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Processo nº 178/2014 Data: 03.04.2014
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crimes de “furto qualificado”.
Pena.
Cúmulo.



SUMÁRIO

1. Na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites.

2. Na determinação da pena única resultante do cúmulo jurídico são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
Na consideração dos factos, ou melhor, do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso, está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, que deve ter em conta as conexões e o tipo de conexão entre os factos em concurso.
Por sua vez, na consideração da personalidade - que se manifesta na totalidade dos factos - devem ser avaliados e determinados os termos em que a personalidade se projecta nos factos e é por estes revelada, ou seja, importa aferir se os factos traduzem uma tendência desvaliosa, uma tendência para a prática do crime ou de certos crimes, ou antes, se reconduzem apenas a uma pluriocasionalidade que não tem razão na personalidade do agente.

O relator,

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José Maria Dias Azedo


Processo nº 178/2014
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Por Acórdão do T.J.B. datado de 21.02.2014, decidiu-se condenar A, arguido com os sinais dos autos, como autor material da prática na forma consumada e em concurso real de 2 crimes de “furto qualificado”, p. e p. pelo art. 198°, n.° 1, al. a), b) e e) do C.P.M., nas penas parcelares de 2 anos e 6 meses e 2 anos e 9 meses de prisão.
Em cúmulo jurídico, foi o arguido condenado na pena única de 3 anos e 6 meses de prisão; (cfr., fls. 242 a 251 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformado, vem o arguido recorrer:

“1. O recorrente entende que o tribunal colectivo a quo não levou em plena consideração a situação actual dele, determinando apenas demasiadamente elevadas.
2. O recorrente é delinquente primário e demonstrou-se arrependido na audiência de julgamento.
3. Ficou assente no douto acórdão que o arguido confessou os factos integralmente e sem reservas.
4. O recorrente entende que a douta decisão recorrida violou os art.s 40.°, 64.° e 65.° todos do Código Penal de Macau.
5. Solicita aos Venerandos Juízes do Tribunal de Segunda Instância que determinem, de novo, a pena por cada um dos dois crimes de furto qualificado ao recorrente, atenuando-se as penas aplicadas, e consequentemente determinando-se o seu cúmulo jurídico numa pena única inferior a 3 anos.
6. Sendo realizado o cúmulo, requer-se a Vossas Excelências a concessão ao Recorrente a suspensão na execução da pena, nos termos do art.° 48.° do CPM ”; (cfr., fls. 264 a 268).

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Respondendo, diz o Ministério Público que o recurso não merece provimento; (cfr., fls. 270 a 273).

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Admitido o recurso com efeito e modo de subida adequadamente fixados, vieram os autos a este T.S.I..

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Em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:

“Mostra-se o recorrente inconformado com a medida concreta da pena que lhe foi aplicada, a qual considera desadequada, desproporcionada e injusta, por excessiva.
Mas, notoriamente, sem razão.
Atenta a moldura penal abstracta dos crimes de furto qualificado por que foi condenado (2 a 10 anos de prisão), bem como todo o circunstancialismo envolvente da situação, dado como comprovado pelo douto acórdão sob escrutínio, fácil é concluir que, situando-se a medida concreta das penas parcelares aplicadas apenas um pouco acima do limite mínimo daquela pena e o cúmulo jurídico efectuado em cerca de 2/3 da soma aritmética de tais penas, a medida concreta alcançada não poderá deixar de ser considerada como justa, proporcionada e adequada.
Daí, que, sem necessidade de maiores considerações ou alongamentos, nos não merece reparo o decidido”; (cfr., fls. 286).

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Nada obstando, cumpre decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão dados como provados os seguintes factos:

“Em 27 de Abril de 2013, cerca das 20HOO, o arguido A veio de Bangkok da Tailândia a Macau no voo XXX da Companhia Aérea de Macau e os ofendidos B e C também se encontravam no mesmo voo para Macau, ocupando estes os assentos 11C, 9B e 10B, respectivamente.
Antes da descolagem, o ofendido B colocou uma mala de cor preta de marca "GUCCI" na bagageira por cima do assento 120 e o ofendido C colocou uma mala com fecho a código de cor preta de marca "PRADA" na bagageira por cima do seu assento, tendo, de seguida, ambos adormecido nos próprios assentos.
Durante o voo, o arguido andou, por diversas vezes, de um lado para o outro no avião e abriu diferentes bagageiras, bem como, vasculhou bagagens de outrém.
Depois, o arguido retirou, sem o conhecimento do ofendido B, da sua carteira, que se encontrava dentro da acima referida mala de cor preta de marca "GUCCI", HKD$15.000,00 e MOP$11.000,00, pertencente ao ofendido, apropriando-se dos mesmos.
Além disso, o arguido também retirou, sem o conhecimento do ofendido C, da acima referida mala com fecho a código de cor preta de marca "PRADA" e levou-a para o seu lugar, onde, por meio indeterminado, abriu o fecho da referida mala donde retirou uma carteira de cor castanha de marcar "LV" e apoderou-se de cerca de HKD$35.000,00, pertencente ao ofendido, e colocou-o num dos bolsos do seu casaco, apropriando-se do mesmo, e, de seguida, voltou a colocar a referida mala na bagageira por cima do assento 10B.
 Seguidamente, o arguido colocou uma parte do numerário, pertencente aos dois ofendidos, num saco plástico de cor preta para, após chegar a Macau, o lavar para fora do acima referido avião.
No próprio dia, cerca das 22H35, quando o acima referido avião ficou estacionado no espaço de manobra do Aeroporto Internacional de Macau, o arguido, que se encontrava sentado atrás dos ofendidos B e C, passou rapidamente para a frente dos dois ofendidos para desembarcar e, de seguida, subiu num autocarro para passageiros.
Na altura, o ofendido B, que ainda se encontrava no avião, verificou o desaparecimento do numerário contido na sua carteira, pelo que, pediu à tripulação de bordo para lhe ajudar apresentar queixa à autoridade policial.
De seguida, o pessoal de terra do aeroporto solicitou aos passageiros que se encontravam no autocarro que regressassem ao avião para aguardar a chegada de agentes de autoridade e, perante esta situação, o arguido deixou, de imediato, junto do lado esquerdo traseiro do chão do autocarro o acima referido saco plástico de cor preta, contendo MOP$11.000,00 e HKD$45.100,00, regressando seguidamente ao avião.
Depois, um guarda da PSP encontrou no acima referido autocarro o respectivo numerário, razão pela qual, perguntou aos passageiros se alguém tinha extraviado dinheiro.
O ofendido C foi verificar, de imediato, a sua acima referida mala, descobrindo o desaparecimento de numerário contido na sua carteira, pelo que, apresentou queixa aos guardas da PSP presentes.
Posteriormente, os guardas da PSP conduziram o arguido à esquadra policial para investigação e encontraram na posse do mesmo ND$420.000,00, Bath$350,00, HKD$1.870,00, USD$762,00, RMB$1.641,00 e Kyat$3.100,00 em numerário.
A aeronave do voo XXX da acima referida companhia aérea está registada em Macau.
O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, sem o conhecimento nem o consentimento do ofendido B, ao apoderar-se do acima referido montante, contido na mala colocada na bagageira, apropriando-se do mesmo, a fim de obter vantagens ilegítimas.
O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, sem o conhecimento nem o consentimento do ofendido C, ao apoderar-se do acima referido montante, contido na mala colocada na bagageira, apropriando-se do mesmo, a fim de obter vantagens ilegítimas.
O arguido tinha perfeito conhecimento de que a sua conduta era proibida e punida por Lei.
O arguido confessou os factos integralmente e sem reservas.
O arguido é agricultor e tem um rendimento mensal de cerca de mil a duas mil RMB.
Tem como habilitações académicas o ensino secundário elementar e tem dois filhos e os pais a seu cargo.
Conforme o seu CRC, o arguido é primário”; (cfr., fls. 248 a 249).

Do direito

3. Vem o arguido recorrer do Acórdão do T.J.B. que o condenou como autor material da prática em concurso real de 2 crimes de “furto qualificado”, p. e p. pelo art. 198°, n.° 1, al. a), b) e e) do C.P.M., nas penas parcelares de 2 anos e 6 meses e 2 anos e 9 meses de prisão, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 3 anos e 6 meses de prisão.

Diz que “as penas são demasiado elevadas”, afirmando também que a “decisão recorrida violou os art°s 40°, 64° e 65° todos do Código Penal de Macau”; (cfr., fls. concl. 1ª e 4ª ).

Vejamos.

Tendo presente a factualidade dada como provada, (que não vem posta em causa nem merece qualquer censura), evidente é que cometeu o arguido ora recorrente os 2 crimes de “furto qualificado”, tal como decidido foi no Acórdão ora recorrido, certo sendo também que são os mesmos punidos com “pena de prisão até 5 anos ou multa até 600 dias”; (cfr., art. 198°, n. 1, al. a), b) e e) do C.P.M.).

Atento o estatuído no art. 64° do mesmo C.P.M., entendeu o Colectivo do T.J.B. que a pena não privativa da liberdade não realizava de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Tendo presente o tipo de crime em questão, e ponderando nas fortes necessidades de prevenção, especialmente, geral, mostra-se de subscrever o assim entendido.

Vejamos agora da “medida da pena”.

Nos termos do art. 40° do C.P.M.:

“1. A aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2. A pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
3. A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente”.

Por sua vez, preceitua o art. 65° do mesmo C.P.M. que:

“1. A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção criminal.
2. Na determinação da medida da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando nomeadamente:
 a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
 b) A intensidade do dolo ou da negligência;
 c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
 d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
 e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
 f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
3. Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da determinação da pena”.

No que a este comando legal diz respeito, tem esta Instância entendido que “na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites”; (cfr., v.g., o Ac. de 03.02.2000, Proc. n° 2/2000, e, mais recentemente, de 14.11.2013, Proc. n° 549/2013).

E então, “quid iuris”?

Pois bem, tendo presente a factualidade dada como provada e atrás retratada, em especial, a confissão do arguido, as quantias objecto dos crimes em questão, a sua forma de cometimento, (durante o voo, situação que, infelizmente, tem vindo a ocorrer com alguma frequência), não se olvidando o dolo directo e intenso do arguido, e atenta a moldura legal atrás referida, cremos que mais adequadas são as penas parcelares de 2 anos e de 2 anos e 3 meses de prisão, respectivamente.

Em sede de cúmulo jurídico, há que ter em conta o estatuído no art. 71° do C.P.M., onde se preceitua que:

“1. Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, é condenado numa única pena, sendo na determinação da pena considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
2. A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 30 anos tratando-se de pena de prisão e 600 dias tratando-se de pena de multa, e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.
3. Se as penas concretamente aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa, é aplicável uma única pena de prisão, de acordo com os critérios estabelecidos nos números anteriores, considerando-se as de multa convertidas em prisão pelo tempo correspondente reduzido a dois terços.
4. As penas acessórias e as medidas de segurança são sempre aplicadas ao agente, ainda que previstas por uma só das leis aplicáveis”.

Pronunciando-se sobre o preceituado no n.° 1, teve já esta Instância oportunidade de consignar que: “Na determinação da pena única resultante do cúmulo jurídico são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
Na consideração dos factos, ou melhor, do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso, está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, que deve ter em conta as conexões e o tipo de conexão entre os factos em concurso.
Por sua vez, na consideração da personalidade - que se manifesta na totalidade dos factos - devem ser avaliados e determinados os termos em que a personalidade se projecta nos factos e é por estes revelada, ou seja, importa aferir se os factos traduzem uma tendência desvaliosa, uma tendência para a prática do crime ou de certos crimes, ou antes, se reconduzem apenas a uma pluriocasionalidade que não tem razão na personalidade do agente”; (cfr., v.g., o Ac. de 11.10.2012, Proc. n.° 703/2012, e mais recentemente, de 14.11.2013, Proc. n.° 695/2013).

Nesta conformidade, afigura-se-nos adequada uma pena única de 3 anos de prisão, que não se mostra de suspender na sua execução, pois que verificados não estão os pressupostos do art. 48° do C.PM..

Com efeito, temos entendido que “o artigo 48º do Código Penal de Macau faculta ao juiz julgador a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido quando:
– a pena de prisão aplicada o tenha sido em medida não superior a três (3) anos; e,
– conclua que a simples censura do facto e ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cfr. Art.º 40.º), isto, tendo em conta a personalidade do agente, as condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste.
E, mesmo sendo favorável o prognóstico relativamente ao delinquente, apreciado à luz de considerações exclusivas da execução da prisão não deverá ser decretada a suspensão se a ela se opuseram as necessidades de prevenção do crime.”; (cfr., v.g., Ac. de 01.03.2011, Proc. n° 837/2011, do ora relator, e, mais recentemente, de 23.01.2014, Proc. n° 756/2013).

E no caso, sendo, como são, fortes as necessidades de prevenção do tipo de crime em questão, (especialmente, geral), bem se vê que improcede o recurso no que toca ao pedido de suspensão da execução da pena única decretada.

4. Em face do exposto, acordam julgar parcialmente procedente o recurso, pagando o recorrente pelo seu decaimento a taxa de justiça de 3 UCs.

Honorários ao Exmo. Defensor Oficioso no montante de MOP$1.800,00.

Macau, aos 03 de Abril de 2014
José Maria Dias Azedo
Tam Hio Wa
Chan Kuong Seng (vencido na decisão do recurso, por entender que as penas parcelares e única de prisão achadas pelo Tribunal recorrido estão ainda dentro da razoabilidade, atentos o modo de execução dos crimes e a norma do art.º 198.º, n.º 3, do CP).

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