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Proc. nº 65/2011
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 03 de Abril de 2014
Descritores:
-Documentos
-Junção com as alegações de recurso jurisdicional

SUMÁRIO:

I - A junção de documento após a fase própria de produção de prova só se torna possível nas seguintes situações:
a) - Nos casos do art. 451º (após o encerramento da discussão):
Primeira situação: impossibilidade de apresentação até ao encerramento da discussão (nº1);
Segunda situação: factos posteriores aos articulados (nº2)
Terceira situação: quando a apresentação do documento se torne necessária por virtude de ocorrência posterior aos articulados (nº2).
b) No caso exclusivo do art. 616º (na fase do recurso)
Quando a sua junção se tornar necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância (nº1, 2ª parte).

II - A junção tardia na fase alegatória apenas é possível para provar factos cuja relevância apenas surge com a decisão proferida e não para a prova de factos que já antes dessa decisão a parte sabia a ela estarem sujeitos. Ou seja, a previsão normativa tem por pressuposto um carácter inesperado da decisão impugnada, a qual se apresenta como decisão surpresa, e que tenha criado pela 1ª vez a necessidade de tal junção.

III – Para efeito da impugnação da matéria de facto, e nos termos do art. 599º do CPC, o recorrente não pode fazer uma indicação genérica da matéria de facto que entenda mal julgada, antes deve especificar devidamente os “concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados” (nº1, al. a)), reportando aos artigos da base instrutória que deveriam ter merecido um diferente julgamento de facto, e ainda quais os “concretos meios probatórios que impunham sobre aqueles pontos da matéria de facto decisão diversa” (nº1, al. b)).










Proc. nº 65/2011

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.

I - Relatório
A, residente em Macau, na XXXX, intentou no TJB (Proc. nº CV3-08-0084-CAO) contra B, C, médicos do Hospital D, e Associação de Beneficência do Hospital D, proprietária do referido estabelecimento hospitalar, todos com os demais sinais dos autos, acção declarativa com processo ordinário, pedindo a condenação solidária destes no pagamento da indemnização de Mop$ 2.381.860,00, em virtude dos danos sofridos na sequência de uma intervenção cirúrgica incompleta a que foi sujeita a um tumor na mama esquerda.
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Conduzido o processo até ao seu termo, foi proferida sentença datada de 10/08/2010, que julgou improcedente a acção com a consequente absolvição dos RR do pedido.
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É contra essa sentença que, pela autora, ora vem interposto o presente recurso jurisdicional, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
« I. Com base nos elementos probatórios acima enunciados e do parecer ora junto, deverá a decisão de facto proferida a fls. 306a 311v, ser modificada no sentido de se passar a dar como assente que:
a) - O 2.º Réu não extirpou por completo o tumor que existia na mama esquerda da Recorrente, quando efectuou a cirurgia de 12 de Fevereiro de 2005, tendo deixado tecidos cancerígenos na mesma; e
b) - Não existiam qualquer tumor adjacente desconhecido quando a Recorrente foi sujeita à cirurgia no Hospital D.
c) - É muito provávelmente que o 2.º Réu tivesse removido o tumor na totalidade ou realizado uma mastectomia, acompanhada da remoção dos ganglios, caso não tivesse havido erro na opinião emitida pelo patologista (1.ª Ré) na biópsia realizada na primeira cirurgia a que foi submetida a Recorrente; e
d) - Os dados clínicos inexactos emitidos pela 1.ª Ré nos relatórios que elaborou, quer verbalmente durante a cirurgia e por escrito após a cirurgia, estão também directamente relacionados com a metástase do cancer, ou seja, o espalhar da doença, isto é, o tumor fora da sua origem.
II- São os supra mencionados pontos concretos da matéria de facto - especificação que ora se faz para efeitos da alínea a), do n.º 1 do artigo 599.º, do Código de Processo Civil - que a Recorrente considera incorrectamente julgados, sendo também os concretos meios probatórios supra referido (documento número 30 da p.i. e documento numero 1 contestação, bem como o parecer ora junto, que, correctamente, ponderados apontam em sentido diverso daquele que foi adoptado pelo Acórdão de que ora se recorre, quanto à responsabilidade dos Réus.
Nos termos expostos deve a sentença recorrida e proferida nestes autos, ser alterada e substituída por outra decisão que julgue a acção procedente por provada e condene os Réus no pedido, com o que se fará Justiça».
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Os RR, ora recorridos, responderam ao recurso, apresentando as seguintes conclusões alegatórias:
«1. O documento junto pela recorrente às alegações não pode ser admitido como parecer ao abrigo dos artigos 616 e 452º do Código de Processo Civil pois, não obstante a recorrente qualificá-lo como tal, não se trata de um parecer.
2. Tendo em conta as alegações da recorrente percebe-se que o documento destina-se a provar, em sede de recurso, uma suposta negligência médica dos 1º e 2º RR na remoção e análise de um tumor detectado na mama da recorrente, negligência essa que invocou mas não logrou provar em primeira instância (vide, designadamente, as conclusões, 1 a) e II), pelo que o mesmo não pode ser aceite como parecer.
3. Não sendo admitido como parecer, também o documento não pode ser admitido como meio de prova nesta fase processual, atento o disposto nos artigos 451º e 616º do CPC.
4. Com efeito, decorre dos referidos artigos que, depois do encerramento da discussão e em fase de recurso, só podem ser admitidos documentos se a apresentação não tiver sido possível até esse momento, se o documento se destina a provar factos posteriores aos articulados ou cuja apresentação se tenha tomado necessária em virtude de ocorrência posterior e se a junção se tomar necessária em virtude do julgamento proferido em primeira instância.
5. Ora, não se pode alegar que o documento em causa não poderia ter sido junto antes pois, não obstante estar datado de 3 de Novembro de 2010, o mesmo refere-se a uns exames realizados em 2006 e 2005, pelo que se interessasse ou fosse relevante para a decisão da causa, poderia e deveria ter sido apresentado antes.
6. Também por se referir a exames realizados em 2006 e 2005, o documento em causa não se destina à prova de factos posteriores ao articulado ou cuja junção se tenha tomado necessária em virtude de ocorrência posterior.
7. Não se pode justificar que o documento só se tomou necessário em virtude da sentença proferida em primeira instância pois o mesmo destina-se, como resulta das alegações, a provar um facto central em discussão em causa nos autos, qual seja a existência de uma negligência por parte dos 1ºs e 2º RR. na extirpação e análise do tumor detectado na mamografia realizada à A., aqui recorrente.
8. O artigo 616º, ao referir-se a documento cuja junção apenas se tomou necessária em virtude do documento proferido na primeira instância, refere-se às situações em que, pela fundamentação da sentença, ou pelo objecto da condenação, se tomou necessário provar factos com cuja relevância a parte não poderia razoavelmente contar antes de a decisão ser proferida, significando o advérbio “apenas” inserto no segmento normativo em causa, que a junção só é possível se a necessidade do documento era imprevisível antes de proferida a decisão em primeira instância. Assim, a junção de documentos às alegações só poderá ter lugar se a decisão de primeira Instância criar pela primeira vez a necessidade de junção de determinado documento, quer quando se baseie em meio probatório não fornecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação as partes não contavam.
9. Não é manifestamente o caso pois, a decisão resulta dos documentos e da prova testemunhal fornecida pelas partes e o direito aplicado não é sequer contestado pela recorrente, uma vez que apenas está em causa a decisão de facto.
10. Do documento em causa percebe-se apenas que o mesmo refere-se a duas mamografias, uma realizada em 3 de Fevereiro de 2005 e outra realizada em Abril de 2006. Porém não é dito o local onde as mesmas foram realizadas nem o seu contexto. Nem sequer as mamografias a que o documento se refere encontram-se anexas, o que seria importante para que os destinatários do documento pudessem fazer a sua própria análise.
11. Relativamente à mamografia realizada em 2005 presume-se, pela data, que é a que se encontra junto aos autos e referida nas alíneas c) d) e e) dos factos assentes.
12. Quanto ao filme mamográfico de 24 de Abril de 2006, que nem sequer é anexo ao documento, da mesma nunca se falou, não consta dos autos pelo que também nunca foi objecto discussão e análise.
13. Por outro lado, foi provado, e a A. não põe em causa, que na operação realizada em 12 de Fevereiro de 2005, com base na mamografia de 3 de Fevereiro, o 2º R. extirpou uma glândula com a dimensão aproximada de 5cm x 4cm x 2 cm, isto é, que procedeu, nessa extirpação como se o tumor fosse maligno, retirando o tecido adjacente, seguindo-se os padrões recomendados para o efeito (resposta aos quesitos 34, 36 e 37).
14. Assim, não se percebe como é que a alegada mamografia realizada em 2006, após a extirpação da glândula mamária, que, repete-se, nunca se falou nem consta dos autos, é igual a de 2005.
15. Conclui-se pois que, mesmo que seja admitido, o documento junto às alegações nada traz de novo que possa, por si só, pôr em causa as conclusões de facto a que o colectivo de juízes do Tribunal de Primeira Instância chegou e que se encontram reflectidos na sentença.
16. Relativamente ao recurso, a recorrente, sem apresentar qualquer fundamento relevante, limita-se a pôr em causa a convicção do Tribunal no julgamento da matéria de facto, convicção essa formada após a audição de muitas testemunhas e análise conjunta de todos os documentos constantes dos autos.
17. Basicamente, a recorrente conclui que deve ser alterada a matéria de facto no sentido que propõe nas sua conclusões, ao abrigo da alínea a). do nº 1 do artigo 599º do Código de Processo Civil, sendo também os concretos meios de prova invocados que impunham uma decisão de facto diversa, os documentos 30 junto à p.i. ( fls. 89 a 93 dos autos), o documento nº 1 junto à Contestação, fls. 148 a 149 dos autos e cuja tradução se encontra a fls. 186 a 190).
18. O artigo 599º, referido pela recorrente e com base no qual pretende a modificação da decisão de facto, deve ser lido em conjugação com o artigo 629º, pois a modificação da matéria de facto só pode ocorrer com a verificação de uma das situações previstas no nº 1 do artigo 629º.
19. Ora, decorre dessa norma que a matéria de facto só pode ser alterada pelo Tribunal de Segunda Instância a) se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada nos termos do artigo 599º, a decisão com base neles proferida; b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser contrariada por quaisquer outras provas; e c) Se o recorrente apresentar documento superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão se assentou.
20. Relativamente à primeira situação - do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada nos termos do artigo 599º, a decisão com base neles proferida - resulta claro do acórdão que decidiu a matéria de facto que a convicção do tribunal baseou-se nos documentos juntos aos autos, designadamente os referidos pelo recorrente, no depoimento das testemunhas ouvidas em audiência que depuseram sobre os quesitos da base instrutória e que tinham conhecimento pessoal, o que permitiu formar uma síntese quanto à veracidade dos factos.
21. Assim, não foram só os documentos constantes dos autos que serviram de base à decisão do tribunal mas também a prova testemunhal, altamente relevante, diga-se, uma vez que era constituída, quer da parte da recorrente, quer da parte dos RR. quase exclusivamente por médicos, especialistas, como resulta dos róis de testemunhas constantes dos autos.
22. Daí que, não constando do processo todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos em causa nem tendo a recorrente se socorrido da gravação dos depoimentos prestados para impugnar a matéria de facto, não pode haver modificação da decisão de facto ao abrigo do artigo 629º, nº 1, alínea a) do CPC.
23. Relativamente à situação prevista na alínea b) da citada norma, também a mesma não se verifica pois, o preceito em causa refere-se às situações em que esteja junto aos autos documento que faça prova plena de determinado facto e de o colectivo ter, no acórdão, admitido facto oposto, caso em que a Segunda Instância faz prevalecer a força probatória do documento.
24. Ora, os documentos que a recorrente se refere não fazem prova plena dos factos que pretende que sejam dados como provados, pelo que se conclui não estar também verificado o requisito de modificação da decisão de facto, previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 629º.
25. Muito menos se encontra verificada a hipótese prevista no na alínea c) do nº 1 do artigo 629º.
26. De resto nem sequer a recorrente alega ou admite essa hipótese, quer por o documento junto com as alegações é qualificado como parecer - o que por si só lhe retira qualquer força probatória determinante na medida em que um parecer é uma mera opinião que o juiz atribui a relevância que entender - quer porque condiciona a sua relevância à sua análise conjunta com os documentos já junto aos autos, os documentos 30 junto à p.i. (fls. 89 a 93 dos autos), o documento nº 1 junto à Contestação, fls. 148 a 149 dos autos e cuja tradução se encontra a fls. 186 a 190).
27. Assim também não se encontra verificada a hipótese prevista na alínea c) do nº 1 do artigo 629º para a modificabilidade da decisão de facto.
28. Pelo exposto não se encontram verificados nenhum dos requisitos previstos no artigo 629º, nº 1, para a modificação da decisão de facto, pelo que a mesma não pode ser alterada.
29. De resto, os documentos que a recorrente refere como impondo uma decisão de facto diversa, devidamente analisados, apontam, sem qualquer dúvida no sentido da decisão de facto proferida.
30. Com efeito, é referido no documento 30 junto à p.i. (fls. 89 a 93 dos autos), o relatório o Centro de Avaliação de Queixas dos Serviços de Saúde que, aplicando o padrão ou critério de ouro, não se pode aplicar ou concluir por qualquer acto culposo na actuação dos médicos na não descoberta em Fevereiro de 2005 do foco de carcinoma (vide Doc. 30 junto à p.i.).
31. Já o outro documento que a recorrente refere, fls. 148 a 149 dos autos com tradução a fls. 186 a 190, um relatório do departamento de patologia do hospital E, conclui que a não detecção do foco de tumor invasivo foi uma situação de extremo infortúnio e pelo qual contribuiu uma série de factores, tais como, a ausência de um tumor definido após primeiras observações, a localização do tumor na extremidade da espécime (o qual estava alterado pela cauterização) e ao tamanho reduzido da lesão (vide a conclusão do referido documento).
32. Resulta pois claro que, com base nos documentos juntos, inclusive os referido pela A. como impondo uma decisão diversa, e na abundante e qualificada prova testemunhal produzida pelas partes, o Tribunal só poderia chegar a decisão de facto que chegou.
33. Note-se que, não obstante a isso não estar obrigado, o tribunal teve ainda a preocupação de justificar a sua convicção no que respeita a determinados quesitos que deu como não provados, quesitos esses que se referiam, precisamente, à matéria de facto que a recorrente pretende ver dada como provada.
34. No fundo, é essa convicção do tribunal, baseada em toda a prova testemunhal e documental produzida, e tendo em conta o princípio da livre apreciação da prova consagrada no artigo 558º do Código de Processo Civil, que a recorrente pretende colocar em causa, porque não se conforma com a decisão tomada.
35. O Tribunal de Segunda Instância não pode sindicar a convicção do colectivo de primeira instância, formada tendo em conta a livre apreciação da prova, nem pode alterar a decisão de facto fora das situações previstas no artigo 629º.
36. Por último, pela sua excelente fundamentação, quer de facto quer de direito, acolhe-se na íntegra e dá-se aqui por reproduzido todos os fundamentos de facto e de direito referidos na sentença ora posta em cnse.
37. Cabe apenas realçar, como bem lembra a sentença, que a obrigação dos médicos não é uma obrigação de resultado mas apenas de meios. Os RR tinham apenas de empregar a diligência requerida para obter a cura do doente, no caso a recorrente, e não propriamente garantir a cura enquanto resultado da prestação.
38. E, essa obrigação de meios foi cumprida como resulta amplamente provado.
39. Por todo o exposto se conclui, que nada há a apontar, quer de facto que de direito, à sentença recorrida.
Nestes termos e nos demais de direito requer-se que,
a) Seja ordenado o desentranhamento e devolução à recorrente do documento junto aos autos com as alegações por a sua junção não ser admitida nesta fase processual.
b) Que seja negado provimento ao recurso e mantido na íntegra a decisão recorrida, assim se fazendo a habitual, JUSTIÇA».
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Cumpre decidir.
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II - Os Factos
Vem dada como assente a seguinte factualidade:
«Da Matéria de Facto Assente:
- Em princípios de Janeiro de 2005, a Autora notou que lhe havia aparecido um nódulo ao nível da mama esquerda; pelo que recorreu à consulta externa do Centro Hospitalar Conde de G (alínea A) dos factos assentes).
- No Centro Hospitalar Conde de G a Autora foi sujeita a exame de ultra-sonografia da mama esquerda, em resultado do qual se suspeitou da existência de um tumor (alínea B) dos factos assentes).
- A Autora voltou ao Centro Hospitalar Conde de G, para realizar um exame mamográfico da glândula mamária e nova ultra-sonografia da mama esquerda (alínea C) dos factos assentes).
- Foi proferido um relatório clínico que dava conta da existência na mama esquerda de um tumor às 12h00, suspeitando-se que fosse maligno e de um quisto (alínea D) dos factos assentes).
- O 2º Réu, analisou o relatório e a mamografia efectuados no Centro Hospitalar Conde G e opinou tratar-se de um tumor indolor com margem indistinta em cima, a 3 cm de distância do mamilo esquerdo, com a dimensão de cerca de 1.5 cm x 1.5 cm, que deveria ser extraído e submetido a análise patológica (alínea E) dos factos assentes).
- Em 12 de Fevereiro de 2005, a Autora foi sujeita à extirpação do tumor das glândulas mamárias esquerdas, cirurgia realizada pelo 2º Réu, Dr. C (alínea F) dos factos assentes).
- Durante a cirurgia foi colhida a amostra congelada e foi verbalmente elaborado o seguinte relatório patológico: “degeneração cística de fibrilações da glândula mamária esquerda” (alínea G) dos factos assentes).
- A Autora teve alta do Serviço de Cirurgia do Hospital D no dia 13 de Fevereiro de 2005, ou seja, no dia seguinte à cirurgia (alínea H) dos factos assentes).
- No dia 16 de Fevereiro de 2005, ou seja, no 4º dia a seguir à cirurgia, a Autora foi à consulta externa do Hospital D para ser observada pelo 2º Réu (alínea I) dos factos assentes).
- Após a consulta de 16 de Fevereiro de 2005, o 2º Réu, não marcou qualquer outra consulta para acompanhamento da situação clínica da Autora (alínea J) dos factos assentes).
- Em 17 de Fevereiro de 2005, o Serviço de Patologia do Hospital D emitiu um relatório patológico da amostra parafinada de espécime (Patologia n.º 91774) com o conteúdo seguinte: “hiperplasia lobular atípica, recomenda-se acompanhamento clínico periódico” tudo conforme consta do documento de folhas 35 o qual aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais (alínea K) dos factos assentes).
- A Autora foi informada, após as analises laboratoriais e a cirurgia inicial, de que padecia de uma lesão pré cancerosa (alínea L) dos factos assentes).
- Em Abril de 2006 a Autora descobriu que havia um nódulo por baixo da axila esquerda (alínea M) dos factos assentes).
- No dia 24 de Abril de 2006, a Autora foi à consulta no Hospital D e na observação realizada pelo 2º Réu, foram detectados vários gânglios inchados na axila esquerda e na cavidade da clavícula esquerda (alínea N) dos factos assentes).
- Por essa razão, foi realizada no dia 2 de Maio de 2006, uma inspecção por aspiração através de agulha fina de biópsia (alínea O) dos factos assentes).
- No dia 5 de Maio de 2006, foi elaborado um relatório patológico dos tecidos recolhidos através do método da agulha fina (Patologia n.º 100957) onde se chegou às conclusões seguintes. “metástase carcinomatosa, recomenda-se uma análise mais profunda da glândula mamária ou extirpação dos gânglios inchados, a fim de clarificar o diagnóstico, a classificação de tumor e o seu foco” (alínea P) dos factos assentes).
- Nos dias 6 e 10 de Maio de 2006, o Serviço de Patologia do Hospital D procedeu à dissolução, organização e cortadura profunda da amostra parafinada patológica (patologia n.º 91774) que foi extirpada na primeira cirurgia realizada no dia 12 de Fevereiro de 2005 (alínea Q) dos factos assentes).
- Foi então, elaborado um relatório patológico complementar no qual se chegaram às conclusões seguintes. “carcinoma dos duetos infiltrados das glândulas mamárias Classe II, conjunto com o carcinoma lobular” tudo conforme consta dos documentos de fls. 37 e 38 (alínea R) dos factos assentes).
- A Autora foi transferida para tratamento, através do Centro Hospitalar Conde de G, para o Hospital F de Hong Kong (alínea S) dos factos assentes).
- Em 23 de Agosto, o Hospital D remeteu a organização parafinada dos tecidos e o vidro relacionado com o relatório patológico n.º 91774 para o Serviço de Patologia do Hospital E, em Hong Kong, para análise (alínea T) dos factos assentes).
- Com um câncer de Nível I, a Autora tinha uma probabilidade de 100% de estar viva nos próximos 5 anos (alínea U) dos factos assentes).
- A 2ª Ré é titular de licença n. 001 e do alvará n. 001, estando autorizada a manter em funcionamento na RAEM um estabelecimento denominado “Hospital D”, sito na Estrada do Repouso, nºs 33 a 35, em Macau (alínea V) dos factos assentes).
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Da Base Instrutória:
- O quisto referido em d) localizava-se na posição de 1 hora sendo a referência às horas a forma de identificar a localização do tumor em relação ao mamilo, considerando a posição dos ponteiros do relógio nas horas referidas tendo como centro do relógio o mamilo (resposta ao quesito da 1º da base instrutória).
- Em 30 de Maio de 2006, a Autora foi sujeita a cirurgia do carcinoma no Hospital F, em Hong Kong, onde lhe foram retirados 5 tumores (resposta ao quesito da 6º da base instrutória).
- Em 30 de Maio de 2006, no Hospital F, em Hong Kong, foi também confirmada a existência da metástase em linfonodos no pescoço (resposta ao quesito da 7º da base instrutória).
- Na cirurgia efectuada no Hospital F, em Hong Kong, foram encontrados na mama esquerda resíduos de um tumor (resposta ao quesito da 8º da base instrutória).
- Depois da cirurgia realizada em 30 de Maio de 2006, no F Hospital, porque foram retirados 5 tumores de várias partes do corpo, a A. ficou com 4 cicatrizes bem visíveis no corpo, sendo uma de 11 cm e a outra de 10 cm, próximas do pescoço, à esquerda e à direita, respectivamente, uma de 12 cm na axila esquerda e uma de 7 cm na mama esquerda (resposta ao quesito da 10º da base instrutória).
- A Autora está com uma situação cancerígena que se enquadra no nível III (resposta ao quesito da 11º da base instrutória).
- No F Hospital de Hong Kong foi elaborado, após a cirurgia de 30 de Maio de 2006, uma relatório que dava conta da existência de resíduos de foco carcinomatoso na mama esquerda da Autora (resposta ao quesito da 14º da base instrutória).
- O carcinoma lobular in situ identificado no exame patológico realizado em 10 de Maio de 2006 era o foco carcinomatoso que deu origem às metastases (resposta aos quesitos das 15º e 16º da base instrutória) .
- O relatório patológico que mencionava tratar-se de “hiperplasia lobular atípica”, impunha ao 2.º Réu o dever de manter a Autora sob vigilância através da marcação de consultas regulares (resposta ao quesito da 17º da base instrutória).
- A hipoplasia lobular atípica é uma lesão pré-cancerosa que poderá evoluir para uma lesão cancerosa (resposta ao quesito da 18º da base instrutória).
- A hiperplasia lobular atípica carece de acompanhamento regular (resposta ao quesito da 19º da base instrutória).
- A amostra parafinada nº 91774 recolhida na cirurgia efectuada no Hospital D, foi cortada de acordo com a prática profissional e como tal os resultados atingidos não podiam retratar a verdadeira situação clínica da Autora (resposta ao quesito da 26º da base instrutória).
- Se tivesse sido usado o procedimento utilizado nos exames patológicos realizados em 6 de Maio de 2001 e 10 de Maio de 2006 a análise da amostra nº 91774, tinha de levar o 1 º Réu à conclusão que se chegou nos relatórios desses exames (resposta ao quesito da 27º da base instrutória).
- Na operação de 12 de Fevereiro de 2005, o 2º R. fez a extirpação de uma glândula com a dimensão de 5cm x 4xm x 2cm (resposta ao quesito da 34º da base instrutória).
- Na operação referida em f) extirpou-se não só o tumor detectado no hospital Conde de G e confirmado no hospital da 3ª R., cuja dimensão era de 1,5 cm X 1,5 cm, mas também cerca de 5cm, 4,5 e 2,5cm de todo o tecido adjacente (resposta ao quesito da 35º da base instrutória).
- Na retirada do tumor o 2º R. procedeu como se o mesmo fosse maligno, razão pela qual se extirpou uma camada considerável de todo o tecido adjacente (resposta ao quesito da 36ºda base instrutória).
- Nessa extirpação o 2º R. seguiu os padrões recomendados na extirpação de tumores malignos (resposta ao quesito da 37ºda base instrutória).
- Em 12 de Fevereiro de 2005 nenhum dos exames de mamografia e radiografia realizados no hospital Conde de G e os exames feitos pelo 2º R. à A. no hospital D apontavam para a existência de outro tumor ou foco cancerígeno (resposta ao quesito da 38º da base instrutória).
- A existência de outro foco maligno não era passível de ser detectado através da mamografia, ecografia ou apalpação (resposta ao quesito da 39º da base instrutória).
- Uma vez que nunca chegou a formar um tumor sensível ou visível através de tais exames (resposta ao quesito da 40º da base instrutória).
- O foco de carcinoma que posteriormente veio a ser encontrado na glândula extirpada pelo 2º R. nada tinha que ver com o tumor detectado e extirpado em 12 de Fevereiro de 2005 (resposta ao quesito da 41º da base instrutória).
- O foco de carcinoma que posteriormente veio a ser encontrado na glândula extirpada pelo 2º R. localizava-se próximo daquele que foi extirpado em 12 de Fevereiro de 2005 (resposta ao quesito da 42º da base instrutória).
- Enquanto o tumor detectado e retirado correspondia a uma hiperplasia lobular atípica, portanto não maligno, o foco detectado posteriormente era maligno (resposta ao quesito da 43º da base instrutória) .
- O foco só aparece na glândula extirpada por se encontrar localizado na zona adjacente ao tumor detectado e na sua extirpação ter-se retirado mais de 2 cm da zona adjacente (resposta ao quesito da 44º da base instrutória).
- Esse foco não era objecto da intervenção cirúrgica pois nunca tinha sido detectado nem havia quaisquer sinais da sua existência (resposta ao quesito da 45º da base instrutória).
- Na analise patológica da glândula extirpada em 12 de Fevereiro de 2005 procedeu-se à cortadura da glândula em vários blocos (divisão em fatias) (resposta ao quesito da 47º da base instrutória).
- Na analise patológica da glândula extirpada em 12 de Fevereiro de 2005 fez-se o exame imonoistoquímico destinado a detectar a natureza benigna ou maligna do tumor (resposta ao quesito da 48º da base instrutória).
- Na analise patológica da glândula extirpada em 12 de Fevereiro de 2005 não havia nada que, à data, justificasse à luz da prática médica, a feitura de novos cortes e realização de novas e profundas análises (resposta ao quesito da 49º da base instrutória).
- O 1º R. na análise da glândula extirpada em 12 de Fevereiro de 2005, tinha de se concentrar no tumor detectado nos exames de mamografia, ecografia e apalpação (resposta ao quesito da 50º da base instrutória).
- A análise profunda do tecido adjacente só se justificaria se o tumor detectado se revelasse maligno (resposta ao quesito da 51º da base instrutória).
- O 1º R. na análise da glândula extirpada em 12 de Fevereiro de 2005 procedeu ao corte da amostras em várias fatias (resposta ao quesito da 52º da base instrutória).
- O 1º R. na análise da glândula extirpada em 12 de Fevereiro de 2005 parafinou e analisou as fatias sempre tendo em atenção o tumor e a zona mais próxima deste (resposta ao quesito da 53º da base instrutória).
- Aquando do referido em 47ºe 48º a parte que foi analisada foi a face do corte (resposta ao quesito da 54º da base instrutória).
- Por ser a parte virada para o tumor, cuja natureza se pretendia analisar e por ser a parte lisa que permite uma melhor observação (resposta ao quesito da 55º da base instrutória).
- O foco que mais tarde se veio a encontrar localizava-se na extremidade contrária da última fatia, virada para a parte contrária ao do tumor objecto de análise, a parte rugosa e irregular devido ao corte feito na altura da extirpação (resposta ao quesito da 56º da base instrutória).
- O foco encontrava-se debaixo do tecido envolvente da glândula, tecido esse que, por sua vez, se encontrava alterado pela cauterização (resposta ao quesito da 57º da base instrutória).
- Era, um foco mínimo que ficou compreendido nessa última fatia, não sendo pois abrangido pela dissecação da glândula (resposta ao quesito da 58º da base instrutória).
- Aquando de cirurgia realizada em 12 de Fevereiro de 2005 e da realização das análises patológicas de 6 de Maio de 2005 e 10 de Maio de 2005 os Réus actuaram de acordo com o cuidado, perícia e conhecimentos compatíveis com os padrões por que se regem os médicos do seu tempo, e com o grau de competência que é razoável esperar de um profissional do mesmo oficio agindo em circunstâncias semelhantes (resposta ao quesito da 59º da base instrutória).
- A A. foi submetida a sessões de quimioterapia na sequência das quais entrou em depressão, sentiu dores muito fortes por todo corpo, como se tivesse sido queimada pelo fogo, não conseguia sentar-se, perdeu o sono e vomitava constantemente, não queria mais viver e só pensava em suicídio, ficou com a pele negra, perdeu todo o cabelo, não conseguia comer, perdeu muito peso, sofreu descontrolo nos nervos, tinha dificuldades em defecar e só com a ajuda da mão conseguia fazer sair as fezes, sentia dificuldades em respirar, com sensação de estar a ser fortemente comprimida por um peso sob o peito, não conseguia deslocar-se sozinha, teve enjoos permanentes, perdeu o apetite e a capacidade para o trabalho foi afectada (resposta aos quesitos das 61º a 64º 6r a 73º e 81º da base instrutória).
- Em face das cicatrizes resultantes das intervenções a Autora teve que alterar a sua maneira de vestir de forma a ocultá-las durante o tempo de verão (resposta ao quesito da 76º da base instrutória).
- A Autora que gostava de ir à praia e à piscina deixou de frequentar ambos os espaços de laser porque tinha vergonha das cicatrizes que o seu corpo ostenta (resposta ao quesito da 77º da base instrutória).
- A Autora tinha dificuldades em dormir e a concentrar-se no trabalho (resposta ao quesito da 78º da base instrutória).
- Ao tomar conhecimento que a sua saúde tinha sido afectada, o seu bem estar, a tranquilidade física e psíquica suas, e do seu marido, das duas filhas, e outros familiares, é abalada (resposta ao quesito da 80º da base instrutória).
- A Autora é boa mãe, uma mulher activa e integrada na sociedade (resposta ao quesito da 84º da base instrutória).
- A Autora ficou impossibilitada de executar as suas lides domésticas, não podia arrumar a casa, fazer a limpeza, lavar a roupa, passar a ferro ou cozinhar, tendo dificuldades em cuidar da sua higiene pessoal (resposta ao quesito da 86º da base instrutória).
- A Autora necessitou de contratar uma terceira pessoa para em permanência prestar-lhe ajuda nas suas tarefas, a qual aufere MOP2,500.00, por mês (resposta ao quesito da 87º da base instrutória).
- Entre 12 de Maio de 2006 e 10 de Setembro de 2007, a Autora fez 22 deslocações ao F Hospital de Hong Kong (resposta ao quesito da 88º da base instrutória).
- A Autora era acompanhada pelo marido, o qual faltava ao serviço e assim duplicava custos em alimentação e transportes (resposta ao quesito da 89º da base instrutória). »
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III - O Direito
1 – Do documento de fls. 368
Em 15/09/2010 a recorrente fez anexar às alegações do presente recurso o documento de fls. 368, a que no art. 17º da referida peça chamou “parecer de médico especialista de radiologia do Centro Hospitalar Conde de G”.
Os RR, porém, não aceitam que esse documento seja aceite nesta fase, nem que o mesmo seja considerado “parecer”.
Vejamos.
A junção do documento após a fase própria de produção de prova só se torna possível nas seguintes situações:
a) - Nos casos do art. 451º (após o encerramento da discussão):
Primeira situação: impossibilidade de apresentação até ao encerramento da discussão (nº1);
Segunda situação: factos posteriores aos articulados (nº2)
Terceira situação: quando a apresentação do documento se torne necessária por virtude de ocorrência posterior aos articulados (nº2).
b) No caso exclusivo do art. 616º (na fase do recurso)
Quando a sua junção se tornar necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância (nº1, 2ª parte).
Ora, “in casu”, nem os factos são supervenientes, nem o documento foi obtido supervenientemente após o encerramento da discussão. A junção do documento apenas se poderia fundar, portanto, unicamente no disposto no art. 616º, nº1, 2ª parte, do CPC. Sucede que a admissibilidade da junção de documentos ao abrigo deste dispositivo encontra a sua justificação numa deriva de imprevisibilidade: a sua junção apenas se aceita, face ao imprevisto da decisão recorrida, quer por razões de direito, quer por razões de prova1. A junção tardia na fase alegatória apenas é possível para provar factos cuja relevância apenas surge com a decisão proferida e não para a prova de factos que já antes dessa decisão a parte sabia a ela estarem sujeitos2. Ou seja, a previsão normativa tem por pressuposto um carácter inesperado da decisão impugnada, a qual se apresenta como decisão surpresa, e que tenha criado pela 1ª vez a necessidade de tal junção. Decisão alicerçada, por exemplo, em meio probatório produzido “ex officio” ou fundada em preceito legal com cuja aplicação as partes, mesmo litigando com a diligência devida, não podiam razoavelmente contar3 ou assente na falta ou insuficiência da prova da pretensão das partes4.
Por isso se entende que a junção só é admissível em tais circunstâncias se a necessidade do documento era imprevisível antes de proferida a sentença da 1ª instância5. Daí que se diga que “o adverbio «apenas» significa que a junção só é possível se a necessidade do documento era imprevisível antes de proferida a sentença da 1ª instância”6, isto é, “O legislador quis manifestamente cingir-se aos casos em que, pela fundamentação da sentença ou pelo objecto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes de a decisão ser proferida”7.
Ora, neste caso, os documentos não se fundam em factos novos, nem se mostra terem sido obtidos apenas no momento em que foi apresentado. O que significa que a sua junção com as alegações apenas seria possível em virtude do julgamento proferido na primeira instância (art. 616º, nº1, do CPC). Todavia, e tal como acima desenhados os requisitos para o preenchimento desta situação, não cremos que o caso seja de molde a permitir a apresentação do documento ao abrigo deste normativo. Efectivamente, não entendemos que a sua junção se mostre mais necessária agora, na fase das alegações, do que na fase da produção de prova, sabido que ele se reporta a factos já conhecidos do apresentante por ocasião da prova. Quer dizer, não pode de maneira alguma a autora mostrar-se surpreendida com o julgamento da matéria de facto que a leve a tentar agora inflectir o sentido da prova com um documento que podia antes ter feito juntar aos autos.
De qualquer maneira, e olhando para o seu conteúdo com atenção, não cremos que sua junção seja útil, na medida em que ele não traz mais luz ao nexo causal entre factos e danos que a recorrente gizou nos autos. Para a autora da acção, a causa das metástases deveu-se ao facto de a cirurgia efectuada no hospital D não ter sido completa e ter deixado resíduos do tumor extraído em 12/02/2005 (disse-o na petição inicial e manteve-o nas alegações do presente recurso no capítulo IV, a fls. 357 vº dos autos). Matéria que, como se sabe, não foi dada por provada (resposta aos arts. 12º, 13º e 15º, 16º, 28º,29º da BI), nem o documento tem qualquer aptidão ou relevância para inflectir o sentido da prova feita quanto ao tema.
Assim, não se aceita a junção do documento e ordena-se o seu desentranhamento.
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Do recurso
O recurso jurisdicional interposto pela autora da acção, vencida que nela ficou, limita-se a impugnar a matéria de facto proferida na decisão recorrida.
Todavia, não procedeu rigorosamente como manda o art. 599º do CPC. Isto é, não especificou devidamente os “concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados” (nº1, al. a)), reportando aos artigos da base instrutória que deveriam ter merecido um diferente julgamento de facto. O que fez foi, simplesmente, apelar genericamente para a matéria de facto que, em sua opinião, deveria ser dada por provada. Todavia, nem mesmo perante a alusão que fez no ponto II das conclusões tem o condão de iludir ou escamotear o dever legal que sobre si impendia.
Por outro lado, não especificou devidamente quais os “concretos meios probatórios que impunham sobre aqueles pontos da matéria de facto decisão diversa” (nº1, al. b)). A este propósito, a referência aos documentos 1 a 8 juntos com a p.i. é uma forma vaga e, uma vez mais, genérica de tentar a partir deles demonstrar as lesões de que padecia a mama esquerda. Ora, isso não preenche o dever de esclarecer o ponto da matéria de facto de onde se possa extrair o erro em que o tribunal “a quo” terá incorrido no julgamento factual que fez a respeito dos resíduos que a intervenção cirúrgica terá deixado na mama esquerda.
Isto, por si só, poderia levar à rejeição do recurso.
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Procuremos, mesmo assim, e na senda do princípio “pro actione”, buscar nas alegações e respectivas conclusões a imputação específica que pela recorrente não foi feita de forma cabal.
Sobre as alíneas a) e b) das conclusões
Quanto a nós, nenhum elemento dos autos permite concluir que o réu não extirpou por completo o tumor que existia na mama esquerda da recorrente por ocasião da cirurgia efectuada no dia 12/02/2005 e que deixou ficar tecidos cancerígenos que depois evoluíram para metástases.
Os resíduos encontrados aquando da cirurgia no hospital de Hong Kong (facto 8º e 14º) não se provou que fossem resultantes da cirurgia efectuada em Macau pelo 2º réu (art. 9º da BI, que foi dado como não provado). Aliás, a matéria concernente à não extirpação completa do tumor foi também considerada não provada (art. 12º da BI). O que deu causa às metástases não foi, de acordo com a prova feita, qualquer resíduo da cirurgia feita no Hospital D (resposta negativa ao art. 28º da BI), mas sim o carcinoma lobular identificado no exame patológico realizado no dia 10/05/2006 (resposta positiva aos artigos 15º e 16º da BI).
Ora, nenhum dos documentos nºs 1 a 8, bem como o nº 30 apresentado com a p.i. (fls. 89 a 94) ou o doc. 1 junto com a contestação (fls. 148- 149) se mostram aptos a provar a invocada conexão que a recorrente faz entre a cirurgia (que disse incompleta e com resíduos cancerígenos não extirpados) e o aparecimento das metásteses. Isto significa que o recurso não pode dar satisfação ao anseio da recorrente quanto às alíneas a) e b) das conclusões.
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Sobre as alíneas c) e d) das conclusões
Pretende agora tentar demonstrar o erro no julgamento da matéria de facto ao ponto 29º da B.I. Todavia, os referidos documentos não se mostram aptos a provar o erro do 1º réu em ter realizado uma cirurgia incompleta ou, inclusive, em não ter procedido a uma mastectomia acompanhada da remoção dos gânglios.
Efectivamente, os quesitos 29º e 30º foram dados por não provados. A convicção do colectivo na forma como respondeu a estes artigos da base instrutória encontra-se plasmada a fls. 303 em termos que não merecem reparo, face aos elementos dos autos.
Nenhum dos documentos apresentados pela recorrente (nem mesmo o dito “parecer” que pretendia juntar com as alegações) serve o seu intuito. Deles não decorre a prática de qualquer erro na opinião fornecida pelo patologista (1º réu) na biopsia realizada aquando da 1ª cirurgia, nem provam a relação directa do aparecimento das metástases com as informações verbais fornecidas durante a cirurgia ou escritas no relatório que elaborou.
A própria recorrente, na conclusão a que chega na referida alínea c) das conclusões não é peremptória, nem assertiva, pois apenas admite que, sem erro do patologista (que se não verificou), “muito provavelmente” (sem certeza) o cirurgião teria removido o tumor na totalidade ou realizado uma mastectomia.
Dito isto, e não sem que muito lamentemos a situação em que se viu envolvida a recorrente, desejando sinceramente que ela esteja definitiva e totalmente curada, o recurso quanto à impugnação da matéria de facto só pode ser dado por não provido.
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IV - Decidindo
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
TSI, 03 de Abril de 2014
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong





1 Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 5ª ed., pag.197.
2 Ac. do STJ, de 27/06/2000, in CJ, II, 2000, pag. 130.
3 Carlos Francisco de Oliveira Lopes do Rego, Comentários ao CPC, 2004, pag. 602; tb. Ac. do STJ, 24/10/1995, in CJ, III, 1995, pag. 78
4 Ac. STJ de 9/12/1980, in BMJ nº 302, pag. 247
5 Ac. RC, 13/12/88, in BMJ nº 382, pag. 540; tb. Ac. STJ de 3/03/1989, in BMJ nº 385/545.
6 Ac. STJ de 12/01/1994, BMJ nº 433, pag.467
7 A. Varela, J. M. Bezerra e Sampaio e Nóvoa, Manual de Processo Civil, 2ª ed., pag. 533-534. Neste sentido, ver o Ac. do TSI, de 16/05/2013, Proc. nº 175/2013.
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