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Processo nº 176/2014 Data: 03.04.2014
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Liberdade condicional.
Pressupostos.



SUMÁRIO

1. A liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão.

2. É de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social.



O relator,

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Processo nº 176/2014
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A, com os restantes sinais dos autos e ora presa no Estabelecimento Prisional de Macau (E.P.M.), vem recorrer da decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, motivando para, a final, concluir, imputando à decisão recorrida o vício de violação do disposto no artº 56º do C.P.M.; (cfr., fls. 297 a 300 que como as que adiante se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os legais efeitos).

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Em resposta, pugna o Exm° Magistrado do Ministério Público no sentido da procedência do recurso; (cfr., fls. 309 a 310).

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Em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto douto Parecer considerando também que o recurso merecia provimento; (cfr., fls. 317).

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Corridos os vistos legais dos Mmºs Juízes-Adjuntos, e nada obstando, vieram os autos à conferência.

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Passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Flui dos autos a factualidade seguinte (com relevo para a decisão a proferir):

– por Acórdão deste T.J.B. de 11.02.2010, foi, A, sem residência fixa em Macau, ora recorrente, condenada na pena única de 7 anos e 2 meses de prisão, pela prática de crimes de “tráfico de estupefacientes”, “detenção ilícita de estupefacientes para consumo”, “detenção ilícita de utensilagem”, e de “consumo em lugares públicos”;
– a mesmo recorrente, deu entrada no E.P.M. em 07.05.2008, e em 15.02.2013, cumpriu dois terços da referida pena, vindo a expiar totalmente a mesma pena em 05.07.2015;
– durante a sua reclusão, participou em actividades escolares (ensino recorrente), tendo participado em cursos vocacionais e trabalhado na oficina de artesanato;
– se lhe vier a ser concedida a liberdade condicional, irá regressar à sua terra natal, XX (R.P.C.), vivendo com a sua família, tendo emprego assegurado na empresa do seu pai.

Do direito

3. Insurge-se o ora recorrente contra a decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, afirmando, em síntese, que se devia considerar que reunidos estão todos os pressupostos do artº 56º do C.P.M. para que tal libertação antecipada lhe fosse concedida.

Vejamos.

— Preceitua o citado artº 56º do C.P.M. (que regula os “Pressupostos e duração” da liberdade condicional) que:

   “1. O tribunal coloca o condenado a pena de prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo 6 meses, se:
a) For fundamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
   
2. A liberdade condicional tem duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, mas nunca superior a 5 anos.

3. A aplicação da liberdade condicional depende do consentimento do condenado”; (sub. nosso).
   
Constituem, assim, “pressupostos objectivos” ou “formais”, a condenação em pena de prisão superior a seis (6) meses e o cumprimento de dois terços da pena, num mínimo de (também) seis (6) meses; (cfr. nº 1).

“In casu”, atenta a pena única que à recorrente foi fixada, e visto que se encontra ininterruptamente presa desde 07.05.2008, expiados estão já dois terços de tal pena, pelo que preenchidos estão os ditos pressupostos formais.

Todavia, e como é sabido, tal “circunstancialismo” não basta, já que não sendo a liberdade condicional uma medida de concessão automática, impõe-se para a sua concessão, a verificação cumulativa de outros pressupostos de natureza “material”: os previstos nas alíneas a) e b) do nº 1 do referido artº 56º.

Com efeito, importa ter em conta que a liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão; (cfr., v.g., J. L. Morais Rocha e A. C. Sá Gomes in “Entre a Reclusão e a Liberdade – Estudos Penitenciários”, Vol. I, em concreto, “Algumas notas sobre o direito penitenciário”, IV cap., pág. 41 e segs.).

É pois um instituto da maior importância no sistema de execução da pena de prisão, em especial, na execução das penas de média e longa duração, na medida em que afasta os inconvenientes de uma permanência em reclusão por períodos demasiado longos, quando tal deixe de se justificar, e em que assegura uma transição menos brusca da reclusão prisional para a liberdade total.

Contudo, e na esteira do repetidamente decidido nesta Instância, a liberdade condicional “é de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir óbviamente matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 11.04.2013, Proc. nº 177/2013, de 25.04.2013, Proc. nº 213/2013 e o de 20.06.2013, Proc. n.° 350/2013).

Assim, detenhamo-nos na apreciação de tais pressupostos de natureza material.

Ponderando na factualidade atrás retratada, poder-se-á dizer que é fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, mostrando-se a pretendida liberdade condicional compatível com a defesa da ordem jurídica e paz social?

Mostra-se de subscrever o teor do douto Parecer do Ilustre Procurador Adjunto, que aqui, por uma questão de economia processual, se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.

De facto, atenta a postura da ora recorrente, mostrando-se arrependida pela sua conduta – vd. cartas juntas aos autos – e tendo desenvolvido uma conduta prisional pelo Director do E.P.M. apelidada de “adequada”, demonstrando vontade e capacidade de levar uma “vida nova” com a sua família, viável se nos afigura o necessário juízo de prognose favorável.

Por sua vez, tendo em conta o que até aqui se expôs, o tempo de prisão que já cumpriu, cerca de 6 anos, e o que falta cumprir, (pouco mais que 1 ano), cremos que verificado fica também o pressuposto ínsito na al. b) do n.° 1 do art. 56° do C.P.M. através da fixação de regras de conduta nos termos do art. 58° do mesmo Código.

Tudo visto, resta decidir.



Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam conceder provimento ao recurso, fixando-se à recorrente o dever de não regressar a Macau no período de tempo correspondente à pena que lhe falta cumprir.

Passem-se os competentes mandados de soltura.

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.500,00.

Após trânsito, e para os efeitos tidos por adequados, remeta-se cópia do presente acórdão ao C.P.S.P..

Macau, aos 03 de Abril de 2014
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José Maria Dias Azedo
(Relator)

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Chan Kuong Seng
(Primeiro Juiz-Adjunto)

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Tam Hio Wa
(Segundo Juiz-Adjunto)
Proc. 176/2014 Pág. 12

Proc. 176/2014 Pág. 11