打印全文
Processo nº 820/2010
Data do Acórdão: 03ABR2014


Assuntos:

Regulamento de Segurança contra Incêndios
Audiência prévia
Acto administrativo urgente
Procedimento de 1º grau
Procedimento de 2º grau
Legalização da obra
Discricionariedade técnica


SUMÁRIO

1. Mesmo que, por preterição de audiência prévia, não possa pronunciar-se sobre o objecto do procedimento ou requerer as diligências complementares que considere pertinentes no procedimento de 1º grau, o particular interessado tem sempre a possibilidade de o fazer no procedimento de 2º grau, isto é, na reclamação, recurso hierárquico e recurso tutelar, dado que ao desencadear tal procedimento de 2º grau e sempre que não existam factos novos capazes de influenciar a decisão final, ao interessado, já inteirado dos fundamentos em que se baseia a decisão tomada no de 1º grau, está sempre assegurada a faculdade de se pronunciar sobre todos os aspectos que ache importantes para sensibilizar o órgão decisor do procedimento de 2º grau.

2. As decisões técnicas, tomadas pela Administração no exercício da chamada discricionariedade técnica, não podem ser alteradas ou substituídas por outras por parte dos tribunais. Os tribunais não podem anular uma decisão da Administração com o fundamento de que tal decisão não é tecnicamente correcta, ou não é a mais acertada, e muito menos podem substituir decisões técnicas por outras que se lhes afigurem mais convenientes ao interesse público. Não há controle jurisdicional de mérito. Há todavia, controlo por parte dos tribunais quando a decisão técnica da Administração tiver sido tomada com base em erro manifesto, ou segundo um critério ostensivamente inadmissível, ou ainda quando o critério adoptado se revele manifestamente desacertado e inaceitável.


O relator



Lai Kin Hong

Processo nº 820/2010

I

Acordam na Secção Cível e Administrativa do Tribunal de Segunda Instância da RAEM

B, devidamente identificada nos autos, vem recorrer do despacho do Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas que, em sede de recurso hierárquico necessário, manteve a decisão da Senhora Subdirectora dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes que lhe ordenou a proceder à demolição da obra ilegal em execução no terraço sobrejacente à fracção no YYº Andar-X (XXX conforme a identificação no registo predial) do Edif. ...... Kok, sito na Av. da ......, nº ..., alegando e pedindo que:

B, casada, residente na Avenida da ......, nº ..., Edf. ...... Kok, XX° andar, “X”, para o efeito representada pelo Dr. C, advogado, com escritório na Av. da ......, Edifício ......, ...° andar, Fracção “...”, apresenta, nos termos dos artigos 20° e seguintes do CPAC,

RECURSO CONTENCIOSO
Com pedido de citação de Contra-Interessados

Do despacho de 26/07/2010 do Secretário para os Transportes e Obras Públicas - bem como da decisão de 30/03/2010 da Subdirectora da DSSOPT-Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, praticado sob a delegação de poderes no mesmo referida (doc. 3) -, de que a mandatária foi notificada no dia 16 de Setembro, que determina que a DSSOPT irá proceder à demolição do piso superior da casa da Recorrente, a expensas desta, e concedendo à Recorrente 2 dias para solicitar a demolição voluntária, despacho notificado pelo Director do Departamento da Urbanização, da DSSOPT, de 14/09/2010, com a Referência N° 11388/DURDEP/2010, Processo Administrativo nº (SRR): 00621/2010 dos autos nº 34/BC/2010/F, (doc. 5),
O que faz nos termos e com os fundamentos seguintes:
1.º
A Recorrente, que foi notificada de uma ordem de embargo e de demolição de obras, vem interpor recurso da ordem de demolição, mas não do embargo de obras, que assim se mantêm suspensas.
2.°
A Recorrente não recorre da ordem de embargo, porque esta constitui, como se sabe, uma mera ordem de suspensão das obras, pois pretende clarificar a situação da legalidade das obras junto da DSSOPT antes de procurar prosseguir com as mesmas.
3.°
Quer, todavia, obstar a que o segundo piso da sua casa seja demolido, pois entende que não existe fundamento legal para a ordem de demolição, quer ainda porque, mesmo que tal fosse o caso, as ilegalidades apontadas são sanáveis.
1. Actos praticados no Procedimento Administrativo
4.°
A DSSOPT mandou publicar o Edital n° 4/E/2010, de 18/03/2010, no qual determina o embargo da obra e manda a Recorrente pronunciar-se sobre a intenção de mandar demolir parte do prédio (doc. 1 - este e todos os restantes documentos correspondem aos que, com o mesmo número, constam do requerimento inicial do Pedido de Suspensão de Eficácia que corre termos por esse Tribunal sob o n° 749/2010, pelo que não são agora juntos, com excepção dos actos recorridos que constituem docs. 3 e 5).
5.°
A Recorrente solicitou prazo para apresentação do direito de audiência, pedido indeferido por despacho do Director de Serviços de 30/03/2010 (doc. 2).
6.°
Em 30/03/2010 a Subdirectora da DSSOPT mandou publicar o Edital nº 40/E/2010, denominado “Notificação da decisão final”, no qual determinou que a Recorrente procedesse à demolição de parte do prédio no prazo de 8 dias, sob pena de demolição pela DSSOPT, “a expensas do infractor” (doc. 3).
7.°
A Recorrente apresentou, em 14/04/2010, Recurso Hierárquico Necessário do despacho da Subdirectora da DSSOPT (doc. 4).
8.°
Recurso que foi indeferido por despacho do Secretário de 26/07/2010,
9.°
Notificado à mandatária da ora Recorrente por carta datada de 14/09/2010 (doc. 5).
10.°
É a eficácia deste despacho que a Recorrente pretende ver suspensa.
11. °
Entretanto, e após reunião em 13/08/2010, entre o arquitecto da Recorrente e técnicos da DSSOPT, foi apresentado, em 17/09/2010, “Pedido de Aprovação do Anteprojecto de Construção e Ampliação”, acompanhado do “Estudo Prévio de Ampliação de Arquitectura” (doc. 6).
2. Art. 52°/7 do RGCU - Efeito suspensivo do recurso
12.º
O art. 52°/7 do RGCU (Regulamento Geral da Construção Urbana, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 79/85/M, de 21 de Agosto) determina que o recurso de uma ordem de demolição de obras tem efeito suspensivo.
13.º
De facto, nos termos do art. 53°/3 da RGCU, só a “decisão administrativa definitiva que indefira o pedido de licenciamento determina a imediata execução da demolição”.
14.º
O efeito suspensivo do recurso (art. 52°/7 do RGCU) resulta automaticamente da lei, o que significa que a suspensão da eficácia da ordem de demolição não está sujeita aos requisitos do art. 121° do CPAC. Todavia, por mero cuidado apresentou-se um pedido de suspensão de eficácia da decisão (que corre termos por esse Tribunal sob o n° 749/2010).
15.º
Na notificação do acto recorrido (doc. 5), invoca-se o art. 22° do CPAC. Sucede, contudo, que o art. 52°/7, do RGCU é uma norma especial que incide especificamente sobre a demolição de obras.
16.º
O art. 6°/3 do Cód. Civil estabelece que “A lei geral não revoga a lei especial”, donde resulta que a norma geral do art. 22° do CPAC não revoga a norma especial do art. 52°/7 do RGCU.
3. Factos
17.º
Como resulta dos documentos constantes do processo administrativo e, entre outros, do Estudo Prévio de Ampliação de Arquitectura e seus anexos (fls. 25 e ss. do doc. 6),
18.º
O prédio foi construído entre 1973 e 1979.
19.º
As obras de ampliação em causa no despacho destes autos, com construção de um duplex, foram executadas entre 1980 e 1981.
20.º
Nesse mesmo ano foram também construídas ampliações similares em duplex nos restantes três apartamentos localizados no último piso do edifício.
21.º
A ora Recorrente comprou o apartamento em causa em 11 de Março de 1986.
22.º
As obras de ampliação não foram efectuadas pela Recorrente, mas antes pela anterior proprietária, D.
23.º
Ao serem efectuadas agora obras de manutenção - não, pois, obras de ampliação, que haviam sido realizadas 30 anos antes - estas foram embargadas em 18/03/2010 pela DSSOPT (doc. 1).
24.º
Em 1980 e 1981 a DSSOPT não embargou as obras, e durante os seguintes 30 anos não mandou demolir, nem fiscalizar as obras e o estado do prédio objecto dos autos.
4. Inexistência de presunção de legalidade do acto
25.º
Conforme se lê a fls. 16 do Ac. do TSI de 18/03/2010 (Proc. nº 189/2010/A), citando a Prof. Maria da Glória Garcia, "a presunção de legalidade de que gozavam os actos administrativos perdeu razão de ser; a emergência de uma nova geração de direitos fundamentais juridicizou a eficácia e a eficiência e colocou a prevenção e a precaução na ordem do dia; finalmente, o direito à tutela jurisdicional efectiva ganhou dimensão constitucional."
26.º
A jurisprudência estabelece que "Só ocorre a acenada manifesta ilegalidade, quando se mostrar patente, notório ou evidente que, segura e inequivocamente, o recurso não pode ter êxito (v.g. por se tratar de acto irrecorrível; por ter decorrido o prazo de interposição de recurso de acto anulável) e não quando a questão seja debatida na doutrina ou na jurisprudência": Acs. do TSI de 30/05/02 (Proc. nº 92/02) e de 18/03/2010 (Proc. Nº 189/2010/A)".
5. Inaplicabilidade do RSCI - Âmbito de aplicação no tempo
27.º
O RSI (Regulamento de Segurança contra Incêndios, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 24/95/M, de 9 de Junho) entrou em vigor cerca de 15 anos após a realização das obras de ampliação mandadas demolir.
28.º
O art. 11°/1 do Cód. Civil estabelece em sede geral que "a lei só dispõe para o futuro".
29.º
Resulta da 2a parte do mesmo preceito que a lei só pode regular factos ocorridos antes da sua entrada em vigor quando a lei lhe atribua efeito retroactivo.
30.º
Ora, o DL n.º 24/95/M não atribui eficácia retroactiva ao RSCI, antes diz expressamente no respectivo art. 5°, que se aplica ao "licenciamento de novos edifícios"(e, presume-se, ao licenciamento de obras novas).
31.º
Assim, resulta do art. 11°/1 do Cód. Civil e do próprio o DL n.º 24/95/M, que o RSCI só dispõe para o futuro, não regulando a situação jurídica dos edifícios construídos e obras realizadas antes da sua entrada em vigor.
32.º
Confirmando a conclusão antes enunciada, ciente da não aplicação rectroactiva do citado DL nº 24/95/M, o legislador, excepcionalmente, no respectivo art° 6°, permite a sua aplicação (parcial e condicionada) a edifícios existentes, nos termos seguintes:
a) Devem ser tidos em conslderação as "condicionantes de ordem técnica que possam limitar a respectiva exequibilidade";
b) Depende da existência de "parecer do Serviço de Incêndios, fundamentado na especial perigosidade da situação verificada";
c) O parecer do Serviço de Incêndios "deve indicar, expressamente e de forma clara, as medidas a adoptar pelos titulares dos edifícios, partes de edifícios ou espaços, e o respectivo prazo de execução".
33.º
As condicionantes resultam do facto de o edifício ter sido construído quando ainda não vigoravam as normas do RSCI. O legislador sabe que não poderia exigir ao construtor ou proprietário o cumprimento de normas legais que só seriam elaboradas e entrariam em vigor 15 anos depois. Só podem ser cumpridas normas vigentes à data dos factos (donde a estipulação do art. 11°/1 do Cód. Civil que as normas só dispõem para o futuro e não também para o passado).
34.º
Tanto assim é, que o legislador, no art. 5° do DL nº 24/95/M, sentiu a necessidade de estabelecer explicitamente que o licenciamento de novos edifícios fica sujeito ao RSCI mesmo durante o período experimental referido no art. 4° do mesmo diploma.
35.º
É, pois, devido a norma expressa que o RSCI se aplica ao período entre 6 de Junho de 1995 e 6 de Junho de 1996, e não somente a partir de 6 de Junho de 1996.
36.º
Porém, não existe qualquer norma que determine a aplicação do RSCI ao período anterior a 6 de Junho de 1995. Isto é, não lhe foi atribuída eficácia retroactiva.
37.º
E mesmo quando seja atribuída eficácia retroactiva à lei, o art. 11°/1 do Código Civil estabelece que se presume que "ficam ressalvados os efeitos já produzidos".
38.º
Ora, a ordem de demolição não cita o art. 6° do DL nº 24/95/M,
39.º
E não foi proferido parecer pelos Serviços de Incêndios cumprindo os requisitos específicos previstos no art. 6° do DL n. ° 24/95/M.
40.º
Como tal, o RSCI não se aplica ao caso em apreço, pois só poderia aplicar-se a obras feitas antes da sua entrada em vigor se tivesse sido invocado o art. 6° e cumpridos aos seus requisitos. Não sendo o caso, não há lugar no caso à aplicação retroactiva da lei.
41.º
O despacho pretende regular uma situação jurídica aplicando uma legislação que não regula essa situação jurídica. Como tal, o despacho padece de vício de violação da lei e erro de fundamentação (fundamenta-se em lei não vigente à data dos factos), tudo nos termos previstos nas normas respectivas do CPA.
6. Obras anteriores ao RSCI - podem ser corrigidas, não demolidas
42.º
Por outro lado, decorre do art. 6° do DL n.º 24/95/M que as obras em causa não são para ser demolidas, mas para ser corrigidas tendo em consideração as "condicionantes de ordem técnica que possam limitar a respectiva exequibilidade", devendo o Serviço de Incêndios indicar "as medidas a adoptar pelos titulares dos edifícios", e o respectivo prazo de execução.
43.º
Como referido acima, isto resulta de o piso em causa ter sido construído quando ainda não vigoravam as normas do RSCI. O legislador sabe que não poderia exigir o cumprimento de requisitos legais constantes de um diploma elaborado 15 anos depois. Só pode ser exigido o cumprimento de normas vigentes à data dos factos (donde a estipulação do art. 11°/1 do Cód. Civil que as normas só dispõem para o futuro e não também para o passado).
44.º
A preocupação do legislador com obras ou edifícios anteriores à entrada em vigor do RSCI é, tomando em consideração que as obras não poderiam ter violado o RSCI (por não existir e por isso não vigorar quando as obras foram feitas), procurar, ainda assim, encontrar uma solução técnica que, respeitando a obra feita antes do RSCI, vá tanto quanto possível de encontro às soluções preconizadas no RSCI para o futuro.
45.º
Cremos, pois, que este processo padece de um equívoco, cabendo agora ao Tribunal esclarecer a diferença de regime legal entre obras anteriores ao RSCI e obras posteriores ao RSCI.
7. Violação do direito de audiência: Ineficácia ou invalidade da notificação edital
46.º
A notificação da ordem de demolição (doc. 1), feita por edital, não é válida.
47.º
Nos termos dos arts. 88°/5 e 96° do RSCI, a notificação é feita "pessoalmente ou por via postal” (n° 1), esta última "por carta registada com aviso de recepção, dirigida para o domicílio" do visado (n° 2).
48.º
Não há qualquer disposição no RSCI, nem no RGCU, que preveja e autorize a notificação edital.
49.º
O art. 72° do CPA dita que as notificações devem ser feitas pessoalmente ou por via postal (por ofício), só podendo ser feitas por via edital "Se qualquer das referidas formas de notificação pessoal se revelar impossível”.
50.º
Só se sabe se a notificação pessoal e postal não é possível se a Administração tiver tentado a notificação por estas vias.
51.º
Ora, a DSSOPT não diligenciou no sentido de citar pessoalmente ou por via postal a Recorrente.
52.º
Não há qualquer prova nos autos - quer no acto de notificação, quer em despacho anterior ou posterior - no sentido de que a DSSOPT tentou primeiro a notificação pessoal ou postal. Ou seja, não há prova de que a notificação pessoal não se mostrou possível: não existe nos autos o Auto de citação pessoal ou registo devolvido da carta de notificação (por via postal).
53.º
Uma vez que não foram tentadas as vias de notificação pessoal, designadamente, por via postal, não havia lugar à notificação por via edital (art. 72°/2, a contrario, do CPA).
54.º
De resto, mais tarde a DSSOPT consegui notificar a Recorrente pessoalmente, o que demonstra que bastaria ter tentado essa via, para evitar a citação edital.
55.º
Ademais, na citação edital não foi concedido prazo de dilação, como estabelece o art. 199°/1-d) do CPC.
56.º
Essas falhas - não tentativa de citação pessoal e postal, e inexistência de dilação - revelaram-se essenciais para a defesa dos direitos da Recorrente que, como resulta dos autos, só teve conhecimento tardio da citação edital: quando já estava ultrapassado o prazo para fazer uso do direito de audiência.
57.º
Tal implica a invalidade da notificação, por violação de norma aplicável, ou, no mínimo, a sua ineficácia.
58.º
Consequentemente, não produziu quaisquer efeitos a notificação que lhe concedia prazo para fazer uso do direito de audiência prévia (arts. 10° e 93° e ss. do CPA) ou defesa escrita (art. 95°/1 do RSCI).
59.º
O mesmo é dizer que a ora recorrente ficou impossibilitada de fazer uso do direito audiência ou defesa, o que invalida a decisão final, como é jurisprudência unânime dos tribunais administrativos (em Portugal, como na RAEM).
8. Violação do direito de audiência: insuficiência de elementos
60.º
Acresce que, aquando da concessão do direito de audiência, a Administração não deu cumprimento ao estabelecido no art. 94°/2 do ePA, que determina:
"A notificação fornece os elementos necessários para que os interessados fiquem a conhecer todos os aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito".
61.º
Não foram fornecidos o auto de notícia, nem os demais meios de prova carreados para os autos, designadamente os actos de fiscalização levados a cabo pela DSSOPT. Tal consubstancia violação do direito de audiência.
62.º
O Ac. do STA de 15-11-2006 (Proc. 0531/06) estabelece que "A audiência de interessados [representa] ela mesma, um princípio estruturante da própria actividade administrativa".
63.º
E o Ac. do ST A de 29-06-2005 (Proc. 089/04) afirma que "A procedência deste vicio, [impõe] a regressão do procedimento a fase anterior à decisão final”, com a consequence invalidação obrigatória desta decisão. Neste sentido, ver ainda o Ac. STA de 05-06-2000, e Ac. STA de 14-12-2004 (Proc. nº 1451/03).
64.º
O desrespeito pelo direito de audiência ou de defesa é um vício “de carácter insuprível” (Ac. do TCAS de 24-10-2006, Proc. 00763/05), que não se sana (Ac. do STA de 15-11-2006, Proc. 0531/06; Ac. do STA de 17/01/2002, Proc. n° 046 482), pelo que "não é lícito ao tribunal salvar o acto em honra ao princípio do aproveitamento do acto administrativo" (Ac. STA de 18-01-2005, Proc 0418/03).
9. Prescrição
65.º
As obras mandadas demolir foram realizadas em 1981. Ora, nos termos do art. 302° do Cód. Civil, o prazo ordinário da prescrição é de 15 anos.
66.º
E, nos termos do art. 297°/1 do mesmo código, "Completada a prescrição, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito".
67.º
A Recorrente invocou no recurso hierárquico e invoca aqui a prescrição do direito à demolição da obra, pois trata-se já de um direito adquirido (sem prejuízo do que seriam situações de estado de necessidade, que não ocorre no caso em apreço).
68.º
No sentido da sujeição da ordem de demolição ao prazo geral prescricional pronunciam-se, entre outros, os acórdãos da Relação do Porto de 16-11-1965 (Jur. ReI., ano 1.°, pág. 1032) e da Relação de Lisboa, de 23-10-1959.
10. Princípio da igualdade
69.º
Nos termos do art. 5° do CPA, "a Administração Pública deve reger-se pelo princípio da igualdade, não podendo privilegiar, beneficiar, prejudicar, privar de qualquer direito ou isentar de qualquer dever nenhum administrado". E o art. 25° da Lei Básica estabelece que “Os residentes de Macau são iguais perante a lei”.
70.º
A obra realizada pelo anterior proprietário é essencialmente igual a obras realizadas generalizadamente na península de Macau, particularmente na própria Avenida da ......, em prédios vizinhos do da Recorrente, como no próprio prédio da Recorrente. Todavia, só a fracção da Recorrente é que foi mandada demolir, a dos outros (felizmente) não.
71.º
Tal constitui violação do art. 5° do CPA e do art. 25° da Lei Básica, donde a sua invalidade por vício de violação da lei, nos termos dos arts. 122° e ss. do CPA.
11. Omissão de pronúncia e falta de fundamentação
72.º
A ordem de demolição da Administração (doc. 5) padece de omissão de pronúncia, dado que não se pronuncia sobre vários dos vícios alegados, designadamente a prescrição, a violação do princípio da igualdade, etc., o que constitui violação do dever de decisão (art. 11° do CPA).
73.º
Por outro lado, padece de manifesta falta de fundamentação (art. 114°/1-a), c), e), e art. 115° do CPA), quer quando alega que a citação por via postal não se revelou possível (sem dizer que tentativas fizeram, nem fazer referência e juntar aos autos cópia da carta enviada por registo postal que teria vindo devolvida),
74.º
quer quanto à alegação de que a obra não é susceptível de legalização (para cujo efeito não cita um facto, não cita uma norma legal, não cita uma razão, limita-se a afirmar, sem dizer porquê, sem fundamentar).
75.º
A violação do dever de decisão e do dever de fundamentação gera a anulação do acto, nos termos prescritos no CPA.
12. Inexistência de despacho prévio sobre a susceptibilidade de legalização da obra
76.º
Como referimos, o RSCI não se aplica à obra e ao edifício em apreço e o direito da Administração mandar demolir a obra prescreveu, pelo que não haveria necessidade de legalização.
77.º
Todavia, a Recorrente optou por diligenciar no sentido de adaptar a obra ao regulado no RSCI, como se refere no artigo 11.º supra (doc. 6).
78.º
Se a obra for legalizável, o despacho que a manda demolir seria, também por isso, inválido, pois deveria mandar corrigir e não demolir: como é sabido e resulta da lei, só se podem mandar demolir obras que não sejam susceptíveis de legalização (ver pontos 40 e ss. do Recurso Hierárquico junto como doc. 4).
79.º
Antes de mais, a “decisão final” (ver topo da 1 a folha do doc. 3) foi proferida sem que tenha sido apreciado da susceptibilidade de legalização da obra, o que implica a ilegalidade do despacho (ver pontos 40 e ss. do doc. 4).
80.º
De facto, como se lê no Ac. do STA de 22/04/2009 (Proe. 0922/08), a opção "pela demolição não pode deixar de ser antecedida de um apreciação da viabilidade de legalização, no próprio momento em que se coloca a questão de decidir dar ou não a ordem de demolição".
81.º
Noutro Acórdão recente, de 24/09/2009 (Proc. 0656/08), o STA firmou a seguinte jurisprudência: "A emissão desse juízo de viabilidade de legalização de construção não licenciada tem de anteceder a prática do acto de demolição, mesmo no caso de o interessado não ter formulado pedido de legalização".
82.º
Ora, o acto que ordena a demolição, de 30/03/2010 (junto como doc. 3), não é antecedido por qualquer apreciação da viabilidade da legalização. E essa é, nas palavras da Subdirectora da DSSOPT, a “decisão final” (doc 3, fls. 1, topo). Logo, a ordem de demolição é inválida.
13. Da efectiva susceptibilidade de "legalização" da obra
83.º
A verdade é que a obra é legalizável, ou melhor dizendo (pois a obra não violou, como vimos, o RSCI), a verdade é que a obra é possível ser corrigida de modo a cumprir os requisitos do RSCI. Assim sendo, não deve ser demolida, poderia quando muito ser corrigida. Vejamos.
84.º
Está em causa a alegada violação dos arts. 10.4 e 29.3 do RSCI, por ter sido construído (i) um compartimento no último piso do edifício (onde havia inicialmente um terraço) e (ii) uma escada de betão que dá acesso à cobertura do referido compartimento.
85.º
O respeito pelo art. 10.4 - "Os caminhos de evacuação devem conservar-se permanentemente desobstruídos e desimpedidos em toda a sua largura e extensão" - parece facilmente realizável, bastará mudar a escada de acesso de forma a que o caminho de evacuação fique desobstruído, permitindo o acesso fácil e livre ao piso de refúgio (terraço no último piso).
86.º
O cumprimento do disposto no art. 29.3 - "O terraço das coberturas dos edifícios referidos no número anterior deve ser considerado piso de refúgio, em caso de incêndio, e não é permitida a sua ocupação ilícita com elementos construtivos" - também é realizável. A lei exige que o piso de cobertura fique no essencial livre para funcionar como piso de refúgio. O que os proprietários das fracções do último piso terão de fazer é garantir que a cobertura das construções adicionadas em 1981 sirva de piso de refúgio.
87.º
Uma vez que a DSSOPT não alega qualquer violação das regras relacionadas com o alinhamento do edifício relativamente à altura, bastará que a cobertura do piso acrescentado constitua ele mesmo o piso de refúgio, servido por umas escadas que permitam o acesso desimpedido àquele terraço.
88.º
Como se lê na Memória Descritiva que acompanha o Pedido de Aprovação do Anteprojecto de Construção e Ampliação elaborado pelo arquitecto, o Estudo Prévio de Arquitectura apresentado visa precisamente "dar resposta às Leis de combate a incêndio necessárias de serem cumpridas de modo à ampliação de 1981 poder ser legalizada" (fls. 26 e ss. do doc. 6).
89.º
Mais acrescenta que para efeitos de legalização, poderá ser feito uso da recente legislação relativa ao melhoramento das condições técnicas e de salubridade dos edifícios, bem como à legalização de eventuais irregularidades: Regulamento Administrativo n.º 4/2007, de 5 de Março (cria o Fundo de Reparação Predial); e Despacho do Chefe do Executivo n.º 210/2008, de 4 de Agosto (cria o Regulamento do Plano de Apoio Financeiro para Reparação de Edifícios).
14. Inexistência de dever de pagamento das obras de demolição
90.º
Conforme alegado supra, as obras objecto dos despachos recorridos foram construídas na década de oitenta, pela anterior proprietária.
91.º
Como tal, mesmo que as obras tivessem que ser demolidas, não o deveriam ser a expensas da actual proprietária, que não teve qualquer responsabilidade na sua realização, tendo-se limitado a comprar a fracção em causa.
92.º
A compra de uma fracção não é facto de gerador responsabilidade, pois não é um acto ilícito, nem culposo.
93.º
E não existe qualquer tipo de responsabilidade punitiva ou sancionatória (seja penal, seja trangressional, seja de infracção administrativa), nem sequer responsabilidade civil (ou responsabilidade civil tal como configurada na legislação administrativa) sem um facto ilícito e culposo (salvo nos casos expressamente previstos na lei, que, não abrangendo o caso dos autos, não relevam aqui).
94.º
Não existe sequer presunção de culpa, pelo que a prova da culpa da Recorrente, onde se fundasse o dever de pagar pela demolição das obras, teria sempre de ser feita pela administração, ora Recorrida.
95.º
Como tal, é também inválida, por vício de violação da lei (no caso, as normas reguladoras da responsabilidade decorrente de infracção administrativa ou transgressão e de responsabilidade civil, tal como configurada na legislação administrativa), a parte do despacho que determina que a demolição seja feita a expensas da Recorrente.
96.º
A ser assim, a Recorrente ver-se-ia naturalmente convidada a intentar acção de responsabilidade civil contra a Administração, de compensação pelas benfeitorias que fez no edifício com base na confiança na actuação diligente, e cumpridora dos seus deveres legais, por parte da Administração. Está, todavia, em crer que tal não se revelará necessário, atento o princípio da boa fé e da colaboração a que as partes estão mutuamente adstritas.
15. Prazo de 2 dias para a demolição voluntária
97.º
O despacho recorrido concede 2 dias para obter todos os documentos e submeter pedido de demolição voluntária.
98.º
Para além de se tratar de um prazo manifestamente desrazoável,
99.º
Viola o espírito do art. 73° do CPA, que estabelece o prazo geral de 15 dias,
100.º
Bem como o disposto nos arts. 4° (princípio da protecção dos direitos e interesses dos residentes), 5° (princípio da proporcionalidade) e 9° (princípio da colaboração ).
POR FIM,
101.º
Não deixaremos de citar o supra referido Ac. do TSI de 18/03/2010, onde se estabelece que "Com certeza que esses mesmos interesses não deixaram de ser porventura abalados ao longo de todos estes anos e perguntar-se-á se os Serviços Inspectivos tiveram os olhos fechados permitindo o que se permitiu. A Administração não deixou de ser conivente e de certa forma co-responsável por ter deixado edificar” tal obra.
102.°
Provavelmente, não houve no caso em apreço grave conivência e coresponsabilidade da administração pelo simples facto de que a obra não foi ilegal: não vigorava, à época, o RSCI, pelo que as normas respectivas não terão sido violadas.
Neste termos, e no mais de Direito que V. Ex.ª não deixará de suprir, deverá ser fixado efeito suspensivo ao recurso (52°/7 do RGCU) e, no final, deverão ser anulados os actos recorridos, por vício de violação da lei e de falta de fundamentação (ou por fundamentação insuficiente, que a lei faz equivaler à falta de fundamentação ).

Citado, vem o Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas contestar pugnando pela improcedência do recurso – vide as fls. 44 a 51 dos p. autos.

Não havendo lugar à produção de provas por razões expostas nos despachos dos dois Relatores sucessivos a fls. 38 a 39v e 66, ambos não oportunamente reclamados, foram a recorrente e a entidade recorrida notificadas para apresentar alegações facultativas.

Nas alegações facultativas apresentadas, foram grosso modo reiterados os mesmos fundamentos já deduzidos na petição do recurso e na contestação.

A recorrente lançou nas suas alegações facultativas uma nota prévia em relação à não realização das provas entretanto requeridas, dizendo que de duas uma, ou o Tribunal terá entendido as provas documentais apresentadas como sendo suficientes para a prova dos factos alegados pela recorrente, nomeadamente a data da execução da obra objecto da ordem de demolição, ou existe um vício logicamente prévio que, permitindo conhecer do recurso, não permitirá já conhecer da questão substantiva em apreço.

Todavia, conjecturou mal, nem um nem outro é verdade, conforme iremos demonstrar infra.

Em sede da vista final, o Dignº Magistrado do Ministério Público opinou no seu douto parecer que o recurso não merecia provimento – vide as fls. 103 a 108v. dos p. autos.

Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.

II

Antes de mais, é de salientar a doutrina do saudoso PROFESSOR JOSÉ ALBERTO DOS REIS de que “quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume V – Artigos 658.º a 720.º (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, pág. 143).

Assim, de acordo com o alegado no petitório do recurso, são as seguintes questões que constituem o objecto do presente recurso:

1. Do efeito do recurso;

2. Da violação do direito de audiência prévia;

3. Da inaplicabilidade do RSCI (Regulamento de Segurança contra Incêndios);

4. Da legalização da obra;

5. Da prescrição do direito à demolição da obra;

6. Da violação do princípio da igualdade;

7. Da omissão de pronúncia e da falta de fundamentação;

8. Da inexistência do despacho prévio sobre a susceptibilidade de legalização da obra;

9. Da responsabilidade pelo pagamento das despesas resultantes da demolição ordenada; e

10. Da ilegalidade do prazo de 2 dias para a demolição voluntária.

Então apreciemos.

Antes de entrar na análise das questões objecto da nossa apreciação, urge tecer algumas considerações com vista a clarificar um facto essencial alegado pela recorrente, cuja comprovação ou não condiciona a solução a ser dada às várias das questões do recurso.

É justamente o momento da execução da obra em causa, ou seja, se a obra em causa estava em execução no momento do acto recorrido, ou já concluída há mais de 30 anos.

Conforme se vê quer no petitório do recurso quer nas alegações facultativas, a recorrente insiste ao longo de toda a extensão de ambas as peças em que a obra já foi executada e concluída há mais de 30 anos e o que agora foi detectado pelo pessoal da DSSOPT não é mais do que obras de reparação ou manutenção.

E apoia nesse facto alegado a sua posição quanto às questões do efeito do recurso, da inaplicabilidade do RSCI e da prescrição do direito à demolição da obra.

Assim, urge julgar primeiro este facto essencial.

Na petição do recurso, a recorrente arrolou 5 testemunhas a ser inquiridas, requereu a realização das diligências probatórias que consistem na requisição de documentos junto da entidade recorrida e protestou juntar no prazo de 30 dias documentos comprovativos dos artºs 39º e 51º da petição do recurso.

Em relação à prova testemunhal, a recorrente limitou-se a identificar as testemunhas, mas não indicou os factos que pretendia comprovar com este meio de prova.

No que respeita aos documentos a requisitar, a tal pretensão da recorrente foi logo indeferida pelo Relator por despacho liminar lançado a fls. 38 a 39v dos p. autos, com fundamento de que “……por o Tribunal não ser auxiliar ou núncio da recorrente na recolha da prova, pelo que se a recorrente entender isto necessário para prova da sua tese jurídica e fáctica, terá que por meio próprio pedir à Administração certidão do teor do procedimento administrativo em causa”.

Quanto aos documentos que protestou juntar mais tarde, disse a recorrente que visavam comprovar a matéria alegada nos artº 39º e 51º, que, conforme se vê na petição do recurso, nada têm a ver com o momento da construção da obra em causa.

Assim, após a vista inicial ao Ministério Público, foi proferido pelo Relator o despacho ditando que “afigurando-se-me possível conhecer do mérito do recurso através do exame dos autos e do processo instrutor, sem necessidade de realização de outras diligências probatórias, notifique a recorrente e a entidade recorrida e dos contra-interessados para alegações facultativas – artº 63º do CPAC.”.

Esse despacho não foi objecto da reclamação por parte da recorrente.

Compulsando os autos de procedimento administrativo, verificamos que foram realizadas diligências de inspecção ao local onde se encontra a obra em causa.

Na diligência levada a cabo in loco em 03MAR2010, foi lavrado por dois fiscais da DSSOPT um auto onde se relatou que no terraço sobrejacente da fracção XXX existia uma obra em curso e foram feitas constar 3 fotografias, uma das quais demonstra claramente a imagem de que as estruturas metálicas se encontravam em construção, sem tecto, sem janelas e sem paredes – vide fls. 10 a 12 dos autos do procedimento administrativo.

E no auto da diligência realizada em 06ABR2010 e 12ABR2010, conforme as fotografias tiradas e feitas constar do auto, no terraço sobrejacente da fracção XXX já existe mais um compartimento semi-concluído, com tecto, com janelas e paredes – vide fls. 92, 76 e 77 dos autos do procedimento administrativo.

Ora, a veracidade destes elementos probatórios existentes nos autos do procedimento administrativo, a que podia ter acesso a recorrente, nunca foi questionada pela recorrente.

É verdade que a recorrente requereu a inquirição das 5 testemunhas.

É também verdade que por força do princípio da livre apreciação de provas, o valor e a força dos meios de prova não podem ser correctamente aferidos a priori, com o carácter de generalidade próprio dos critérios legais.

Mas tendo em conta as circunstâncias concretas do caso, cremos que a realidade e credibilidade dos factos, bem demonstrados pelas fotografias constantes dos autos de procedimento, não são susceptíveis de ser abaladas pelo simples testemunho.

Eis as razões que levaram o Relator a proferir o despacho, a fls. 66 dos p. autos, ditando que “afigurando-se-me possível conhecer do mérito do recurso através do exame dos autos e do processo instrutor, sem necessidade de realização de outras diligência probatórias,……”

De facto, as fotografias demonstram bem a evolução da construção da obra em causa, do estado de uma simples armação metálica, sem tecto, sem janelas e sem paredes em 03MAR2010 passou a ser um compartimento semi-concluído com tecto, com janelas e com paredes em 12ABR2010.

Bom, as regras da vida e da experiência ensinam que, perante essas cenas em evolução, a tal obra não pode deixar de ser uma obra nova ou pelo menos uma reconstrução total, e nunca uma mera reparação de uma obra já existente, muito menos uma obra já executada há mais de 30 anos.

Feita essa nota prévia, já estamos em condições para fixar a matéria de facto.

Assim, mediante exame dos elementos documentais constantes dos autos do presente recurso e do processo administrativo, é tida por assente a seguinte materialidade fáctica com relevância à apreciação e à boa decisão do presente recurso:

* Em 01MAR2010 foi registada na DSSOPT uma queixa em anonimato contra uma obra em construção no terraço do Edifício ...... Kok, sito na Av. da ......, nºs ...;

* Na sequência da queixa, foram realizadas in loco pelo pessoal fiscal da DSSOPT diligências em 03MAR2010 e em 12ABR2010;

* Nas quais, foram tiradas várias fotografias do estado da obra em causa, ora constantes dos autos de procedimento administrativo a fls. 10 a 12 e 92 a 93;

* A obra consiste na construção de um compartimento com armação metálica, tecto, janelas e paredes e encontrava-se em execução na altura das diligências realizadas em 03MAR2010 e em 12ABR2010 – vide as foto a fls. 10 a 12 e 92 a 93 dos autos de procedimento administrativo;

* À execução da obra não foi precedida da emissão de qualquer licença pela DSSOPT;

* Por ordem da Senhora Subdirectora da DSSOPT datada de 11MAR2010, foi determinado o embargo administrativo da obra em execução no terraço do edifício em causa, com fundamento na inobservância do disposto nos artºs 10º/4, 29º/3 do Regulamento de Segurança contra Incêndios – cf. a fls. 24 dos autos de procedimento administrativo;

* A notificação da ordem do embargo administrativo fez-se através do envio do ofício da DSSOPT nº 03623/DURDEP/2010 contendo a cópia do texto do edital 4/E/2010, por via de carta registada com aviso de recepção expedida para a recorrente, proprietária da fracção XXX do edifício em causa, da afixação dos editais na porta da fracção XXX e da publicação dos anúncios no Diário de Macau;

* A carta registada foi devolvida à DSSOPT – cf. fls. 114 a 150 dos autos de procedimento administrativo;

* Na notificação da ordem do embargo administrativo, foi feita a menção de que “os interessados podem apresentar, no prazo de 5 dias contados a partir da data de publicação do presente edital, querendo, a sua defesa por escrito, oferecendo nessa altura os respectivos meios de prova, bem como comparecer na Divisão de Fiscalização do Departamento de Urbanização desta DSSOPT para a consulta do respectivo processo durante as horas de expediente……”;

* E foi indicado como meio de reacção o recurso hierárquico necessário para o Secretário para os Transportes e Obras Públicas no prazo de 8 dias;

* Mediante o requerimento datado de 26MAR2010 subscrito pela Advogada constituída, a recorrente pediu a prorrogação para 10 dias daquele prazo de 5 dias para apresentar defesa por escrito, com fundamento de que “em vista de tentar cooperar com essa autoridade administrativa e apresentar a sua defesa séria e bem fundamentada……” – vide fls. 42 a 43 dos autos de procedimento administrativo ;

* Na mesma data de 26MAR2010, a recorrente, na companhia da sua Advogada constituída, dirigiu-se às instalações da DSSOPT a fim de consultar o processo administrativo;

* Por despacho da Senhora Subdirectora da DSSOPT datada de 30MAR2010, foram ordenadas a demolição da mesma obra e a reposição do local afectado em 8 dias e indeferida a pretendida prorrogação para 10 dias do prazo para apresentar a defesa por escrito, com fundamento de que o tal pedido só foi apresentado fora do prazo inicial de 5 dias que pretendia ver prorrogado – vide as fls. 50, 51 a 5, 51 a 54 dos autos de procedimento administrativo;

* A ordem de demolição e o demais decidido foram notificados à recorrente através da publicação dos anúncios do edital nº 40/E/2010 no Diário de Macau e na Tribuna de Macau, assim como da afixação do edital na porta da fracção XXX em cujo terraço sobrejacente se encontra a obra em causa, na sequência da tentativa frustrada da notificação pessoal da recorrente na mesma fracção – cf. a fls. 80 a 82 dos autos de procedimento administrativo;

* Mediante o requerimento datado de 14ABR2010, a recorrente interpôs o recurso hierárquico necessário desse despacho da Senhora Subdirectora da DSSOPT para o Secretário para os Transportes e Obras Públicas;

* Por despacho do Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas proferido em 26JUL2010, foi negado provimento ao recurso hierárquico necessário e mantida a ordem de demolição da obra e mantido o demais decidido pela Senhora Subdirectora da DSSOPT – cf. 158 a 156 dos autos de procedimento administrativo, que se dá aqui por integralmente reproduzido;

* Por carta registada com aviso de recepção expedida em 15SET 2010, ficou a recorrente notificada na pessoa da sua Advogada constituída desse despacho do Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas – cf. 164 – 165 dos autos de procedimento administrativo;

* Inconformada com o despacho que manteve ordem de demolição da obra e o demais decidido pela Senhora Subdirectora da DSSOPT em 30MAR2010, a recorrente interpôs o presente recurso contencioso para este TSI mediante o requerimento motivado em 19OUT2010, para além do pedido de suspensão de eficácia que acabou por ser indeferido;

Face à matéria de facto tida por assente, isto é, a obra em causa não consiste na mera reparação de uma obra já existente e muito menos uma obra já construída há mais de 30 anos, tal como assim alegou a recorrente, caem por terra, por razões a expor infra, todos os argumentos invocados e alicerçados sobre aquele facto alegado pela recorrente mas não provado nas questões do efeito suspensivo do recurso contencioso, da aplicabilidade do Regulamento de Segurança contra Incêndios, da prescrição do direito à demolição da obra e da responsabilidade pelo pagamento das despesas resultantes da demolição ordenada.

A recorrente defende a atribuição ope legis do efeito suspensivo ao presente recurso contencioso com fundamento no artº 52º/7 do Regulamento Geral da Construção Urbana (RGCU).

Reza o artº 52º do RGCU, cuja epígrafe é (Suspensão, embargo e demolição de obras) que:

1. As obras executadas sem a licença de que careçam e as referidas no artigo 3.º que se realizem em violação do disposto no mesmo artigo, bem como as que forem executadas em desacordo com o projecto aprovado ou em violação das normas ou disposições regulamentares aplicáveis, são embargadas, sem prejuízo da aplicação das penalidades previstas no presente diploma e demais legislação em vigor.*

2. Verificando a fiscalização da D.S.S.O.P.T. a execução de obras nas condições previstas no número anterior, ordenará a imediata suspensão dos trabalhos pelo prazo de 48 horas, ao dono da obra ou seu mandatário e, no caso de estes se não encontrarem no local, ao respectivo encarregado técnico responsável.

3. O fiscal levantará de imediato auto de notícia caso as obras estejam a ser executadas sem licença, ou, nos restantes casos mencionados no n.º 1, registará os factos na folha de fiscalização.

4. O fiscal elaborará ainda, a necessária participação, com circunstanciada descrição dos factos.

5. O Director da D.S.S.O.P.T., mediante despacho devidamente fundamentado a notificar ao faltoso, poderá confirmar a suspensão dos trabalhos ordenada pela fiscalização, determinando em consequência o embargo da obra e respectiva demolição caso assim seja considerado.

6. Quando se encontre concluída a execução de quaisquer obras de construção sem que para as mesmas tenha sido obtida a licença, a respectiva demolição será, quando se entender justificável, ordenada pelo Governador.

7. Da decisão referida no número anterior cabe recurso nos termos gerais, com efeito suspensivo.

Ora, face ao disposto nos nºs 6 e 7 desse artigo, para que haja lugar à atribuição ope legis do efeito suspensivo, é preciso que se trate de uma obra já concluída.

Independentemente da verificação dos restantes pressupostos exigidos no nº 6, o nº 7 nunca é aplicável ao caso sub judice o efeito suspensivo automático, pura e simplesmente por estarmos perante uma obra em execução, ainda não concluída.

Aliás quanto ao efeito suspensivo pretendido pela recorrente, já houve caso julgado formal no processo de suspensão de eficácia que corre por apenso aos presentes autos de recurso contencioso.

No que respeita às questões da aplicabilidade do Regulamento de Segurança contra Incêndios e da prescrição do direito à demolição da obra, o simples facto provado de que a obra se encontra ainda em execução no momento da prática do acto mantido pelo despacho recorrido já conduz, de per si e necessariamente à improcedência da pretensão da recorrente, que no fundo, se apoiou a sua tese no facto alegado, mas não provado, de que a obra já foi executada e concluída há mais de 30 anos, altura em que não entrou em vigor o regulamento e “o direito” de ordenar demolir já se prescreveu (para além da manifesta inaplicabilidade e errada invocação de um regime sobre o exercício de direitos subjectivos no direito privado).

Finalmente em relação à questão da responsabilidade pelo pagamento das despesas resultantes da demolição ordenada, é de improceder a tese de que as tais despesas não são da sua responsabilidade, pois aqui não estamos perante uma obra já executada há mais de 30 anos, mas sim obra ainda em execução no momento da prática do acto mantido pelo despacho recorrido, não pode deixar de ser responsável a recorrente, uma vez que ela é proprietária da fracção em cujo terraço estava a ser executando a obra em causa, e que aliás não deixa de reconhecer ao longo dos autos era ela própria a dona da obra.

Arrumadas estas questões simples cuja solução está condicionada pelo momento da execução da obra, passemos então a debruçar-nos sobre as restantes questões.

Da violação do direito de audiência prévia

A recorrente entende que não sendo válida a notificação da ordem de demolição emanada pela Subdirectora da DSSOPT, por ter sido feita editalmente em violação do disposto no artº 88º/5 e 96º do Regulamento de Segurança contra Incêndios, à luz do qual a notificação é feita pessoalmente ou por via postal, foi violado o seu direito de audiência.

Ora, por força do princípio da participação consagrado no artº 10º do CPA, os órgãos da Administração Pública devem assegurar a participação dos particulares, bem como das associações que tenham por objecto a defesa dos seus interesses, na formação das decisões que lhes disseram respeito, designadamente através da respectiva audiência.

Concretizando este princípio, dispõe o artº 93º do CPA que “concluída a instrução, os interessados têm o direito de ser ouvido no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informado, nomeadamente, sobre o sentido provável desta”.

Trata-se de um direito legalmente conferido aos particulares à participação constitutiva na formação das decisões que lhes dizem respeito, ao qual corresponde o dever da Administração de proporcionar aos particulares a possibilidade de se pronunciarem sobre o objecto do procedimento e associá-los à tarefa de preparar a decisão final.

Todavia, tal como sucede com a maioria dos princípios, senão com todos, por mais sagrados sejam, comportam excepções.

O princípio da participação não pode fugir a esta regra.

Na verdade, a própria lei estabelece dois grupos de excepções ao princípio da participação retirando aos particulares o seu direito à audiência prévia, quais são o grupo das circunstâncias determinantes da inexistência de audiência dos interessados e o da dispensa de audiência dos interessados, previstas nos artºs 96º e 97º do CPA.

Dispõem estes dois artigos:

Artigo 96.º (Inexistência de audiência dos interessados)

Não há lugar a audiência dos interessados:
a) Quando a decisão seja urgente;
b) Quando seja razoavelmente de prever que a diligência possa comprometer a execução ou a utilidade da decisão;
c) Quando o número de interessados a ouvir seja de tal forma elevado que a audiência se torne impraticável, devendo nesse caso proceder-se a consulta pública, quando possível, pela forma mais adequada.

Artigo 97.º (Dispensa de audiência dos interessados)

O órgão instrutor pode dispensar a audiência dos interessados nos seguintes casos:
a) Se os interessados já se tiverem pronunciado no procedimento sobre as questões que importem à decisão e sobre as provas produzidas;
b) Se os elementos constantes do procedimento conduzirem a uma decisão favorável aos interessados.

In casu, o procedimento administrativo iniciou-se com a queixa em anonimato contra uma obra em curso no terraço de um prédio urbano.

Na sequência da queixa, foram levadas a cabo diligência in loco com vista a averiguar o que se passava.

Foi pelo pessoal fiscal que ai se deslocou detectada a execução de uma obra de construção de mais um compartimento, com tecto, paredes e janelas no terraço sobrejacente da fracção XXX do edifício em causa.

Por razões de segurança de todos os moradores do edifício, no caso de incêndio, foi, ao abrigo do disposto no artº 88º do Regulamento de Segurança contra Incêndios, ordenado primeiro o embargo administrativo da obra e posteriormente determinada a demolição imediata da obra, com fundamento no disposto no artº 10º/4 e 29/3 do mesmo regulamento.

Têm a segunte redacção os tais artigos:

Artigo 10.º
(Generalidades)
10.1. Os edifícios devem ser concebidos de modo a proporcionarem, em cada nível, meios de evacuação fáceis, rápidos e seguros a todos os ocupantes, em caso de incêndio.

10.2. Todas as edificações devem dispor de meios directos de saída para a via pública ou para espaços livres e abertos que a ela conduzam; estes espaços livres e abertos devem dispor, em toda a sua extensão, de largura e condições de segurança idênticas às saídas dos edifícios.

10.3. O número, dimensões, localização e constituição dos meios de evacuação devem ser fixados tendo em atenção a finalidade, a altura, o efectivo previsível, as distâncias de percurso, a área dos pisos e a capacidade de resistência ao fogo dos elementos estruturais e de compartimentação das construções, por forma a permitir uma evacuação rápida e segura dos ocupantes, em caso de incêndio.

10.4. Os caminhos de evacuação devem conservar-se permanentemente desobstruídos e desimpedidos em toda a sua largura e extensão; é interdito qualquer aproveitamento ou pejamento, mesmo que temporário, dos caminhos de evacuação susceptível de afectar a segurança do edifício ou dificultar a evacuação, em caso de incêndio. (sub. nosso)

10.5. Deve ser evitada qualquer falsa saída ou disposição construtiva que crie desorientação nos utentes ou possibilite que os mesmos desçam abaixo do nível de saída para os arruamentos exteriores, iluminando-se e sinalizando-se devidamente todas as saídas e respectivos acessos com sinais de segurança normalizados e perfeitamente visíveis tanto de dia como de noite.

10.6. A compartimentação dos edifícios deve ser estabelecida de modo a que, em caso de incêndio, a ocorrência de fogo em qualquer compartimento não prive nenhum ocupante de alcançar a saída para o exterior ou o impossibilite de alcançar os acessos verticais de evacuação, quer usando as comunicações horizontais comuns do edifício, quer, em caso extremo, através da passagem para varandas ou outros meios externos de comunicação entre compartimentos; caso contrário, devem ser previstas, para os compartimentos bloqueáveis, saídas de emergência alternativas.

Artigo 29.º
(Coberturas)
29.1. O revestimento externo das coberturas deve ser realizado com materiais da classe de reacção ao fogo M0, quando elas forem susceptíveis de ser utilizadas como caminhos de evacuação de emergência, em caso de incêndio, seja como passagem entre escadas do mesmo edifício, seja como passagem para coberturas de edifícios vizinhos, e ainda quando as coberturas se situarem abaixo de vãos existentes em paredes adjacentes de outros corpos do mesmo edifício; caso contrário, o revestimento pode ser da classe de reacção ao fogo M2.

29.2. As coberturas dos edifícios das Classes A e MA, e de todos os edifícios com utilizações dos Grupos VI e VII, devem ser em terraço acessível; o seu revestimento externo deve ser realizado com materiais da classe de reacção ao fogo M0, e, na periferia, a cobertura deve dispor de uma guarda de altura não inferior a 1,2 m.

29.3. O terraço das coberturas dos edifícios referidos no número anterior deve ser considerado piso de refúgio, em caso de incêndio, e não é permitida a sua ocupação ilícita com elementos construtivos, quaisquer que eles sejam, quer na periferia quer no seu interior. Exceptua-se o caso de instalações electromecânicas, desde que não ocupem uma área superior a 15% da área total do terraço e sejam adoptadas disposições construtivas adequadas para que não sejam visíveis do exterior. (sub. nosso)

29.4. Nos edifícios das Classes P e M, os elementos estruturais de suporte da cobertura devem ser da classe de resistência ao fogo CRF 90, para edifícios com utilizações dos Grupos VI e VII, e CRF 60, para edifícios com utilizações dos restantes grupos, e podem ser constituídos por materiais da classe de reacção ao fogo M2, ou por lamelados de madeira colados ou, ainda, por madeira maciça.

29.5. A estrutura da cobertura, quando constituída por laje de betão armado, deve possuir uma classe de resistência ao fogo de acordo com o disposto no Quadro XXV.


Artigo 88.º
(Embargo de obras e demolições)
88.1. A DSSOPT e demais entidades licenciadoras de actividades podem ordenar, no âmbito das respectivas competências e independentemente da aplicação das multas referidas no artigo anterior, a demolição ou o embargo administrativo das obras executadas em desconformidade com o disposto no presente Regulamento.

88.2. Do auto de embargo deve constar a circunstanciada descrição dos factos, nomeadamente o estado de adiantamento das obras e, quando possível, que se procedeu às notificações a que se refere o número seguinte.

88.3. A suspensão dos trabalhos é notificada aos donos das obras ou aos seus mandatários e, no caso de estes se não encontrarem no local, aos respectivos encarregados ou técnicos responsáveis. A notificação, quando não for precedida de despacho do director da DSSOPT ou do director ou presidente da entidade licenciadora da actividade que se exerce ou pretende exercer no edifício, parte de edifício ou local, apenas produz efeitos durante o prazo de cinco dias, salvo se for confirmada por despacho de que o interessado seja entretanto notificado.

88.4. O despacho de suspensão referido no número anterior deve ser devidamente fundamentado e determinar, caso assim seja considerado, o embargo da obra e a respectiva demolição.

88.5. As notificações referidas nos números anteriores devem ser efectuadas nos termos do disposto no artigo 96.º

88.6. A continuação dos trabalhos depois do embargo, sujeita os donos, responsáveis e executores da obra, quer sejam empreiteiros ou tarefeiros, às penas do crime de desobediência qualificada, desde que tenham sido notificados da determinação do embargo.

88.7. A demolição das obras referidas no n.º 1 só pode ser evitada, desde que o director da DSSOPT ou o director ou presidente da entidade licenciadora da actividade que se exerce ou pretende exercer no edifício, parte de edifício ou local, reconheça que são susceptíveis de vir a satisfazer os requisitos legais e regulamentares de segurança.

88.8. O uso da faculdade prevista no número anterior pode tornar-se dependente de o proprietário assumir, em documento autenticado, a obrigação de fazer executar os trabalhos que se reputem necessários, nos termos e condições que forem fixados.

88.9. Um embargo só pode ser levantado depois de cessar o motivo que o determinou.

Ora, a obra em causa está a ocupar o terraço do edifício que é o piso de refúgio do mesmo edifício e um caminho de evacuação em caso de incêndio, que atendendo à sua função, deve ser mantido, de forma permanente, livre de quaisquer obstáculos físicos.

Compreende-se perfeitamente a razão de ser da norma e a natureza urgentíssima de uma decisão administrativa que visa fazer desaparecer tais obstáculos, uma vez que está em causa o bem jurídico iminentemente pessoal de vida e de integridade física dos moradores no mesmo edifício, assim como o bem de património dos mesmos moradores.

Assim sendo, verificando-se o pressuposto a que se refere o artº 96º/-a) do CPA, dada a natureza urgentíssima das decisões que ordenaram o embargo administrativo da obra e a sua demolição imediata.

O que de per si torna dispensável a audiência prévia.

Quod abundat non nocet, mesmo que não se entenda assim, a hipotética inobservância da audiência prévia ficou já sanada uma vez que o acto recorrido é o despacho do Senhor Secretário para os transportes e Obras Públicas que julgou improcedente o recurso hierárquico necessário interposto da decisão tomada no procedimento de 1º grau pela Senhora Subdirectora da DSSOPT.

Pois, como se sabe, mesmo que, por preterição de audiência prévia, não possa pronunciar-se sobre o objecto do procedimento ou requerer as diligências complementares que considere pertinentes no procedimento de 1º grau, o particular interessado tem sempre a possibilidade de o fazer no procedimento de 2º grau, isto é, na reclamação, recurso hierárquico e recurso tutelar, dado que ao desencadear tal procedimento de 2º grau e sempre que não existam factos novos capazes de influenciar a decisão final, ao interessado, já inteirado dos fundamentos em que se baseia a decisão tomada no de 1º grau, está sempre assegurada a faculdade de se pronunciar sobre todos os aspectos que ache importantes para sensibilizar o órgão decisor do procedimento de 2º grau.

Assim, por qualquer das razões apontadas supra, improcede sempre o invocado vício de forma por preterição de audiência prévia, e fica prejudicado o conhecimento das restantes sub-questões de falta de dilação e incorrecta utilização da notificação por edital, suscitadas a este propósito.

Da legalização da obra

A recorrente defende por um lado a inaplicabilidade do Regulamento de Segurança contra Incêndios, tese essa que já demonstrámos supra a sua sem razão.

Curiosamente, não insistindo nessa tese e virando a sua cabeça para um mecanismo previsto nesse regulamento, dizendo que “todavia, a recorrente optou por diligenciar no sentido de adaptar a obra ao regulado no RSCI, como se refere no artigo 11º.”

E com base nesse normativo defende a susceptibilidade da legalização da obra em causa.

A recorrente assaca a ilegalidade ao acto recorrido que manteve a ordem da demolição, por esta não ter sido precedida de um despacho que decide sobre a susceptibilidade da legalização da obra em causa

Isto não é bem a verdade.

Pois não se pode esquecer que o acto recorrido é um despacho do Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas.

Verifica-se que na informação/proposta nº 4659/DURDEP/2010, na qual foi lançado o despacho concordante ora recorrido, embora já no âmbito do procedimento de 2º grau, houve pronúncia expressa sobre a insusceptibilidade da legalização da obra em causa, que consiste no seguinte:

3. 分析及結論:
3.1 對第1.2點所述工程之分析:

工 程
違返《防火安全規章》的條款
能否被合法化
3.1.1
在上述地點建造由鋁窗、磚牆間隔及混凝土頂蓋組成之僭建物
違返第十條第四款及第二十九條第三款的規定,阻塞疏散通道及佔用避火層。
不能
3.1.2
建告混凝土樓梯通往上述僭建物之頂部,並在僭建物之頂部加建金屬圍欄
違返第十條第四款及第二十九條第三款的規定,阻塞疏散通道及佔用避火層。
不能

Ai está bem expressa a pronúncia no sentido de insusceptibilidade da legalização da obra.

Improcede a invocada ilegalidade do acto, alegadamente consubstanciada na inexistência de pronúncia sobre a susceptibilidade de legalização da obra.

Além disso, assaca ao acto o vício de violação da lei por ter infringido o disposto nos artºs 10º/4, 29º/3 do Regulamento de Segurança contra Incêndios.

Ora, na óptica da recorrente, para dar cumprimento ao disposto no artº 10º/4 do Regulamento que impõe que os caminhos de evacuação devam conservar-se permanentemente desobstruídos e desimpedidos em toda a sua largura e extensão e seja interdito qualquer aproveitamento ou pejamento, mesmo que temporário, dos caminhos de evacuação susceptível de afectar a segurança do edifício ou dificultar a evacuação, em caso de incêndio, bastará mudar a escada de acesso de forma a que o caminho de evacuação fique desobstruído, permitindo o acesso fácil e livre ao piso de refúgio (terraço no último piso).

E para a recorrente, como a DSSOPT não alegou qualquer violação das regras relacionadas com o alinhamento do edifício relativamente à altura, o cumprimento do disposto no artº 29º/3 que reza que “o terraço das coberturas dos edifícios referidos no número anterior deve ser considerado piso de refúgio, em caso de incêndio, e não é permitida a sua ocupação ilícita com elementos construtivos,……” é sempre realizável desde que os proprietários das fracções do último piso garantam que a cobertura da obra adicionada sirva de piso de refúgio, e para o efeito bastará converter a cobertura do piso acrescentado ele mesmo num piso de refúgio, servido por umas escadas que permitem o acesso desimpedido à aquele terraço.

A Administração decidiu pela negativa a susceptibilidade da legalização da obra.

Legalizar ou não a construção de mais um piso pressupõe estudos prévios de natureza técnica e segundo critérios extraídos de normas técnicas.

Como se sabe, quando a Administração pautar as suas decisões com base em estudos prévios de natureza técnica e segundo critérios extraídos de normas técnicas, estamos perante o exercício da discricionariedade técnica – Freitas do Amaral, in Direito Administrativo, II, pág. 174.

Incumbida do dever de boa administração, a Administração está obrigada a procurar a solução mais acertada, mesmo parente várias hipóteses tecnicamente viáveis.

Para o efeito, a Administração tem ao seu serviço técnicos competentes, capazes de estudar os problemas técnicos, portanto está sempre em melhores condições técnicas do que outras entidades, nomeadamente os tribunais, para tomar as decisões técnicas.

Assim, compreende-se perfeitamente que as decisões técnicas, tomadas pela Administração no exercício da chamada discricionariedade técnica, não podem ser alteradas ou substituídas por outras por parte dos tribunais. Os tribunais, mesmo os tribunais administrativos, não podem anular uma decisão da Administração com o fundamento de que tal decisão não é tecnicamente correcta, ou não é a mais acertada, e muito menos podem substituir decisões técnicas por outras que se lhes afigurem mais convenientes ao interesse público. Não há controle jurisdicional de mérito – ibidem pág. 175 e 176.

Há todavia, controlo por parte dos tribunais quando a decisão técnica da Administração tiver sido tomada com base em erro manifesto, ou segundo um critério ostensivamente inadmissível, ou ainda quando o critério adoptado se revele manifestamente desacertado e inaceitável – ibidem pág. 179.

Não consideramos que a decisão pela insusceptibilidade da legalização da obra foi tomada com base em erro manifesto, ou segundo um critério ostensivamente inadmissível, ou manifestamente desacertado e inaceitável, o Tribunal deve abster-se de ajuizar a bondade dessa decisão.

Improcede portanto o recurso nesta parte.

Da violação do princípio da igualdade

A este propósito diz a recorrente que “a obra realizada pelo anterior proprietário é essencialmente igual a obras realizadas generalizadamente na península de Macau, particularmente na própria Avenida da ......, em prédios vizinhos do da recorrente, como no próprio prédio da Recorrente. Todavia, só a fracção da recorrente é que foi mandada demolir, a dos outros (felizmente) não.

Ora, independentemente da veracidade ou não das situações da obra ilegal tal como foi alegado pela recorrente, nunca pode proceder a tese da recorrente pois não há igualdade nas ilegalidades.

Da omissão de pronúncia e da falta de fundamentação

Alega a recorrente nos artigos 72º a 75º que:

72.º
A ordem de demolição da Administração (doc. 5) padece de omissão de pronúncia, dado que não se pronuncia sobre vários dos vícios alegados, designadamente a prescrição, a violação do princípio da igualdade, etc., o que constitui violação do dever de decisão (art. 11° do CPA).
73.º
Por outro lado, padece de manifesta falta de fundamentação (art. 114°/1-a), c), e), e art. 115° do CPA), quer quando alega que a citação por via postal não se revelou possível (sem dizer que tentativas fizeram, nem fazer referência e juntar aos autos cópia da carta enviada por registo postal que teria vindo devolvida),
74.º
quer quanto à alegação de que a obra não é susceptível de legalização (para cujo efeito não cita um facto, não cita uma norma legal, não cita uma razão, limita-se a afirmar, sem dizer porquê, sem fundamentar).
75.º
A violação do dever de decisão e do dever de fundamentação gera a anulação do acto, nos termos prescritos no CPA.

Ora, a recorrente suscitou desta maneira, para nós imprópria, estas questões.

De qualquer maneira, as questões da prescrição, da violação do princípio da igualdade já foram abatidas supra, ao passo que a fundamentação da insusceptibilidade de legalização da obra já se encontra expressa no esquema reproduzido supra quando lidámos com a questão da legalização da obra.

Nesse esquema, foi invocado como fundamento de facto para concluir pela insusceptibilidade da legalização da obra que:

1. Construção de um compartimento não autorizado com janelas em caixilharia de alumínio, paredes em alvenaria de tijolo e cobertura em betão no local acima indicado; e

2. Construção de escada em betão que dá acesso à cobertura do referido compartimento e instalação de gradeamento metálico na cobertura do referido compartimento.

E invocada como fundamento de direito:

A violação do artº 10º/4 e 29º/3 do Regulamento de Segurança contra Incêndios por obstrução do caminho de evacuação e ocupação do piso de refúgio.

Assim, não se vê como é quê pode existir a invocada falta de fundamentação da insusceptibilidade da legalização da obra.

Portanto, também improcede o recurso nesta parte.

Da ilegalidade do prazo de 2 dias para a demolição voluntária

Antes de mais, é de clarificar que à recorrente foi fixado um prazo de 8 dias para a demolição voluntária de obra em causa, e não um prazo de 2 dias, por despacho de 11MAR2010 da Senhora Subdirectora da DSSOPT, que ordenou a demolição da obra.

Despacho esse que foi mantido em sede de recurso hierárquico necessário pelo despacho ora recorrido do Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas.

Existe sim, no ponto 7 do ofício nº 11388/DURDEP/2010 de 14SET2010, através do qual ficou notificada a recorrente do acto ora recorrido, um prazo fixado em 2 dias para a recorrente apresentar a declaração de responsabilidade do construtor responsável pela demolição e a apólice de seguro contra acidente de trabalho e doenças profissionais.

Na óptica da recorrente, para além de se tratar de um prazo manifestamente desrazoável, a fixação de um prazo em 2 dias viola o espírito do artº 73º do CPA, que estabelece o prazo geral de 15 dias e o disposto nos artº 4º (princípio da protecção dos direitos e interesses dos residentes), 5º (princípio da proporcionalidade) e 9º (princípio da colaboração) do CPA.

Ora, reza o artº 73º/1 do CPA que “na falta de disposição especial ou de fixação pela Administração, o prazo para os actos a praticar pelos órgãos administrativos é de quinze dias.”.

Trata-se de uma normativa supletiva, que se aplica quando o prazo não for fixado pela lei ou pela Administração.

In casu, foi fixado pela Administração um prazo.

Logo não se aplica esse prazo supletivo.

No que diz respeito à assacada manifesta desrazoabilidade e à invocada violação dos princípios da protecção dos direitos e interesses dos residentes, da proporcionalidade e da colaboração, a recorrente limitou-se a concluir vagamente sem que tivesse tentado concretizar em quê termos foi manifestamente desrazoável um prazo de 2 dias para essas formalidades meramente preparatórias da demolição da obra e foram violados os tais princípios.

Antes pelo contrário, entendemos que o prazo de 2 dias, objectivamente curto embora, se justifica pela necessidade de tutelar os bens jurídicos iminentemente pessoais que poderão ser postos em causa em caso de incêndio, em qualquer minuto enquanto a obra ilegal não tiver sido removida por forma a deixar circulável o caminho de evacuação e vazio o piso de refúgio.

Improcedem portanto a imputada desrazoabilidade do prazo e a invocada violação dos tais princípios.

Tudo visto, resta decidir.

III

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conferência negar provimento ao recurso.

Custas pela recorrente, com taxa de justiça fixada em 12 UC.

Notifique.

RAEM, 03ABR2014


Presente (Relator)
Victor Manuel Carvalho Coelho Lai Kin Hong

(Primeiro Juiz-Adjunto)
João A. G. Gil de Oliveira

(Segundo Juiz-Adjunto)
Ho Wai Neng