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Processo nº 356/2012
Data do Acórdão: 27MAR2014


Assuntos:

Audiência prévia
Subsídio de residência
Procedimento de 1º grau
Procedimento de 2º grau
Violação da lei


SUMÁRIO

1. Ao desencadear o procedimento administrativo com vista à obtenção do subsídio de residência, a própria interessada já se pronunciou sobre o invocado direito ao subsídio de residência e sobre em que sentido se deve interpretar, na sua óptica, o normativo ao abrigo do qual reivindica o direito. Assim, a formalidade de audiência prévia não deve ser imposta uma vez que a decisão não foi precedida de instrução. De facto, a Administração limitou-se a decidir o pedido formulado pela recorrente, de acordo com o estatuído na lei e com base somente nos elementos por ela fornecidos, e não em outros elementos obtidos por via de investigação oficiosa. Não constituindo para com a recorrente uma decisão “surpresa”, a decisão em crise não padece do vício de forma da falta de audição prévia;

2. Se o acto recorrido é uma decisão tomada no procedimento de 2º grau, mesmo que, por preterição de audiência prévia, não possa pronunciar-se sobre o objecto do procedimento ou requerer as diligências complementares que considere pertinentes no procedimento de 1º grau, o particular interessado tem sempre a possibilidade de o fazer no procedimento de 2º grau, isto é, na reclamação, recurso hierárquico e recurso tutelar, dado que ao desencadear tal procedimento de 2º grau e sempre que não existam factos novos capazes de influenciar a decisão final, ao interessado, já inteirado dos fundamentos em que se baseia a decisão tomada no de 1º grau, está sempre assegurada a faculdade de se pronunciar sobre todos os aspectos que ache importantes para sensibilizar o órgão decisor do procedimento de 2º grau;

3. No caso em que está em causa um acto vinculado, a audiência prévia degrada-se em formalidade não essencial;

4. Por força do acordado na Declaração Conjunta Luso-Chinesa, a República Popular da China, de que a RAEM é uma região administrativa especial e parte integrante, nunca assumiu a responsabilidade pelo pagamento das pensões e dos demais benefícios inerentes aos funcionários públicos aposentados antes do estabelecimento da RAEM em 20DEZ1999; e

5. Não estão incluídos no âmbito de aplicação pessoal da Lei nº 2/2011 os funcionários aposentados antes do estabelecimento da RAEM.


O relator



Lai Kin Hong


Processo nº 356/2012

I

Acordam na Secção Cível e Administrativa do Tribunal de Segunda Instância da RAEM

A, devidamente identificado nos autos, vem recorrer do despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças que, em sede de recurso hierárquico, manteve a decisão da Directora dos Serviços de Finanças que lhe indeferiu o pedido da atribuição do subsídio de residência, requerido ao abrigo do disposto no artº 10º da Lei nº 2/2011, concluindo e pedindo nos termos da petição do recurso a fls. 2 a 50 dos p. autos.*

Citado, vem o Senhor Secretário para a Economia e Finanças a contestar pugnando pela improcedência do recurso.

Não havendo lugar à produção de provas, foram o recorrente e a entidade recorrida notificadas para apresentar alegações facultativas.

Nas alegações facultativas apresentadas, foram grosso modo reiterados os mesmos fundamentos já deduzidos na petição do recurso e na contestação.

Em sede da vista final, o Dignº Magistrado do Ministério Público opinou no seu douto parecer que o recurso merecia provimento.

Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.

II

Antes de mais, é de salientar a doutrina do saudoso PROFESSOR JOSÉ ALBERTO DOS REIS de que “quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume V – Artigos 658.º a 720.º (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, pág. 143).

Assim, de acordo com o alegado no petitório do recurso, as questões que constituem o objecto do presente recurso são a da preterição da audiência prévia e a do vício da violação da lei do acto recorrido.

Alega o recorrente que nunca ele próprio nem a associação que defende os interesses dos aposentados, participou no procedimento de 1º grau e que nem existe nesse procedimento qualquer decisão da Directora dos Serviços de Finanças que dispensa a audição, pelo que foi violado o seu direito de audiência imposto pelos artºs 10º e 93º e s.s. do CPA.

Trata-se o invocado de um alegado vício da preterição de audiência dos interessados, situado no chamado procedimento administrativo decisório de 1º grau, pelo que deve conhecer-se em primeiro lugar que os outros vícios alegadamente verificados atinentes à legalidade substancial do despacho recorrido.

Apreciemos.

Preterição da audiência prévia

Ora, por força do princípio da participação consagrado no artº 10º do CPA, os órgãos da Administração Pública devem assegurar a participação dos particulares, bem como das associações que tenham por objecto a defesa dos seus interesses, na formação das decisões que lhes disseram respeito, designadamente através da respectiva audiência.

Concretizando este princípio, dispõe o artº 93º do CPA que “concluída a instrução, os interessados têm o direito de ser ouvido no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informado, nomeadamente, sobre o sentido provável desta”.

Trata-se de um direito legalmente conferido aos particulares à participação constitutiva na formação das decisões que lhes dizem respeito, ao qual corresponde o dever da Administração de proporcionar aos particulares a possibilidade de se pronunciarem sobre o objecto do procedimento e associá-los à tarefa de preparar a decisão final.

Todavia, tal como sucede com a maioria dos princípios, senão com todos, por mais sagrados sejam, comportam excepções.

O princípio da participação não pode fugir a esta regra.

Na verdade, a própria lei estabelece dois grupos de excepções ao princípio da participação retirando aos particulares o seu direito à audiência prévia, quais são o grupo das circunstâncias determinantes da inexistência de audiência dos interessados e o das da dispensa de audiência dos interessados, previstas nos artºs 96º e 97º do CPA.

Dispõem estes dois artigos:

Artigo 96.º (Inexistência de audiência dos interessados)

Não há lugar a audiência dos interessados:
a) Quando a decisão seja urgente;
b) Quando seja razoavelmente de prever que a diligência possa comprometer a execução ou a utilidade da decisão;
c) Quando o número de interessados a ouvir seja de tal forma elevado que a audiência se torne impraticável, devendo nesse caso proceder-se a consulta pública, quando possível, pela forma mais adequada.

Artigo 97.º (Dispensa de audiência dos interessados)

O órgão instrutor pode dispensar a audiência dos interessados nos seguintes casos:
a) Se os interessados já se tiverem pronunciado no procedimento sobre as questões que importem à decisão e sobre as provas produzidas;
b) Se os elementos constantes do procedimento conduzirem a uma decisão favorável aos interessados.

In casu, o procedimento administrativo iniciou-se com o pedido da atribuição do subsídio de residência.

Portanto, foi o ora recorrente quem formulou o pedido de atribuição do subsídio de residência ao abrigo do disposto no artº 10º da Lei nº 2/2011.

Ao desencadear o procedimento administrativo com vista à obtenção do subsídio de residência, o próprio interessado já se pronunciou sobre o invocado direito ao subsídio de residência e sobre em que sentido se deve interpretar, na sua óptica, o normativo ao abrigo do qual reivindica o direito.

Assim, a tal formalidade de audiência prévia não deve ser imposta uma vez que a decisão não foi precedida de instrução.

De facto, a Administração limitou-se neste caso concreto a decidir o pedido formulado pelo recorrente, de acordo com o estatuído na lei e com base somente nos elementos por ela fornecidos, e não em outros elementos obtidos por via de investigação oficiosa.

Não constituindo para com o recorrente uma decisão “surpresa”, a decisão em crise não padece do vício de forma da falta de audição prévia.

Pelo que, não conduz à preterição da audiência prévia a circunstância de in casu o recorrente não ter sido ouvido, no procedimento administrativo de 1º grau que mediou entre o seu requerimento e a decisão da Senhora Directora dos Serviços de Finanças, mas sim integra justamente na situação de dispensa de audiência dos interessados, tipificada no acima citado artº 97º/-a) do CPA.

Por outro lado, vimos que o recorrente reagiu contra não só a não audição, como também a falta de uma decisão fundamentada no procedimento administrativo da Senhora Directora dos Serviços de Finanças que determinou a dispensa da audiência.

Admitimos que seria sempre louvável um despacho fundamentado para o efeito.

Só que face ao disposto no artº 97º do CPA, tal despacho não é imposto como formalidade essencial.

Compreende-se perfeitamente porquê é que a lei não impõe a obrigatoriedade de tal despacho, pois se é sindicável, quer por via graciosa quer por via contenciosa, a legalidade do próprio non facere da audiência prévia, não há necessidade nem faz sentido autonomizar a sindicância daquele despacho, prévio à não audição, que no fundo não é mais do que uma formalidade, não essencial à protecção do bem jurídico que a audição prévia visa tutelar, quanto muito um acto meramente explicativo de um non facere, e portanto carece sempre da dignidade de ser autonomamente sindicado.

Assim sendo, a simples circunstância de inexistir um despacho que determinou a dispensa da audiência não constitui omissão de formalidade essencial nem qualquer situação da inobservância de normativos de natureza procedimental.

Em relação à alegada não audição da Associação dos Aposentados, Reformados e Pensionistas de Macau (APOMAC), o nosso ponto de vista coincide com a óptica do Ministério Público expressa em sede de parecer final, isto é, a Administração limitou-se a decidir um pedido individualmente formulado pelo recorrente e não a decidir em relação a um certo grupo de interessados.

Portanto não há lugar à audição da Associação.

Quod abundat non nocet, mesmo que não se entenda assim, a hipotética inobservância ficou já sanada uma vez que o acto recorrido é o despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças que julgou improcedente o recurso hierárquico interposto da decisão tomada no procedimento de 1º grau pela Senhora Directora dos Serviços de Finanças.

Pois, como se sabe, mesmo que, por preterição de audiência prévia, não possa pronunciar-se sobre o objecto do procedimento ou requerer as diligências complementares que considere pertinentes no procedimento de 1º grau, o particular interessado tem sempre a possibilidade de o fazer no procedimento de 2º grau, isto é, na reclamação, recurso hierárquico e recurso tutelar, dado que ao desencadear tal procedimento de 2º grau e sempre que não existam factos novos capazes de influenciar a decisão final, ao interessado, já inteirado dos fundamentos em que se baseia a decisão tomada no de 1º grau, está sempre assegurada a faculdade de se pronunciar sobre todos os aspectos que ache importantes para sensibilizar o órgão decisor do procedimento de 2º grau.

Ex abundantia, conforme iremos demonstrar infra, por força do princípio do aproveitamento do acto em nome do aforismo utile per inutile non vitiatur, a alegada preterição de audiência prévia no caso sub judice nunca conduz à anulação do acto recorrido, pois aqui estamos perante um acto vinculado e a audiência prévia degrada-se em formalidade não essencial.

Assim, por qualquer das razões apontadas supra, improcede sempre o invocado vício de forma por preterição de audiência prévia.

Passemos então à questão de saber se o recorrente merece a atribuição do subsídio de residência.

Vicio da violação da lei

Ora, todo o raciocínio do recorrente explanado no petitório do recurso reiterado nas alegações facultativas está orientado pelo objectivo de procurar convencer o Tribunal de que as circunstâncias de o interessado ter transferido a responsabilidade da sua pensão para a Caixa Geral de Aposentações de Portugal e de ter exercido o direito ao transporte da sua pessoa e bagagens para Portugal por conta do então Território de Macau nunca são impeditivas de atribuição do subsídio, uma vez que face ao disposto no artº 10º da Lei nº 2/2011, a efectiva residência em Macau já deixou de ser um dos requisitos para o efeito da atribuição do subsídio de residência.

Para nós, o que interessa saber é averiguar se o recorrente, na qualidade de funcionário público aposentado da então Administração do Território de Macau, se encontra ou não incluído no âmbito de aplicação da Lei nº 2/2011.

Ou seja, se o legislador de 2011 quis atribuir o subsídio de residência aos funcionários públicos já aposentados antes do estabelecimento da RAEM.

Conforme se vê no petitório do recurso e nas alegações facultativas, o ora recorrente apoia a sua tese no artº 10º da citada lei nº 2/2011, à luz do qual “os trabalhadores dos serviços públicos que se encontrem em efectividade de funções ou desligados do serviço para efeitos de aposentação, bem como os aposentados, incluindo os magistrados aposentados, têm direito a um subsídio mensal de residência, nos termos previstos na presente lei, ainda que existam entre eles relações de parentesco e residam na mesma moradia.”.

Todavia, esse normativo não pode ser isoladamente interpretado sem se ligar ao disposto no artº 1º da mesma lei.

Tem o artº 1º a seguinte redacção:

1. A presente lei regula o regime do prémio de antiguidade e dos subsídios de residência e de família dos trabalhadores dos serviços públicos da Região Administrativa Especial de Macau, adiante designada por RAEM.

2. Para efeitos da presente lei, consideram-se serviços públicos os órgãos e serviços da Administração Pública, incluindo o Gabinete do Chefe do Executivo, os Gabinetes e serviços administrativos de apoio aos titulares dos principais cargos do Governo, os fundos autónomos, os institutos públicos, os Serviços de Apoio à Assembleia Legislativa, o Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância e o Gabinete do Procurador.

3. Salvo disposição em contrário, os regimes estabelecidos ao abrigo da presente lei não prejudicam a aplicação de regimes especiais.

Ora, o artº 1º/1 define o objecto que a lei visa regular e o âmbito da sua aplicação, fixando o âmbito de aplicação pessoal aos trabalhadores dos serviços públicos da Região Administrativa Especial de Macau.

Conjugando este normativo que fixou o âmbito de aplicação pessoal com o disposto no artº 10º, cremos que é de concluir que se devem entender por “trabalhadores dos serviços públicos que se encontrem em efectividade de funções ou desligados do serviço para efeitos de aposentação, bem como os aposentados”, os trabalhadores, activos ou aposentados, dos serviços públicos da Região Administrativa Especial de Macau.

Ora, essa interpretação não resulta tão só do elemento gramatical da redacção de ambos os artigos, mas sim tem o seu apoio no elemento histórico.

Então vamos recuar um bocadinho no tempo para nos inteirar a razão de ser dessas normas.

Ora, a propósito do compromisso assumido pela República Popular da China, respeitante aos vínculos jurídico-funcionais, às condições remuneratórias e às demais regalias dos trabalhadores dos serviços públicos aquando do estabelecimento da RAEM, foi acordado, entre a China e Portugal, e feito constar do ponto VI do Anexo I da Declaração Conjunta Luso-Chinesa que:

“Após o estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau, os nacionais chineses e os portugueses e outros estrangeiros que tenham previamente trabalhado nos serviços públicos (incluindo os de polícia) de Macau podem manter os seus vínculos funcionais e continuarão a trabalhar com vencimentos, subsídios e benefícios não inferiores aos anteriores. Os indivíduos acima mencionados que forem aposentados depois do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau terão direito, em conformidade com as regras vigentes, a pensões de aposentação e de sobrevivência em condições não menos favoráveis do que as anteriores, independentemente da sua nacionalidade e do seu local de residência.”.

Interpretando a contrario a parte final desse ponto VI respeitante aos funcionários aposentados, nota-se facilmente a ideia bem clara de que a parte chinesa não iria assumir a responsabilidade resultante do pagamento das pensões e demais benefícios aos funcionários públicos aposentados antes do estabelecimento da RAEM.

Foi justamente na sequência, lógica e cronológica, do acordo materializado nesse ponto, que foi publicado o Decreto-Lei nº 14/94/M de 23FEV, que visa, inter alia, definir o quadro legal dentro do qual é garantida a possibilidade dos funcionários já aposentados, ou que reuniriam condições de aposentação até 19DEZ1999, poderem transferir a responsabilidade pelo pagamento das suas pensões para Portugal, a fim de permitir este grupo de indivíduos a continuar a receber as suas pensões após a transferência da soberania em 1999.

E posteriormente através do Decreto-Lei nº 38/95/M o então Território de Macau procurou clarificar e uniformizar as eventuais interpretações divergentes suscitadas na aplicação do ETAPM em algumas situações específicas do processo de integração, nomeadamente no que respeita à atribuição da renda de casa.

A este propósito reza o artº 3º desse decreto que:

1. O montante devido mensalmente a título de renda de casa pelos pensionistas, na situação a que se refere a alínea b) do n.º 3 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 14/94/M, de 23 de Fevereiro, após a transferência da respectiva pensão, é o que resultar das disposições legais em vigor à data da transferência, sendo o pagamento efectuado no serviço ou entidade a quem cabe a administração das moradias.

2. Os pensionistas que têm direito a subsídio de residência, nos termos do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, após a transferência da respectiva pensão para a CGA mantêm esse direito, até 19 de Dezembro de 1999, enquanto residirem no território de Macau, sendo o pagamento efectuado pela Direcção dos Serviços de Finanças.

De acordo com este dispositivo, aos funcionários já aposentados, ou que reuniriam condições de aposentação até 19DEZ1999, que já tenham transferido a responsabilidade pelo pagamento das suas pensões para Portugal fica assegurada a atribuição do subsídio de residência, por conta do erário público do então Território de Macau, até à véspera do estabelecimento da RAEM.

Mais tarde essa norma que fixa o limite temporal foi inexplicavelmente revogada, numa altura em que pouco mais do que vinte dias restavam antes da transferência da soberania, pelo Decreto-Lei nº 96/99/M que estabelece no seu artº 1º que ao pessoal a quem seja autorizada a transferência das respectivas pensões para a Caixa Geral de Aposentações é mantido o direito a subsídio de residência nos termos do ETAPM, sendo o pagamento efectuado pela Direcção dos Serviços de Finanças.

Ora, se o Decreto-Lei nº 38/95/M foi feito para resolver as divergências na interpretação e aplicação do ETAPM em situações específicas no processo de integração e no processamento do pagamento das pensões aos aposentados antes do estabelecimento da RAEM, face ao acordado na Declaração Conjunta Luso-Chinesa, o posterior decreto de 1999 já foi muito além do acordado na Declaração Conjunta.

Pois, ao estender o direito ao subsídio de residência para além de 19DEZ1999, o normativo do decreto de 1999 não só colide a Declaração Conjunta como também viola frontalmente o disposto no artº 98º da Lei Básica da RAEM que concretizou o acordado naquela Declaração Conjunta.

Diz o artº 98º da Lei Básica da RAEM que:

À data do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau, os funcionários e agentes públicos que originalmente exerçam funções em Macau, incluindo os da polícia e os funcionários judiciais, podem manter os seus vínculos funcionais e continuar a trabalhar com vencimento, subsídios e benefícios não inferiores aos anteriores, contando-se, para efeitos de sua antiguidade, o serviço anteriormente prestado.

Aos funcionários e agentes públicos, que mantenham os seus vínculos funcionais e gozem, conforme a lei anteriormente vigente em Macau, do direito às pensões de aposentação e de sobrevivência e que se aposentem depois do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau, ou aos seus familiares, a Região Administrativa Especial de Macau paga as devidas pensões de aposentação e de sobrevivência em condições não menos favoráveis do que as anteriores, independentemente da sua nacionalidade e do seu local de residência.

Dada a ilegalidade reforçada, o decreto de 1999 não pode deixar de cessar a sua vigência no momento de entrada em vigor da Lei Básica.

Chegamos aqui, uma coisa é certa: o legislador da RAEM não tem a obrigação de legislar no sentido de atribuir “ex novo” o subsídio de residência aos funcionários já aposentados antes do estabelecimento da RAEM, uma vez que a República Popular da China, de que a RAEM é uma região administrativa especial e parte integrante, nunca assumiu a responsabilidade pelo pagamento das pensões e dos demais benefícios inerentes àqueles funcionários aposentados antes de 20DEZ1999, o que aliás é a razão de ser do Decreto-Lei nº 14/94/M que visava à transferência dos fundos do erário público do então Território de Macau para a Caixa Geral de Aposentações a fim de garantir o processamento das pensões a favor destes mesmos funcionários aposentados após a transferência da soberania de Macau.

Assim, estamos convencidos de que a história evolutiva antes e depois do estabelecimento da RAEM na matéria de atribuição do subsídio de residência já lançou luz ao verdadeiro sentido da norma constante dos artºs 1º e 10º da Lei nº 2/2011.

Ou seja, não estão incluídos no âmbito de aplicação pessoal os funcionários aposentados antes do estabelecimento da RAEM.

E a circunstância de a nova lei deixar de exigir a efectiva residência em Macau como um dos requisitos para a atribuição do subsídio de residência deve-se ao facto notório de que um número substancial dos funcionários aposentados optou por viver fora de Macau, dada a constante e cada vez mais exagerada subida dos custos de vida, nomeadamente o de habitação, registada nos últimos anos em Macau.

Compreende-se assim o que pretende o legislador com a alteração legislativa introduzida consistente na não exigência da residência efectiva como um dos requisitos.

Em síntese, face ao disposto nos artºs 1º e 10º da Lei nº 2/2011, o recorrente não se encontra abrangida no âmbito da sua aplicação pessoal.

Pelo exposto, fica prejudicado o conhecimento dos outros vícios entretanto invocados pelo recorrente e é de improceder in totum o recurso.

E sem necessidade mais delongas, resta decidir.

III

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conferência negar provimento ao recurso.

Custas pelo recorrente com taxa de justiça fixada em 4 UC.

Notifique.

RAEM, 27MAR2014

_________________________ _________________________
Lai Kin Hong Vitor Manuel Carvalho Coelho
(Relator) (Presente)
(Magistrado do M.oP.o)

_________________________
João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
(Primeiro Juiz-Adjunto)
(voto a decisão, concordando com os fundamentos expostos no Acórdão que não colidam com a minha posição já exposta no Proc. n.º 197/2012, de que fui Relator).
_________________________
Ho Wai Neng
(Segundo Juiz-Adjunto)






  * 1. Por acto do Senhor Secretário para a Economia e Finanças de 1/03/2012, exarado na Informação n.º 065/NAJ/LRB/2012 e notificado a coberto do Ofício n.º 039/NAJ/LRB/2012, foi indeferido o abono do subsídio de residência à ora recorrente, que havia sido requerido ao abrigo do artigo 10.º da Lei n.º 2/2011.
  2. O recorrente nunca se pronunciou no procedimento de 1.º grau, que culminou com o acto da Senhora Directora dos Serviços que naquele procedimento indeferiu o pedido formulado pelo recorrente.
  3. A violação do direito de audiência da recorrente imposto pelos artigos 10.º e 93.º e seguintes, ambos do CPA, consubstancia vício de forma determinante da invalidade do acto recorrido, conducente à sua anulação.
  4. A falta de audiência, naquele procedimento, da APOMAC, organismo representativo dos trabalhadores aposentados e pensionistas, detentora de legitimidade para esse efeito, ao abrigo do n.º 1 do artigo 55.º do CPA, viola o disposto no artigo 10.º do mesmo Código, que adicionalmente assegura a intervenção das Associações que defendam os interesses dos interessados, quando envolvidos em procedimentos administrativos, violação de lei que fere de invalidade o acto recorrido, devendo por isso ser anulado.
  5. A dispensa da audiência de interessados prevista no artigo 97.º do CPA exige uma decisão devidamente fundamentada nesse sentido.
  6. Não existe no procedimento administrativo qualquer decisão da Senhora Directora da DSF, que dispense a audiência de interessados, e respectiva fundamentação, pelo que a decisão da entidade recorrida que sancionou tal actuação ofende a regra do artigo 97.º do CPA, o que consubstancia vício de violação de lei conducente à anulabilidade do acto recorrido.
  7. A Lei n.º 2/2011 expressamente afastou o critério de residência como condição para a atribuição do subsídio previsto no seu artigo 10.º.
  8. Essa decisão consta do Relatório das Linhas de Acção Governativa para o ano Financeiro de 2011, na área da Administração e Justiça e da Nota Justificativa que acompanhou o ante-projecto da Lei n.º 2/2011.
  9. O abono do transporte para Portugal ao abrigo do DL n.º 14/94/M, não impede ao recorrente o acesso ao direito previsto no artigo 10.º da Lei n.º 2/2011.
  10. O artigo 10.º da Lei n.º 2/2011 afastou expressamente o critério da residência em Macau como requisito para a concessão do subsídio previsto nessa norma, pelo que o acto recorrido, fazendo depender a atribuição do subsídio ao critério de residência em Macau, viola o disposto naquela regra, o que o torna anulável por vício de violação de lei.
  11. A entidade recorrida indeferiu a atribuição do subsídio de residência com fundamento nos DL n.ºs 14/94/M, 38/95/M e 96/99/M, diplomas que em Macau executavam o DL n.º 357/93, de 14 de Outubro, que definiu várias componentes para o denominado processo de integração, para aferir dos requisitos de acesso a um direito previsto em legislação da RAEM – a Lei n.º 2/2011.
  12. A faculdade de transferir a responsabilidade do pagamento das pensões para a CGA para aqueles que exerceram funções na administração pública do Território de Macau e se aposentaram antes de 19 de Dezembro de 1999, decorreu do Ponto VI do Anexo I da Declaração Conjunta do Governo da República Portuguesa e do Governo da República Popular da China sobre a Questão de Macau, assinado em Pequim em 13/04/1987.
  13. Na Declaração Conjunta a Parte Chinesa só se responsabiliza pelo pagamento das pensões de aposentação e de sobrevivência dos trabalhadores da administração pública que se aposentassem depois de 19 de Dezembro de 1999.
  14. A Parte Portuguesa assegurou o pagamento das pensões aos aposentados de Macau até 19/12/1999 pelo DL n.º 357/93, de 14 de Outubro, com a consequente regulamentação no Território de Macau, através do DL n.º 14/94/M, do DL n.º 38/95/M e do DL n.º 96/99/M.
  15. Havendo aposentados que transferiram o pagamento das pensões para a CGA que permaneceram em Macau, o DL n.º 38/95/M e o DL n.º 96/99/M concede-lhes o direito ao subsídio de residência, mesmo quando tenham exercido total ou parcialmente os direitos conferidos pelo n.º 3 do artigo 17.º DL n.º 14/94/M, maxime o direito de transporte.
  16. Transferiu-se a responsabilidade pelo pagamento de pensões de pessoas que permaneceram como aposentados de Macau após 20 de Dezembro de 1999 com todos os direitos inerente a essa condição, salientando-se o acesso a assistência médica e medicamentosa: os cuidados de saúde.
  17. Foi regulada a forma de pagamento das suas contribuições para efeitos de acesso aos cuidados de saúde, nos termos do regime geral em vigor à data da transferência da pensão de aposentação para a CGA, a efectuar directamente junto dos Serviços de Saúde de Macau, por iniciativa de cada um dos interessados.
  18. Situação que ainda hoje se mantém para todos os aposentados, independentemente de terem ou não transferido a responsabilidade pelo pagamento das suas pensões para a CGA e de terem ou não accionado o direito a transporte para Portugal enquanto direito conexo.
  19. Não resulta da legislação invocada no acto recorrido nem dos respectivos preâmbulos que os aposentados que transferiram o pagamento das pensões para a CGA e receberam o abono de transporte não beneficiam do subsídio de residência porque a lei os considerava residentes de Portugal.
  20. Mesmo que a recorrente não estivesse abrangida pelo direito ao subsídio de residência previsto naqueles diplomas, a aferição dos pressupostos de acesso a esse mesmo direito definido, ex novo, na Lei n.º 2/2011, só pode ser feita com base na previsão do artigo 10.º desta Lei, única lei vigente na matéria no ordenamento jurídico da RAEM.
  21. O acto recorrido, aferindo dos pressupostos ao subsídio requerido com base nos DL n.ºs 14/94/M, 38/95/M e 96/99/M, incorre em violação do artigo 10.º da Lei n.º 2/2011, vício que o invalida.
  22. O DL n.º 96/99/M eliminou do n.º 2 do artigo 3.º do DL n.º 38/95/M o limite temporal para o acesso dos aposentados ao subsídio de residência bem como a condição de os mesmos residirem em Macau.
  23. A alínea b) do artigo 1.º do DL n.º 96/99/M, abandona o requisito da prévia existência do direito ao subsídio de residência, no momento da transferência das pensões para a CGA, permitindo que os aposentados que reunissem as condições previstas no artigo 203.º do ETAPM beneficiassem daquele direito, mesmo que anteriormente o não detivessem.
  24. Se o legislador apenas pretendesse eliminar o limite temporal fixado, bastaria proceder à alteração do n.º 2 do artigo 3.º do DL n.º 38/95/M, eliminando a referência a 19/12/1999, mantendo a restante redacção da norma.
  25. A expressão "mantido", no corpo do artigo 1.º do DL n.º 96/99/M, não comporta qualquer referência ao passado.
  26. A expressão "mantido", no corpo do artigo 1.º do DL n.º 96/99/M, afirma que o direito, em abstracto, permanece no ordenamento jurídico da RAEM, englobando aqueles que não estavam a beneficiar do abono mas que a ele pretendiam aceder, seja pela primeira vez, seja na sequência de uma interrupção de pretérito.
  27. Os SAFP emitiram Parecer, em Fevereiro de 2002, afirmando que são aposentados de Macau, para todos os efeitos legais segundo o regime jurídico fixado pelas normas legais aplicáveis, aqueles que transferiram a responsabilidade do pagamento das suas pensões para a CGA.
  28. O Senhor Secretário para a Economia e Finanças, entidade aqui recorrida, decidiu em 24/07/2001, ser legal que os aposentados que transferiram a responsabilidade do pagamento da sua pensão para a CGA tivessem direito ao subsídio de residência, de acordo com um parecer da sua assessoria jurídica elaborado em 23/07/2001.
  29. Os SAFP, em Maio de 2011, através do ofício n.º 1105120001/DIR, defenderam que o pessoal abrangido pelo DL n.º 96/99/M continua a beneficiar do regime de residência previsto na Lei n.º 2/2011, desde que não esteja abrangido por nenhuma das situações indicadas no n.º 2 do seu artigo 10.º.
  30. Não existe qualquer obrigação de continuidade no acesso ao subsídio de residência a coberto da legislação de 1994, 1995, 1999 e 2011.
  31. A ausência de Macau num determinado período temporal ou o exercício do direito a transporte ao abrigo do artigo 17.º do DL n.º 14/94/M, não fazem decair o critério de residência para efeitos de acesso ao direito ao subsídio.
  32. A entidade recorrida acolheu como fundamento da sua decisão um parecer jurídico que se pronuncia sobre a questão da residência em Macau, matéria regulada na Lei n.º 8/1999.
  33. A Lei n.º 8/1999 apenas exige que aqui se tenha residência legalmente consentida, presumindo residentes de Macau os portadores de Bilhete de Identidade de Residente Permanente da RAEM, como é o caso da ora recorrente.
  34. O acto recorrido sustenta que a recorrente fixou residência em Portugal, sem que conste no procedimento qualquer documento que demonstre o que alega, em sentido inverso do dever estabelecido no n.º 1 do artigo 86.º do CPA
  35. O acto recorrido afasta, implicitamente, a qualidade de residência que a Lei n.º 8/1999 lhe confere, enquanto titular do Bilhete de Identidade de Residente de Macau, para efeitos de atribuição de um direito previsto na legislação da RAEM.
  36. O acto recorrido traduz que o pensionista que se ausente da RAEM, no âmbito de um processo de integração que admite o transporte por conta do território em função de uma intenção de residência em Portugal, fica impedido de voltar a residir em Macau e usufruir dos direitos que as leis lhe conferem, por isso lhe retirando o direito ao subsídio de residência, que Lei n.º 2/2011 lhe concede.
  37. Do acto recorrido resulta que a ausência de Macau numa determinada situação ao abrigo de legislação soberana portuguesa condiciona a percepção de um abono geralmente concedido a quem se inclua nas classes inactivas da administração pública de Macau e que aqui permaneça, o que é ilegal, na medida em que o princípio básico do estatuto dos residentes de Macau não pode ser restringido na sequência de uma ausência, ainda que temporária, encontrando-se por isso o acto recorrido ferido de violação de lei, por ofensa aos artigos 2.º, 4.º, 5.º e 7.º da Lei n.º 8/1999, o que o torna anulável.
Nestes termos e nos mais de Direito que V. Ex.ªs entendam por bem suprir, se requer a anulação do acto do Senhor Secretário para a Economia e Finanças, datado de 1 de Março de 2012 que indeferiu à ora recorrente a atribuição do subsídio de residência, nos termos consentidos pelo artigo 10.º da Lei n.º 2/2011, pedido que se fundamenta, de acordo com o artigo 21.º do CPAC:
a) em vício de violação de lei do artigo 97.º do CPA e em vício de forma por preterição da audiência do interessado, imposta pelo artigo 93.º do mesmo Código;
b) em vício de violação de lei por ofensa ao artigo 10.º da Lei n.º 2/2011;
c) em violação de lei na vertente de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, na medida em que os diplomas em que se sustentou a decisão recorrida não impunham que o direito ao subsídio de residência se encontrasse constituído na esfera jurídica da recorrente à data da entrada em vigor da Lei n.º 2/2011, nem este diploma exige qualquer outro requisito que não os previstos no seu artigo 10.º;
d) vício de violação de lei por ofensa aos artigos 2.º, 4.º, 5.º e 7.º da Lei n.º 8/1999.
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356/2012-22