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Recurso nº 767/2010
Data: 20 de Março de 2014

Assuntos: - Acidente de viação
- IPP
- Danos patrimoniais
- Danos morais
- Juros de mora
- Princípio do dispositivo das partes





SUMÁRIO
1. O danos por perda de capacidade permanente é chamado dano biológico que não pretende senão significar a diminuição somático-psíquico do indivíduo, sendo o dano à saúde num conceito jurídico-normativo que progressivamente se vem identificando com o dano corporal.
2. O lesado já sofreu um prejuízo. Não se trata de danos futuros, mas de danos presentes.
3. O Tribunal o quo fixou-lhe a indemnização pelos danos não patrimoniais em virtude da perda 22% da capacidade permanentemente, que deve ser reparado no sentido de atribuir a indemnização pela perda da 22% de capacidade, como danos presentes e efectivos, integrando aos danos patrimoniais.
4. A indemnização pelos danos morais visa compensar a dor sofrida proporcionando ao lesado momentos de prazer ou de alegria, em termos de neutralizar na medida do possível, o sofrimento moral.
5. A fixação do montante não só é feita a critério objectivo, como também é feito caso a caso, a critério de equidade do Tribunal, sob a censura do Tribunal de recurso no limite do princípio de proporcionalidade e de adequação.
6. Os juros de mora são contados a partir da data da sentença da 1ª instância que procede à liquidação do respectivo valor, no caso de ela vir a ser totalmente confirmada na instância de recurso. Se, porém, a decisão do recurso altera a dimensão quantitativa do crédito, então a mora, relativamente a cada liquidação, começa a contar-se a partir da data do acórdão da 2ª instância.
7. Como o recorrente pediu que os juros de mora da indemnização pelos danos morais se contam a partir do trânsito da sentença, pelo que nesta parte, decide-se nos termos do pedido, em conformidade como o princípio do dispositivo das partes.
  O Relator,
  Choi Mou Pan

Recurso n° 767/2010
Recorrente: A
Recorridos: B
Companhia de Seguros C, SARL





Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.:
   Em 25 de Junho de 2010, o arguido B respondeu nos autos do Processo Comum Colectivo nº CR4-06-0162-PCC perante o Tribunal Judicial de Base.
   O ofendido A deduziu o pedido de indemnização cível, enxerto ao presente processo penal, contra o arguido B e a Companhia de Seguros C, SARL, o pagamento de indemnização total de MOP$884.555,42, acrescenta os juros de mora, as custas e a procuradoria.
   Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal proferiu sentença decidindo:
   Na parte penal, condenar o arguido B:
   a) pela prática, em autoriza material e na forma consumada, de um crime de ofensa grave à integridade física por negligência, p. e p. pelo art.º 142º, nº 3, art.º 138º, al. c) do Código Penal e art.º 66º, nº 1 do Código da Estrada, na pena de prisão de 1 ano e 3 meses, com a suspensão da execução da pena de prisão pelo período de 2 anos;
   b) Condena o arguido na suspensão da validade da licença de condução pelo período de 9 meses.
   c) Mais, na parte cível enxerta, condena a Companhia de Seguros C, S.A.R.L. a pagar ao ofendido A a indemnização a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, no valor de MOP$442,452.50, acrescido de juros legais contados a partir da data do trânsito em julgado do presente acórdão até integral e efectivo pagamento. Segundo a situação ulterior do assistente, a futura indemnização deste vai ser novamente determinada na execução do acórdão.
   
   Com esta decisão não concordou, recorreu o demandante cível A para esta instância, alegando o seguinte:
1. A lei distingue o dano patrimonial do dano não patrimonial, sendo que dentro do âmbito do dano patrimonial temos o dano emergente e o lucro cessante.
2. A par daqueles danos futuros (lucros cessantes na modalidade de perda de salários), o ora recorrente tem igualmente o direito de ser indemnizado pela incapacidade permanente parcial de 22% de que padece, definida esta incapacidade como um dano emergente, presente e, naturalmente, totalmente autónomo dos danos não patrimoniais e dos danos patrimoniais futuros (lucros cessantes) outrora invocados.
3. Essa incapacidade permanente consiste num dano emergente, actual, presente e autónomo, uma vez que o ora recorrido passou a sofrer esse prejuízo efectivo logo depois da verificação do acidente ao ficar com uma incapacidade de 22% para o resto da vida.
4. Incapacidade a que corresponderá obrigatoriamente uma perda de capacidade funcional e aquisitiva, com reflexos não só ao nível da produtividade do lesado, por exemplo, do seu trabalho, mas igualmente ao nível da sua qualidade de vida.
5. A incapacidade permanente parcial (I.P.P) de que o ofendido sofre é, assim, indemnizável, sendo que, no cômputo dessa indemnização, deve atender-se ao disposto no n.º 5 do Art. 560.º do C.C, bem como recorrer a um juízo de equidade nos termos do n,º 6 daquele artigo.
6. A perda da capacidade de ganho por incapacidade permanente parcial ou total seria indemnizável, ainda que, por hipótese, o recorrente mantivesse o mesmo salário que auferia antes da lesão.
7. Ora, o tribunal recorrido não fixou, como devia, qualquer indemnização por esse dano presente, emergente, que tem a ver com a incapacidade permanente parcial (I.P.P) de que sofre o recorrente, não só para o trabalho como inclusivamente ao nível da sua qualidade de vida.
8. Com efeito, o Tribunal recorrido configurou erradamente esse dano (I.P.P) como se de um dano não patrimonial se tratasse, integrando-o no cálculo do quantum indemnizatório (de MOP$300.000,00) por compensação por danos não patrimoniais.
9. Só que, como já se viu, estamos perante um dano presente, emergente, o chamado “dano biológico” enquanto lesivo do direito à saúde que assiste ao recorrente.
10. E este dano é, por conseguinte, indemnizável de forma autónoma e independente, nos limites impostos no Art. 560.º, n.ºs.5 e 6, do C.C, com recurso a um juízo recto e de equidade (Art. 3.º, al. a), do mesmo Código).
11. Considerando-se como equitativo e adequado o valor de MOP$350.000,00 (trezentas e cinquenta mil patacas), tal como foi peticionado pelo recorrente no seu articulado superveniente, quantia essa que se mostraria equilibrada, adequada e razoável de forma a ressarcir, na medida ao possível, a perda de capacidade permanente de 22% de que aquele passou a padecer por força do acidente de viação em causa.
12. Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação, sendo a indemnização fixada em dinheiro sempre que a reconstituição natural não seja possível (Arts. 556.º e 560.º, n,º 1, do C.C).
13. Ora, considera o recorrente que o valor dos danos não patrimoniais arbitrados pelo Tribunal a quo não é adequado - se considerarmos que nesses danos está incluído a compensação por incapacidade permanente parcial, mostrando-se ainda escasso e desajustado em face das lesões que sofreu.
14. A fixação da indemnização, a título de danos não patrimoniais, teria que ser operada equitativamente nos termos dos Arts. 487.º e 489.º, n,º 3, do C.C e tomar em conta os valores correntes adoptados pela jurisprudência.
15. Por outras palavras, a quantia destinada à reparação de danos morais causados pelo acidente de viação em apreço deveria ter sido fixada equitativamente em face das circunstâncias dadas por assentes no texto da decisão recorrida, à luz dos critérios previstos no Art. 487.º, ex vi do Art. 489.º, n.º 3, ambos do C.C.
16. A indemnização por danos morais visa proporcionar ao lesado alegrias ou satisfações que de algum modo façam esquecer as dores, desgostos, angústias e sofrimentos, tentando procurar quanto possível um ponto fulcral para “neutralizar”, em alcance de possibilidade, o sentimento da ofendida em virtude dos sofrimentos que no fundo não seria de maneira alguma pecuniariamente reparável.
17. Violou assim a decisão recorrida os Arts. 487.º e 489.º, n.º 3, do C.C de Macau ao não atribuir unicamente para o danos não patrimoniais a quantia de MOP$300.000,00.
18. Dir-se-á assim que os danos não patrimoniais sofridos pelo ofendido, ora recorrente, seriam ressarcíveis com uma indemnização global de MOP$300.000,00 (Trezentas mil patacas), tal como foi peticionado pelo recorrente, quantia essa sim que se mostraria equilibrada, adequada e razoável.
19. Por último, entende o ora recorrente que devem os juros moratórios relativos aos “danos patrimoniais” ser calculados a partir da data da citação e os relativos aos danos não patrimoniais a partir do momento em que tornem líquidos, ou seja, a partir do trânsito em julgado da decisão.
20. Caso este entendimento não seja acolhido, o que desde já não se concede, à cautela, sempre deveriam ser calculados a partir da data da decisão da 1ª instância, não só os referentes ao quantum indemnizatório dos danos patrimoniais como também os relativos ao quantum dos danos não patrimoniais.
    Termos em que se requer a V. Exas. se dignem revogar a decisão recorrida no sentido de que os demandados sejam condenados a pagar ao ora recorrente uma indemnização global de MOP$792.452,50 (MOP$142.452,50 - Danos patrimoniais + MOP$350.000,00 - Danos por incapacidade permanente parcial de 22%+ MOP$300.000,00 - Danos não patrimoniais), cabendo à ré seguradora o pagamento dessa quantia por virtude do limite da apólice de seguro a que está vinculada, devendo acrescer à referida quantia juros de mora, à taxa legal, sendo os “danos patrimoniais” calculados a partir da data da citação e os danos não patrimoniais a partir do momento em que tomem líquidos, ou seja, a partir do trânsito em julgado da decisão, até integral pagamento.
    Ou, em alternativa, os juros de mora dos danos patrimoniais e não patrimoniais deverão ser calculados a partir da data da decisão da 1ª instância até integral pagamento.
   
   A este recurso, respondeu a Companhia de Seguros C SARL, alegando que:
I - Da Incapacidade Permanente parcial e sua Indemnização
1. Cabe, assim, à Recorrida tecer os seguintes comentários aos argumentos invocados pela Recorrente, relativamente à incapacidade permanente parcial padecida e ao quantum da sua indemnização.
2. A incapacidade permanente é desenhada, de acordo com o disposto no art. 3º, al. g) do D.L. n.º 40/95/M como “a incapacidade que, devido ao acidente ou doença profissional, priva o trabalhador definitivamente da sua capacidade de trabalho ou de ganho”.
3. Sendo a parcialidade dessa incapacidade auferida se, apesar da invalidade, o sinistrado continuar a prestar serviços, sendo neste caso o valor percentual de perda avaliado nos termos da tabela anexa ao diploma supra referido.
4. Isto é, a aferição da incapacidade permanente baseada em tal normativo legal visa apenas analisar e quantificar as repercussões sobre a capacidade laboral do lesado, o que é o mesmo dizer sobre a sua capacidade de ganho ou angariação de créditos.
5. E foi com base no entendimento e tabela supra descritos que foram proferidas as conclusões constantes do relatório de perícia médica de fls. 235.
6. No caso sub judice, as lesões que motivaram o diagnostico de incapacidade permanente parcial (I.P.P.), a ordem dos 22%, advieram, não de um acidente de trabalho, mas sim de um acidente de viação.
7. Não existe, na causa em discussão nos autos, o principio do favor laboratoris que, relativamente aos acidentes de trabalho, visa colocar sobre os ombros do empregador o risco inerente à prestação de trabalho, e do qual este retira benefícios e rendimento.
8. Assim, no universo civil, ao contrário do que sucede no direito laboral, cabe ao Lesado, ora Recorrente, demonstrar que a incapacidade diagnosticada teve ou previsivelmente terá uma manifestação efectiva nos seus ganhos, não bastando para o efeito de se arbitrar uma indemnização a títulos de danos emergentes a verificação de uma incapacidade.
9. Dever-se-á, isso sim, demonstrar que à correspondente diminuição da capacidade de ganho existiu consequentemente uma diminuição no rendimento do Recorrente.
10. Pois que, nas relações jurídicas entre os intervenientes no sinistro rodoviário em discussão nos autos inexiste uma necessidade de salvaguardar a parte tendencialmente mais fraca, tal como sucede na relação laboral onde o beneficio do empregador, com a prestação de trabalho pelo trabalhador, surge associado um risco de diminuição de tal beneficio desproporcionalmente reduzido relativamente ao que pende sobre o trabalhador e ao qual cabe o principio do favor laboratoris colmatar.
11. O Recorrente foi indemnizado no montante de MOP$105.950,00, a título de perda de remuneração, em consequência dos 489 dias que se viu impossibilitado de realizar qualquer actividade.
12. Findo esse período, o Recorrente recomeçou a trabalhar. No entanto, em audiência de julgamento o Recorrente foi incapaz de consubstanciar a perda de capacidade de ganho diagnosticada com uma efectiva e factual perda de rendimento, tendo na verdade ocorrido a situação inversa.
13. Se a actual corrente jurisprudencial, num quadro indemnizatório fora das relações laborais, não nega a ressarcibilidade do dano derivado da perda da capacidade de ganha ainda o lesado mantenha ou veja diminuído o seu rendimento mensal,
14. O mesmo já não se pode aceitar, no caso de existir um aumento na retribuição mensal do recorrente.
15. Refere o Acórdão do Tribunal de segunda Instancia de 1 de Abril de 2004 (proc. n.º 304/2003 que “há lugar a indemnização por dano patrimonial futuro com base na simples prova de incapacidade permanente profissional”, pois que, “tal perda configura-se como consequência lógica, normal e legal da doença e incapacidade de trabalho parcial para o resto da vida, a que corresponderá necessariamente uma perda de capacidade funcional e aquisitiva, com reflexos ao nível da produtividade do lesado, o que merecerá necessariamente a tutela do direito em termos de reparação dos danos por lucros cessantes futuros e a que importa atender, ainda que dai não resulte diminuição dos seus actuais proventos profissionais”.
16. Ora se numa situação como a que se verificou no caso sub judice, se frustra a verificação da perda de ganho ou mesmo a sua imutabilidade que é “consequência lógica e normal” do diagnostico de uma incapacidade permanente, o que não é de todo raro “que determinada lesão produza uma incapacidade fisiológica significativa sem qualquer repercussão ou rebate de ordem laboral” ( in João A . Álvaro Dias, Dano Corporal - Quadro Epistemológico e Aspectos Ressarcitórios, Almedina 2004, pág. 259), não se pode afirmar a existência de um dano patrimonial.
17. Leia-se neste sentido a jurisprudência do Tribunal de Relação do Porto, no seu Acórdão de 23 de Julho de 1998 que refere “não havendo diminuição de rendimento, a incapacidade deverá ser reparada como dano não patrimonial, se revestir suficiente gravidade”.
18. Assim, frustrando-se a prova convincente da realidade da vertente patrimonial do “dano biológico” em que consiste a incapacidade diagnosticada, deverá assim proceder-se à verificação da vertente não patrimonial do “dano biológico” que expressa o sofrimento físico ou psíquico implicado pela lesão.
19. O que de facto veio a suceder, e bem, com o Acórdão agora posto em crise pelo Recorrente que decidiu e arbitrou uma indemnização a título de danos não patrimoniais em virtude da incapacidade permanente diagnosticada.
II - Do montante arbitrado a título de indemnização pelos danos não patrimoniais
20. No que concerne ao montante arbitrado pelo douto Tribunal a quo e agora posto em crise pelo recurso a que ora se responde, cabe tecer as seguintes considerações.
21. O Recorrente, não aceita que a incapacidade permanente parcial seja considerada para efeitos de arbitramento da indemnização por danos não patrimoniais, defendendo assim uma natureza exclusivamente patrimonial dos danos consequência da incapacidade.
22. No entanto, no ponto 33 da sua motivação entra em contradição ao invocar como facto lesivo que a indemnização por danos não patrimoniais deverá colmatar, a incapacidade permanente diagnosticada ao Recorrente.
23. Como já foi referido supra, a incapacidade permanente comporta além de uma vertente de dano patrimonial (consubstanciada nas perdas económicas, danos emergentes e lucros cessantes, causadas pela lesão) uma vertente de dano patrimonial, que se expressa no sofrimento físico ou psíquico implicado pela lesão.
24. Ora, assumindo que o facto lesivo descrito no ponto 33 das motivações de recurso a que ora se responde, não visam o ressarcimento de um dano de natureza patrimonial,
25. e que o vertido no ponto 34 das motivações é a descrição do sofrimento físico e psíquico derivado da incapacidade,
26. só é possível concluir, salvo melhor opinião, no sentido de que o recorrente pretende que os mesmos factos - o sofrimento físico e psíquico implicado pela incapacidade - sejam considerandos em duplicado no arbitramento da indemnização devida a título de danos não patrimoniais.
27. Nenhuma censura merece a quantia arbitrada pelo douto Tribunal a quo a título de danos não patrimoniais, encontrando-se a par dos montantes arbitrados a esse título por lesões similares e confirmados por jurisprudência recente deste Tribunal de Segunda Instância.
28. Refira-se, a título meramente ilustrativo, pois que cada caso é um caso, a recente jurisprudência deste Tribunal de Segunda Instância; que julgou adequada uma indemnização a título de danos não patrimoniais no montante de MOP$250.000,00 a um menor, vítima de acidente de viação que lhe causou contusões na região lombar direita e fractura da 5ª costela direita, que ainda causam dores nas costas ao jovem, por dores sofridas, a quantidade dos tratamentos a que teve e terá de se sujeitar, a perda de aulas, a perda de prática de desportos, as limitações sofridas e a ansiedade pela cura (Ac. TSI de 26.02.2009, Proc. n.º 545/2008) que considerou justo o montante de MOP$200.000,00, a título de danos não patrimoniais, sofridos pelo demandante com o acidente, considerando que este necessitou de 342 dias para convalescença das suas lesões sofridas do acidente, principalmente a fractura das 5.a e 6.a costelas direitas, e dos cordões anexos à parte do ombro direito que o braço direito dele fica com a movimentação manifestamente limitada quando se ergue ou se estende para atrás e que, por isso, a vida quotidiana dele fica afectada e que jamais pode praticar natação, squash, golf, etc... (Ac. TSI de 8 de Abril de 2010, Proc. n.º 28/2008).
III - Dos Juros de Mora
1. Pede o Recorrente no seu recurso que os juros de mora devidos pela indemnização a título de danos patrimoniais deverão ser apurados a partir da data da citação e os devidos sobre a indemnização a título de danos não patrimoniais desde o trânsito em julgado da decisão, e subsidiariamente, que sejam calculados a partir da data da decisão em 1ª instância.
2. Salvo o devido respeito, não se pode concordar com o exposto pelo Recorrente nas suas motivações.
3. Decidiu, e decidiu bem o Tribunal a quo, que os juros de mora pela obrigação de indemnização sejam apurados desde o trânsito em julgado.
4. Aliás, tal como salientam os Acórdãos deste Tribunal de Segunda Instância de 4 de Dezembro de 2003 (Proc. n.º 159/2003) e de 26 de Maio de 2005 (Proc. n.º 43/2005), a solução pugnada pelo Recorrente apenas fará sentido de jure constituendo.
5. Assim, de jure condito, tal como salienta a jurisprudência citada: os “danos [patrimoniais e não patrimoniais] só se tornam líquidos necessariamente com a decisão judicial que os fixe definitivamente, pelo que os juros legais só devem efectivamente contar-se a partir do trânsito em julgado dessa decisão, em face do disposto no art. 794º, n.º 4, do Código Civil de Macau” (Ac. do TSI de 4 de Dezembro de 2003, Proc. n.º 159/2003); e, “com pertinência à questão de apuramento do termo inicial da contagem de juros de mora, o artº 794º, n.º 4, do Código civil determina que mesmo que a obrigação em causa provenha de facto ilícito, nunca há mora do devedor enquanto a mesma não se encontrar líquida, excepto quando a iliquidez for da culpa do devedor. Portanto, pode-se daí retirar que o direito civil substantivo presentemente positivado em Macau adopta, ao fim e ao cabo, e independentemente de qual o tipo de fonte da obrigação em causa (i. e., se é da fonte contratual, ou se da extracontratual), o critério geral e último de efectiva liquidez da obrigação prestada para marcar o início legal da mora” (AC. do TSI de 26 de Maio de 2005, Proc. n.º 43/2005).
6. Pelo que, nenhuma censura cabe ao acórdão do douto Tribunal a quo sobre esta matéria.
Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. certamente suprirão, deverá ser negado provimento ao recurso, e, consequentemente, manter-se o Acórdão recorrido, assim se fazendo JUSTIÇA!
   
   O Ministério Público obstem-se a pronunciar sobre o objecto do recurso dado que está em causa ao pedido de indemnização cível.

   Foram colhidos os vistos legais dos Mmºs Juíze-Adjuntos.
   Cumpre-se decidir.
   
   À matéria de facto, foi dada assente a factualidade, que consta das fls. 394v a 395v dos autos.1
   Conhecendo.
   O recorrente impugnou a sentença por três partes da decisão:
   - Não atribuiu a indemnização contra a perda efectiva da capacidade permanente a título de danos emergentes;
   - Não fixou única a indemnização pelos danos morais em MOP$300.000,00, sem contar a perda de capacidade permanente acima referida que devia ser fixada a título de danos emergentes;
   - Quanto à taxa de juros, entendeu que devem os juros moratórios relativos aos “danos patrimoniais” ser calculados a partir da data da citação e os relativos aos danos não patrimoniais a partir do momento em que tornem líquidos, ou seja, a partir do trânsito em julgado da decisão.
   Vejamos.
   
1. Incapacidade permanente parcial como danos emergentes
   Dispõe o artigo 558º do Código Civil:
   “1. O dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão.
   2. Na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente é remetida para decisão ulterior.”
   Como decidimos no acórdão de 8 de Fevereiro de 2007 no processo n° 9/2006, e de 15 de Março de 2007 no processo n° 275/2006, atendendo o facto provado acerca da incapacidade parcial permanente daquele autor, mesmo que não haja diminuição salarial, se dá lugar a indemnização por danos patrimoniais, com base na consideração de que o dano físico determinante da incapacidade faz com que seja exigido ao lesado um esforço físico e psíquico acrescido para obter o mesmo resultado no trabalho, o que permite até fazer a deslocação de tal dano do plano não patrimonial para o plano patrimonial, e em consequência conduz à revisão do quantitativo da indemnização fixada ao lesado por danos não patrimoniais.
   Nestes acórdãos, cujos fundamentos servem também para a decisão da presente questão, consignaram-se que:
   “Como se sabe, o tipo do dano sofrido pelo autor é chamado dano biológico (conceito eminentemente médico-legal), que não pretende senão significar a diminuição somático-psíquico do indivíduo, sendo o dano à saúde num conceito jurídico-normativo que progressivamente se vem identificando com o dano corporal.2
   A jurisprudência de STJ de Portugal tem entendido que ‘o lesado não tem de alegar perda de rendimentos laborais, para o tribunal lhe atribuir indemnização por ter sofrido incapacidade parcial permanente para o trabalho’ e que, ‘apenas tem de alegar e provar que sofreu incapacidade permanente parcial, dano esse cujo valor deve ser apreciado equitativamente’.3
   O apelo a critérios de equidade tem em vista a encontrar no caso concreto a solução mais justa - aquele é sempre uma forma de justiça. Como diz o Prof. Castanheira Neves a ‘equidade - exactamente entendida não traduz uma intenção distinta da intenção jurídica, é antes um momento essencial de juridicidade’.4
   A jurisprudência também não deixa de acompanhar este entendimento, entende-se que ‘quando se trata de indemnizar a perda da capacidade de ganho da vítima o que há é que procurar, através de um juízo de equidade entendia como a « justiça do caso concreto », o capital necessário cujo rendimento permita suprir, ao longo de toda a previsível vida activa, esgotando-se no termo dessa mesma vida, a perda resultante da incapacidade que lhe sobreveio’.5
   Quer isto dizer, devida do facto da incapacidade parcial permanente, validamente classificada, a indemnização a atribuir só teria lugar no plano patrimonial e não no plano não patrimonial.”
   Decidiu neste sentido também o acórdão do Venerando TUI de 25 de Abril de 2007 no processo n° 20/2007, consignou-se o seguinte:
   “O lesado já sofreu um prejuízo. Não se trata de danos futuros, mas de danos presentes. O lesado ficou com a sua capacidade de ganho diminuída a partir do momento em que teve alta médica. Está definitiva e irremediavelmente incapacitado para o trabalho, no futuro, em 70% (incapacidade geral). Trata-se de um dano actual e não futuro. O que pode constituir um dano futuro é a diferença de rendimentos do trabalho que pode vir a sofrer se passar a auferir um salário inferior ao actual ou mesmo se deixar de auferir qualquer rendimento do trabalho por força da sua incapacidade. Como bem referiu a recorrente, apenas a perda de ganho é um dano futuro. A perda da capacidade de ganho é um prejuízo sofrido (já existente) e verificável.
   Trata-se, portanto, de um dano emergente e não de um lucro cessante.6”
   Sendo embora decisões tomadas no âmbito do acidente do trabalho, não deixaria de ter mesma natureza da responsabilidade cível extracontratual a que o acidente de viação também resultaria, pelo que o entendimento contido nessas jurisprudências também é válido nos presentes autos.
   No caso sub-judice, o Tribunal o quo fixou-lhe a indemnização pelos danos não patrimoniais em virtude da perda 22% da capacidade permanentemente, que deve ser reparado no sentido de atribuir a indemnização pela perda da 22% de capacidade, como danos presentes e efectivos, integrando aos danos patrimoniais.
   Nesta óptica, cremos ser adequado e justo o montante do pedido de MOP$350.000,00.
   Procede-se o recurso nesta parte.
   
   2. Danos morais
Não obstante que o recorrente tenha pedido a autonomização da indemnização pela perda da 22% de capacidade, pretendeu que o Tribunal fixasse a indemnização pelos danos morais, independentemente do montante acima fixado para a dita perda de capacidade, no montante de MOP$300.000,00.
Vejamos.
Os danos não patrimoniais que pela sua gravidade, a aferir segundo o critério do julgador, mereçam a tutela do direito são sempre ressarssíveis. Trata-se do “pretium doloris” (ou “dinheiro da dor”) destinado a reparar o sofrimento, lesão de interesses de ordem espiritual sempre dependente do “quantum doloris” (grau de sofrimento físico e psíquico).7
Nesta questão releva o disposto no art. 489º do Código Civil de Macau, existindo certa variabilidade de critérios.
A indemnização visa compensar a dor sofrida proporcionando ao lesado momentos de prazer ou de alegria, em termos de neutralizar na medida do possível, o sofrimento moral.8
A fixação do montante não só é feita a critério objectivo, como também é feito caso a caso, a critério de equidade do Tribunal, sob a censura do Tribunal de recurso no limite do princípio de proporcionalidade e de adequação.
Está provado que:
- 上述事故直接及必然地導致受害人A的左脛骨平臺粉碎性骨折,需要入院接受手術治療,並對其造成伴左下肢功能障礙的後遺症。
- 受害人A的詳細傷勢描述載於卷宗第82頁之臨床法醫學意見書內。
- 依據法醫之鑑定,受害人A的傷勢需489日才能康復,傷殘率初步評定為8%,其後再鑑定為22%。
   E em conformidade com estes factos, tem-se presente que se trata de danos graves do corpo do autor na parte sensível para a vida e movimento diários, e de dores prolongadas e de grau intenso.
   Ponderando, os valores da indemnização neste tipo que tem sido fixado pela nossa jurisprudência, a natureza das sequelas, tem-se por bem manter a indemnização fixada pelo Tribunal a quo. (sendo certo que o Tribunal a quo não ter pronunciado sobre o pedido da indemnização pela perda de capacidade, é razoável considerar que nesta parte da indemnização pelos danos morais não fez incluir os danos pela perda da capacidade).
   
   3. Juros de mora
Nesta parte o recorrente entendeu que devem os juros moratórios relativos aos “danos patrimoniais” ser calculados a partir da data da citação e os relativos aos danos não patrimoniais a partir do momento em que tornem líquidos, ou seja, a partir do trânsito em julgado da decisão.
Tem-se entendido que os juros de mora são contados a partir da data da sentença da 1ª instância que procede à liquidação do respectivo valor, no caso de ela vir a ser totalmente confirmada na instância de recurso. Se, porém, a decisão do recurso altera a dimensão quantitativa do crédito, então a mora, relativamente a cada liquidação, começa a contar-se a partir da data do acórdão da 2ª instância.
O Acórdão do TUI de tirado em sede de uniformização de jurisprudência (Ac. de 2/03/2011, Proc. n. 69/2010) adoptou também esta posição. Pelo que, seguindo esta jurisprudência uniformizada, ou seja, em consequência da decisão do presente recurso, as partes da decisão que alterou a decisão recorrida só se considera líquida a dívida a partir do presente acórdão, enquanto a parte que se mantenha a decisão recorrida, conta-se os juros de mora a partir da data da sentença da primeira instância.
Porém, como o recorrente pediu que os juros de mora da indemnização pelos danos morais se contam a partir do trânsito da sentença, pelo que nesta parte, decide-se nos termos do pedido.
Assim sendo julgam-se parcialmente precedentes estes fundamentos.

   Ponderando, resta decidir.
   
   Acordam neste Tribunal de Segunda Instância em conceder provimento parcial ao recurso interpostos pelo demandante do pedido cível, e, em consequência condenar a demandada Companhia de Seguros C a pagar ao demandante:
   - a indemnização pela perda da capacidade no montante de MOP$350.000,00, a título dos danos emergentes, para além dos danos patrimoniais já atribuídos pelo Tribunal a quo;
   - a indemnização pelos danos morais no montante de MOP$300.000,00.
   Montantes estes acrescentam os juros de mora, da parte da indemnização pelos danos patrimoniais a partir da data do presente acórdão e a parte da indemnização pelos danos morais, a partir da data do trânsito da sentença.
   Custas pelos recorrentes e recorrida pelo seu respectivo decaimento.
Macau, RAE, aos 20 de Março de 2014
Choi Mou Pan
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
1 Tem seguinte versão chinesa:
- 2004年1月20日約下午5時5分,嫌犯B駕駛一輛編號MC-60-XX之輕型汽車在李保樁街右轉入巴波沙大馬路,向關間廣場方向行駛。
- 當時正下看雨,地面濕滑,街上沒有開啟路燈,交通流量正常。
- 當嫌犯B駕駛至李保樁街與巴波沙大馬路交匯處時,嫌犯沒有注意到當時正在巴波沙大馬路行車天橋駕駛著輕型電單車CM-15XXX之受害人A的到來,以為無障礙可通行,故將輕型汽車MC-60-XX右轉駛入巴波沙大馬路。
- 嫌犯的上述操作導致正在駕駛輕型電單車CM-15XX的受害人A需要急速停車,以避免與嫌犯B的汽車發生碰撞。
- 結果,受害人A因急速停車及地面濕滑而失控,使人及電單車同時滑倒在地上,並在地面滑行五至六公尺,滑行至嫌犯B所駕駛汽車的左前車部份才停下來。
- 上述事故直接及必然地導致受害人A的左脛骨平臺粉碎性骨折,需要入院接受手術治療,並對其造成伴左下肢功能障礙的後遺症。
- 受害人A的詳細傷勢描述載於卷宗第82頁之臨床法醫學意見書內。
- 依據法醫之鑑定,受害人A的傷勢需489日才能康復,傷殘率初步評定為8%,其後再鑑定為22%。
- 受害人A所駕駛的輕型電單車亦受到損毀,損毀情況載於第41頁的驗車報告。
- 嫌犯B在設有「必要停車」交通符號的路口行車時,沒有先停車,讓其他車輛先行通過該路口,因而導致是次交通事故之發生,並使他人身體遭受創傷、電單車受到損毀。
- 嫌犯B的行為違反了謹慎駕駛的義務。
- 嫌犯B自願及有意識地作出上述行為,且深知其行為是法律所不容。
此外,還查明:
- 嫌犯曾於20多年前因販毒而被判刑,服刑約1年半後出獄。
民事方面的重要事實:
- 民事損害賠償請求人因為是次交通意外之發生而花費之醫療及藥物費用為澳門幣35,502.50圓。
- 民事損害賠償請求人所駕駛之電單車維修費為澳門幣1,000圓。
- 民事損害賠償請求人之妻子為小販,每月收入約澳門幣7,500圓。
- 民事損害賠償請求人之妻子因需照顧民事損害賠償請求人,而不能全日開檔,損失收入每月約澳門幣2,500圓。
- 民事損害賠償請求人因是次受傷而承受了一定的痛苦,需在家休養。
- 事發前,民事損害賠償請求人為XX夜總會司機,月薪連小費約共澳門幣6,500圓。
- MC-60-XX之輕型汽車由C保險有限公司承保,保單編號為XXX。
未審理查明之事實:
刑事責任方面:
- 嫌犯將車輛完全右轉入巴波沙大馬路後,受害人A才高速駕CM-15XXX到來,其後並因失控跌倒。
- 其他與已證事實相反之事實。
民事責任方面:
- 民事損害賠償請求人之妻子因需照顧民事損害賠償請求人,而不能全日開檔,損失收入每月約澳門幣5,000圓。
- 其他與已證事實相反之事實
2 Vide João António Álvaro Dias, Dano Corporal, Almedina, Setembro 2001, pág. 99.
3 Vide, entre outros o acórdão de 3 de Fevereiro de 2004 do processo nº 03A4191.
4 Vide Dario de Almeida, Manual de Acidentes de Viação, 3ª ed., pág. 505 e seg.s
5 Vide entre outros, o acórdão do STJ de Portugal de 27 de Abril de 2005 do processo nº 04B2431.
6 Nota do Relator: o Relator corrige, assim, a afirmação, feita noutro local, que a perda da capacidade de ganho constitui lucro cessante.
7 Acórdão deste TSI de 15 de Fevereiro de 2001 no processo nº 4/2001.
8 Cite Acórdão do então TSJ de 03/12/99, Processo nº 1241.
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TSI-767/2010 P.26