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Processo nº 336/2012
(Recurso Contencioso)

Relator: João Gil de Oliveira
Data: 3/Abril/2014

Assuntos:
- Princípio da audiência dos interessados
- Subsídio de residência
- Aposentados do Território de Macau que optaram pelo regime da CGA
- Princípio da igualdade

SUMÁRIO:
    1. Com o estabelecimento da RAEM, abre-se um novo regime, enquadrado pela Lei Básica, constituindo-se uma outra pessoa colectiva de direito público, fazendo parte integrante da República Popular da China, diferente da pessoa jurídica que era o Território de Macau.
    2. O estatuto do aposentado é um estatuto diferente do estatuto do funcionário e assenta numa outra relação jurídica.
    3. A relação jurídica do aposentado que optou por transferir o recebimento da sua pensão pela CGA não pode ter como sujeito passivo a RAEM, situação que dimana da Declaração Conjunta e da Lei Básica.
     4. Diversos diplomas, promanados da Administração portuguesa, procuraram acautelar a situação dos funcionários, fosse dos que pediram a integração nos serviços da República Portuguesa, fosse dos que se aposentassem.
    5. Em relação aos aposentados, foi definido o quadro dos seus direitos até 19 de Dezembro de 1999, entre outros se contando o subsídio de residência e o acesso aos cuidados de saúde.
    6. A lei de então condicionou a atribuição do subsídio de transporte à intenção de fixação de residência em Portugal e condicionava a atribuição do subsídio de residência a uma residência efectiva em Macau, para além dos demais requisitos.
    7. Invocando razões de humanidade e desenraizamento, a menos de um mês da transferência da administração, fez-se desaparecer a limitação da atribuição do subsídio de residência até 19 de Dez./1999, mantendo-se os demais requisitos decorrentes do ETAPM para a sua atribuição.
    8. Ao optarem por fixar residência em Portugal, ou tal se presumindo, como decorria expressamente da lei para quem recebeu o subsídio de transporte e de bagagens, deixaram os aposentados ligados à CGA de poder receber o subsídio de residência. Mesmo tornando a Macau, interrompida se mostrava a situação que a lei requeria não tivesse sido descontinuada.
    9. Escolhido como parceiro da relação jurídica então instituída a CGA, deixaram os aposentados de poder estabelecer uma relação jurídica de aposentação com a RAEM, só esses sendo contemplados com a Lei n.º 2/2011.
    10. Parecendo igual a situação jurídica dos aposentados do Território de Macau que não fizeram tal opção e, assim, discriminatório o tratamento em relação a outros, não o é realmente, pois, ainda que todos eles não sejam aposentados da RAEM, podem beneficiar do regime que os não exclua, fora do regime jurídico estatutário dos aposentados da função pública.
11. Em relação aos aposentados que estabeleceram relação jurídica com a CGA, podem beneficiar eles dos direitos e regalias que o legislador ordinário lhes confira, mas não na qualidade estatutária de aposentados da RAEM.

O Relator,












Processo n.º 336/2012
(Recurso Contencioso)

Data : 3 de Abril de 2014

Recorrente: A

Entidade Recorrida: Secretário para a Economia e Finanças

    
    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
    1. A, mais bem identificada nos autos, vem interpor RECURSO CONTENCIOSO DE ANULAÇÃO do acto do Exmo Senhor Secretário para a Economia e Finanças de 1/03/2012, exarado na Informação n.º 092/NAJ/LRB/2012, que lhe indeferiu o abono do subsídio de residência.
Conclui da seguinte forma as suas alegações facultativas de recurso, onde desenvolve e explicita algumas das ideias expressas nas suas alegações iniciais:
    A violação do direito de audiência da recorrente imposto pelos artigos 10.º e 93.º e seguintes, ambos do CPA, consubstancia vício de forma determinante da invalidade do acto recorrido, conducente à sua anulação.
    A falta de audiência, naquele procedimento, da APOMAC, organismo representativo dos trabalhadores aposentados e pensionistas, detentora de legitimidade para esse efeito, ao abrigo do n.º 1 do artigo ss.º do CPA, viola o disposto no artigo 10.º do mesmo Código, que adicionalmente assegura a intervenção das Associações que defendam os interesses dos interessados, quando envolvidos em procedimentos administrativos, violação de lei que fere de invalidade o acto recorrido, devendo por isso ser anulado.
    A Lei n.º 2/2011 expressamente afastou o critério de residência como condição para a atribuição do subsídio previsto no seu artigo 10.º.
    O abono do transporte para Portugal ao abrigo do DL n.º 14/94/M, não impede ao recorrente o acesso ao direito previsto no artigo 10.º da Lei n.º 2/2011.
    A faculdade de transferir a responsabilidade do pagamento das pensões para a CGA para aqueles que exerceram funções na administração pública do Território de Macau e se aposentaram antes de 19 de Dezembro de 1999, decorreu do Ponto VI do Anexo I da Declaração Conjunta do Governo da República Portuguesa e do Governo da República Popular da China sobre a Questão de Macau, assinado em Pequim em 13/04/1987.
    Na Declaração Conjunta a Parte Chinesa só se responsabiliza pelo pagamento das pensões de aposentação e de sobrevivência dos trabalhadores da administração pública que se aposentassem depois de 19 de Dezembro de 1999.
    A Parte Portuguesa assegurou o pagamento das pensões aos aposentados de Macau até 19/12/1999 pelo DL n.º 357/93, de 14 de Outubro, com a consequente regulamentação no Território de Macau, através do DL n.º 14/94/M, do DL n.º 38/95/M e do DL n.º 96/99/M.
    Havendo aposentados que transferiram o pagamento das pensões para a CGA que permaneceram em Macau, o DL n.º 38/95/M e o DL n.º 96/99/M concede-lhes o direito ao subsídio de residência, mesmo quando tenham exercido total ou parcialmente os direitos conferidos pelo n. º 3 do artigo 17. º D L n. º 14/94 /M, maxime o direito de transporte.
    Transferiu-se a responsabilidade pelo pagamento de pensões de pessoas que permaneceram como aposentados de Macau após 20 de Dezembro de 1999 com todos os direitos inerente a essa condição, salientando-se o acesso a assistência médica e medicamentosa: os cuidados de saúde.
    O DL n.º 96/99/M eliminou do n.º 2 do artigo 3.º do DL n.º 38/95/M o limite temporal para o acesso dos aposentados ao subsídio de residência bem como a condição de os mesmos residirem em Macau.
    A expressão "mantido", no corpo do artigo 1.º do DL n.º 96/99/M, afirma que o direito, em abstracto, permanece no ordenamento jurídico da RAEM, englobando aqueles que não estavam a beneficiar do abono mas que a ele pretendiam aceder, seja pela primeira vez, seja na sequência de uma interrupção de pretérito.
    Os SAFP emitiram Parecer, em Fevereiro de 2002, afirmando que são aposentados de Macau, para todos os efeitos legais segundo o regime jurídico fixado pelas normas legais aplicáveis, aqueles que transferiram a responsabilidade do pagamento das suas pensões para a CGA.
    O Senhor Secretário para a Economia e Finanças, entidade aqui recorrida, decidiu em 24/07/2001, ser legal que os aposentados que transferiram a responsabilidade do pagamento da sua pensão para a CGA tivessem direito ao subsídio de residência, de acordo com um parecer da sua assessoria jurídica elaborado em 23/07/2001.
    Os SAFP, em Maio de 2011, através do ofício n.º 1105120001/DIR, defenderam que o pessoal abrangido pelo DL n.º 96/99/M continua a beneficiar do regime de residência previsto na Lei n.º 2/2011, desde que não esteja abrangido por nenhuma das situações indicadas no n.º 2 do seu artigo 10.º.
    A ausência de Macau num determinado período temporal ou o exercício do direito a transporte ao abrigo do artigo 17.º do DL n.º 14/94/M, não fazem decair o critério de residência para efeitos de acesso ao direito ao subsídio.
    O acto recorrido sustenta que o recorrente fixou residência em Portugal, sem que conste no procedimento qualquer documento que demonstre o que alega, em sentido inverso do dever estabelecido no n.º 1 do artigo 86.º do CPA, 
    O acto recorrido afasta, implicitamente, a qualidade de residência que a Lei n.º 8/1999 lhe confere, enquanto titular do Bilhete de Identidade de Residente de Macau, para efeitos de atribuição de um direito previsto na legislação da RAEM.
    A diferença de tratamento pela entidade recorrida, face à mesma situação factual e à mesma legislação, em 2001 e 2011, consubstancia uma violação do Princípio da Igualdade previsto no artigo 25.º da Lei Básica, que no âmbito de actos praticados no exercício de poderes vinculados é susceptível de os invalidar, por erro nos pressupostos de direito, conducente à sua anulação.
     A lei não prevê qualquer distinção de tratamento a conferir àqueles que exerceram o direito ao transporte previsto na alínea a) do n.º 3 do artigo 17.º do DL 14/94/M, consoante o tipo de transporte que requereram e beneficiaram - de pessoas, bagagem ou veículo - pois condiciona todos e cada um deles à fixação de residência em Portugal.
    A diferença de tratamento, face a um direito de transporte que se encontrava sujeito à mesma condição, traduz vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito, decorrente da violação do Princípio da Igualdade previsto no artigo 25.º da Lei Básica.
    Nestes termos pede se anule o acto baseado:
    a) em vício de violação de lei do artigo 97.º do CPA e em vício de forma por preterição da audiência do interessado, imposta pelo artigo 93.º do mesmo Código;
    b) em vício de violação de lei por ofensa ao artigo 10.º da Lei n.º 2/2011;
    c) em violação de lei na vertente de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, na medida em que os diplomas em que se sustentou a decisão recorrida não impunham que o direito ao subsídio de residência se encontrasse constituído na esfera jurídica do recorrente à data da entrada em vigor da Lei n.º 2/2011, nem este diploma exige qualquer outro requisito que não os previstos no seu artigo 10.º;
    d) vício de violação de lei por ofensa aos artigos 2.º, 4.º, 5.º e 7.º da Lei n.º 8/1999.
    e) em violação de lei na vertente de erro sobre os pressupostos de direito, na medida em que existe uma desigualdade de tratamento consubstanciada na decisão de indeferimento do pedido formulado pelo recorrente, quanto à interpretação da mesma legislação efectuada em 2001 pela entidade recorrida e quanto à presunção de fixação de residência do recorrente com os demais interessados que requereram e lhes foi concedido o mesmo direito a transporte, ao abrigo do n.º 3 e 4 do artigo 17º do DL n.º 14/94/M.
    
    2. Tam Pak Yuen, o Exmo Senhor Secretário para a Economia e Finanças, entidade recorrida nos autos à margem identificados, apresentou contestação, nos termos de fls 117 a 139v., que aqui se dá por reproduzida, defendendo a justeza do decidido e rebatendo os argumentos invocados pelo recorrente e, oportunamente, ofereceu alegações facultativas, reafirmando no essencial o anterior alegado, invocando ainda as normas da Lei Básica que seriam aplicáveis.

    3. O Exmo Senhor Procurador-Adjunto emite douto parecer, dizendo, pronunciando-se no sentido do provimento do presente recurso.
    
    4. Ao longo do processo colheram-se oficiosamente vários elementos, nomeadamente as actas relativas aos Trabalhos Preparatórios da Lei n.º 2/2011 e vários elementos respeitantes aos aposentados do tempo da Administração portuguesa junto do Exmo Senhor Director dos SAFP.
    
    5. Foram colhidos os vistos legais.
    
    II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito.
    
    III - FACTOS
    Com pertinência, têm-se por assentes os factos seguintes, respigados da documentação junta aos autos pelas partes, do processo instrutor e das diligências realizadas pelo Tribunal:
1. A ora recorrente é aposentada com pensão paga pela Caixa Geral de Aposentação de Portugal, (CGA). Requereu e viu ser-lhe deferida a transferência da responsabilidade pela pensão para aquela entidade ao abrigo do estipulado no Decreto-Lei n.º 14/94/M.
2. De acordo com o previsto no artigo 17.° n.º 3 e 4 do supra citado Decreto-Lei, a recorrente requereu e foram-lhe concedidos todos os direitos aí estabelecidos.
3. A recorrente apresentou uma declaração para efeitos de atribuição do subsídio mensal de residência, previsto no artigo 10.º da Lei n.º 2/2011.
4. Através do Ofício n.º 3985/DDP/DCP/2011, de 20/07/2011, da Direcção dos Serviços de Finanças o recorrente foi notificado da decisão que recaiu sobre o pedido do referido subsídio, da qual se transcreve o seguinte: "... verifica-se que V Ex.ª já auferiu da passagem aérea para residência em Portugal, pelo que não preenche os requisitos estipulados no Decreto-Lei n.º 96/99/M. Nestes termos, não é possível proceder à atribuição do dito subsídio de acordo com o Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, em conjugação com a Lei n.º 2/2011"
5. A decisão da Exma Senhora Directora da DSF que lhe indeferiu o pedido de abono do referido subsídio, foi exarada em 20/07/2011 na informação n.º 052/DCP/2011, afirmando o seguinte: "Tendo em consideração o parecer do ofício n.º 110601005/DIR e de acordo com a confirmação do Fundo de Pensões de que os 147 aposentados, constantes da lista, já levantaram as despesas de transporte aéreo, para regressarem e residir em Portugal, pelo que concordo com a promoção, indefiro a concessão do subsídio aos mesmos, pois não preencheram o disposto no DL n.º 96/99/M, segundo o qual se fixou que os aposentados deveriam residir em Macau após a transferência de soberania."
6. Não se conformando com tal decisão a ora recorrente apresentou, em 19/09/2011, recurso hierárquico necessário dirigido ao Exmo Senhor Secretário para a Economia e Finanças, impugnando graciosamente o despacho de indeferimento da Senhora Directora da DSF.
7. A decisão que veio a ser proferida foi de indeferimento, através do despacho que constitui o acto recorrido, tendo sido notificado o recorrente nos seguintes termos:
Despacho do Ex.mo Senhor Secretário para a Economia e Finanças, de 01/03/12
Notificação
    Por referência ao recurso apresentado por V. Ex.ª, recebido no Gabinete do Secretário para a Economia e Finanças em 13/02/2012, fica pela presente notificado, nos termos dos artigos 68.º e ss. do Código do Procedimento Administrativo, do despacho do Ex.mo Senhor Secretário para a Economia e Finanças, exarado em 01 de Março de 2012 s/a Informação n.º 058/NAJ/LRB/2012, de 20 de Fevereiro, consistindo o seu teor no seguinte:
    “駁回訴願, 維持原來決定。
    簽署 : 譚伯源 2012年3月1日”
    "Indefiro o recurso Mantenho a decisão recorrida".
    Ass.: Tam Pak Yuen, aos 01.03.2012."
    
    8. Dão-se aqui por reproduzidos os fundamentos de facto e de direito constantes da Informação n.º 092/NAJ/LRB/2012, de 01 de Março, de fls 49 a 55 v. dos autos, notificada ao recorrente.
    
9. O Exmo Senhor Director dos SAFP, proficientemente, em resposta ao que foi solicitado por este Tribunal, através do oficio n.º 1705, datado de 25 de Outubro de 2012, e na sequência da recolha de informação junto dos serviços relacionados, informou :
    “1) No que concerne ao número de funcionários e agentes que optaram pela integração no regime da Caixa Geral de Aposentações (CGA) até ao dia 20 de Dezembro de 1999 e o número dos que foram abonados de subsídio de transporte para Portugal:
    - 373 funcionários e agentes optaram pela integração nos quadros da República Portuguesa, e 3.377 aposentados e pensionistas de sobrevivência optaram pela transferência das pensões para a CGA, nos termos do Decreto-Lei n.º 357/93, de 14 de Outubro e demais regulamentação que regulam o processo de integração, (dados fornecidos pelo Fundo de Pensões);
    - Dos funcionários e agentes que optaram pela integração no regime da CGA até ao dia 20 de Dezembro de 1999, beneficiaram do subsídio de transporte para Portugal:
     i) 204 (requereram o transporte em nome do titular), (dados fornecidos pela Direcção dos Serviços de Finanças) ;
     ii) 277 (requereram o transporte em nome do titular e dos seus familiares). (idem).
    2) Sobre, se esses aposentados continuam ou não a beneficiar dos cuidados de saúde na RAEM:
    - Do pessoal que optou pela integração no regime da CGA até ao dia 20 de Dezembro de 1999\,942 descontaram para usufruirem de assistência na doença neste ano, (dado fornecido pelos Serviços de Saúde).
    3) Acerca do número de funcionários e agentes que permaneceram no regime normal de aposentação do então Território de Macau, e se estes recebem ou não o subsídio de residência ao abrigo da Lei n.º 2/2011, de 28/03/2011 :
    - Antes do retomo, o número de funcionários e agentes que não optaram pela transferência das pensões para a CGA foi de 155. De acordo com os dados reportados até ao dia 31 de Outubro do corrente ano, 59 já faleceram; relativamente aos restantes 96, 90 estão a receber o subsídio de residência, nos termos do (Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau), e os últimos 6 não o podem receber dado estarem a habitar em moradia do património da RAEM ou de qualquer outra pessoa colectiva de direito público, (dados fornecidos pela Direcção dos Serviços de Finanças e pelo Fundo de Pensões).
    Para qualquer esclarecimento adicional, queira por favor contactar a Sra. B de Planeamento de Pessoal do Departamento de Planeamento e Recrutamento dos Trabalhadores dos Serviços Públicos, através do n.º de telefone 8XXXXXXX5. “
10. Colheram-se junto da Assembleia Legislativa os elementos referentes às actas dos Trabalhos Preparatórios no respeitante à feitura da Lei n.º 2/2011, cujo conteúdo se mostra junto aos autos e aqui se dá por reproduzido.
IV - FUNDAMENTOS
1. As questões a conhecer no presente recurso reconduzem-se à análise dos vícios assacados ao acto e passam, no fundo, no que respeita à pretensa violação de lei e pressupostos de facto, pela correcta interpretação do regime legal aplicável ao caso,
Vícios invocados de que cumpre conhecer:
- violação do princípio da audição dos interessados;
- Violação de lei e de erro nos pressupostos de facto;
- violação do princípio da igualdade.
    Vamos seguir aqui a fundamentação por nós exposta noutros processos, nomeadamente no Proc. n.º 197/2012, de 27/Fev., deste Tribunal de Segunda Instância.
    
    2.1. Invoca a recorrente o vício onde diz faltar audiência prévia no procedimento.

Sem razão, porém.
    2.2. Afigura-se-nos assistir razão à entidade recorrida, visto o objecto da decisão a tomar, face à desnecessidade de uma instrução integrante da actividade administrativa, carreando factos e novos elementos úteis para a tomada da decisão final, pelo que aquela formalidade se mostra degradada, não se devendo a Administração prestar, como é óbvio, à prática de actos inúteis, só fazendo sentido ouvir os recorrentes se estes pudessem contribuir para uma outra decisão, através de uma efectiva e real possibilidade de apresentação de factos, razões ou motivos susceptíveis de poderem inverter o indeferimento do pedido de atribuição do subsídio de residência.
    A Administração estava apenas vinculada à sua interpretação da lei, pelo que os eventuais factos, motivos ou razões a apresentar na sede pretendida se mostrariam irrelevantes e inócuos, nunca passíveis de alterar o sentido desse acto.
    O fim legal dessa formalidade, autonomizada na estrutura do procedimento pelos artigos 93.º e segs. do CPA, é o de proporcionar aos interessados a possibilidade de se pronunciarem sobre o objecto do procedimento, chamando a atenção do órgão competente para a relevância de certos interesses ou pontos de vista adquiridos no procedimento.
    2.3. Estamos em condições de afirmar a desnecessidade da audiência prévia dos interessados neste procedimento, na medida em que o poder exercido pela Administração tem natureza estritamente vinculada. Isto é, ele mais não decorre do que da mera interpretação do regime aplicável aos aposentados que optaram por receber a sua pensão da CGA portuguesa.
    Uma decisão de indeferimento vinculada à lei impõe-se a todos e a audiência, no caso, só poderia ter cariz interpretativo, reflectindo porventura os interesses da parte interessada que emita parecer, sendo certo que, ainda aí, o recorrente não deixa de ter oportunidade de se pronunciar aquando do recurso hierárquico, não deixando de poder esgrimir com todos os argumentos tidos por relevantes para convencer de posição contrária à tomada em 1º grau.
    2.4. Acresce, visto o grande número de interessados que recorreu e que colocou a pretensão à Administração, que se observa uma situação integrante da previsão da 1ª parte do n.º 1 do art. 96º do CPA, não fazendo sentido que a Administração fosse ouvir cada um dos interessados que não deixaram de actuar em massa sobre a sua interpretação acerca do regime aplicável a uma generalidade de pessoas com os mesmos interesses.
    2.5. Como não fazia sentido, visto o objecto do thema decidendum, ouvir a APOMAC, - pretender-se-ia que fosse ouvido na centena ou centenas de casos -, audição essa que se limitaria à junção de um parecer jurídico, necessariamente favorável à parte interessada.
    Para além de que não se configura uma situação de violação do art. 10º do CPA que prevê, no âmbito da observância do princípio da participação, a audição das associações de classe, pois não está em causa uma medida que afecte os interesses da classe, enquanto tal, nomeadamente em termos de regulação dos interesses corporativos respectivos, antes cabendo tão-somente a interpretação das normas que é suposto terem regulado já esses interesses. Ora, para interpretar as normas, não se ouve a classe representativa.
     2.6. A integrar-se ainda no presente vício a alegação feita pela recorrente respeitante à falta de audição dos interessados, como o faz a entidade recorrida, a propósito do caso referido de outro aposentado referido, mostra-se ela completamente inócua, não sendo, por um lado, aquela tomada de posição vinculativa, por outro, o que se constata é que o recorrente não deixou de ter conhecimento dos contornos do caso, deles se servindo nos termos argumentativos que bem lhe aprouve.
    Não se vê, de todo o modo, que essa situação integre qualquer violação do direito de audiência prévia, nem sequer a configurando assim o recorrente.

Do vício de erro sobre os pressupostos de facto e de direito

3.1. Pretende a recorrente beneficiar do subsídio de residência que diz ser-lhe concedido pela Lei n.º 2/2011, de 28 de Março.
Está em causa o despacho da entidade recorrida que sufragou a posição da Administração (Direcção dos Serviços de Finanças) que não reconhece o direito ao subsídio de residência de uma parte do pessoal aposentado, os que se aposentaram antes da criação da RAEM e cujas pensões foram transferidas para a Caixa Geral de Aposentações em Portugal, nos termos do Decreto-Lei n.º 14/94/M, de 23 de Fevereiro.
3.2. Não sendo expressa ou clara a letra da referida lei, antes apontando em sentido contrário, no sentido da não inclusão dos ditos funcionários na sua previsão atributiva do direito, importa desde já reter que o artigo 10ª da Lei n.º 2/2011 -
"Direito ao subsídio
    1. Os trabalhadores dos serviços públicos que se encontrem em efectividade de funções ou desligados do serviço para efeitos de aposentação, bem como os aposentados, incluindo os magistrados aposentados, têm direito a um subsídio mensal de residência, nos termos previstos na presente lei, ainda que existam entre eles relações de parentesco e residam na mesma moradia.
    2. Não têm direito ao subsídio de residência aqueles que habitem em moradia do património da RAEM ou de qualquer outra pessoa colectiva de direito público ou que recebam mensalmente subsídio para arrendamento ou equivalente." -,
    não pode ser desligado do artigo 1º, n.º 1 que delimita o âmbito da sua previsão:
“A presente lei regula o regime do prémio de antiguidade e dos subsídios de residência e de família dos trabalhadores dos serviços públicos da Região Administrativa Especial de Macau, adiante designada por RAEM.”
Parece que o legislador é muito claro ao pretender abranger apenas os trabalhadores da RAEM.
É evidente que os aposentados ao abrigo da Administração portuguesa, no âmbito do Território de Macau, não deixaram de prestar serviço público neste mesmo espaço territorial de Macau, geograficamente o mesmo, mas juridicamente diferente do da RAEM.
3.3. É verdade que os beneficiários da sua actuação, enquanto se manteve a relação de serviço público prestado, são os destinatários e titulares do interesse público, a população em geral, que não mudou por mero passo de mágica, mantendo-se as relações sociais e a prossecução daquele mesmo interesse público, ainda que estabelecidas relações jurídicas diferentes. Só que estas razões, enquanto justificativas da atribuição de direitos a titulares de relações jurídicas estabelecidas com outrem, só por opção política da nova pessoa jurídica podem valer, a partir do momento em que o legislador não os abrangeu.
Como ensina Marcelo Caetano aposentado é aquele que deixa de estar em funções, a partir do momento em que deixa de estar na actividade do serviço.1 É verdade que é este mesmo Mestre que nos diz que o aposentado não perde a qualidade de funcionário. Não ocupando lugar nos quadros e estando dispensado definitivamente de exercer cargos não tem direito ao lugar nem outros direitos decorrentes do exercício das funções, mas pode conservar os que deste sejam separáveis (v.g. honras, assistência na doença) e mantém o tratamento do lugar por que foi aposentado.2 Podemos considerar que a situação do aposentado corresponde à substituição da relação jurídica de emprego público, enquanto agente que se encontrava no activo, por uma outra nova relação jurídica que estabelece um novo complexo de direitos, deveres e incompatibilidades.3
Esta asserção, contudo, se funciona e se encaixa perfeitamente num quadro de manutenção dos sujeitos da relação jurídica de emprego público, enquanto vigente e após a sua cessação, já não assim quando se verifica uma modificação jurídica-institucional dos sujeitos da relação de emprego público, e, especialmente, quando um dos sujeitos opta por estabelecer uma nova relação jurídica, materializada na opção por ter por contraparte, enquanto aposentado, uma entidade jurídica estranha à RAEM, como é o caso da Caixa Geral de Aposentações.
Importa não esquecer que a RAEM , enquanto “parte inalienável da República Popular da China”, artigo 1º da Lei Básica, autorizada a exercer um alto grau de autonomia e a gozar de poderes executivo, legislativo e judicial independente, artigo 2º, se define como “uma região administrativa local da República Popular da China que goza de um alto grau de autonomia e fica directamente subordinada ao Governo Popular Central”, artigo 12º da Lei Básica, decorrendo das competências e atribuições dos respectivos órgãos o reconhecimento de uma personalidade jurídica de direito público que de modo algum se confunde com a definição que era dada no Estatuto Orgânico, artigo 2º, onde se definia que o território de Macau constituía uma
“pessoa colectiva de direito público interno e goza, com ressalva dos princípios e no respeito dos direitos, liberdades e garantias estabelecidas na Constituição da República e no presente Estatuto, de autonomia administrativa, económica, financeira e legislativa”.
Não será despiciendo termos presente esta diferenciação, pois “cada pessoa colectiva de direito público tem os seus órgãos - que pensam e decidem por ela - e os seus agentes, funcionários ou não, que, na essência, executam as decisões daqueles”.4
3.4. Emerge desta formulação a conceptualização de uma relação jurídica de emprego público, cuja titularidade subjectiva é encabeçada pela Administração, por um lado, e pelo agente, por outro.
É assim que deparamos com um conjunto de normas, constantes quer da Lei Básica, quer da Lei da Reunificação, na esteira do que fora proclamado na Declaração Conjunta, no sentido de manter e enquadrar os funcionários que continuassem a prestar serviço na RAEM (cfr. artigos 98º, 99º e 100º da Lei Básica e artigo 5º da Lei da Reunificação).
Já assim não se pronuncia o legislador naqueloutra relação jurídica dos aposentados.
Não cabe aos Tribunais o pronunciamento sobre a justeza de uma dada opção; cabe-lhes tão-somente dizer o direito que rege uma determinada situação.
4. Esta leitura com que abrimos, reconhece-se, não deixa de ser demasiado simplista, ainda que decorrente da letra das normas, pelo que importa analisar mais profundamente e, vista a excepcionalidade da situação que se nos apresenta, há que procurar integrar o regime do estatuto dos aposentados com a génese e evolução do subsídio de residência ora reclamado.
4.1. A fim de indagar se esse pretenso direito ao subsídio de residência é consagrado por algum diploma legar ou se decorre do regime e princípios aplicáveis.
    O Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau (ETAPM), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 87/89/M, de 21 de Dezembro, relativamente à questão do subsídio de residência por parte dos trabalhadores da Administração Pública, dispõe no seu artigo 203.º:

"(Atribuição)
    1. Os funcionários e agentes em efectividade de funções, desligados do serviço para efeitos de aposentação ou aposentados, que residam em Macau e recebam, total ou parcialmente, vencimento, salário ou pensão por conta do Território, têm direito a um subsídio de residência de montante constante da tabela n.º 2, ou de importância igual à renda paga se esta for inferior àquela quantia.
    2. O direito ao subsídio é atribuído a todos os funcionários e agentes ainda que existam entre eles relações de parentesco e residam na mesma moradia.
    3. O direito previsto no número anterior é extensivo aos assalariados com mais de seis meses de serviço efectivo e ininterrupto, enquanto se mantiverem em funções.
    4. Exceptuam-se do disposto no n.º 1 os trabalhadores que se encontrem numa das seguintes situações:
    a) Habitem casa do património do Território, dos serviços autónomos ou dos municípios;
    b) Tenham casa própria, salvo quando esteja sujeita a encargos de amortização.
    (...)"
    A norma, na sua redacção primitiva, estabelecia as seguintes condições de atribuição do direito:
    “(1) Os funcionários e agentes que se encontram em efectividade de funções, desligados do serviço para efeitos de aposentação ou aposentados;
    (2) Que residam em Macau;
    (3) Que recebam, total ou parcialmente, vencimento, salário ou pensão por conta do Território.
    Não tendo direito a tal subsídio
    (1) Os que habitem casa do património do Território;
    (2) Os que tenham casa própria e sem quaisquer encargos.“
    
    4.2. Posteriormente, o legislador decidiu, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 80/92/M, de 21 de Dezembro, proceder à alteração do n.º 3 do artigo 203.° do ETAPM, passando o mesmo a ter a seguinte redacção:
    "3. O direito previsto no número anterior é extensivo aos assalariados com mais de seis meses de serviço efectivo e ininterrupto, enquanto se mantiverem em funções."
    
    4.3. Mais tarde, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 62/98/M, de 28 de Dezembro, procedeu-se à alteração dos n.º 7 e 8 do artigo 203.° do ETAPM, passando a ter a seguinte redacção:
    
    "7. No decurso do mês de Dezembro de cada ano, o trabalhador, com subsídio de residência atribuído deve apresentar, junto do respectivo serviço, a declaração a que se refere o n.° 5, bem como o recibo da renda de casa ou da retribuição, a que se refere o n.º 6, relativo ao mês imediatamente anterior.
    8. Haverá redução rateada do subsídio de residência no caso do valor da renda ser inferior ao montante global dos subsídios atribuídos a trabalhadores que residem na mesma casa."
    
    4.4. Daqui decorre que, não obstante as alterações introduzidas, os requisitos atributivos do direito se mantiveram inalterados.
Só com a redacção do artigo 10º da Lei n.º 2/2011, de 28 de Março, no seu artigo 10°, se alteram aqueles requisitos, restando, em termos de requisitos positivos, apenas um:
    Encontrarem-se em efectividade de funções ou desligados do serviço para efeitos de aposentação, bem como os aposentados.
    O legislador teve ainda o especial cuidado de enumerar os casos daqueles que não têm direito ao subsídio de residência, nomeadamente:
    (1) os que habitem em moradia do património do Governo;
    (2) que recebam mensalmente subsídio para arrendamento.
    
    Estas as diferenças entre o regime ante e post Lei n.º 2/2011, havendo que ter presente o universo dos destinatários das respectivas previsões:
    Claramente,
    - todos os funcionários da RAEM vindos ou não da Administração anterior);
    - todos os aposentados da RAEM (antes ou depois da Lei n.º 2/2011).
    
    E os aposentados antes do estabelecimento da RAEM? A lei não o refere e será que tinha de referir essas situações?
    Desde logo se constata que só teria de se pronunciar se se entendesse que no estatuto dos aposentados antes da RAEM, tal como acima visto, na nova relação jurídica constituída com a aposentação, se operou uma modificação subjectiva na titularidade dessa relação jurídica.
    
    5.1. Aqui chegados, há que ver o que se passou então com os aposentados antes da RAEM, nomeadamente com aqueles que se aposentaram antes da criação da RAEM e que transferiram as respectivas pensões para a CGA de Portugal, como é o caso do ora recorrente.
    
     Relativamente ao pessoal que transferiu as respectivas pensões para Portugal, antes de Dezembro de 1999, encontravam-se eles impedidos, desde que não residissem em Macau, de requerer o subsídio de residência junto do Governo da RAEM antes da data de entrada em vigor da Lei n.º 2/2011, de 28 de Março, uma vez que não reuniam o requisito consagrado no n.º 1 do artigo 203.° do ETAPM: residir em Macau.
    Mas colocada assim a questão, afigura-se-nos que ela está ferida de morte à partida, pois a questão reconduz-se ao obstáculo primeiro à atribuição desse subsídio, a partir do momento em que esses funcionários e agentes optaram pela constituição de uma nova relação jurídica, cujo novo titular passou a ser a Administração de Portugal, a Caixa Geral de Aposentações.

5.2. Vejamos então o enquadramento em que foi tomada tal opção, antes de 1999, mais propriamente antes do estabelecimento da RAEM.
Do anexo I, VI, da Declaração Conjunta do Governo da República Portuguesa e do Governo da República Popular da China Sobre a Questão de Macau, de 13 de Abril de 1987, assinada em Pequim e publicada no BOM n.º23, 3º Suplemento, em 7/6/1988, resulta
“Após o estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau, os nacionais chineses e os portugueses e outros estrangeiros que tenham previamente trabalhado nos serviços públicos (incluindo os de polícia) de Macau podem manter os seus vínculos funcionais e continuarão a trabalhar com vencimentos, subsídios e benefícios não inferiores aos anteriores. Os indivíduos acima mencionados que forem aposentados depois do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau terão direito, em conformidade com as regras vigentes, a pensões de aposentação e de sobrevivência em condições não menos favoráveis do que as anteriores, independentemente da sua nacionalidade e do seu local de residência.”
O Decreto-Lei n.º 357/93, de 14 de Outubro, publicado no Boletim Oficial de Macau n.º 43, de 25 de Outubro, veio definir o quadro legal dentro do qual era garantido aos funcionários de Macau o direito de integração nos serviços da República Portuguesa, bem como a possibilidade dos funcionários já aposentados, ou que reunissem condições de aposentação até 19 de Dezembro de 1999, poderem transferir a responsabilidade pelo pagamento das suas pensões para Portugal, sendo permitida ainda a definição de alternativas à integração.
Estabelece, por outro lado, o citado Decreto-Lei n.º 357/93, que era da exclusiva competência do Governador regulamentar a aplicação daquele diploma no Território, no prazo de 120 dias após a data da sua entrada em vigor em Macau, o que constitui objecto deste Decreto-lei:
“Artigo 9.º
Inscrição na Caixa Geral de Aposentações
(...)
2 - O pessoal que, reunindo as condições de aposentação até 19 de Dezembro de 1999, declare expressamente que pretende fazê-lo até essa data pode requerer a transferência da responsabilidade das respectivas pensões de aposentação e sobrevivência para a CGA.
Artigo 10.º
Aposentação e sobrevivência
(...)
5 - As pensões referidas nos números anteriores, calculadas segundo o regime de Macau, ficarão, quanto à sua evolução futura, sujeitas ao regime vigente para os demais aposentados e pensionistas de sobrevivência da CGA."

O Decreto-Lei n.º 14/94/M, de 23 de Fevereiro, dentro dos condicionalismos impostos pelo facto de ser um diploma regulamentar e de alguns imperativos resultantes da própria natureza do período de transição, salvaguardava os direitos e interesses dos funcionários públicos, procurando conciliar este objectivo com a responsabilidade pela garantia do funcionamento eficiente da Administração, do que decorria a necessidade de se encontrarem soluções, a um tempo, justas e equilibradas.
Culminava, assim, - como aí preambularmente se aponta -, um processo político e legislativo, em que foi possível uma ampla participação, dando-se acolhimento aos anseios e expectativas de um largo estrato dos funcionários públicos de Macau, permitindo responder tanto àqueles que, como opção, pretendem no futuro permanecer em Macau, como àqueles que pretendem a sua integração nos serviços da República Portuguesa ou, ainda, optar pelas demais soluções consagradas neste diploma.
Aí se prevê:
“Artigo 2.º
(Âmbito da aplicação)
O presente diploma aplica-se ao pessoal que nos termos do Decreto-Lei n.º 357/93, de 14 de Outubro, se encontre numa das seguintes situações:
a) Reúna condições de integração nos serviços da República Portuguesa;
b) Reúna condições de transferência da responsabilidade das pensões de aposentação e de sobrevivência para a Caixa Geral de Aposentações (CGA).
Artigo 3.º
(Antecipação da aposentação)
1. O pessoal que até 19 de Dezembro de 1999 possa reunir as condições de aposentação voluntária e requeira a transferência de responsabilidades da respectiva pensão para a CGA, pode requerer a antecipação da aposentação.
2. As condições de aposentação do pessoal a que se refere o número anterior e as regras de cálculo da respectiva pensão, bem como das pensões de sobrevivência a que tiverem direito os herdeiros hábeis em caso de falecimento do subscritor antes de ocorrer a aposentação, são as previstas no regime da função pública de Macau.
Artigo 9.º
(Reconhecimento da opção)
1. Os funcionários e agentes abrangidos pelo disposto no presente diploma devem, no prazo de um ano contado da data da sua entrada em vigor, requerer ao Governador o reconhecimento de um dos seguintes direitos, a efectivar até 19 de Dezembro de 1999:
(...)
b) Aposentação com transferência da responsabilidade das pensões de aposentação e de sobrevivência para a CGA;
Artigo 14.º
(Articulação com a CGA)
1. Para efeitos da inscrição na CGA, prevista nos n.os 1 e 3 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 357/93, de 14 de Outubro, o Fundo de Pensões de Macau procede ao envio do processo àquela Caixa, no prazo de 30 dias contados da data da publicação prevista no n.º 7 do artigo 9.º do presente diploma.
2. O pessoal abrangido pelo disposto no número anterior é inscrito na CGA pela categoria de que era titular à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 357/93, de 14 de Outubro, no caso de opção pela integração, ou pela categoria ou cargo relevante para aposentação nos termos da legislação de Macau, no caso de opção pela aposentação com transferência de responsabilidades.
Artigo 17.º
(Direitos)
(…)
3. Ao pessoal a quem tenha sido autorizada a transferência das respectivas pensões para a CGA é mantido o direito a:
a) Transporte para Portugal por conta do Território;
b) Continuar a habitar moradia do Território, até 19 de Dezembro de 1999 e enquanto residir em Macau, mediante o pagamento da respectiva renda;
c) Acesso a cuidados de saúde, mediante o pagamento da respectiva contribuição.
4. O direito a transporte referido neste artigo compreende o transporte de pessoas, o transporte e desalfandegamento de bagagens e de veículo ligeiro de passageiros, bem como os respectivos seguros, sendo o seu exercício condicionado à decisão de fixação de residência em Portugal.
5. O transporte de familiares, de bagagens e de veículo ligeiro de passageiros pode ser efectuado a partir da data do despacho que reconheça um dos direitos a que se refere o n.º 1 do artigo 9.º do presente diploma, mediante requerimento, com expressa renúncia a esse transporte quando se verificar a deslocação do titular do direito.
6. O exercício dos direitos referidos nos números anteriores rege-se, com as necessárias adaptações, pelas normas constantes do ETAPM.
7. Todos os direitos não referidos no n.º 2 do presente artigo que o pessoal a desvincular nos termos deste diploma haja adquirido, são considerados remidos com o pagamento da compensação pecuniária a que se refere o artigo anterior.”
Destes normativos é patente a transferência das responsabilidades para a CGA, novo titular da relação jurídica então constituída, em face do facto determinante do estado de aposentado.

6. Da adaptação do regime a uma situação provisória
6.1. Não obstante, veio a dispor o artigo 3.° do Dec. Lei n.º 38/95/M, de 7 de Agosto:
"(Renda de casa)
    1. O montante devido mensalmente a título de renda de casa pelos pensionistas, na situação a que se refere a alínea b) do n.º 3 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 14/94/M, de 23 de Fevereiro, após a transferência da respectiva pensão, é o que resultar das disposições legais em vigor à data da transferência, sendo o pagamento efectuado no serviço ou entidade a quem cabe a administração das moradias.
    2. Os pensionistas que têm direito a subsídio de residência, nos termos do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, após a transferência da respectiva pensão para a CGA mantêm esse direito, até 19 de Dezembro de 1999, enquanto residirem no território de Macau, sendo o pagamento efectuado pela Direcção dos Serviços de Finanças."
    
    Desta norma decorre que se trata de uma disposição transitória que produz efeitos até à data do estabelecimento da RAEM, ou seja, até ao dia 20 de Dezembro de 1999.
    Altera-se um dos principais requisitos constantes do regime geral, passando a ter direito ao subsídio de residência (pago pelo Governo de Macau), mesmo que a pensão não seja paga pelo Governo de Macau, uma vez que os interessados residam no território de Macau.
    Deixa de ser o Fundo de Pensões a efectuar o pagamento do subsídio de residência, transferindo-se esta responsabilidade para a Direcção dos Serviços de Finanças.
    Muito próximo da data da transferência, o então governo português em Macau aprovou o Decreto-Lei n.º 96//99/M, de 29 de Novembro, que pelo artigo 3° veio revogar o n.º 2 do artigo 3.° do Decreto-Lei n.º 38/95/M, de 7 de Agosto.
    No preâmbulo do Decreto-Lei n.º 96/99/M, de 29 de Novembro, o legislador justifica-se da seguinte forma:
    
    "(...)
    Contudo, parte significativa destes aposentados e pensionistas tencionam continuar a residir em Macau para além de 19 de Dezembro de 1999, mantendo a condição de arrendatários de moradias do Território, bem como o acesso ao subsídio de residência.
    Assim, o Governo de Macau não pode alhear-se da questão humana e social, atendendo à idade avançada da maior parte destes cidadãos, à dificuldade destes encontrarem alternativas de residência compatíveis com a pensão auferida, assim como ao desenraizamento provocado pelo abandono da sua residência habitual e da comunidade circundante.
    Neste sentido o presente diploma visa garantir aos aposentados e pensionistas que transferiram a responsabilidade pelo pagamento das suas pensões para a CGA, a manutenção dos referidos direitos.
    (...) "5
    
    Estabelecendo o legislador, no artigo 1º:
    
“Ao pessoal a quem seja autorizada a transferência das respectivas pensões para a Caixa Geral de Aposentações é mantido o direito a:
a) Continuar a habitar moradia do Território enquanto residir em Macau, mediante o pagamento da respectiva renda no serviço ou entidade a quem cabe a administração de moradias;
b) Subsídio de residência nos termos do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, sendo o pagamento efectuado pela Direcção dos Serviços de Finanças.”
Artigo 2.º
(Manutenção de direitos)
O disposto no artigo anterior não prejudica os demais direitos previstos nos Decretos-Leis n.ºs 14/94/M, de 23 de Fevereiro, e 38/95/M, de 7 de Agosto.”
    
    6.2. Cremos residir aqui a “pedra de toque” na dilucidação que nos preocupa. Desde logo, em cima da transferência, o Governo de então, sensível a uma dada realidade social, legisla, regulando uma situação que poderia ser humanamente muito carente, reconhece-se, assegurando um direito para o futuro a um conjunto de pessoas que optara pela aposentação por Portugal, revogando legislação que já o fizera anteriormente, com natureza transitória até 19 de Dez./99.
    Porquê? A resposta é avançada no Preâmbulo.
    Mas qual o alcance dessa abrangência?
    Ao remeter pela al. b) do art. 1º para os termos do ETAPM, não será que essa atribuição ficou desde logo coarctada face aos requisitos que o artigo 203º do ETAPM impunha?
    Se assim era, tão claro, por que razão o recorrente e demais interessados, nas suas alegações, apenas se lhe referem de raspão, fazendo radicar o seu direito antes no diploma de 2011?
    Se assim era, por que razão os aposentados que optaram pela CGA não vieram pedir, ainda antes da Lei n.º 2/ 2011, lhes fosse pago o subsídio de residência que seria, prima facie conferido por essa lei?
    O facto de não terem formulado tal pedido não é condição do indeferimento, nem isso importa neste momento, na certeza de que, no caso sub judice, a inércia no passado não seria impeditiva do direito no presente.
O certo é que a mesma lei que lho concedia, logo no artigo seguinte lho retirava, por falta de verificação dos pressupostos do artigo 203º do ETAPM:
- i.residirem em Macau e
- ii. receberem total ou parcialmente, vencimento, salário ou pensão por conta do Território;
- iii. não habitarem casa do património do Território, dos serviços autónomos ou dos municípios;
- iv. não terem casa própria, salvo quando sujeita a encargos de amortização).
    6.3. Estas interrogações e de certa forma a incongruência do legislador, levam-nos a indagar sobre o que sobraria, ou seja quais os casos, as situações não excluídas do subsídio de residência, hesitações que estão espelhadas nas posições dúbias, se não contraditórias, da Administração. Vislumbramos apenas como compatível, sob pena de não se retirar qualquer efeito útil a esse diploma, a irrelevância da alínea ii), pois que o legislador não podia deixar de saber que os destinatários visados o foram exactamente porque optaram receber a sua pensão sem ser por conta do Território.
    6.4. Alega-se que os Serviços da Administração e Função Pública, aquando da elaboração do Ofício-Circular n.º 032/DTJ, de 11 de Fevereiro de 2002, dizendo que "Os aposentados que transferiram a responsabilidade do pagamento das suas pensões para a Caixa Geral de Aposentações, não deixaram de ser, por esse facto, para todos os efeitos legais, aposentados de Macau, segundo o regime jurídico fixado pelas normas legais aplicáveis ... " terão reconhecido a existência do direito no post RAEM.
    Critério este que também consta de um parecer elaborado em 2001 pela assessoria jurídica do Senhor Secretário para a Economia e Finanças, na sequência da impugnação de um acto de indeferimento de atribuição do subsídio de residência, da autoria da DSF, que se sustentava exactamente no mesmo fundamento que vem agora invocado pela entidade recorrida mas que, em 2001, seguiu diferente interpretação, no sentido que pelo ora recorrente é defendido. Apresentada reclamação que impugnou esta decisão, o Senhor Secretário para a Economia e Finanças pronunciou-se em sentido favorável ao pedido, admitindo como base legal que os aposentados que transferiram a responsabilidade do pagamento da sua pensão para a CGA tinham direito ao subsídio de residência.6
    É neste contexto que se afirma que a Exma Senhora Secretária para a Justiça afirmou tal direito, que este foi reconhecido pelo Exmo Senhor Secretário para a Economia e Finanças, que se alude a parecer favorável dos SAPF, enfim, que se reitera urbi et orbi a proclamação desse direito.
    Assim, a interpretação da Administração, em momento anterior (Julho de 2001 e Fevereiro de 2002 - parecer da assessoria do Senhor Secretario para a Economia e Finanças e Ofício dos SAFP n.º 032/DTJ e também na vigência da Lei n.º 2/2011 (em Maio de 2011, através do ofício n.º 1105120001, dos SAFP), tudo apontaria para a concessão do subsídio de residência sem qualquer restrição ou condição fundamentada no exercício do direito ao transporte, a coberto do Decreto-Lei n.º 14/94/M, em sentido inverso ao que foi agora decidido no âmbito do procedimento que conduziu à prolação do acto recorrido.
    A este propósito, a proclamação, por parte da Senhora Secretária, aquando das LAG de 2011, não refere expressamente a inclusão do grupo de aposentados, onde o recorrente se insere, como beneficiário da anunciada lei, mas tão-somente a eliminação do critério da residência.
    
    6.5. Mas lei, lei que a conferisse, nada. O único diploma que parece contemplar tal pretensão, numa primeira leitura menos atenta, é o citado Dec.-lei n.º 96/99/M, de 29 de Nov., mas que a si próprio se desmente, em face dos requisitos que faz pressupor e tanto assim que só quando eles desaparecem, com a Lei n.º 2/2011, só quando os obstáculos parecem desaparecer, se lhes veda a porta na delimitação do âmbito que vem regular a atribuição do subsídio aos aposentados, aferidos em função da prestação de emprego público na RAEM.
    O desnorte sobre a interpretação destas normas parece instalado e a entidade recorrida na sua contestação chega a sustentar, ao arrepio de outras interpretações da Administração que, por não receber qualquer pensão paga pelo Território, ficaria qualquer pensionista da CGA excluído do subsídio de residência. Tal como não estavam contemplados no Decreto-Lei 38/95/M, continuariam excluídos do Decreto-Lei n.º 96/99/M, os pensionistas da CGA que fixaram residência em Portugal, como decorrência da aplicação do n.º 4 do artigo 17.° do Decreto-Lei n.º 14/94/M.
    Desta incompleição normativa nos dá conta o Parecer do CCAC7, que, em bom rigor, contrariamente às notícias veiculadas, não reconhece nas normas a consagração do direito, antes se pronuncia por uma sugestão, de cariz político-legislativa, clarificadora e atributiva do direito que entendia dever ser reconhecido.
    
    7. Posição da Direcção dos Serviços de Finanças e da Direcção dos Serviços de Administração e Função Pública
    7.1. Entremos agora nos detalhes da argumentação da Administração, já que a recorrente nas suas alegações se serve, como argumento, das posições que, aqui e ali, foram tomadas em benefício da sua tese, para além de que sempre ajudarão à compreensão da génese da formação da vontade ínsita à decisão tomada.
    A Direcção dos Serviços de Finanças informa a recorrente que, após apreciação dos dados fornecidos, uma vez que ela recebera o subsídio de transporte e tendo fixado residência em Portugal, não preenchia os requisitos consagrados no Decreto-Lei n.º 96/99/M.
    Decisão que se baseou no seguinte parecer n.º 052/DDP/2011 (de 20 de Julho de 2011):
    
    "(...)
    2. Após a recolha de dados do pessoal supracitado, podemos dividi-los em três grupos:
    1) Aqueles que transferiram as suas pensões para a CGA de Portugal sem terem recebido ainda qualquer subsídio de transporte para fixação de residência em Portugal,
    2) Aqueles que transferiram as suas pensões para a CGA de Portugal e que receberam o subsídio de transporte para fixação de residência em Portugal, e
    3) Aqueles que recebem pensão de sobrevivência através da CGA de Portugal.
    3. Antes da entrada em vigor da Lei n» 2/2011, os nossos serviços têm vindo a atribuir, nos termos do Decreto-Lei n.º 96/99/M e das disposições consagradas no Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau aprovado pelo Decreto-Lei nº 87/89/M, um subsídio máximo correspondente a MOP 1.000 (mil patacas) ao pessoal do grupo 1) acima citado, ou seja, aqueles que não habitam casa do património da RAEM e tenham casa arrendada ou casa própria mas ainda sujeita a encargos de amortização.
    (...)"
    De acordo com o exposto, a DSF entendia que nada impedia que fosse aplicado o Decreto-Lei n.º 96/99/M, de 29 de Novembro, entendendo como uma das condições negativas para se requerer o subsídio de residência, o facto de nunca terem solicitado o subsídio de transporte para a fixação de residência em Portugal.
    É naquele parecer que se estriba a DSF para indeferir os pedidos de subsídio de residência, no pressuposto de que quem recebeu o subsídio de transporte tinha fixado residência em Portugal, deixando, por essa razão, de preencher os requisitos impostos pelo Dec.-lei n.º 96/99/M.
    Na mesma linha, defende a entidade recorrida que o subsídio de transporte de que beneficiou o recorrente pressupunha a fixação de residência em Portugal (cfr. alínea a) do n.º 3 e n.º 4 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 14/94/M), o que afasta o preenchimento dos requisitos previstos no Decreto-Lei n.º 96/99/M, de 29 de Novembro que, segundo alega, condicionava a manutenção do direito ao subsídio de residência, de acordo com os requisitos previstos no ETAPM, apenas a quem residisse em Macau (cfr. alínea b) do artigo 1.º do DL n.º 96/99/M).
    
    Defende a entidade recorrida que a opção exercida ao abrigo da alínea a) do n.º 3 do artigo 17.º do DL n.º 14/94/M - transporte para Portugal por conta do território - concedido na condição de fixação de residência em Portugal, tinha como consequência a impossibilidade de receber subsídio de residência, uma vez que este era condicionado à residência em Macau.
    Esta conclusão, segundo alega, decorre do esclarecimento que consta do segundo parágrafo do preâmbulo do DL n.º 38/95/M e do n.º 2 do artigo 3.º deste diploma, o que significa que os aposentados que transferiram a responsabilidade das suas pensões para Portugal mas que permaneceram em Macau recebem subsídio de residência.
    Já quanto aos que optaram pelo transporte para Portugal, diz a entidade recorrida, deles nunca cuidou a legislação citada. Precisamente porque a sua situação estava totalmente resolvida. Tinham a pensão paga por Portugal e residiam, para os efeitos da Lei, em Portugal.
    Partindo destas premissas, conclui: "a alteração em 2011 das condições para receber o subsídio de residência nunca os pode afectar. A sua situação, derivada da aplicação do DL n.º 14/94/M, de 23 de Fevereiro, excluiu-os do âmbito de aplicação quer do DL n.º 38/95/M, de 7 de Agosto, quer da legislação que se segue." (…) a sua situação ficou resolvida com a aplicação do Decreto-Lei n.º 14/94/M, de 23 de Fevereiro. Ao optar pelas viagens e direitos conexos, deixaram de ter ligação a Macau afigurando como inviável, com o apoio na legislação existente, estender o direito a subsídio de residência aos pensionistas em questão."
    
    7.2. Em relação a este argumento não se deixa de dizer que ele peca na medida em que não se pode interpretar este diploma, a partir do momento da entrada em vigor da Lei n.º 2/2011, usando uma lei que ela própria revogou. Referimo-nos à revogação do art. 203º do ETAPM, operada pelo art. 24º da Lei n.º 2/201.
    O que importa, de todo o modo, é saber se a referida lei passou a conferir ou não o peticionado direito, por esse ou por outro argumento.
    
    8. De um pretenso erro nos pressupostos de facto na decisão proferida.
    8.1. Aventa-se a ideia de que a entidade recorrida pressupõe que a recorrente não requereu a atribuição do subsídio em causa em data anterior à vigência da Lei n.º 2/2011 porque sabia que a ele não tinha direito.
    
    8.2. Sobre este alegado vício, ainda que imperfeitamente expresso, como está bem de ver, esse facto invocado, ainda que do domínio volitivo e intencional, é completamente inócuo, não se colhendo do acto impugnado que foi por essa razão que lhe foi denegado o direito, isto é, que lhe foi indeferido o subsídio de residência no pressuposto de que o recorrente sabia que não lhe assistia aquele direito, por ter deixado de residir em Macau.
    Essa afirmação não pode deixar de ser compreendida no reforço da interpretação da lei por parte da Administração, como mera retórica, não sendo porque o recorrente nunca pediu o subsídio ao longo de mais de uma década que lhe indefere o pedido à concessão do aludido direito.
    Soçobra ainda aqui, nesta vertente, o apontado vício.
    
    9.1. A este propósito, na análise que vínhamos desenvolvendo, situação diferente será o período que medeia entre o Dec.- Lei 96/99/M e a Lei n.º 2/2011, período em que o recorrente realmente não formulou o pedido do subsídio à Administração da RAEM.
Aí o que se observa é que se mantém a falta do requisito da residência a que o artigo 203º do ETAPM obrigava.

9.2. Do alcance desse requisito passamos a curar.
O exercício do direito ao subsídio de transporte para Portugal, previsto na alínea a) do n.º 3 do artigo 17.° do Decreto-Lei n.º 14/94/M, estava sujeito ao disposto no n.º 4 do mesmo artigo - “O direito a transporte referido neste artigo compreende o transporte de pessoas, o transporte e desalfandegamento de bagagens e de veículo ligeiro de passageiros, bem como os respectivos seguros, sendo o seu exercício condicionado à decisão de fixação de residência em Portugal” - ., isto é, o requerente tinha que ter a intenção de fixar residência em Portugal.
Daí que se presuma que os aposentados que exerceram o direito ao subsídio de transporte não residem em Macau e tenham regressado a Portugal.
    
    9.3. Não vamos desenvolver especialmente esta matéria, mas afigura-se-nos, contrariamente ao que pretende a recorrente, tratar-se aí de uma residência de facto e não jurídica. A manutenção do direito previsto no Decreto-Lei n.º 96/99/M estava dependente da residência dos aposentados em Macau, só assim fazendo sentido o pagamento de uma viagem, de um transporte para o próprio e sua família, do transporte dos seus pertences, pois que não se concebe - e a lei não deixou de ser clara - tal concessão em termos meramente virtuais ou turísticos.
    
    9.4. Diz a recorrente, referindo-se à al. b) do art. 1º do DL n.º 96/99/M que ao pessoal a quem fosse autorizada a transferência das respectivas pensões para a CGA, sem destrinça, quanto aos que receberam o abono de uma viagem para Portugal, é mantido o direito a subsídio de residência nos termos do ETAPM.
    A alteração introduzida, acrescenta, terá sido significativa para a elucidação da questão - enquanto no n.º 2 do artigo 3.º do DL n.º 38/95/M o legislador referia a prévia existência do direito ao subsídio de residência, abandonou essa exigência no DL n.º 96/99/M.
    Não tem razão a recorrente. Não é verdade que no Decreto-Lei n.º 96/99/M não se exija que os aposentados residam em Macau para que sejam beneficiários do subsídio de residência; esse requisito está indirectamente consagrado, pela remissão para o ETAPM, até 2011, ideia que sai reforçada com os fins proclamados no Preâmbulo - o direito concede-se a quem tenha a intenção de continuar a viver em Macau, não obstante a opção pela CGA - , não sendo curial que aí se inclua quem deixou de residir e volte aqui a residir.
    A alínea a) do artigo 1.º do Decreto-Lei 96/99/M dispõe que, no caso de os aposentados ainda permanecerem em Macau, se mantém o direito a habitar moradias do governo (que já lhes foram distribuídas). E ao abrigo da alínea b) do mesmo artigo, se mantém o direito ao "subsídio de residência nos termos do ETAPM, sendo o pagamento efectuado pela Direcção dos Serviços de Finanças.
    A ideia de manutenção de uma situação anterior é explícita e se há um corte, se o aposentado sai, se foi para Portugal, o que não deixa de ser presumido pelo pagamento das viagens, deixa de reunir os requisitos.
    
    9.5. Esta questão das viagens não é de somenos, ainda aqui, contrariamente ao que pretende a recorrente. Não são as viagens de quem vai e vem, não são as viagens turísticas, para férias, negócios ou por outras razões. São, têm que ser, di-lo a lei, as viagens de quem vai fixar residência em Portugal.
    
    Ora, nada disto tem a ver com a situação jurídica do residente, enquanto condição jurídico-política de cidadania, de ligação a um Estado, a uma cidade-Estado, a um determinado ordenamento com autonomia jurídica. É verdade que se pode ser cidadão/residente de um determinado Estado e não residir, não morar, não fazer ali o seu centro de vida e de negócios; noutras palavras, morar noutro lugar. Ou morar até num e noutro local, ter dois domicílios - haja em vista o disposto no artigo 83º, n.º 1 do CC. Essas situações são normais e comuns, para mais num Mundo cada vez mais próximo e globalizado. Só que aí estamos a falar de outra coisa.
    O que aqui releva é a residência de facto, a residência real que até pode ter consequências jurídicas, como a que ora se retira, da presunção estabelecida por lei em relação a quem recebeu o subsídio de transporte.
    9.6. Invoca-se ainda a Lei n.º 8/1999, sobre o estatuto do Residente Permanente e Direito de Residência na Região Administrativa Especial de Macau que define quem é considerado residente de Macau, apenas exigindo que aqui se tenha residência legalmente consentida, afirmando que se presumem residentes de Macau os portadores de Bilhete de Identidade de Residente Permanente da RAEM, como é o caso do ora recorrente.
    Por isso, pelo fundamento resultante do facto de ter fixado residência em Portugal, sem que conste no procedimento qualquer documento que tal demonstre, em sentido inverso do dever estabelecido no n.º 1 do artigo 86.º do CPA, se violaram as regras que resultam da Lei n.º 8/1999, ao afastar-se a atribuição de um direito previsto na legislação da RAEM, a qualidade de residência que aquela lei confere, enquanto titular do Bilhete de Identidade de Residente de Macau.
    Continua, afirmando que aquele princípio básico do estatuto dos residentes de Macau não pode ser restringido na sequência de uma ausência, como parece resultar do acto recorrido que, na prática, o que diz, é que a ausência de Macau numa determinada situação ao abrigo de legislação soberana portuguesa condiciona a percepção de um abono geralmente concedido a quem se inclua nas classes inactivas da administração pública de Macau e que aqui permaneça, o que é ilegal.
    Por essas razões diz que o acto recorrido se encontra ferido de violação de lei ao ofender os artigos 2.º, 4.º, 5.º e 7.º da Lei n.º 8/1999, pelo que emergem vícios que ferem de invalidade o acto recorrido, o que o torna anulável.
    
    9.7. Sobre isto, apenas no que tange ao discurso decorrente do estatuto de residente, da possibilidade de ausência da RAEM e de o residente poder ir viver, morar e trabalhar para outro lugar do Mundo, tem razão o recorrente.
    Argumenta-se até, a outro nível, com o facto de que aposentados houve que foram para outros lugares do Mundo.
    Só que essa possibilidade nada tem a ver com o efeito presuntivo que a lei atribuiu a um dado facto, a intenção de fixar residência em Portugal ao receber-se o subsídio de transporte.
    A residência, tal como dizemos noutro lugar, não é a residência jurídica do residente permanente, mas sim a residência material. Para além disso, a presunção que se liga a determinado facto, qual seja o da presumida residência em Portugal.
    O ponto reside em saber se há elementos que afastem o requisito da residência, pois se aqui não continuaram a morar perderam também o direito. No caso da opção por Portugal, com a atribuição do subsídio, face ao disposto no já referido n.º 4 do Dec.- lei n.º 14/94 teremos de ter por presumida a fixação da residência em Portugal.
    E o ónus do afastamento dessa presunção sempre estaria do lado darecorrente.
    Ao falarmos em presunção é porque, para se ser mais rigoroso, no limite, não estaria excluída a possibilidade de se considerar que aquela intenção de fixação de residência em Portugal não foi concretizada, pelo que o interessado sempre continuou a morar em Macau.
    Não é, no entanto, o que nos deva ocupar na situação presente, porque não colocada.
    Até porque se os aposentados regressaram à Região, mesmo assim não satisfaziam o requisito da manutenção da residência em Macau, face ao disposto no sempre aludido Decreto-Lei n.º 96/99/M, já que a perderam, não se dando aí uma novação da situação jurídica requerida. E das duas uma: ou receberam os subsídios de transporte de pessoas e mercadorias indevidamente e essa questão também é omitida ou foram para Portugal para regressar depois e aí perdem o direito.
    
    9.8. Para que fique bem claro, do que temos estado a falar é do período que medeia entre 29/Nov./1999 e 1/Abril/2011 (período que mediou entre o Dec.- lei n.º 96/99/M e a Lei n.º 2/2011.

10. Do estabelecimento da RAEM
10.1. A partir de 20 de Dezembro de 1999 surgiu uma nova realidade jurídica conformada com os ditames da Lei Básica e se o reconhecimento da Região de Macau como parte integrante da República Popular da China se processou sem sobressaltos e sem rupturas, na linha da proclamação da Declaração Conjunta de Pequim, de 1987, se bem que se haja mantido o sistema legal pré-vigente - Artigo 8º da Lei Básica:
“As leis, os decretos-leis, os regulamentos administrativos e demais actos normativos previamente vigentes em Macau mantêm-se, salvo no que contrariar esta Lei ou no que for sujeito a emendas em conformidade com os procedimentos legais, pelo órgão legislativo ou por outros órgãos competentes da Região Administrativa Especial de Macau”
- o certo é que nasce um novo ente, uma nova pessoa colectiva de direito público, ainda que integrada de pleno direito na RPC.
Pensamos que a própria articulação dos diplomas vigentes conduz a interpretação, não sendo sequer necessário fazer uso do disposto no artigo 98º da lei Básica que estabelece,
À data do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau, os funcionários e agentes públicos que originalmente exerçam funções em Macau, incluindo os da polícia e os funcionários judiciais, podem manter os seus vínculos funcionais e continuar a trabalhar com vencimento, subsídios e benefícios não inferiores aos anteriores, contando-se, para efeitos de sua antiguidade, o serviço anteriormente prestado.
Aos funcionários e agentes públicos, que mantenham os seus vínculos funcionais e gozem, conforme a lei anteriormente vigente em Macau, do direito às pensões de aposentação e de sobrevivência e que se aposentem depois do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau, ou aos seus familiares, a Região Administrativa Especial de Macau paga as devidas pensões de aposentação e de sobrevivência em condições não menos favoráveis do que as anteriores, independentemente da sua nacionalidade e do seu local de residência.”,
havendo quem veja nela uma proclamação das situações únicas que seriam salvaguardadas pelo Governo de Macau, após o estabelecimento da RAEM.
Na esteira, aliás, do proclamado na Declaração Conjunta, cap. VI do Anexo I :
“Após o estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau, os nacionais chineses e os portugueses e outros estrangeiros que tenham previamente trabalhado nos serviços públicos (incluindo os de polícia) de Macau podem manter os seus vínculos funcionais e continuarão a trabalhar com vencimentos, subsídios e benefícios não inferiores aos anteriores. Os indivíduos acima mencionados que forem aposentados depois do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau terão direito, em conformidade com as regras vigentes, a pensões de aposentação e de sobrevivência em condições não menos favoráveis do que as anteriores, independentemente da sua nacionalidade e do seu local de residência. (…)”
10.2. Da articulação destas normas e do próprio estabelecimento de uma nova entidade jurídica, resulta a constituição de diferentes relações jurídicas entre Administração e administrados, o que se extrai da própria expressão “podem manter os seus vínculos funcionais”. O que não significa que mantenham. Ora, se isto é assim para quem continuasse a trabalhar na RAEM, por maioria de razão será para quem renunciou a vincular-se com ela, escolhendo um novo parceiro na relação jurídica do aposentado, tal como dissemos, aquando do início da nossa fundamentação.
10.3. Nesta interpretação que se pode apodar de redutora, se não algo restritiva, não caberiam então os direitos de que essa categoria de aposentados continua a beneficiar, nomeadamente o acesso a cuidados de saúde, estabelecido na al. c) do n.º 3 do artigo 17º do Dec.- Lei n.º 14794/M, de 23 de Fevereiro.
A norma da Lei Básica, dir-se-á, nesse caso, respeitaria tão-somente à definição dos beneficiários da aposentadoria assumida pela RAEM, não estando em causa a atribuição de outros direitos fora de um quadro que o legislador ordinário entenda conceder e manter.
Mas se assim é para alguns direitos que permanecem - direito aos cuidados de saúde (segundo informações por nós recolhidas, em 2012, foram 942 os aposentados que optaram pela integração no regime da CGA, antes de 20/12/1999 e que descontaram para usufruírem de assistência na doença em Macau) -, por que não em relação ao subsídio de residência?
A resposta continua a ser negativa. Como vimos e defendemos, se esse direito se enquadra no seu estatuto de aposentado, essa responsabilidade, como tal, não foi assumida pela RAEM, fosse por via da Lei Fundamental, fosse por via da lei ordinária, ao exigir-se o requisito da residência até 2011; fora desse quadro, do quadro estatutário, ao não contemplar as situações daqueles que deixaram de residir em Macau e, depois, da Lei n.º 2/2012, face ao âmbito dos destinatários dos direitos ali consagrados.

11. Da natureza do subsídio
    11.1. Há uma achega ainda a esta discussão e se prende com a natureza do subsídio em causa.
    Tal como se vem delineando, esse subsídio, quer na sua génese, quer na consagração legislativa que se lhe seguiu, servia para o funcionário fazer face aos custos da sua instalação e do seu alojamento. Esta necessidade impunha-se com maior premência quando o funcionário servia fora do local das suas raízes, situações que requeriam uma maior protecção, fosse para fazer face aos custos e flutuações do mercado da habitação, fosse por razões de um sacrifício acrescido no desempenho das suas funções.
    Mas as coisas evoluem e também nesse domínio o subsídio de residência deixou de ser um subsídio para aquelas situações excepcionais e passou, porventura por razões até de dignidade da função, a ser extensivo a todos os funcionários que não tivessem residência própria ou que lhes fosse fornecida pela Administração.
    Como está bem de ver esta natureza do subsídio não é dissociável de uma necessidade de residir em determinado local.
    Essa característica manteve-se até à Lei n.º 2/2011 e tais razões eram imanentes ao estatuto tanto do funcionário como do aposentado.
    
    11.2. Aí, a natureza desse subsídio transmuta-se e ao deixar a residência na RAEM de ser um requisito da sua atribuição, esse direito, ainda que mantendo a mesma designação, passa a ser um complemento remuneratório quase automático do estatuto do funcionário e do aposentado da RAEM.
    Daqui se retira mais um argumento: como pode um aposentado da CGA beneficiar das regalias complementares de ambos os estatutos, desaparecendo a característica que o ligava às necessidades decorrentes da residência em determinado local?

12. Voltando ao novo regime
    12.1. O novo regime do subsídio de residência em vigor exclui os dois requisitos previstos no ETAPM, sendo indubitável que se amplia o leque dos seus beneficiários. Actualmente já não se exige que os mesmos residam em Macau, mas somente que sejam aposentados abrangidos por aquela lei.
    Não obstante a preocupação em descortinar o espírito do legislador, “o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada” (artigo 8º, n.º 1 do CC), tendo este Tribunal diligenciado em descobrir nos Trabalhos Preparatórios da Lei de 2011, algo que esclarecesse inequivocamente o que a letra das normas pudesse esconder, o certo é que nada de concreto se encontrou.
    Daí, nada que infirme as conclusões a que chegamos, tendo em vista exactamente a unidade do sistema, a intenção que decorre da Lei Básica, a regulação das situações estatutárias estabelecidas com a RAEM.
    
12.2. Poder-se-á tentar abalar esta construção invocando as situações daqueles aposentados que não optaram pela CGA e que nada disseram. Também eles não estabeleceram uma relação jurídica com a RAEM. Segundo os dados recolhidos no decurso deste processo junto dos SAFP serão em número de 155. De acordo com os dados reportados até ao dia 31 de Outubro do corrente ano, 59 já faleceram; relativamente aos restantes 96, 90 estão a receber o subsídio de residência, nos termos do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, e os últimos 6 não o podem receber dado estarem a habitar em moradia do património da RAEM ou de qualquer outra pessoa colectiva de direito público
Assim, é possível identificar os seguintes grupos distintos de situações:
- os aposentados que optaram pela CGA. Dentro destes:
• os que nunca requereram o subsídio de transporte e que actualmente residem noutro lugar do Exterior que não em Portugal, independentemente de se terem aposentado antes da sua integração nos Serviços da República Portuguesa ou em 1999, têm direito ao subsídio de residência, nos termos do artigo 10.º da Lei n.º 2/2011, de 28 de Março.
• Os que requereram o subsídio de transporte.
- Os aposentados que nada requereram ou optaram por receber a pensão por Macau.
    12.3. Se entendermos, como entendemos, que o teor do artigo 10.º da Lei n.º 2/2011, de 28 de Março, não os abrange, em relação a eles regerão as normas próprias dos seus regimes e dos diplomas que não se mostrem revogados, isto, se não se entender que a lei Básica os exclui, não nos parecendo ser essa a vontade do legislador daquela lei, privilegiando nós uma interpretação inclusiva daquela Lei fundamental, ou seja, que o legislador quis assumir as responsabilidades do novo regime, estabelecendo um pacto com os seus servidores, mas não marginalizando os que serviram o Território e ficariam sem amparo se a RAEM não lhes desse a mão, situação de desamparo que já não se observa com os que serviram o Território mas se acolheram sob outra protecção.
    Em relação a estes últimos, grupo onde se insere o recorrente, têm o amparo como residentes que são, conferido pelo estatuto de cidadania e protecção que as leis lhe dispensam. Como funcionários que foram e aposentados que são da CGA, só caso a caso, direito a direito, beneficiarão dos direitos que os órgãos próprios da RAEM tenham por bem conceder-lhes.
    Pode parecer crua esta posição, mas a obediência estrita do julgador à lei não lhe deixa outra opção.
13. Desta forma se dá por respondida a questão, ainda que indirectamente suscitada, relativa à preterição do princípio da igualdade na decisão recorrida, ao acenar-se com o tratamento discriminatório em relação às diferentes situações.
    E se com tal pretensa violação se refere o recorrente ao tratamento de outro caso que veio a ter em 2001 despacho favorável do Exmo. Senhor Secretário para Economia e Finanças, como está bem de ver, não se pretenda que analisemos aqui esse caso. Fica apenas o seguinte registo: sempre importa saber se o caso é igual e a entidade recorrida bem se encarrega de o analisar, apontando para a dissimilitude das situações. Não sabemos, nem isso tanto interessa; na exacta medida, em que, mesmo que assim fosse, no exercício de poderes vinculados e que decorrem da interpretação da lei, a Administração não se auto vincula com uma decisão assente em interpretação que, passados mais de dez anos, entende não ter sido a mais acertada.
    
14. À guisa de síntese conclusiva
    Com o estabelecimento da RAEM, abre-se um novo regime, enquadrado pela Lei Básica, constituindo-se uma outra pessoa colectiva de direito público, fazendo parte integrante da República Popular da China, diferente da pessoa jurídica que era o Território de Macau.
    O estatuto do aposentado é um estatuto diferente do estatuto do funcionário e assenta numa outra relação jurídica.
    A relação jurídica do aposentado que optou por transferir o recebimento da sua pensão pela CGA não pode ter como sujeito passivo a RAEM, situação que dimana da Declaração Conjunta e da Lei Básica.
     Diversos diplomas, promanados da Administração portuguesa, procuraram acautelar a situação dos funcionários, fosse dos que pediram a integração nos serviços da República Portuguesa, fosse dos que se aposentassem.
    Em relação aos aposentados, foi definido o quadro dos seus direitos até 19 de Dezembro de 1999, entre outros se contando o subsídio de residência e o acesso aos cuidados de saúde.
    A lei de então condicionou a atribuição do subsídio de transporte à intenção de fixação de residência em Portugal e condicionava a atribuição do subsídio de residência a uma residência efectiva em Macau, para além dos demais requisitos.
    Invocando razões de humanidade e desenraizamento, a menos de um mês da transferência da administração, fez-se desaparecer a limitação da atribuição do subsídio de residência até 19 de Dez./1999, mantendo-se os demais requisitos decorrentes do ETAPM para a sua atribuição.
    Ao optarem por fixar residência em Portugal, ou tal se presumindo, como decorria expressamente da lei para quem recebeu o subsídio de transporte e de bagagens, deixaram os aposentados ligados à CGA de poder receber o subsídio de residência. Mesmo tornando a Macau, interrompida se mostrava a situação que a lei requeria não tivesse sido descontinuada.
    Escolhido como parceiro da relação jurídica então instituída a CGA, deixaram os aposentados de poder estabelecer uma relação jurídica de aposentação com a RAEM, só esses sendo contemplados com a Lei n.º 2/2011.
    Parecendo igual a situação jurídica dos aposentados do Território de Macau que não fizeram tal opção e, assim, discriminatório o tratamento em relação a outros, não o é realmente, pois, ainda que todos eles não sejam aposentados da RAEM, podem beneficiar do regime que os não exclua, fora do regime jurídico estatutário dos aposentados da função pública.
Em relação aos aposentados que estabeleceram relação jurídica com a CGA, podem beneficiar eles dos direitos e regalias que o legislador ordinário lhes confira, mas não na qualidade estatutária de aposentados da RAEM.

15. Face ao exposto, tudo visto e ponderado, julgar-se-á o recurso improcedente.
    V - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao presente recurso contencioso.
    Custas pelo recorrente com a taxa de justiça de 4 Ucs.

Macau, 3 de Abril de 2014,

_________________________ _________________________
João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira Vitor Manuel Carvalho Coelho
(Relator) (Presente)
(Magistrado do M.oP.o)

_________________________
Ho Wai Neng
(Primeiro Juiz-Adjunto)
(voto a decisão, concordando com os fundamentos expostos no Acórdão que não colidam com a minha posição já exposta no Proc. n.º 297/2012, de que fui Relator).

_________________________
José Cândido de Pinho
(Segundo Juiz-Adjunto)

          

    
    
          
          
    
1 - Marcelo Caetano, Man. Dto Adm., 9ª ed.,770
2 - Ob. cit., 771
3 - João Alfaia, Conceitos Fundamentais do Regime Jurídico do Funcionalismo Público, 2º, Almedina, 1055

4 - João Alfaia, Conceitos Fundamentais do Regime Jurídico do Funcionalismo Público, I, Almedina, 1985, 7
5 - Não se esquece o disposto no artigo 4º, 1, 1) da Lei da Reunificação, n.º 1/1999, ficando apenas a referência para efeitos de interpretação, fazendo apelo ao elemento histórico
6 - Facto do conhecimento deste Tribunal e considerado já no Proc. n.º 197/2012
7 - Relatório de Actividades, Comissariado Contra a Corrupção, 2011, 119, Parecer jurídico sobre o direito ao subsídio de residência de um determinado grupo de aposentados nos termos da Lei n.º 2/2011, de 28 de Março,

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336/2012 60/60