobrecido6).
Dito por palavras que não são nossas, mas que aqui transcrevemos com o devido respeito, o enriquecimento sem causa pressupõe a verificação cumulativa dos seguintes requisitos: «- “primo”, que haja um enriquecimento que consiste na obtenção de uma vantagem de carácter patrimonial (aumento do activo patrimonial, diminuição do passivo, uso ou consumo de um coisa alheia ou no exercício de direito alheio, poupança de despesas); - “secundo”, que o enriquecimento, contra o qual se reage, careça de causa justificativa, ou porque nunca a tenha tido, ou porque, tendo-a inicialmente, entretanto a haja perdido; e, - “tertio”, que o enriquecimento tenha sido obtido imediatamente à custa de quem requer a restituição»7.
Ora, o raciocínio que o autor expôs, tanto quanto se colhe da petição inicial, é este: Se o réu não formalizou atempadamente a cessão de quotas, o dinheiro que de si recebeu deve ser devolvido por não haver razão legal para o reter.
Só que, para tanto concluir, partiu de um pressuposto fáctico: o de que tinham (ele, autor, e os colegas) sido enganados, na medida em que o Réu os tinha convencido de que viriam a ser sócios de uma sociedade (“F (Macau) Limited”) que nunca existiu e que foi ardilosamente inventada apenas com a intenção de lhes extorquir dinheiro (artigos 23º e 24º da petição inicial).
Todavia, a aquisição factual obtida em sede de julgamento encaminhou-nos noutro sentido. O que se provou foi que os pagamentos parcelares feitos pelo autor se destinavam, não a pagar o valor de uma cessão de quota daquela sociedade (que, efectivamente, não existia), mas pagar uma quota do capital de uma das várias sociedades comerciais de que o R. alegava ser sócio maioritário, montante que iria corresponder a 3% do valor do capital de uma futura empresas a criar, uma “holding” que controlaria todas aquelas de que o Réu era sócio juntamente com os pretensos adquirentes sociais (incluindo o autor), e que se designaria “F Investmen (Macau) Limited”.
Ora, ao autor cabe demonstrar os requisitos da figura do enriquecimento sem causa.
Com efeito, é sabido que para que o tribunal conheça desse instituto, é necessário que o autor alegue e prove os factos que constituem os respectivos requisitos, nos termos do art. 335º do CC, não podendo o tribunal substituir-se ao impetrante nesse plano, em razão do princípio do dispositivo e da substanciação8. Princípio da substanciação, segundo o qual não basta a indicação genérica do direito que se pretende fazer valer, sendo antes necessária a indicação especificada dos factos constitutivos desse mesmo direito9. Ora, isso não o fez de forma cabal e evidente o ora recorrido. Na verdade, os factos não ilustram uma apropriação indevida da importância que o autor entregou ao réu, ora recorrente. Apesar de tudo quanto acima foi dito, teria havido um contrato e foi com base no seu alegado cumprimento (não se discute se ele mesmo o cumpriu, tese do recorrente, ou se o incumprimento se deve ao recorrente) que o autor fez entrega de duas prestações em dinheiro ao réu da acção. Ou seja, não se pode dizer ter sido indevido e injustificado o recebimento daquela importância em dinheiro e, consequentemente, não é claro que o réu se tenha indiscutivelmente locupletado à custa do recorrido ao tê-la recebido.
Por outro lado, e como também é sabido, o enriquecimento sem causa é um instituto que apresenta um carácter subsidiário (art. 468º, do CC), isto é, só é possível no caso de inexistir um meio alternativo para ressarcimento dos prejuízos, tal como, por exemplo, a declaração de nulidade, de anulação, de cumprimento10.
Ora, o autor avançou directamente para a acção com este fundamento, sem referir qualquer impossibilidade de obter o ressarcimento pedido com base noutro fundamento, nesta ou noutra acção. Todavia, não está provado que o autor da acção não consiga pela força de outra acção que possa vir a intentar contra o mesmo réu obter a condenação deste por incumprimento contratual (recorde-se que esta tese só não colhe o nosso aplauso nos presentes autos, por o fundamento da acção não ter sido esse e por os factos trazidos pelo impetrante não ilustrarem nem um incumprimento definitivo do réu, nem sequer uma perda de interesse da sua parte em manter o negócio).
Sendo assim, isto equivale a dizer que a acção não pode proceder com este fundamento jurídico e com esta causa de pedir.
*
11 - Os autos, apesar do inêxito da acção, não reflectem uma actuação do autor que preencha a previsão a que respeita o art. 385º, nº1 e 2 do CPC, face a tudo o que se disse.
Efectivamente, nada nos autos denota que o autor da acção tenha feito um uso reprovável do processo, que tenha deduzido pretensão que sabia infundamentada e marcada à partida pelo inêxito, que tivesse ocultado factos, etc. Nada disso. A sorte da acção deve-se apenas às razões acima descritas, mas que não preenchem o conceito da litigância de má fé.
***
IV - Decidindo
Nos termos expostos, acordam em:
1º - Declarar nulo o acórdão recorrido;
2º - Julgar improcedente a acção e absolver o réu do pedido.
3º - Julgar improcedente o pedido de condenação do autor por litigância de má fé, com taxa de justiça a cargo do Reú em 2,5 UCs.
*
Custas pelo autor em ambas as instâncias.
TSI, 20 de Março de 2014

_________________________
José Cândido de Pinho
(Relator)

_________________________
Lai Kin Hong
(Primeiro Juiz-Adjunto)

_________________________
João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
(Segundo Juiz-Adjunto)

1 V.G.: Acórdãos do STJ de 25.11.2010, Proc. nº 3018/06. 6 TVLSB. L1; de 22-06-2010, Proc. nº 6134/05.8TBSTS.P1.S1;, 09-03-2010, Proc. nº 5647/05.6TVLSB.S1; na doutrina: Antunes Varela, in RLJ Ano 119, pag. 216, Galvão Teles in “Direito das Obrigações”, 7ª ed., pag. 129.
2 Neste sentido, o Ac. RL, de 1/02/2011, Proc. nº 606/09.2TVLSB.L1-7.
3 Ac RL de 14/06/2002, Proc- nº 6560/09.3TVLSB.L1-2
4 Ac. TSI, de 27/01/2011, Proc. nº 959/2010
5 V.g. Ac. STJ, de 20/09/2007, Proc. nº 07B2156
6 Neste sentido, Ac. RE; de 3/02/2003, Proc. nº in CJ 2003, 1º, pág. 241; 10/04/2003, CJ, 2003, 2º, pág. 242.
7 Ac. TSI, de 25/04/2002, Proc. nº 36/2002.
8 Ac. do TSI, de 11/10/2011, Proc. nº 761/2009
9 A. Reis, CPC Anotado, vol. II, p. 356, Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, p. 297 e Castro Mendes, Manual de Processo Civil, p. 299; Tb. Ac. do STJ de 2/07/2009, Proc. nº 123/07.5TJVNF.S1
10 Ac. do TSI, de 6/10/2011, Proc. nº 537/2009
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