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Processo nº 557/2012
(Recurso Contencioso)

Relator: João Gil de Oliveira
Data: 8/Maio/2014
Assuntos:
- Princípio da audiência dos interessados
- Subsídio de residência
- Pensionistas de sobrevivência

SUMÁRIO:
     1. A formalidade da audiência dos interessados mostra-se degradada face à desnecessidade de uma instrução integrante da actividade administrativa de forma a carrear factos e novos elementos úteis para a tomada da decisão final, não se devendo a Administração prestar à prática de actos inúteis, só fazendo sentido se aqueles interessados puderem contribuir para uma outra decisão, através de uma efectiva possibilidade de apresentação de factos, razões ou motivos susceptíveis de inverter o indeferimento do pedido de atribuição do subsídio de residência, especialmente se a Administração está apenas vinculada à interpretação da lei.
    
     2. Não há qualquer base legal para atribuição do subsídio de residência aos pensionistas de sobrevivência no âmbito da Administração Pública da RAEM.

O Relator,
    João A. G. Gil de Oliveira

Processo n.º 557/2012
(Recurso Contencioso)

Data : 8 de Maio de 2014

Recorrente: A

Entidade Recorrida: Secretário para a Economia e Finanças

    
    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
    A, mais bem identificada nos autos, vem interpor RECURSO CONTENCIOSO DE ANULAÇÃO do acto do Exmo Senhor Secretário para a Economia e Finanças que lhe indeferiu o abono do subsídio de residência.
    Conclui da seguinte forma as suas alegações facultativas de recurso, onde desenvolve e explicita algumas das ideias expressas nas suas alegações iniciais:
    1. Por acto do Senhor Secretário para a Economia e Finanças de 12/04/2012, exarado na Informação n.º 158/NAJ/LRB/2012 e notificado a coberto do Ofício n.º 125/NAJ/LRB/2012, foi indeferido o abono do subsídio de residência à ora recorrente, que havia sido requerido ao abrigo do artigo 10.º da Lei n.º 2/2011.
    2. A recorrente nunca se pronunciou no procedimento de 1.º grau, que culminou com o acto da Senhora Directora dos Serviços que naquele procedimento indeferiu o pedido formulado pela recorrente.
    3. A violação do direito de audiência da recorrente, imposto pelos artigos 10.º e 93.º e seguintes, todos do CPA, consubstancia vício de forma determinante da invalidade do acto recorrido, conducente à sua anulação.
    4. A falta de audiência, naquele procedimento, da APOMAC, organismo representativo dos trabalhadores aposentados e pensionistas, detentora de legitimidade para esse efeito, ao abrigo do n.º 1 do artigo 55.º do CPA, viola o disposto no artigo 10.º do mesmo Código, que adicionalmente assegura a intervenção das Associações que defendam os interesses dos interessados, quando envolvidos em procedimentos administrativos, violação de lei que fere de invalidade o acto recorrido, devendo por isso ser anulado.
    5. A dispensa da audiência de interessados prevista no artigo 97.º do CPA exige uma decisão devidamente fundamentada nesse sentido.
    6. Não existe no procedimento administrativo qualquer decisão da Directora da DSF, que dispense a audiência de interessados e respectiva fundamentação, pelo que a decisão da entidade recorrida que sancionou tal actuação ofende a regra do artigo 97.º do CPA, o que consubstancia vício de violação de lei conducente à anulabilidade do acto recorrido.
    7. No conceito lato de pensionista enquadram-se todos os beneficiários de pensões, de acordo com a finalidade que estas visam - de aposentação, de sobrevivência, por preço de sangue ou por serviços excepcionais ou relevantes prestados à comunidade.
    8. O termo pensionista abrange todos os beneficiários de uma pensão, independentemente das suas modalidades.
    9. Pensionista é a pessoa singular que está abrangida pelo regime de aposentação e que adquiriu o direito a uma pensão, seja na qualidade de titular da pensão de aposentação ou na de titular da pensão de sobrevivência.
    10. Os herdeiros hábeis, titulares da pensão de sobrevivência enquadram-se no conceito de pensionista, detendo todos os direitos concedidos a essa qualidade (de pensionista).
    11. Não existe no ordenamento jurídico da Região previsão legal que consagre duas modalidades de pensionistas.
    12. Não existe no ordenamento jurídico da Região previsão legal que distinga e defina quais os direitos dos pensionistas que recebem uma pensão de aposentação e quais os direitos dos pensionistas que recebem uma pensão de sobrevivência.
    13. O acto recorrido, sustentando-se numa distinção sem previsão legal incorre em violação do artigo 10.º da Lei n.º 2/2011, conducente à sua anulação.
    14. O acto recorrido sustenta o indeferimento do subsídio previsto na Lei n.º 2/2011 por aplicação da interpretação que era adoptada na vigência do artigo 203.º do ETAPM, norma que se encontra revogada pela identificada Lei de 2011.
    15. O acto recorrido decidiu indeferir a atribuição do subsídio de residência também com fundamento na alínea b) do n.º 1 do artigo 1.º do DL n.º 96/99/M.
    16. A Lei n.º 2/2011 não contém qualquer ressalva que permita excluir o direito ao subsídio de residência aos pensionistas que transferiram a responsabilidade pelo pagamento da sua pensão para a CGA.
    17. A Lei n.º 2/2011 não contém qualquer ressalva que permita excluir o direito ao subsídio de residência a quem não era anteriormente processado, por errada aplicação da lei anteriormente vigente.
    18. A entidade recorrida indeferiu a atribuição do subsídio de residência com fundamento no DL 96/99/M, diploma que em Macau, em conjunto com o DL 14/94/M e DL 38/95/M, executavam o DL n.º 357/93, de 14 de Outubro, que definiu várias componentes para o denominado processo de integração, para aferir dos requisitos de acesso a um direito previsto em legislação da RAEM - a Lei n.º 2/2011.
    19. A faculdade de transferir a responsabilidade do pagamento das pensões para a CGA para aqueles que exerceram funções na administração pública do Território de Macau e se aposentaram antes de 19 de Dezembro de 1999, decorreu do Ponto VI do Anexo I da Declaração Conjunta do Governo da República Portuguesa e do Governo da República Popular da China sobre a Questão de Macau, assinado em Pequim em 13/04/1987.
    20. Na Declaração Conjunta a Parte Chinesa só se responsabiliza pelo pagamento das pensões de aposentação e de sobrevivência dos trabalhadores da administração pública que se aposentassem depois de 19 de Dezembro de 1999
    21. A Parte Portuguesa assegurou o pagamento das pensões aos aposentados de Macau até 19/12/1999 pelo DL n.º 357/93, de 14 de Outubro, com a consequente regulamentação no Território de Macau, através do DL n.º 14/94/M, do DL n.º 38/95/M e do DL n.º 96/99/M.
    22. Havendo aposentados que transferiram o pagamento das pensões para a CGA que permaneceram em Macau, o DL n.º 38/95/M e o DL n.º 96/99/M concede-lhes c direito ao subsídio de residência.
    23. Transferiu-se a responsabilidade pelo pagamento de pensões de pessoas que permaneceram como aposentados de Macau após 20 de Dezembro de 1999, com todos os direitos inerentes a essa condição, salientando-se o acesso a assistência médica e medicamentosa: os cuidados de saúde.
    24. Foi regulada a forma de pagamento das suas contribuições para efeitos de acesso aos cuidados de saúde, nos termos do regime geral em vigor à data da transferência da pensão de aposentação para a CGA, a efectuar directamente junto dos Serviços de Saúde de Macau, por iniciativa de cada um dos interessados
    25. Situação que ainda hoje se mantém para todos os aposentados, independentemente de terem ou não transferido a responsabilidade pelo pagamento das suas pensões para a CGA e independentemente da modalidade de pensão que auferem.
    26. Mesmo que a recorrente não estivesse abrangida pelo direito ao subsídio de residência previsto naqueles diplomas, a aferição dos pressupostos de acesso a esse mesmo direito definido, ex novo, na Lei n.º 2/2011, só pode ser feita com base na previsão do artigo 10.º desta Lei, única lei vigente na matéria no ordenamento jurídico da RAEM.
    27. O acto recorrido aferiu dos pressupostos ao subsídio requerido com base no artigo 203.º do ETAPM e no DL n.º 96/99/M, em violação do artigo 10.º da Lei n.º 2/2011, vício que o invalida.
    28. O Senhor Secretário para a Economia e Finanças, entidade aqui recorrida, decidiu em 24/07/2001 que os aposentados e pensionistas que transferiram a responsabilidade do pagamento da sua pensão para a CGA têm direito ao subsídio de residência, de acordo com um parecer da sua assessoria jurídica elaborado em 23/07/2001.
    29. O conteúdo do conceito de pensionista de sobrevivência encontra-se sedimentado através do acto administrativo do Senhor Secretário para a Economia e Finanças que aderiu ao parecer da sua assessoria jurídica em 2001, preenchendo a situação da recorrente todas as condições que, na lei vigente, lhe conferem o direito ao subsídio de residência.
    30. Os SAFP emitiram Parecer, em Fevereiro de 2002, afirmando que são aposentados de Macau, para todos os efeitos legais segundo o regime jurídico fixado pelas normas legais aplicáveis, aqueles que transferiram a responsabilidade do pagamento das suas pensões para a CGA.
    31. Os SAFP, em Maio de 2011, através do ofício n.º 110512000l/DIR, defenderam que o pessoal abrangido pelo DL n.º 96/99/M continua a beneficiar do regime de residência previsto na Lei n.º 2/2011, desde que não esteja abrangido por nenhuma das situações indicadas no n.º 2 do seu artigo 10.º.
    32. O Comissariado contra a Corrupção, em Parecer elaborado em 24/08/2011, conclui que os aposentados que transferiram as suas pensões para a CGA têm direito ao subsídio de residência, de acordo com o teor do artigo 10.º da Lei n.º 2/2011.
    33. Não existe qualquer obrigação de continuidade no acesso ao subsídio de residência a coberto do artigo 203.º do ETAPM nem da legislação de 1994, 1995, 1999 e 2011.
    Nestes termos e nos mais de Direito que V. Ex.as entendam por bem suprir, se requer a anulação do acto do Senhor Secretário para a Economia e Finanças datado de 12 de Abril de 2012 que indeferiu à ora recorrente a atribuição do subsídio de residência, nos termos consentidos pelo artigo 10.º da Lei n.º 2/2011, pedido que se fundamenta, de acordo com o artigo 21,º do CPAC:
    a) em vício de violação de lei do artigo 97.º do CPA e em vício de forma por preterição da audiência do interessado, imposta pelo artigo 93.º do mesmo Código;
    b) em vício de violação de lei por ofensa ao artigo 10.º da Lei n.º 2/2011;
    c) em vício de violação de lei na vertente de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, na medida em que os diplomas em que se sustentou a decisão recorrida não impunham que o direito ao subsídio de residência se encontrasse constituído na esfera jurídica da recorrente à data da entrada em vigor da Lei n.º 2/2011, nem este diploma exige qualquer outro requisito que não os previstos no seu artigo 10º.

    2. Tam Pak Yuen, Secretário para a Economia e Finanças, entidade recorrida, contrapõe, em síntese:
    I. O que está em causa no presente recurso é o despacho do SEF de 12 de Abril de 2012, exarado na Informação n.º 158/NAJ/LRB/2012, sendo os fundamentos da decisão os vertidos na própria informação.
    II. No âmbito de actos discricionários a Administração decide pela conveniência ou não do deferimento de uma pretensão do particular. E se para tanto se funda em informação fornecida por outra entidade, esta deve ser levada ao conhecimento do particular, sendo a audiência prévia formalidade essencial indispensável.
    III. Já não quando no procedimento o particular haja manifestado tudo o que havia para dizer em relação a todas as questões importantes à decisão e a todas as provas produzidas. Deste modo a audiência prévia torna-se numa desnecessidade e a omissão desta formalidade aparece como simples remédio para prevenir actos inúteis, tempo perdido e gastos escusados.
    IV. São os fundamentos de facto e de direito constantes da decisão que podem ser impugnados contenciosamente, ou a sua inexistência ou inadequação, e não a sua proveniência
    V. O legislador estabeleceu nas alíneas a) e b) do artigo 97.º do CPA as condições cuja verificação permite, de per se, dispensar a audiência prévia.
    VI. A aposentação é privativa de quem tem uma relação jurídica de emprego público com a Administração, diferentemente do que acontece com os pensionistas de sobrevivência. São duas figuras jurídicas distintas, fundadas em factos jurídicos dissemelhantes - relação laboral e morte, respectivamente - que compreende regimes e conjuntos de direitos distintos.
    VII. Inexiste mudança de posição da entidade recorrida quanto à percepção pelos pensionistas de sobrevivência de subsídio de residência. Nunca tiveram direito à sua percepção. Além disso ao decidir, fundamentada mente, pode sempre a Administração fazê-lo adequando-se à realidade coeva.
    VIII. Não cabe à Administração pronunciar-se no âmbito de um recurso contencioso sobre pareceres de outras entidades. Mormente pela sua extensão e por se destinar a fornecer aconselhamento a S. Ex.ª o Chefe do Executivo sobre política legislativa.
    Termos em que, por não se verificar nenhum dos vícios arguidos pela recorrente, deve o recurso ser declarado improcedente mantendo-se a decisão recorrida.

    3. O Exmo Senhor Procurador Adjunto, em douto parecer, pronuncia-se no sentido da improcedência do presente recurso.
    
    4. Foram colhidos os vistos legais.
    
    II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito.
    III - FACTOS
    É do seguinte teor a notificação do despacho recorrido, de 3/04/12:
    “Por referência ao recurso apresentado por V. Ex.ª, recebido no Gabinete do Secretário para a Economia e Finanças em 3/04/2012, fica pela presente notificado, nos termos dos artigos 68.º e ss. do Código do Procedimento Administrativo, do despacho do Ex.mo Senhor Secretário para a Economia e Finanças, exarado em 12 de Abril de 2012 s/a Informação n.º 158/NAJ/LRB/2012, de 20 de Março, consistindo o seu teor no seguinte:
    
    
    “駁回訴願, 維持原來決定。
    簽署 : 譚伯源 2012年4月12日”
    "Indefiro o recurso Mantenho a decisão recorrida".
    Ass.: Tam Pak Yuen, aos 12/4/2012."
    
    Da informação referida reproduzem-se, em anexo, os fundamentos de facto e de direito que sustentam o presente despacho.
    Mais se comunica a V. Ex.ª que, nos termos do disposto no parágrafo (2) da alínea 8) do artigo 36.° da Lei n.º 9/1999, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 9/2004, e na alínea a) do n.º 2 do artigo 25.° do Código de Processo Administrativo e Contencioso, do acto administrativo em apreço cabe recurso contencioso a interpor, no prazo de 30 dias a contar da data da notificação, junto do Tribunal de Segunda Instância da Região Administrativa Especial de Macau.
    Com os melhores cumprimentos,
    Direcção dos Serviços de Finanças, na RAEM, aos 23 de Abril de 2012.
    A Coordenadora do NAJ
    Isabel Soares
*
Questão prévia
    Insere-se o presente recurso numa série, que versa a mesma questão de facto, a decidir no âmbito de mesma legislação. A motivação consiste no indeferimento da pretensão a receber subsídio de residência, nos termos da Lei n.º 2/2011, apresentada por beneficiários de pensão de sobrevivência
    A questão de fundo, é a de saber se os aposentados que transferiram a responsabilidade do pagamento das pensões de reforma para a CGA, e beneficiaram do direito a transporte de pessoas e bens para Portugal, na condição de aí fixarem residência, ao abrigo do estipulado nos n.ºs 3 e 4 do artigo 17.º do DL 14/94/M, face ao disposto no n.º 1 do artigo 10º da Lei 2/2011, passam a ter direito a receber subsídio de residência.
    Entendem os recorrentes que sim. Eliminada a exigência de residência, a condição estabelecida no DL 14/94/M deixaria de operar e portanto podem começar a receber subsídio de residência.
    A Administração assim não entendeu e indeferiu todos os pedidos. Na verdade, sendo aposentados da CGA e, presumidamente, residentes em Portugal, estão completamente desligados da Administração da RAEM. Excepcionalmente, por considerações de ordem social e justiça social, aos aposentados da CGA que decidiram manter a residência em Macau, não usufruindo das passagens previstas no DL 14/94/M, foi mantido o direito a subsídio de residência. Como melhor se explica infra.
    Por outro lado os pensionistas de sobrevivência nunca tiveram direito a subsídio de residência, e a nova Lei, n.º 2/2011 não criou um direito novo, a subsídio de residência.
    Inconformados com a decisão, recorreram hierarquicamente, apresentando todos os recursos a mesma argumentação de fundo. Atendendo à identidade da questão de fundo e do enquadramento jurídico, em princípio, a decisão final deve ser a mesma para todos os recorrentes.
    Recurso hierárquico necessário.
    Deu entrada a 4 de Novembro de 2011 nestes Serviços recurso hierárquico necessário, interposto por A aí melhor identificado, do indeferimento da pretensão a subsídio de residência apresentado pelo recorrente.
    
    Objecto do recurso
    Constitui objecto do presente recurso o despacho da Sr.ª Directora da Direcção dos Serviços de Finanças, (DSF) de 11/08/2011 exarado na Informação n.º 059/DCP/2011, que indeferiu a pretensão a subsídio de residência da ora recorrente.
    O Senhor Secretário para a Economia e Finanças é a entidade competente para decidir, nos termos do disposto no artigo 153.° e no n.º 2 do artigo 156.° ambos do Código do Procedimento Administrativo.
    
    Dos factos
    1. A ora recorrente apresentou uma declaração para efeito de atribuição de subsídio de residência nos termos do artigo 10.° n.º 1 da Lei n.º 2/2011, a que juntou documentação relevante.
    2. A 11/08/2011 foi elaborada despacho da Sr.ª Directora da DSF indeferindo o pedido.
    3. Foi notificado o recorrente, através do oficio n.º 4547/SAP/DDP/DCP/2011 de 9/09/2011 da impossibilidade de proceder à atribuição do subsídio de residência visado.
    Apreciação do recurso
    O recorrente assaca ao despacho da Sr.ª Directora supra mencionado, o acto administrativo em causa, três vícios:
    
    I. Vício de forma, por preterição da audiência prévia
    II. Vício de violação de lei – ofício n.º 1106010005/DIR dos SAFP artigo 10.° da Lei n.º 2/2011 – pensionista : conceito e natureza jurídica
    III. Vício de violação de lei – motivação do acto recorrido – artigos 10º da Lei 2/2011
    
    I. Sobre o pretenso vício de forma
    1. Começa-se por analisar o vício de forma, uma vez que a confirmar-se a razão do recorrente o acto é anulável, ex vi do artigo 124.° do Código do Procedimento Administrativo (CPA), independentemente da conformidade ou não do seu conteúdo com a Lei.
    2. Tem o recorrente absoluta razão quando diz que não foi chamado a pronunciar-se oralmente ou por escrito e que inexistem, in casu, os motivos elencados no artigo 96.° do CPA em que tal formalidade é dispensável.
    3. Já não quando cita o aresto do Tribunal de Segunda Instância, proferido no processo 234/2003. Na própria citação constante do ponto 17 do recurso, diz-se "... nas circunstâncias concretas do caso ...". E, no caso, trata-se de um procedimento sancionatório, onde, é óbvio, a audição do interessado configura-se nos moldes de um direito de defesa, de contraditar. O que aqui não se aplica.
    4. Cabe aqui dizer que, se a cada pretensão dos particulares fosse a Administração obrigado a promover audiências, os serviços ficariam paralisados. Importantes como são, o direito que assiste aos particulares de serem ouvidos, artigo 10.º do CPA, não é um direito absoluto. Pelo que o legislador previu as situações em que a audiência é dispensável.
    5. Crucial para aferir da eventual preterição desta formalidade essencial, é o disposto no artigo 97.º do CPA (sublinhados nossos):

Artigo 97.º
(Dispensa de audiência dos interessados)
O órgão instrutor pode dispensar a audiência dos interessados nos seguintes casos:
a) Se os interessados já se tiverem pronunciado no procedimento sobre as questões que importem à decisão e sobre as provas produzidas;
b) Se os elementos constantes do procedimento conduzirem a uma decisão favorável aos interessados.
    6. A questão é de saber se o interessado já se pronunciou ou não sobre as questões que importem ao procedimento.
    7. Ora quando o interessado apresentou a declaração que consta do procedimento, todos os elementos pertinentes à decisão ficaram expressos.
    8. Aliás, o recorrente não faz menção, nas suas doutas alegações, de qualquer elemento que pudesse ter carreado para o procedimento, que tivesse a virtualidade de alterar o sentido da decisão ou habilitar a uma melhor apreciação e decisão.
    9. Compreende-se o equívoco do recorrente. A Administração bastou-se com uma declaração, acompanhada com cópias de documentos para iniciar o procedimento. Tivesse o recorrente apresentado um requerimento, claro se tornaria a inexistência da necessidade da audiência.
    10. Porque, reitera-se, não é necessário que para todos os requerimentos se tenha de socorrer de audiência do interessado. No caso trata-se, apenas, de aplicar o que dispõe Lei ao pedido do interessado, concessão de subsídio de residência ao abrigo do estipulado no artigo 10.° da Lei 2/2011, sendo conhecidos todos os dados jurídicos relevantes. Como prevê o artigo 97.° a) do CPA. Sendo certo que, ainda que se pretendesse dever a mesma ter sido observada, a sua preterição jamais teria caracter invalidante, uma vez que a decisão tomada é a única legalmente possível.
    11. Pelo que soçobra a argumentação do recorrente.
    12. Em conclusão, inexiste qualquer preterição de audiência prévia.
    II. Do vício de violação de lei - ofício n.º 1106010005/DIR dos SAFP - artigo 10.° da Lei n.º 2/2011 - pensionista: conceito e natureza jurídica
    1. A origem da dissensão é a entrada em vigor da Lei n.º 2/2011, ou melhor, a interpretação que da mesma é feita pela recorrente e pela Administração. Aqui limitada ao subsídio de residência pretensamente devido aos pensionistas de sobrevivência.
    2. Segundo a recorrente, contrariamente ao que julga a Administração, não existem duas figura jurídica, a saber, aposentados e pensionistas de sobrevivência. Tal distinção não encontra suporte na lei (sic).
    3. Os aposentados são pensionistas, e existem vário tipos de pensionistas, consoante a sua finalidade (sic), a saber, de aposentação, por preço de sangue ou por serviços excepcionais ou relevantes prestados à comunidade.
    4. Sendo todos pensionistas, só se distinguindo pela finalidade, usufruem todos dos mesmos conjunto de direito, nomeadamente, o direito a subsídio de residência.
    5. Não se pode deixar de concordar com a recorrente quanto afirma que todos os que recebem uma pensão, são pensionistas. E os aposentados estão inseridos nesta classe. Também é verdade que o artigo 275º do ETAPM requer a prova de vida para os pensionistas.
    6. Mas as conclusões que a recorrente pretende retirar destas premissas são completamente ilógicas. Vejamos.
    7. A recorrente confunde finalidade com causa. O que dá causa aos diferentes tipos de pensão são as razões que fundamentam a sua concessão. A pensão de aposentação é concedida ao funcionário, o que tem uma relação jurídica de emprego com a Administração, após a prestação de um determinado número de anos de serviço, com os devidos descontos, atingida uma certa idade, para nos referirmos aos requisitos mais comuns.
    8. Já a pensão de sobrevivência é concedida a certos herdeiros do funcionário, por morte deste e satisfeitas certas condições. Os herdeiros podem não ter qualquer relação de emprego com a Administração. E o mesmo se diga dos outros tipos de pensões citados.
    9. Ou seja, há diferentes tipos de pensões, concedidas a diversos títulos, por outras palavras, por motivos, razões distintas. Daí que o regime das pensões não seja único: depende do tipo de pensão.
    10. Já a finalidade das pensões é distinta. Para os aposentados é a garantia que após ter atingido um limite de idade o funcionário continue a receber uma prestação pecuniária que lhe permita manter nos anos de vida que lhe restam a dignidade de estatuto que lhe foi exigida quando no activo. A de sobrevivência, é garantir ainda uma prestação pecuniária a herdeiros do funcionário que não possam por si próprios manter-se, ou como ajuda ao cônjuge sobrevivo. Atente-se na valor desta em comparação com a primeira (cfr. artigo 271º do ETAPM).
    11. Das outras pensões sempre se diga que assumem mais uma função de recompensa por motivos louváveis.
    12. Como é óbvio, o artigo 275º exige, como tinha que fazer, a prova de vida de todos os pensionistas. O pensionista, seja a que título o for, tem de estar vivo para ter direito a perceber a sua pensão. Mas como é claro, daí não se pode extrair a conclusão que todos os tipos de pensões são iguais e contêm os mesmos direitos.
    13. Os aposentados são uma parte dos pensionistas. Quando o legislador se refere a aposentados, está a referir-se a uma parte de um todo, os pensionistas. Manda a boa doutrina e o Código Civil no artigo 8.º n.º 3 que:
    "Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador ... soube exprimir o seu pensamento em termos adequados".
    Quando o legislador refere uma parte de um todo, forçoso é concluir que é a essa parte que se quer referir e não ao todo. Sobretudo quando há coerência nessa referência e não são apresentadas razões, nem se vislumbram, pelas quais se deve concluir ter existido um erro tão grosseiro.
    14. Pelo que forçoso é concluir que há diferentes tipos de pensionistas; que os regimes a que estão sujeitos também diferem, bem como os direitos de que são titulares. Inexiste qualquer suporte legal ou sequer interpretativo para justificar que se tome a parte pelo todo, isto é, que se considere que quando o legislador se refere a aposentados, quis dizer, pensionistas.
    15. Pelo que não existe qualquer vício de violação de lei na aplicação da lei no caso vertentes.

III. Do vício de violação de lei - motivação do acto recorrido - artigos 10.º da Lei 2/2011
    1. Com o fundamento da indistinguibilidade entre aposentados e outros pensionistas, conclui a recorrente que o artigo 10.° da Lei n.º 2/2011 criou um novo direito, subsídio de residência para os beneficiários da pensão de sobrevivência.
    2. Como ficou supra demonstrado trata-se de uma premissa completamente errada sem qualquer fundamento legal.
    3. Pelo apenas se pode concluir que a o artigo 10.° da Lei n.º 2/2011 continua a deferir o direito a subsídio de residência apenas aos aposentados.
    4. Para responder completamente aos argumentos da recorrente, cumpre fazer uma breve referência à questão da transferência da pensão de sobrevivência para a CGA. Muito embora, saliente-se, a questão seja irrelevante para o indeferimento da pretensão em causa.
    5. Os aposentados que transferiram a responsabilidade do pagamento das pensões para a CGA, no quadro da integração na Administração Pública de Portugal, podiam optar por:
    manter-se em Macau
    regressar a Portugal ao abrigo do Decreto Lei n.º 14/94/M, artigo 17.° n.º 4, exercendo o direito a transporte por conta do então Território, na condição de aí fixarem residência.
    6. Estes últimos cortaram, por isso, todos os laços com a Administração de Macau. São reformados da CGA e fixaram residência em Portugal. São reformados de Portugal. Irreleva se voltaram a residir ou não na RAEM.
    7. Aos primeiros veio a ser garantido o subsídio de residência, excepcionalmente, tendo em conta a realidade social, económica, pelo DL 38/95/M, artigo 3.° n.º 2, até ao fim da vigência da Administração Portuguesa.
    8. Mais tarde, vem o DL 96/99/M consagrar a manutenção desse direito sem um limite temporal, apenas condicionado à continuidade da residência em Macau, e submetido aos termos do artigo 203.° do ETAPM, que regulava, precisamente, a concessão do subsídio de residência. Mais uma vez como claramente se diz no preâmbulo, tendo em conta a realidade sócio económica destas aposentados.
    9. Mas a percepção do subsídio de residência continuava sujeito às condições estabelecidas no artigo 203.° do ETAPM. Pelo que os pensionistas de sobrevivência estavam excluídos dos titulares ao direito a esse subsídio.
    10. Pelo que ter transferido ou não a responsabilidade da responsabilidade pela pensão de sobrevivência é irrelevante, uma vez que não tinha esse direito e como ficou dito supra, continuam a não ter esse direito ao abrigo do disposto no artigo 10.° da Lei n.º 2/2011.

結論 Conclusão
當上訴人向當局遞交含作出決定的所有資料的申請書時,就不存在忽略預先聽證的形式瑕疵,因為《行政程序法典》第九十七條a項規定,當作出決定的所有資料已被提供時,免除預先聽證,這就如本個案。肯定上訴人沒有可證明預先聽證的任何理由或資料附入程序。除此之外,即使不是這樣理解,忽略絕沒有無效的標誌,因為採取的決定是唯一可依法而行的決定。
Quando a recorrente apresenta um requerimento à Administração onde constam todos os elementos pertinentes à tomada de uma decisão, inexiste vício de forma por preterição de audiência prévia, uma vez que o artigo 97.º alínea a) do CPA, dispensa a audiência prévia quando, como no caso, todos os elementos atinentes à decisão já foram fornecidos. Sendo certo que o recorrente não aduz qualquer razão ou elemento a carrear para o procedimento que pudesse justificar a audiência prévia. Além disso, ainda que assim se não entendesse, a preterição jamais teria carácter invalidante, uma vez que a decisão tomada é a única legalmente possível.


不同類別的受領人按因由享有定期金的權利。公務員若己提供足夠服務年限,符合條件及達退休年齡,是退休金的債權人,屬退休人士; 而公務員的繼承人是因公務員死亡而收取撫金。兩者均為受領人,但制度不同。當法律僅述及其中一部份人士,即退休人士時,釋法者不可將為這部份人士而設的規則擴大至所有人。主要是沒有任何法律或解釋依據。根據法律字面含意和法律精神,行政當局認為僅退休人士享有房屋津貼權利,撫卹金受領人不享有這項權利,為此,不存在違反法律的瑕疵。
Existem diversos tipos de pensionistas, consoante o motivo pelo qual adquirem direito à pensão. O funcionário que atinge o limite de idade, após a prestação de determinado número de anos de serviço e satisfeitas algumas condições, é credor de uma pensão de aposentação. É um aposentado. Mas os herdeiros de um funcionário podem receber por morte deste uma pensão de sobrevivência. São ambos pensionistas, mas com regimes diferentes. Quando a Lei se refere a uma parte de um todo, os aposentados, não pode o intérprete alargar ao todo o que foi estabelecido para a parte. Mormente sem qualquer suporte legal ou interpretativo. Pelo que não existe vício de violação de lei, quando a Administração entende, de acordo com a letra e espírito da Lei, que apenas os aposentados têm direito a subsídio de residência e já não os pensionistas de sobrevivência.

撫卹金受領人有否將撫卹金支付責任轉往退休事務管理局及是否居於澳門是不重要的。將撫卹金支付責任轉往退休事務管理局並定居葡萄牙的受領人,屬葡萄牙的撫卹金受領人,與澳門特別行政區行政當局無關。留下的撫卹金受領人,當年受《澳門公共行政工作人員通則》第二百零三條規定規範,現受第2/2011號法律第十條規定規範,後者清晰規定所有受領人中僅退休人士有權享用房屋津貼。為此,這個理解不含有違反法律的瑕疵。
É irrelevante para os titulares de pensão de sobrevivência que tenham transferido ou não a responsabilidade da pensão para a CGA, e mantido ou não residência em Macau. Os que transferiram a responsabilidade para a CGA e fixaram residência em Portugal, são pensionistas de sobrevivência de Portugal e nada têm a ver com a Administração da RAEM. Os que permaneceram estavam sujeitos ao estipulado pelo artigo 203.0 do ET APM e agora pelo artigo 10.º da Lei n.º 2/2011, que claramente limita o direito a subsídio de residência aos aposentados, de entre todos os pensionistas. Pelo que este entendimento não configura qualquer vício de violação da lei.


建議駁回訴願,有關行為維持不變。
Pelo que se propõe o indeferimento do recorrente e a manutenção do acto.”

    IV - FUNDAMENTOS
1. As questões a conhecer no presente recurso reconduzem-se à análise dos vícios assacados ao acto e passam, no fundo, no que respeita à pretensa violação de lei e pressupostos de facto, pela correcta interpretação do regime legal aplicável ao caso,
Vícios invocados de que cumpre conhecer:
- violação do princípio da audição dos interessados;
- Violação de lei e de erro nos pressupostos de facto;
Anota-se que as questões aqui colocadas já foram decididas em bastantes processos deste TSI, acolhendo-se aqui a argumentação ali expendida, nomeadamente nos processos 481/2012, 484/2012, 635/2012, 944/2012.
No que respeita à inexistência do direito do subsídio de residência aos aposentados que optaram por receber pela CGA e receberam os subsídios inerentes a essa opção, vamos seguir aqui a fundamentação por nós exposta noutros processos, nomeadamente no processos n.ºs 197/2012, 295/2012, 299/2012, 319/2012, 320/2012, deste Tribunal de Segunda Instância.

2.1. Invoca a recorrente o vício onde diz faltar audiência prévia no procedimento.
Sem razão, porém.
    2.2. Afigura-se-nos assistir razão à entidade recorrida, visto o objecto da decisão a tomar, face à desnecessidade de uma instrução integrante da actividade administrativa, carreando factos e novos elementos úteis para a tomada da decisão final, pelo que aquela formalidade se mostra degradada, não se devendo a Administração prestar, como é óbvio, à prática de actos inúteis, só fazendo sentido ouvir os recorrentes se estes pudessem contribuir para uma outra decisão, através de uma efectiva e real possibilidade de apresentação de factos, razões ou motivos susceptíveis de poderem inverter o indeferimento do pedido de atribuição do subsídio de residência.
    A Administração estava apenas vinculada à sua interpretação da lei, pelo que os eventuais factos, motivos ou razões a apresentar na sede pretendida se mostrariam irrelevantes e inócuos, nunca passíveis de alterar o sentido desse acto.
    O fim legal dessa formalidade, autonomizada na estrutura do procedimento pelos artigos 93.º e segs. do CPA, é o de proporcionar aos interessados a possibilidade de se pronunciarem sobre o objecto do procedimento, chamando a atenção do órgão competente para a relevância de certos interesses ou pontos de vista adquiridos no procedimento.
    2.3. Estamos em condições de afirmar a desnecessidade da audiência prévia dos interessados neste procedimento, na medida em que o poder exercido pela Administração tem natureza estritamente vinculada. Isto é, ele mais não decorre do que da mera interpretação do regime aplicável aos aposentados que optaram por receber a sua pensão da CGA portuguesa.
    Uma decisão de indeferimento vinculada à lei impõe-se a todos e a audiência, no caso, só poderia ter cariz interpretativo, reflectindo porventura os interesses da parte interessada que emita parecer, sendo certo que, ainda aí, o recorrente não deixa de ter oportunidade de se pronunciar aquando do recurso hierárquico, não deixando de poder esgrimir com todos os argumentos tidos por relevantes para convencer de posição contrária à tomada em 1º grau.
    2.4. Acresce, visto o grande número de interessados que recorreu e que colocou a pretensão à Administração, que se observa uma situação integrante da previsão da 1ª parte do n.º 1 do art. 96º do CPA, não fazendo sentido que a Administração fosse ouvir cada um dos interessados que não deixaram de actuar em massa sobre a sua interpretação acerca do regime aplicável a uma generalidade de pessoas com os mesmos interesses.
    2.5. Como não fazia sentido, visto o objecto do thema decidendum, ouvir a APOMAC, - pretender-se-ia que fosse ouvido na centena ou centenas de casos -, audição essa que se limitaria à junção de um parecer jurídico, necessariamente favorável à parte interessada.
    Para além de que não se configura uma situação de violação do art. 10º do CPA que prevê, no âmbito da observância do princípio da participação, a audição das associações de classe, pois não está em causa uma medida que afecte os interesses da classe, enquanto tal, nomeadamente em termos de regulação dos interesses corporativos respectivos, antes cabendo tão-somente a interpretação das normas que é suposto terem regulado já esses interesses. Ora, para interpretar as normas, não se ouve a classe representativa.

3. Do vício de erro sobre os pressupostos de facto e de direito
    3.1. Não tem razão alguma a parte recorrente na pretensão que que dirigiu à Administração, não se vislumbrando que tenha sido ilegal o acto que indeferiu o pedido de subsídio de residência aos aposentados de sobrevivência.
    Na verdade, não se indica uma norma donde decorra a atribuição desse direito aos sobreviventes dos aposentados.
    Trata-se de um direito que teria de ser conferido por uma norma que o concedesse e o que temos apenas é um direito conferido aos aposentados, isto, independentemente de se curar por agora se são aposentados pagos pela CGA ou pela RAEM.
    Tanto bastaria para dar o assunto por encerrado.
    
    3.2. Ainda que sem grande clareza, pretende-se que esse direito decorreria por via da transmissão - qual sucessão, sem que de direito sucessório se trate, de um direito pré-existente, na esfera jurídica do aposentado ou funcionário em momento antes do seu falecimento.
    Vamos então rebater este argumento, conscientes de que por vezes a manifesta sem razão, por tão absurda, é aquela que se mostra mais difícil de ser rebatida.
    Pretende-se que o direito existe, pois que o estatuto do aposentado do familiar onde radica a atribuição da pensão de sobrevivência já conferia àquele o direito ao subsídio de residência, tendo-se transmitido por morte deste.
    Para tanto, afirma-se que a interpretação da Administração é ilegal, uma vez que não tem em devida conta o conceito e a natureza jurídica da pensão e, muito menos, a correcta percepção da aposentação enquanto instituto jurídico.
    Quem confunde as duas realidades é a parte recorrente, importando distinguir a pensão de aposentação da pensão de sobrevivência.

3.3. Como ensina Marcelo Caetano aposentado é aquele que deixa de estar em funções, a partir do momento em que deixa de estar na actividade do serviço.1 É verdade que é este mesmo Mestre que nos diz que o aposentado não perde a qualidade de funcionário. Não ocupando lugar nos quadros e estando dispensado definitivamente de exercer cargos não tem direito ao lugar nem outros direitos decorrentes do exercício das funções, mas pode conservar os que deste sejam separáveis (v.g. honras, assistência na doença) e mantém o tratamento do lugar por que foi aposentado.2 Podemos considerar que a situação do aposentado corresponde à substituição da relação jurídica de emprego público, enquanto agente que se encontrava no activo, por uma outra nova relação jurídica que estabelece um novo complexo de direitos, deveres e incompatibilidades.3
    Esta asserção, contudo, se funciona e se encaixa perfeitamente num quadro de manutenção dos sujeitos da relação jurídica de emprego público, enquanto vigente e após a sua cessação, já não assim quando se verifica uma modificação jurídica-institucional dos sujeitos da relação de emprego público, e, especialmente, quando um dos sujeitos opta por estabelecer uma nova relação jurídica, materializada na opção por ter por contraparte, enquanto aposentado, uma entidade jurídica estranha à RAEM, como é o caso da Caixa Geral de Aposentações.
    
    3.4. É verdade, como se disse já, que a pensão de sobrevivência radica na existência de uma pensão de aposentação, mas pode radicar também num estatuto de funcionário ou agente no activo, tudo como resulta estabelecido no artigo 271º do ETAPM. Mas tem natureza diferente. Resulta claramente daquela norma a concretização da pensão, cujo objecto se traduz na atribuição de um montante percentual em relação ao valor que lhe serve de fonte e nada mais.
    Aliás, o n.º 10 do referido art. 271º é bem claro ao dizer que se aplica à pensão de sobrevivência, com as necessárias adaptações, o regime processual da pensão de aposentação, o que seria desnecessário se se tratasse da mesma realidade.
    Aliás, o artigo 203º, n.º 1 do ETAPM, revogado pela Lei n.º 2/2011, não deixava de ser explícito ao referir apenas os funcionários e agentes em efectividade de funções, desligados do serviço para efeitos de aposentação ou aposentados como os destinatários da atribuição de residência, assim acontecendo em relação a outros subsídios como os direitos estabelecidos no artigo 205º, n.º 1 (igualmente revogado pela Lei n.º 2/2011), 213º, n.º 1, 245º, n.º 1, 249º, n.º 1, entre outros.
    E mesmo direito aos cuidados de saúde é apenas garantido aos beneficiários titulares e aos beneficiários familiares (art. 146º do ETAPM e 19º da Lei n.º 8/2006), não sendo o aposentado de sobrevivência um beneficiário titular (art. 147º do ETAPM).
    
    3.5. Em abono da tese do particular interessado no presente recurso refere-se a doutrina colhida junto de João Alfaia,4 para sustentar que o direito de deixar uma pensão de sobrevivência a herdeiros hábeis, enquanto direito diferido para o futuro - justamente após a cessação, por morte, das relações jurídicas de emprego ou de aposentação, consoante o contribuinte era titular de uma ou de outra, arrasta reflexamente para eles a titularidade de outros direitos atribuídos a essa qualidade (de pensionistas).
    Só que a parte recorrente não diz tudo o que o autor refere, não diz que o objecto da relação jurídica de sobrevivência, regido em Portugal por um diploma especial, não confere todos os direitos do aposentado, elencando apenas alguns, como seja o subsídio de Natal e o direito em substituição da pensão de sobrevivência: subsídio de casamento ou dote.5 Também assim em Macau, pois é a lei que estabelece, caso a caso, os direitos que se estendem aos pensionistas de sobrevivência, v.g. cfr. Lei 9/90/M, de 6 de Agosto, relativo à atribuição de um subsídio de 14º mês.
    Somos, pois, sem mais delongas, por desnecessário, a concluir, contrariamente ao defendido nos autos, que a relação jurídica de sobrevivência é uma relação jurídica diferente da dos aposentados e cujo objecto dessas relações jurídicas não se confunde.
    
4. Nem sequer há que confundir o regime do direito ao subsídio de residência, apenas conferido aos funcionários ou agentes da AP, com o direito ao arrendamento da moradia da RAEM, direito este que, por morte do arrendatário, se transmite aos seguintes familiares: a) Cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens ou de facto;
b) Descendentes que confiram direito a subsídio de família;
c) Outro descendente, desde que seja funcionário de nomeação definitiva ou aposentado e prove que coabitava há mais de um ano com o falecido,
nos termos do disposto no artigo 22º da Decreto-Lei n.º 31/96/M, de 17/6.

Como está bem de ver, o direito ao arrendamento e o subsídio de residência trata-se de coisas completamente distintas e assumem natureza completamente diferentes, sendo que o subsídio de residência, apesar de ter perdido o carácter originário de amparo a uma situação de instalação e de mobilidade dos funcionários, antes se revelando, hoje em dia, como um suplemento remuneratório, o certo é que também não integra o vencimento do funcionário. Enquanto tertium genus, trata-se de um direito que é apenas concedido aos titulares de uma relação de emprego público, enquanto servidores da coisa pública.

5. Radica-se a pretensão feita junto da Administração na Lei n.º2/2011.
Também a letra da referida lei é clara e não aponta no sentido da inclusão dos ditos pensionistas de sobrevivência na previsão atributiva do direito de subsídio de residência, importando atentar no conteúdo do artigo 10ª da Lei n.º 2/2011:
"Direito ao subsídio
    1. Os trabalhadores dos serviços públicos que se encontrem em efectividade de funções ou desligados do serviço para efeitos de aposentação, bem como os aposentados, incluindo os magistrados aposentados, têm direito a um subsídio mensal de residência, nos termos previstos na presente lei, ainda que existam entre eles relações de parentesco e residam na mesma moradia.
    2. Não têm direito ao subsídio de residência aqueles que habitem em moradia do património da RAEM ou de qualquer outra pessoa colectiva de direito público ou que recebam mensalmente subsídio para arrendamento ou equivalente.",.
    norma que não pode ser desligada do artigo 1º, n.º 1 que delimita o âmbito da sua previsão:
“A presente lei regula o regime do prémio de antiguidade e dos subsídios de residência e de família dos trabalhadores dos serviços públicos da Região Administrativa Especial de Macau, adiante designada por RAEM.”
Parece que o legislador é muito claro ao pretender abranger apenas os trabalhadores da RAEM.
Ora, em lado algum se mostra que tenha havido a preocupação de incluir os pensionistas de sobrevivência no universo dos destinatários de tal atribuição.

6. Mesmo que assim se não entendesse e, como vimos, não deixámos de ser peremptórios ao considerar que os pensionistas sobreviventes não têm nem nunca tiveram tal direito, sempre seria de dizer que nas situações em que a relação jurídica do aposentado foi estabelecida com a CGA, com recebimento dos direitos compensatórios inerentes a uma presuntiva transferência e estabelecimento de residência em Portugal, nem os aposentados, se vivos fossem, teriam esse direito, tudo, conforme jurisprudência deste TSI já acima citada.
    Na verdade, com o estabelecimento da RAEM, abre-se um novo regime, enquadrado pela Lei Básica, constituindo-se uma outra pessoa colectiva de direito público, fazendo parte integrante da República Popular da China, diferente da pessoa jurídica que era o Território de Macau.
    O estatuto do aposentado é um estatuto diferente do estatuto do funcionário e assenta numa outra relação jurídica.
    A relação jurídica do aposentado que optou por transferir o recebimento da sua pensão pela CGA não pode ter como sujeito passivo a RAEM, situação que dimana da Declaração Conjunta e da Lei Básica.
     Diversos diplomas, promanados da Administração portuguesa, procuraram acautelar a situação dos funcionários, fosse dos que pediram a integração nos serviços da República Portuguesa, fosse dos que se aposentassem.
    Em relação aos aposentados, foi definido o quadro dos seus direitos até 19 de Dezembro de 1999, entre outros se contando o subsídio de residência e o acesso aos cuidados de saúde.
    A lei de então condicionou a atribuição do subsídio de transporte à intenção de fixação de residência em Portugal e condicionava a atribuição do subsídio de residência a uma residência efectiva em Macau, para além dos demais requisitos.
    Invocando razões de humanidade e desenraizamento, a menos de um mês da transferência da administração, fez-se desaparecer a limitação da atribuição do subsídio de residência até 19 de Dez./1999, mantendo-se os demais requisitos decorrentes do ETAPM para a sua atribuição.
    Ao optarem por fixar residência em Portugal, ou tal se presumindo, como decorria expressamente da lei para quem recebeu o subsídio de transporte e de bagagens, deixaram os aposentados ligados à CGA de poder receber o subsídio de residência. Mesmo tornando a Macau, interrompida se mostrava a situação que a lei requeria não tivesse sido descontinuada.
    Escolhido como parceiro da relação jurídica então instituída a CGA, deixaram os aposentados de poder estabelecer uma relação jurídica de aposentação com a RAEM, só esses sendo contemplados com a Lei n.º 2/2011.
    Parecendo igual a situação jurídica dos aposentados do Território de Macau que não fizeram tal opção e, assim, discriminatório o tratamento em relação a outros, não o é realmente, pois, ainda que todos eles não sejam aposentados da RAEM, podem beneficiar do regime que os não exclua, fora do regime jurídico estatutário dos aposentados da função pública.
Em relação aos aposentados que estabeleceram relação jurídica com a CGA, podem beneficiar eles dos direitos e regalias que o legislador ordinário lhes confira, mas não na qualidade estatutária de aposentados da RAEM.

    Nesta conformidade o recurso não deixará de improceder.
    
    V - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao presente recurso contencioso.
    Custas pela recorrente, com 4 UC de taxa de justiça
Macau, 8 de Maio de 2014
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
(voto a decisão, concordando com os fundamentos expostos no Acórdão que não colidam com a minha posição já exposta nos processos congéneres em que fui Relator).

José Cândido de Pinho
Presente
Vitor Coelho



    
    

1 - Marcelo Caetano, Man. Dto Adm., 9ª ed.,770
2 - Ob. cit., 771
3 - João Alfaia, Conceitos Fundamentais do Regime Jurídico do Funcionalismo Público, 2º, Almedina, 1055

4 - Conceitos Fundamentais do Regime Jurídico do Funcionalismo Público, Ii;Almedina, 1988, 1035 e segs
5 - João Alfaia, ob. cit., 1143 e 1144
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557/2012 39/39