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Proc. nº 517/2013
Recurso Jurisdicional em matéria administrativa
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 13 de Março de 2014
Descritores:
-Recurso jurisdicional
-Poderes de substituição do TSI
-Procedimento sancionatório
-Direito de audiência e defesa
-Testemunhas
-Pensão ilegal (Lei nº 3/2010)

SUMÁRIO:

I - De acordo com a melhor interpretação, o art. 159º do CPAC só impede ao tribunal de recurso jurisdicional (TSI) o exercício de poderes de substituição – logo, apenas terá poderes cassatórios - quando o tribunal recorrido (TA) não tiver conhecido do pedido, isto é, não tiver entrado na análise do mérito ou da substância da causa de pedir do recurso contencioso. É o que acontece, por exemplo, quando tiver sido lavrada decisão adjectiva-formal radicada na procedência de matéria exceptiva por falta de um pressuposto processual.

II - Geralmente, nos procedimentos sancionatórios a não audição de testemunhas oferecidas pelo arguido após acusação contra si formulada, constitui uma ofensa ao seu direito de audiência e defesa, circunstância que é determinante da nulidade procedimental insuprível, afectando o acto decisor de anulabilidade.

III - Todavia, a audição de testemunhas depende da ponderação pelo instrutor em face das circunstâncias concretas do momento e do peso e relevância que elas possam ter para a descoberta da verdade, para o que também o arguido que as oferece deve apresentar a devida justificação. Isto é, quando as arrola, deve o arguido esclarecer em que medida o depoimento das pessoas arroladas é fundamental e indicar os pontos de facto acerca dos quais pretende fazer prova com o seu oferecimento.

IV - Se em face das circunstâncias concretas do procedimento for de ponderar que o depoimento já não trará novidades em relação ao que o procedimento já adquiriu e ao que a testemunha já anteriormente dissera, será diligência inútil proceder à sua audição, sendo que, nesse caso, a omissão da diligência não corresponderá a nulidade procedimental.

V - Mesmo não sendo arrendatário da fracção habitacional e, portanto, ainda que não seja o “explorador” directo da actividade de alojamento ilegal, pode ser punido, nos termos do art. 10º, nº1, da Lei nº 3/2010, como “controlador”, o indivíduo que tem consciência do que se passa no interior da fracção, que contrata empregadas domésticas estrangeiras, uma para limpeza do apartamento, outra como cozinheira, que efectua o pagamento da renda da fracção à agência imobiliária e que detém cartões-de-visita em seu nome reportando a actividade de pensão ou “guesthouse” no local da fracção.

Proc. nº 517/2013

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.

I - Relatório
A, de nacionalidade coreana, com os demais sinais dos autos, recorreu no Tribunal Administrativo do despacho do Ex.mo Director dos Serviços de Turismo de 15/06/2012, que lhe determinou a aplicação de uma multa no valor de Mop$ 200.000,00, alegadamente por prestação ilegal de alojamento em fracção autónoma devidamente identificada nos autos.
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Por sentença daquele tribunal de 7/05/2013, foi julgado procedente o recurso contencioso e anulado o acto impugnado.
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É contra tal decisão que ora vem interposto o presente recurso jurisdicional pelo Ex.mo Director dos Serviços de Turismo, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
«I. A entidade Recorrente nega que tenha violado o n.º 2 do artigo 87.º e o princípio da participação previsto no artigo 10 º, ambos do Código do Processo Administrativo;
II. A sentença do Tribunal Administrativo de que ora se recorre decidiu mal relativamente aos factos apurados e dados como provados no tocante às diligências desenvolvidas pela DST em relação ao senhor B;
III. Dos factos resulta claro que a DST tomou a iniciativa de realizar as diligências que se afiguraram relevantes para tentar encontrar ou determinar o paradeiro do senhor B, diligências essas que, infelizmente, se revelaram infrutíferas;
IV. O facto de o senhor B não ter vindo ao processo não resulta de um receio por parte da DST de que tal pudesse trazer atrasos ao processo ou que constituísse uma inutilidade, como erradamente enuncia a sentença recorrida, pois existe no processo prova mais do que suficiente de todas as diligências desenvolvidas, e que o douto Tribunal “a quo” ignorou;
V. Pelo que a sentença do Tribunal “ad quo” - que peca por feito tábua rasa de factos que a ora Recorrente reputa por relevantes e que demonstram que não é, de todo, verdade que a DST tenha rejeitado um meio de prova apresentado pelo Recorrido - padece de erro no julgamento da matéria de facto;
VI. Por outro lado, depois de todas as diligências efectuadas e reunida e analisada a prova, a DST concluiu que A praticou os factos pelos quais foi acusado e punido pela DST;
VII. Em primeiro lugar porque o próprio Recorrido admitiu no processo que detinha o controle da fracção a partir de Março de 2011 e, sobretudo, à data da Inspecção Conjunta do dia 1 de Junho de 2011 assim como se provou que a fracção estava a ser utilizada para prestação de alojamento ilegal com o seu conhecimento e envolvimento;
VIII. A DST estabeleceu e comprovou adequadamente a factualidade que integra a situação detectada no conceito de prestação de alojamento ilegal previsto no corpo do artigo 2.º da Lei n.º 3/2010 e, bem assim, que a infracção apenas se consumou devido à actuação do Recorrido;
IX. Mais, a DST, na sua actuação, tomou sempre a iniciativa de realizar as diligências que se afiguraram como relevantes para a correcta averiguação da realidade factual em que deve assentou a sua decisão a final do processo sancionatório;
X. Isto para concluir que a alegada preterição de uma diligência solicitada pelo Recorrido, para além de não corresponder à verdade, não constituiria um elemento de prova essencial pois mesmo sem ter sido cumprida a decisão final do processo sancionatório seria a que foi tomada;
XI. O facto de o senhor B não ter vindo ao processo, para além de se dever ao facto de se encontrar em paradeiro desconhecido e incontactável durante o decurso da fase instrutória, também não prejudicou as conclusões a que a DST chegou nem tão pouco violou o n.º 2 do artigo 87.0 do Código do Processe Administrativo, uma vez que o seu depoimento não era imprescindível para a descoberta da verdade;
XII. A não realização da diligência solicitada pelo Recorrido não implica a invalidade do acto final do Director da DST;
XIII. Também não tem razão a douta sentença quando refere que a DST cometeu mais um erro no ponto 40 da Proposta n.o 376/01/2012 onde se lê: “tendo em conta que o senhor A não apresentou informações novas para servir de prova ou suportar os argumentos alegados na sua defesa...” pois o que a DST ali quis salientar foi, tão só, que o senhor A poderia ter junto outros elementos ao processo, elementos novos, pertinentes e que reputasse por necessários à prova, mas que não o fez;
XIV. Pelo que se precipitou o Tribunal “a quo” ao concluir que a DST violou o n.º 2 do artigo 87.º e ao princípio da participação previsto no artigo 10.º, ambos do Código do Processo Administrativo pois a ora Recorrente diligenciou sempre pelo cumprimento da lei e o acto do Director da DST é legal e válido.
Nestes termos e nos melhores de direito aplicáveis, que V. Excelências doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso; e, em conformidade, ser revogada a sentença recorrida, fazendo V. Exas., mais uma vez, JUSTIÇA!».
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Não houve contra-alegações.
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O digno Magistrado do MP opinou no sentido do provimento do recurso, nos seguintes termos:
«Na douta sentença sob escrutínio, entendeu o tribunal “a quo” conceder provimento ao recurso contencioso, anulando o despacho da directora dos DST de 15/6/12, que aplicou ao aqui recorrido a multa de MOP 200.000 e ordenou a cessação da prestação ilegal de alojamento na fracção autónoma referenciada, estribando-se na violação do princípio da participação estabelecido nos artºs 87º, nº 2 e 10º, CPA, por, em seu critério, a entidade aqui recorrente não ter justificado o indeferimento da diligência instrutória requerida pelo aqui recorrido, consistente na audição da B, diligência reputada de fundamental para apurar se aquele praticou ou não o acto delituoso, já que o mesmo sempre afirmou no procedimento ser o dito B o responsável pela prestação do alojamento ilegal dos indivíduos encontrados na fracção.
Pois bem:
Conforme profusamente sustentado pela entidade recorrente, que não vemos minimamente infirmado por qualquer forma e se encontra, pelo menos parcialmente, confirmado no procedimento, aquela terá empreendido diversas diligências - contactos quer com o aqui recorrido, quer com empregados da imobiliária onde a fracção em causa foi arrendada; solicitação e recebimento do CPSP do registo de movimentos de entrada e saída de Macau; tentativas de contactos para os nºs de telemóvel conhecidos e disponíveis, com solicitação e obtenção por parte da DSRT dos informes sobre os registos dos números em questão -, no sentido de apurar o paradeiro, contactar e levar ao procedimento o dito personagem, as quais se terão revelado infrutíferas, sendo certo, aliás, que, por tais motivos e porque o mesmo acabou também por ser alvo de processo sancionatório, as notificações respectivas tiveram que revestir carácter edital.
Cremos, aliás, como abusiva a conclusão de que a expressão utilizada pela entidade recorrente, ao consignar que o recorrido “...não apresentou qualquer novo informe que pode comprovar ou sustentar os fundamentos aduzidos na sua contestação...”, corresponda a qualquer recusa na realização da diligência instrutória requerida, designadamente a audição da pessoa em questão, já que, como se viu, não deixou a entidade recorrente de empreender as diligências que vemos como sensatas e adequadas, no sentido de apurar o paradeiro daquele. É que, sem se saber onde pára a pessoa, não é possível contactá-la e, por conseguinte, ouvi-la...
Não descortinamos, assim, tendo em conta a situação específica detectada e desenvolvimento do procedimento, que, em termos de senso e normalidade, se impusessem quaisquer outras diligências, válidas e relevantes, no sentido do apuramento do paradeiro e audição do dito B, sendo certo que o douto aresto controvertido também as não enuncia ou exemplifica, como talvez se impusesse, para devido fundamento do decidido.
E claro que a problemática da falta da audição em causa poderia, facilmente, resvalar para o domínio da eventual falta de prova da prática, ou da forma de participação do aqui recorrido, relativamente ao ilícito que lhe é imputado, matéria em que, aliás, a recorrente não deixa de empreender, no sentido de da comprovação do respectivo registo.
Só que não é isso que aqui se encontra em causa, não tendo sido por eventual erro nos pressupostos fácticos ou jurídicos da condenação que o tribunal “a quo” anulou a decisão.
E, sendo assim, nada haverá que adiantar sobre a matéria.
Donde, pelos motivos acima expostos, por erro de julgamento, sermos a entender merecer provimento o presente recurso».
*
Cumpre decidir.
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II - Os Factos
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
«A) No dia 1 de Junho de 2011, numa acção conjunta de inspecção para o combate à prestação ilegal de alojamento, o pessoal da DST entrou na fracção autónoma sita no Edf. One Central Residences, Bloco XX, XXº andar - XX, para realizar inspecção depois de obter consentimento escrito de C daquela fracção (fls. 17 do P.A.).
B) O pessoal da DST encontrou na fracção autónoma os seguintes indivíduos que não eram residentes da RAEM, nenhum deles detinha autorização especial de permanência ou autorização de permanência de trabalhador não-residente, ademais, não conseguiram exibir qualquer contrato de arrendamento (fls. 32 a 36 e fls. 58 a 59v do P.A., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido):
1. C: portador do passaporte da Coreia do Sul nº XXX;
2. D: portador do passaporte da Coreia do Sul nº XXX;
3. E: portador do passaporte da Coreia do Sul nº XXX;
4. F: portadora do passaporte das Filipinas nº XXX e estava em permanência fora do prazo autorizado.
5. G: não conseguiu exibir documento de identificação.
C) O alegado arrendatário daquela fracção autónoma era B e o prazo de arrendamento era de 22 de Julho de 2010 a 21 de Julho de 2012 (fls. 30 a 31v do P.A., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
D) No dia 1 de Junho de 2011, o DST elaborou o auto de notícia nº 42/DI-AI/2011. O Director da DST proferiu despacho ao mesmo dia em que manifestou a sua concordância com o parecer exarado no referido auto de notícia, decidindo designar instrutor para o referido auto de notícia, ordenar selar a porta da fracção autónoma envolvida, suspender o abastecimento de água e de electricidade à fracção autónoma, notificar todas as pessoas no apartamento para prestarem apoio e comunicar o Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau (IPIM) do caso (fls. 58 a 59v do P.A., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
E) No dia 1 de Junho de 2011, o Director da DST assinou e emitiu a Notificação nº 241/AI/2011 em que ordenou a aposição de selo na porta da fracção autónoma envolvida, conforme as disposições no artº 9º, nº 1, al. 1), nº 2 e nº 3 da Lei nº 3/2010, pelo período de seis meses, contado a partir de 1 de Junho de 2011 (fls. 64 a 65 do P.A., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
F) No dia 28 de Setembro de 2011, o recorrente foi interrogado pela DST e prestou a seguinte declaração (fls. 183 e verso do P.A., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido):
“O arguido alegou que, em Agosto de 2010, conheceu, através de amigo, um homem de nacionalidade coreana chamado B que exercia actividades marginais ligadas a casino (vulgarmente conhecidas por bate- ficha) e este arrendou a fracção autónoma sita na Avenida Dr. Sun Yat Sem, One Central Macau, Bloco XX, XXº andar - XX, com renda mensal de trinta e dois mil dólares de Hong Kong. Aproximadamente em Agosto de 2010, sob recomendação de B, ele foi alojar no quarto assinalado com “DST-1” daquele apartamento, pelo qual pagou a B renda mensal no valor de dezasseis mil dólares de Hong Kong, mas sem ter assinado qualquer contrato de arrendamento. Além de si próprio e de B que moravam naquela fracção autónoma, B alojava frequentemente os indivíduos de nacionalidade coreana na mesma fracção autónoma e disse que estes eram os amigos dele. O arguido declarou ter alojado naquele apartamento por quatro meses, tendo pagado uma renda total de sessenta e quatro mil dólares de Hong Kong a B, mas deixou o apartamento na One Central Macau, Bloco XX, XXº andar - XX, depois de ter alugado a fracção autónoma sita na One Central Macau, Bloco XX, XXº andar - XX, através da Agência Imobiliária “XXX” na última dezena de Novembro de 2010.
O arguido confirmou que os caracteres coreanos no cartão de visita com o número telefónico XXX de fls. 18 destes autos era o seu nome “A” escrito em caracteres coreanos, referindo que os dois cartões de vista não foram imprimidos e utilizados por ele, mas foi B que imprimiu os cartões, este utilizou o seu nome A para angariar clientes para “bate-ficha”. Disse que o telemóvel nº XXX foi registado em nome de B e usado pelo mesmo. Disse ainda que B lhe devia um montante de trezentos mil dólares de Hong Kong mas não conseguia contactá-lo desde Março de 2011. Então, como ainda detinha a chave da fracção autónoma no XXº andar - XX do Bloco XX da One Central Macau, deslocou-se directamente ao apartamento à procura de B mas descobriu que o homem sumiu sem deixar rastros. No apartamento só encontrou o telemóvel de nº XXX deixado por B. O arguido disse que como B lhe devia uma grande quantia, ele levou o dito telemóvel como objecto de hipoteca e, desde então, utiliza tal telemóvel e o cartão telefónico nº XXX até à presente, cujas despesas são suportadas por ele. Acrescentou que, desde o desaparecimento de B, H, amigo de B, entregava ao arguido as rendas da fracção autónoma na One Central Macau, Bloco XX (sic), XXº andar - XX, e ele, por sua vez, entregava-as à Agência Imobiliária “XXX”. O arguido disse não saber dos dados pessoais e número de contacto de H.
O arguido declarou que lhe foi aplicada a sanção de multa de dez mil patacas por violação da legislação laboral (contratar uma mulher indonésia, G, melhor identificada em fl. 20 dos autos, que entrou ilegalmente na região, para fazer limpeza nas fracções autónomas no XXº andar - XX e no XXº andar XX do Bloco XX da One Central Macau).
…”
G) No dia 19 de Janeiro de 2012, a DST elaborou o auto de notícia nº 42.1/DI-AI/2011. No dia 27 de Janeiro do mesmo ano, o Director dos mesmos Serviços proferiu despacho em que manifestou a sua concordância com o parecer exarado no referido auto de notícia e decidiu designar instrutor para o referido auto de notícia (fls. 273 a 274 do P.A., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
H) No dia 15 de Março de 2012, o instrutor da DST elaborou as Infªs nºs 195/DI/2012 e 196/DI/2012, nas quais propôs a acusação de B, que foi considerado explorador da referida fracção autónoma, e do arguido, que foi considerado controlador da mesma, e a notificação aos dois referidos para apresentarem contestação escrita no prazo legal (fls. 280 a 286 e fls. 287 a 293 do P.A., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
I) No dia 21 de Março de 2012, o Director da DST manifestou a sua concordância com as duas informações e emitiu as notificações nºs 194/AI/2012 e 195/AI/2012 (fls. 286, 293, 294 e 301 do P.A., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
J) No dia 2 de Maio de 2012, o recorrente recebeu a referida notificação que disse para ele apresentar contestação pela violação do artº 2º da Lei nº 3/2010 (fls. 329 e verso do P.A., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
K) No dia 10 de Maio de 2012, o recorrente apresentou contestação escrita ao Director da DST onde requereu a audição de B e de todos os indivíduos encontrados no dito apartamento no dia em que foi efectuada a inspecção (fls. 335 a 340 do P.A., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
L) No dia 28 de Maio de 2012, o instrutor da DST elaborou a Infª nº 376/DI/2012, propondo: Dado que o recorrente controlava a fracção autónoma envolvida para prestar ilegalmente alojamento a terceiros, propõe-se que lhe seja aplicada a multa de MOP200.000 e seja ordenada a cessação da prestação ilegal de alojamento na referida fracção autónoma. Na qual, foi indicado nomeadamente (sic) (fls. 358 a 366 do P.A., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido):
“37. A pedido desta Direcção de Serviços, A deslocou-se a estes Serviços no dia 2 de Maio de 2012, em companhia do intérprete-tradutor designado, para levantar a notificação nº 195/AI/2012 (fls. 325 a 330 do processo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
38. A apresentou tempestivamente contestação escrita a estes Serviços (fls. 335 a 340 do P.A., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido), na qual apontou que, como conhecia o arrendatário da referida fracção autónoma B, ele morou num quarto de tal fracção autónoma durante os meses de Agosto a Novembro de 2010. Referiu que os cartões de visita com o nome dele encontrados na fracção autónoma não eram dele e só agora tomou conhecimento da sua existência e também só agora é que soube da existência do website XXX, e este não lhe pertencia. Alegou ainda que não praticou o facto indicado no artº 2º da Lei nº 3/2012 e requereu que estes Serviços realizassem audiência de B e dos indivíduos encontrados na fracção autónoma, com objectivo de apurar a veracidade dos factos, acrescentando que, como não infringiu o artº 2º da Lei nº 3/2012, não devia ser punido conforme o artº 10º da mesma lei.
39. Análise dos dados constantes do processo:
- Segundo os dados fornecidos pelo CPSP, registou-se a permanência em Macau de A entre os dias 6 de Maio de 2011 e 6 de Junho de 2011 e o mesmo estava nesta região no dia em que a DST aplicou as medidas provisórias à dita fracção autónoma;
- A agência imobiliária responsável pelos assuntos relativos ao arrendamento da fracção autónoma prestou declaração (nº 19 desta informação), alegando que B, arrendatário da dita fracção autónoma, deixou de contactá-la depois da aplicação das medidas provisórias à fracção autónoma por parte da DST, mas A (telefone nº XXX), amigo de B, contactara-a, dizendo que B já deixou Macau e perguntando por que razão foi selada a fracção autónoma e quando se podia levantar os selos. Daí se verifica que ele se importa com a fracção autónoma;
- Segundo a declaração de F (nº 8 da informação), os alojados da fracção autónoma não eram fixos;
- Os três coreanos (C, D e E) encontrados na fracção autónoma no dia da inspecção, alojaram ali temporariamente;
- E e D não conheciam o outro alojado da fracção autónoma C.
- A não conseguia justificar porque foi ele que pagava, em nome de B, a renda mensal do apartamento à agência imobiliária e não foi H, amigo de B.
- Na sua declaração, A alegou não residir na fracção autónoma, porém, não conseguia justificar porque tomava conta dos assuntos gerais do imóvel, tais como contratar F para fazer limpeza do apartamento e G para preparar comida coreana e pô-la no frigorífico, e pagar mensalmente a renda da fracção autónoma à agência imobiliária;
- Na sua contestação A referiu não saber porque o pessoal da investigação encontrou no apartamento o cartão de visita com o nome dele, mas alegou usar o número de telemóvel (XXX) no cartão de visita depois de B não estar em Macau e pagar as despesas do telemóvel a companhia telefónica. Daí se pode deduzir que o cartão de visita com o seu nome e o dito número telefónico que foi encontrado na fracção autónoma é dele.
40. Uma vez que A não apresentou qualquer ou nova informação que pode comprovar ou sustentar os fundamentos aduzidos na sua contestação, não se adoptam os factos expostos na sua contestação. Conforme a análise feita, evidentemente A controla livre, independente e substancialmente a fracção autónoma em causa, utilizando-a e tendo o direito sobre os assuntos gerais relativos à mesma. Os alojados de nacionalidade coreana da fracção autónoma entraram no território com documentos de viagem, estes não são residentes locais e só permaneceram temporariamente em Macau, ainda mais, não conseguiram exibir o contrato de arrendamento do imóvel. Ademais, não se encontra qualquer informação no processo que manifesta que A e os alojados se conhecem bem. De acordo com a situação real no apartamento verificada pelos investigadores e fotografias tiradas pelos mesmos, em conjugação com os cartões de visita com o nome A e as declarações dos indivíduos encontrados no apartamento, verifica-se que A controla tal fracção autónoma para a prestação ilegal de alojamento;”
No mesmo dia, o instrutor da DST elaborou a Infª nº 375/DI/2012, propondo: Em virtude de B ter utilizado a fracção autónoma para prestação ilegal de alojamento, proponho que o mesmo seja punido com multa de MOP200.000 e que seja ordenada a cessação imediata da prestação ilegal de alojamento na fracção autónoma, nos termos do artº 10º, nº 1 e do artº 15º, nº 1 da Lei nº 3/2010 (fls. 368 e 375 do P.A., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
M) No dia 15 de Junho de 2012, o Director da DST manifestou a sua concordância com as duas informações nºs 375/DI/2012 e 376/DI/2012 e emitiu a notificação nº 350/AI/2012 (fls. 366 e 367 do P.A., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
N) No dia 27 de Julho de 2012, da decisão do Director da DST, exarada na Infª nº 376/DI/2012, de 15 de Junho de 2012, o recorrente interpôs recurso contencioso junto deste Tribunal.
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Consignamos ainda os seguintes elementos de facto, resultantes dos autos e do processo administrativo:
- No dia 22 de Julho de 2010 foi celebrado por intermédio da agência imobiliária “XXX” com B um contrato de arrendamento da fracção pela renda mensal de HK$ 32.000,00 (fls. 30 e 31, p.a.).
- B, de nacionalidade coreana, era bate-fichas no casino.
- A DST oficiou à PSP em 8/08/2011 pedindo os movimentos de entrada e saída de B de Macau, tendo aquela polícia correspondido ao solicitado, referindo que os movimentos se verificaram entre 1 de Junho de 2010 e 31 de Julho de 2011 (fls. 153-165 do p.a.).
- G, de nacionalidade indonésia, declarou ter sido contratada pelo ora recorrido no dia 30 de Maio de 2011 para prestar serviço de confecção de refeições na fracção; F, de nacionalidade filipina, prestava na fracção serviços de limpeza.
- Na fracção foram encontrados cartões-de-visita em nome do recorrente, apresentado como prestador de serviço de “guesthouse” (pensão, em português) na morada da referida fracção, tendo por indicação de contacto o telefone nº XXX, que esteve registado em nome de B (fls. 18 do p.a.).
- O recorrido passou a pagar directamente à agência imobiliária o valor da renda a partir da altura em que B abandonou Macau.
- O recorrido foi punido no proc. nº CR4-11-0098-PSM do 4º juízo criminal na pena de 3 (três) meses de prisão substituída por multa à ataxa diária de Mop$ 100,00, o que perfaz a multa de Mop$ 9.000,00 ou em alternativa em 3 meses de prisão, pela prática do crime de emprego ilegal, p. e p. pelo art. 16º, nº1, da Lei nº 6/2004 (fls. 56-60 dos autos e tradução a fls. 31 a 43 do apenso “traduções”).
***
III - O Direito
1 - Na petição inicial do recurso contencioso, tanto quanto se pode colher do respectivo articulado, o recorrente havia acometido o acto impugnado com dois principais vícios formais: preterição de diligências essenciais para o apuramento da verdade e falta de fundamentação.
O primeiro tinha que ver com o pretenso indeferimento de uma diligência instrutória requerida pelo recorrente no âmbito do procedimento administrativo. O segundo (ainda relacionado com o primeiro) seria fruto da circunstância de a entidade recorrida não ter justificado o indeferimento da diligência requerida.
Sem prejuízo de tal invocação, também o recorrente suscitara a violação dos “princípios da boa fé”, da “colaboração entre a Administração e as partes”, da “participação”, da “defesa da verdade material” e, bem assim, o vício de “erro sobre os pressupostos de facto”.
E tudo isto com assento no mesmo pecado de fundo: a não audição de B e de todas as pessoas que tenham sido encontradas na fracção habitacional que foi objecto da acção de fiscalização realizada pelos serviços da DST com vista ao combate à prestação ilegal de alojamento (recorde-se que B era o titular do direito ao arrendamento da fracção e que o recorrente fora tomado pelo acto como pessoa que controlava o apartamento para a referida actividade de alojamento).
A sentença acolheu o principal fundamento invocado pelo recorrente e, por assim o entender, ao abrigo dos arts. 10º, 87º, nº2 e 124º do CPA, anulou o acto, com prejuízo do conhecimento dos demais vícios, nomeadamente o do erro sobre os pressupostos de facto.
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2 - O Ex.mo recorrente jurisdicional não se conforma com tal. Para si, a Administração tudo fez para contactar o dito B, porém sem êxito. Tanto assim que no próprio procedimento em que era arguido, também ele acabou por ser notificado pela via edital. De modo que, para si, não se pode dar por provada a violação do disposto nos arts. 10º e 87º do CPA.
E essa foi, igualmente, a posição tomada pelo digno Magistrado do MP.
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3 - Certo é que o aqui recorrido requereu em 10/05/2012, na sua defesa procedimental, a audição de todas as pessoas que haviam sido encontradas no apartamento no dia da acção de fiscalização levada a cabo pela DST.
E verdade é, por outro lado, que esse pedido não foi correspondido por parte do instrutor do processo. Não por ter sido expressamente rejeitado - que não foi - mas por sobre essa pretensão não ter recaído nenhuma decisão negatória. De facto, o procedimento prosseguiu com a decisão de 15/06/2012 de aplicação da multa (fls. 358 a 367 do p.a.).
Embora se possa dizer, em abstracto, que a não inquirição de testemunha arrolada sem justificação possa constituir nulidade insuprível1, estamos em crer que a nulidade não decorre propriamente da falta de justificação, mas do simples facto de a inquirição não ter ocorrido.
Em boa verdade, a ausência de decisão expressa não pode ter outro significado concreto, senão o de indeferimento tácito. Ou seja, da circunstância de a entidade competente não se ter expressamente debruçado sobre aquele pedido não emerge sequer falta de fundamentação. Com efeito, se é tácito o indeferimento daquela pretensão, não se pode dizer que ele não esteja fundamentado, uma vez que o acto tácito, por natureza, não pode ter fundamentação.
Questão diferente, isso sim, é saber se a não realização da diligência requerida pelo recorrente contencioso envolve a omissão de uma formalidade essencial geradora de vício de forma ou, até mesmo, se representa algum atropelo à necessidade de tutela do requerente, é dizer, se contende com o seu próprio direito de defesa.
Deste ponto de vista, o assunto remete-nos para o direito de participação de que trata o art. 10º do CPA, com manifestação específica no art. 93º e sgs. do mesmo diploma, mas que, até por maioria de razão, encontra a sua mais profunda expressão no direito de defesa2 que se segue a um libelo acusatório relativo à prática de um ilícito que ao arguido seja imputado (cfr. art. 14º, da Lei nº 3/2010).
Ora, como este TSI teve já oportunidade de afirmar a propósito do direito de audição “No âmbito dos procedimentos sancionatórios, mais do que um direito de audiência dos interessados, está em causa um direito de audiência e defesa.”3.
Ou, como noutros ordenamentos jurídicos foi observado, a falta de audiência de arguido em processo sancionatório, “Constitui omissão de diligência essencial para a descoberta da verdade, geradora de nulidade insuprível do processo disciplinar, a não inquirição de testemunha indicada pela arguida para prova de factos que poderiam justificar a conduta que lhe foi imputada e cuja materialidade ela não impugna”4.
E como é sabido a nulidade procedimental insuprível decorrente dessa falta de audiência em direito de defesa acarreta a anulação do acto decisor5.
Pois bem. Ainda assim, e apesar do que se acaba de equacionar, é de perguntar se neste caso concreto haveria lugar necessariamente à audição de tais pessoas, nomeadamente aquela que seria o titular do direito ao arrendamento da fracção habitacional B.
Como é evidente, nem todas as pessoas arroladas como testemunhas pelo acusado devem ser ouvidas. Cremos que a sua audição deve ser ponderada em face das circunstâncias concretas do momento e do peso e relevância que elas possam ter para a descoberta da verdade. E para essa ponderação ter lugar deve a defesa apresentar a devida justificação. Isto é, quando as arrola, deve o arguido esclarecer em que medida o depoimento das pessoas arroladas é fundamental para a prova de determinado facto. Dito de outra forma, deve o arguido indicar os pontos de facto acerca dos quais pretende fazer prova com o oferecimento de cada testemunha6. É que, se assim não for, pode o simples arrolamento não passar de um expediente dilatório que não vai senão atrasar o desfecho do procedimento, sem trazer qualquer alteração significativa em relação à dimensão fáctica que os autos já possam ter reunido. Inquirir as testemunhas em tal hipótese para repetirem o que, porventura, elas mesmas já tenham dito no procedimento será diligência escusada e inútil e, portanto, de evitar7.
Portanto, relevam as circunstâncias concretas das quais se infira um forte juízo de probabilidade de que o depoimento de tais pessoas se mostre essencial para o estabelecimento dos factos alegados pelo arguido8.
É, aliás, neste quadro que se compreende que a não audição de determinada testemunha não envolve a nulidade insuprível, se for de entender que, nas circunstâncias específicas do caso, a omissão não influenciar a decisão final e, por conseguinte, não diminuir as garantias de defesa do arguido9.
Ora, sendo assim, uma vez que o aqui recorrido, na sua defesa procedimental, se limitou a pedir que fossem ouvidas as pessoas encontradas na fracção no momento da inspecção, cremos que nada de novo iriam acrescentar ao que já anteriormente haviam referido no procedimento por ocasião da acção de fiscalização (pelo menos, o recorrente nada acrescentou de novo no seu articulado de defesa que pudesse ser confirmado por tais pessoas e em termos do seu conhecimento efectivo por elas mesmas).
E se isto se diz dessas pessoas (três ocupantes coreanos e duas empregadas de nacionalidade indonésia e filipina que haviam sido contratadas pelo próprio recorrente), será que deve dizer-se o mesmo no tocante ao arrendatário?
Aqui, a questão é mais problemática. Com efeito, tal indivíduo nunca foi ouvido neste procedimento que levou ao sancionamento do ora recorrido. Na verdade, ele não foi encontrado e nunca prestou declarações no âmbito desse procedimento, sendo seguro, por outro lado, que das diligências levadas a cabo resultou a obtenção da informação prestada pelos serviços da PSP de que ele tinha apresentado entradas e saídas de Macau entre Junho de 2010 e Julho de 2011 (o próprio recorrido disse no procedimento que nunca mais vira essa pessoa desde Março de 2011).
Claro que, após a defesa apresentada pelo recorrido em 10 de Maio de 2012, bem podia a entidade administrativa tentar de novo obter indicação sobre o paradeiro do arrendatário (não esqueçamos que o último registo de entrada em Macau data precisamente de 10 de Julho de 2011). Realmente, não se pode desprezar a hipótese de por aquela altura ele vir a ser encontrado em Macau. Teria bastado uma diligência investigatória nesse sentido, nomeadamente, junto dos serviços de emigração colocados, por exemplo, no aeroporto de Macau, para se confirmar ou excluir a hipótese. Tal, porém, não foi feito.
Acontece que, nem por isso, a audiência deste indivíduo se mostrava imprescindível no caso presente. É que, sendo ele o arrendatário e, eventualmente, o “explorador” da actividade de prestação ilegal de alojamento na fracção, o tipo de ilícito que cometera era diferente daquele por que o ora recorrido estaria incurso. Este, com efeito, de acordo com os elementos recolhidos no procedimento, foi dado como pessoa que de alguma maneira “controlava” a fracção com vista à prestação de alojamento.
Ora, para se chegar a essa conclusão nas circunstâncias concretas, não se mostrava necessário ouvir o arrendatário, pelo que o seu depoimento em nada iria ajudar a defesa do arguido. Os elementos do procedimento recolhidos até esse instante eram suficientes para a imputação do ilícito pelo qual foi sancionado, e nada do que o arrendatário pudesse dizer faria reverter a situação de facto em que o recorrido estava envolvido. Fosse qual fosse a posição deste no quadro da relação estabelecida com o arrendatário, era óbvio que ele estava consciente do que se passava na fracção e que de algum modo “controlava” a situação de prestação ilegal de alojamento, face a tudo o que no procedimento fora já adquirido, fosse ele mesmo beneficiário directo dessa ilicitude, ou fosse simplesmente o intermediário ou representante do primeiro. Isto é, mesmo que o arguido estivesse a agir em nome do arrendatário, os elementos recolhidos davam já conta que ele tinha consciência do que se passava na fracção e que agia voluntariamente no quadro de uma situação de alojamento ilegal. Não era preciso ouvir mais ninguém para confirmar estes dados e nem a audição do arrendatário, caso tivesse sido possível, seria capaz de os eliminar. A audição daquele quando muito apenas poderia servir para esclarecer que ele, recorrente, não era o “explorador” directo da actividade, mas já não podia fazer desfazer a situação de “controlador”, a única a respeito da qual contra si impendia a acusação formulada.
Em visto do exposto, não achamos que o caso traduza preterição de formalidades essenciais, vício de falta de fundamentação ou represente violação do princípio da participação a que alude o art. 10º do CPA.
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Sendo assim, importa agora passar a conhecer dos restantes vícios, que a primeira instância não chegou a apreciar: são eles a violação dos princípios da boa fé, da colaboração entre a Administração e as partes, da defesa da verdade material e, bem assim, o vício de erro sobre os pressupostos de facto.
De acordo com aquela que nos parece ser a melhor interpretação, e como se foi adiantando no despacho de fls.131vº dos autos, o art. 159º do CPAC só impede o tribunal de recurso jurisdicional do exercício de poderes de substituição – logo, apenas terá poderes cassatórios - quando o tribunal recorrido não tiver conhecido do pedido, isto é, não tiver entrado na análise do mérito ou da substância da causa de pedir do recurso contencioso. É o que acontece, por exemplo, quando tiver sido lavrada decisão adjectiva-formal radicada na procedência de matéria exceptiva por falta de um pressuposto processual. Nesse caso, julgado procedente o recurso jurisdicional interposto dessa decisão formal, o processo deverá baixar à 1ª instância para conhecer do pedido.
Mas, já o mesmo não sucede se a 1ª instância conheceu de algum vício (conheceu parcialmente do pedido) com o qual se bastou para julgar procedente o recurso contencioso em prejuízo do conhecimento dos restantes. Nessa hipótese, já cremos que o art. 150º, nº1 não serve de justificação para o tribunal superior, no caso de julgar improcedente o vício conhecido, fazer baixar os autos para a apreciação daqueles que não o tinham sido ainda. Esse caso deve ser resolvido à luz do art. 630º, nº2, do CPC, para que o art. 1º do CPAC indirectamente remete. Ou seja, o tribunal recorrido deverá conhecer dos vícios restantes.
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A alegação destes vícios foi feita de forma tímida e conclusiva, sem suporte numa verdadeira e material imputação de ilegalidade, sem fundamentação, sem estar alicerçada num coro de factos ou razões.
Mesmo assim, não deixaremos de verter sobre essa vaga e genérica arguição alguns considerandos.
Quanto ao primeiro princípio, radicado no art. 8º do CPA, como este TSI observou já, “A invocação da violação do princípio a boa fé só faz sentido ante uma atitude da Administração que fira a confiança que nela o particular depositou ao longo do tempo, levando-o a crer que diferente decisão estaria para ser tomada”10.
Nada disso sucede neste caso. Não está em causa saber se o recorrente foi levado a acreditar que a Administração, pelo seu comportamento anterior, iria despachar favoravelmente o seu pedido de audição de testemunhas. E só ante um quadro desse tipo que sugerisse uma atitude diferente da tomada por parte da Administração é que se pode falar em violação da boa fé e da confiança.
Aliás, e como é sabido, este princípio está relacionado com a actividade discricionária da Administração, coisa que neste passo não acontece. Efectivamente, a opinião geral é que o deferimento do pedido de audição de testemunhas em sede do direito de defesa é vinculado, sob pena de nulidade procedimental. Portanto, se a Administração devia em princípio satisfazer o pedido, o problema deixa de poder ser solucionado à luz da boa fé ou da confiança, para passar a ser estudado sob outro prisma, que consiste em saber, ante um requerimento probatório, quais os efeitos que decorrem da não satisfação directa dessa pretensão, para cuja omissão, se procedente o vício anteriormente analisado, a doutrina e a jurisprudência apontam a nulidade insuprível com assento na violação do direito de defesa do arguido (que aqui não sucede, como vimos atrás).
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Quanto ao princípio da colaboração entre particulares e Administração (art. 9º, do CPA), também estamos convictos de que o recorrente não tem qualquer razão. Efectivamente, também ele parte de um poder discricionário, que como vimos aqui não se verifica.
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Quanto à defesa da verdade material, não encaramos a expressão como princípio axiológico, quando muito como emanação ou corolário do princípio da participação (art. 10º), e que pode desaguar, sempre que saia vencedora a posição do recorrente em sede contenciosa, na procedência do erro sobre os pressupostos de facto, desde que invocado. Ora, sobre a participação e sobre o direito de audiência e defesa do recorrente já atrás nos pronunciámos em termos que não mais interessa repetir.
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Quanto ao erro sobre os pressupostos, também achamos que ele se não mostra verificado. Realmente, e como já atrás deixamos consignado, a atitude do recorrente não pode deixar de configurar um ilícito que encaixa perfeitamente na previsão do art. 10º, nº1, da Lei nº 3/2010 na perspectiva do “controlo”, por qualquer forma, de prédio ou fracção autónoma utilizada para a prestação ilegal de alojamento.
Os elementos colhidos no procedimento apontam todos no sentido de que o recorrente contencioso estava a par do que se passava na fracção (sinal disso eram os cartões de visita com o seu nome e com a indicação de prestador de serviço de “guesthouse” no apartamento), e que mantinha a situação de facto mesmo após deixar de ter avistado o arrendatário, não só tendo contratado pelo menos uma empregada doméstica, como ainda - desde o desaparecimento do arrendatário, B, igualmente de nacionalidade coreana, por volta de Março de 2011 – tendo passado a efectuar ele mesmo o pagamento da renda à agência imobiliária.
Portanto, não se pode aceitar que o acto tivesse incorrido na prática desse vício.
E por ser assim, estamos em condições de concluir pela improcedência do recurso contencioso.
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IV- Decidindo
Nos termos expostos, acordam em:
1º - Conceder provimento ao recurso jurisdicional interposto pela entidade recorrida e, consequentemente, revogar a sentença recorrida;
2º - Julgar improcedente o recurso contencioso e, consequentemente, confirmar o acto impugnado.
Custas em ambas as instâncias pelo recorrente contencioso, com taxa de Justiça no TA e no TSI em 5 UC e 3 UC, respectivamente (arts. 88º e 89º, nº2, R.C.T.).
TSI, 13 de Março de 2014
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Estive presente Lai Kin Hong
Mai Man Ieng

1 Ac. STA, de 24/07/1980, Proc. nº 013664
2 Marcelo Caetano, Manual de Direito Administrativo, II, pág. 1314 e 1315.
3 Ac. TSI, de 7/07/2011, Proc. nº 965/2009. Na jurisprudência comparada, ver, v.g., Ac. do TCA de 20/06/2002, Proc. nº 4633/00.
4 Ac. STA, de 30/06/2004, Proc. nº 033319; tb. Ac. STA de 11/07/1995, Proc. nº 032774; Ac. STA de 4/11/1993, Proc. nº 03198.
5 Ver, por exemplo, o Ac. STA, de 22/06/2010, Proc. nº 01091/08 ,de 7/05/2002, Proc. nº 047887 ou de 25/09/1997, Proc. nº 038658. Não se acompanha, deste modo, a sanção de nulidade do acto como fonte de invalidade em consequência de tal omissão, ao contrário do que foi decidido no citado Ac. do TSI de 7/07/2011, de que o ora relator, nele adjunto, aqui se retrata.
6 Acs. STA, de 12/03/1981, Proc. nº 011243.
7 Caso semelhante foi tratado no Ac. do STA de 14/04/1977, Proc. nº 010224
8 Ac. STA de 14/11/1989, Proc. nº 026064 e de 05/12/1989, Proc. nº 026456
9 Neste sentido, o Ac. STA de 13/11/1953, Proc. nº 004134
10 Ac. do TSI, de 31/03/2011, Proc. nº 693/2010
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