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Processo nº 613/2010
Data do Acórdão: 10ABR2014


Assuntos:

Arrendamento
Incumprimento do contrato de arrendamento
Factos essenciais
Ónus de alegar


SUMÁRIO

Não se tratando de factos notórios, os factos essenciais carecem de ser sempre alegados pela parte.


O relator



Lai Kin Hong

Processo nº 613/2010


Acordam em conferência na Secção Cível e Administrativa no Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I

No âmbito dos autos da acção ordinária, registada sob o nº CV1-08-0011-CAO, do 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base, foi proferida a seguinte sentença:

RELATÓRIO
Companhia de A Limitada intentou a presente acção comum sob a ordinária contra B e C, alegando:
- A A. é uma sociedade comercial por quotas de responsabilidade limitada;
- Sendo a dona e legítima proprietária e possuidora da fracção autónoma designada por “XX”, do XXº andar, para comércio, do prédio denominado Centro Comercial “XX”, sito em Macau, com os n.ºs XX, da Rua do XX, n.º XX, da Avenida do XX, n.º XX, da Avenida XX, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º XXX81, a folhas XX do Livro XX;
- A propriedade da supra referida fracção autónoma encontra-se registada a favor da A., sob a inscrição n.º XX681, do Livro G;
- Por escrito particular, assinado em 14 de Março de 2006, a A. deu de arrendamento ao 1º R., que por sua vez aceitou esse arrendamento, a fracção autónoma designada por “XX” acima identificada;
- O contrato foi celebrado pelo prazo de dois anos, com início em 16 de Março de 2006 e termo em 15 de Março de 2008, conforme consta da cláusula quarta do contrato;
- Nos termos da cláusula terceira do contrato a fracção arrendada destinava-se ao exercício do comércio por parte do 1º R.;
- O 1º R. instalou na fracção arrendada um estabelecimento de venda de artigos de telefone e pronto-a-vestir, denominado “D”;
- A renda mensal, estipulada na cláusula sexta do contrato foi de HKD$8,575 (oito mil, quinhentos e setenta e cinco dólares de Hong Kong), equivalentes a MOP$8,850 (oito mil, oitocentas e cinquenta Patacas);
- Dado que era necessário proceder a obras de adaptação e decoração foi estipulado entre as partes, na cláusula quinta do contrato, que a renda relativa ao mês de Março de 2006 não seria devida;
- Por sua vez, nos termos estipulados na cláusula sexta do contrato o 1º R. comprometeu-se ainda perante a A., a pagar, a título de despesas de condomínio, a quantia mensal de MOP$1,372 (mil trezentas e setenta e duas Patacas), equivalentes a HKD$1,332 (mil trezentos e trinta e dois dólares de Hong Kong);
- Nos termos estipulados na mesma cláusula sexta do contrato, a renda, bem como as despesas de condomínio, deveria ser pagas adiantadamente, até ao dia 8 de mês a que respeitam, em local indicado pela A. (situando-se actualmente esse local na Secretaria do fracção modelo do edifício “XX”, sita em Macau, na Avenida do XX, Lote XX), ou mediante depósito na conta bancária, em Patacas, com o número 1XXXX32, ou na conta bancária, em dólares de Hong Kong, com o número 1XXXX57, de que a Companhia de Administração de Propriedades E, Limitada é titular junto do Banco Comercial de Macau;
- Sucede que o 1º R. apenas procedeu ao pagamento da renda e das despesas de condomínio relativas ao mês de Abril de 2006;
- A partir de Maio de 2006, o 1º R. deixou de pagar à A. as rendas e as despesas de condomínio devidas pelo arrendamento da fracção autónoma “XX”;
- Não obstante ter o 1º R. sido, por diversas vezes, instado pela A. a fazê-lo;
- A A. advertiu-o para o pagamento uma última vez, por carta registada em 17 de Outubro de 2007 e bem assim, da situação de mora em que se encontrava relativamente ao pagamento das rendas e despesas de condomínio devidas, conforme resulta dos Docs. n.º 4 e 5 que se juntam e se dão por integralmente reproduzidos;
- Acresce que no decurso de Janeiro de 2007, tendo o 1º R. alegadamente deixado de estar interessado na manutenção do contrato, comunicou à A., por escrito, a sua intenção de o revogar antes do seu respectivo termo de 2 anos, conforme resulta do Doc. n.º 6 que ora se junta e se dá por integralmente reproduzido;
- Alegando, para o efeito dificuldades no seu negócio;
- Na referida carta o 1º R. informava ainda a A. que iria abandonar a fracção arrendada, o que veio a concretizar a 8 de Janeiro de 2007;
- Sucede que, a A. sempre se opôs a tal pretensão porquanto tencionava manter o contrato em vigor até ao seu respectivo termo;
- Não obstante a oposição da A., o 1º R. abandonou a fracção autónoma arrendada;
O 1º R., ao abster-se de proceder ao pagamento voluntário e atempado das prestações a que se encontrava adstrito, obrigou a A. a recorrer às vias judiciais para satisfação do direito que lhe assiste;
- Até à presente data, foram despendidas pela A. MOP$25,000, quantia despendida pela A. para pagamento dos serviços dos seus mandatários judiciais a título de honorários. (cfr. Doc. n.º 7 junto na p.i.);
- Bem como ascendem ao montante de MOP$3,000, referentes a traduções e gastos administrativos em geral. (cfr. Doc. n.º 8 junto na p.i.);
- os RR. são casados no regime de comunhão de adquiridos;
*
Concluindo, pediu, a final, que seja a presente acção julgada procedente, e sejam os RR. condenados a pagar à A. as rendas devidas, vencidas desde 8 de Maio de 2006 a 8 de Janeiro de 2007, no montante global de MOP$79.650,00, acrescidas de uma indemnização em dobro no montante de MOP$79.650,00; as despesas de condomínio devidas, vencidas desde 8 de Maio de 2006 a 8 de Janeiro de 2007, no montante global de MOP$12.348,00, e respectivos juros de mora à taxa convencionada de 15% desde a data do seu vencimento até efectivo e integral pagamento, que até 18 de Fevereiro de 2008 se computam em MOP$1.839,23; indemnização compensatória pela revogação antecipada do contrato, no montante global de MOP$119.475,00; honorários de advogado na quantia de MOP$25.000,00; despesas incorridas pela A. no montante de MOP$3.000,00; e todas as outras despesas que a A. venha futuramente a realizar para obter a satisfação do seu crédito.
*
Citados os RR., os mesmos ofereceram contestação, tendo impugnado os factos articulados pela A., e invocado a excepção de ilegitimidade da 2ª R., com fundamento na incomunicabilidade da eventual dívida à sua cônjuge, ora mulher do 1º R., para além do alegado vício de vontade traduzido em erro.
No mesmo articulado, reconvencionou o 1º R., alegando ter despendido MOP$200.000,00 em obras de decoração do espaço arrendado, e pago uma caução à A., no montante de MOP$30.666,00.
Concluindo, pediram a absolvição dos RR. dos pedidos, e julgar procedente o pedido reconvencional, tudo melhor conforme a contestação de fls. 102 a 108.
*
Após elaborado o despacho saneador e seleccionada a matéria de facto juridicamente relevante, realizou-se, oportunamente, a audiência de discussão e julgamento com observância das formalidades legais.
O Tribunal é o competente e o processo o próprio.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas, e têm interesse processual.
Não existe outras nulidades, excepções nem questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
***
FUNDAMENTOS
Face à prova produzida, resulta provada a seguinte matéria fáctica com interesse para a decisão da causa:
A. A. é uma sociedade comercial por quotas de responsabilidade limitada. (cfr. Doc. n.º 1 junto na p.i.) (A)
A. A. é a dona e legítima proprietária e possuidora da fracção autónoma designada por “XX”, do XXº andar, para comércio, do prédio denominado Centro Comercial “XX”, sito em Macau, com os n.ºs XX, da Rua do XX, n.º XX, da Avenida do XX, n.º XX, da Avenida XX, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º XXX81, a folhas XX do Livro XX. (cfr. Doc. n.º 2 junto na p.i.) (B)
A propriedade da supra referida fracção autónoma encontra-se registada a favor da A., sob a inscrição n.º XX681, do Livro XX. (cfr. Doc. n.º 2 junto na p.i.) (C)
O 1º R. é dono de uma empresa de construção e decorações, não sendo uma loja de roupa o seu ofício. (D)
Por escrito particular, assinado em 14 de Março de 2006, a A. deu de arrendamento ao 1º R., que por sua vez aceitou esse arrendamento, a fracção autónoma designada por “XX” melhor identificada na alínea B) da matéria de facto assente (doravante o “contrato”). (cfr. Doc. n.º 3 junto na p.i.) (E)
O contrato foi celebrado pelo prazo de dois anos, com início em 16 de Março de 2006 e termo em 15 de Março de 2008, conforme consta da cláusula quarta do contrato. (F)
Nos termos da cláusula terceira do contrato a fracção arrendada destinava-se ao exercício do comércio por parte do 1º R. (G)
O 1º R. instalou na fracção arrendada um estabelecimento de venda de artigos de telefone e pronto-a-vestir, denominado “D”. (H)
A renda mensal, estipulada na cláusula sexta do contrato foi de HKD$8,575 (oito mil, quinhentos e setenta e cinco dólares de Hong Kong), equivalentes a MOP$8,850 (oito mil, oitocentas e cinquenta Patacas). (I)
Dado que era necessário proceder a obras de adaptação e decoração foi estipulado entre as partes, na cláusula quinta do contrato, que a renda relativa ao mês de Março de 2006 não seria devida. (J)
Por sua vez, nos termos estipulados na cláusula sexta do contrato o 1º R. comprometeu-se ainda perante a A., a pagar, a título de despesas de condomínio, a quantia mensal de MOP$1,372 (mil trezentas e setenta e duas Patacas), equivalentes a HKD$1,332 (mil trezentos e trinta e dois dólares de Hong Kong). (K)
Nos termos estipulados na mesma cláusula sexta do contrato, a renda, bem como as despesas de condomínio, deveria ser pagas adiantadamente, até ao dia 8 de mês a que respeitam, em local indicado pela A. (situando-se actualmente esse local na Secretaria do fracção modelo do edifício “XX”, sita em Macau, na Avenida do XX, Lote XX), ou mediante depósito na conta bancária, em Patacas, com o número 1XXXX32, ou na conta bancária, em dólares de Hong Kong, com o número 1XXXX57, de que a Companhia de Administração de Propriedades E, Limitada é titular junto do Banco Comercial de Macau. (L)
A A. advertiu-o para o pagamento uma última vez, por carta registada em 17 de Outubro de 2007 e bem assim, da situação de mora em que se encontrava relativamente ao pagamento das rendas e despesas de condomínio devidas, conforme resulta dos Docs. n.º 4 e 5 que se juntam e se dão por integralmente reproduzidos. (M)
Acresce que no decurso de Janeiro de 2007, tendo o 1º R. alegadamente deixado de estar interessado na manutenção do contrato, comunicou à A., por escrito, a sua intenção de o revogar antes do seu respectivo termo de 2 anos, conforme resulta do Doc. n.º 6 que ora se junta e se dá por integralmente reproduzido. (N)
Alegando, para o efeito dificuldades no seu negócio. (O)
Na referida carta o 1º R. informava ainda a A. que iria abandonar a fracção arrendada, o que veio a concretizar a 8 de Janeiro de 2007. (P)
O 1º R. apenas procedeu ao pagamento da renda e das despesas de condomínio, devidas nos termos da cláusula sexta do contrato (cfr. idem Doc. n.º 3), relativas ao mês de Abril de 2006. (9º)
Com efeito, a partir de Maio de 2006, o 1º R. deixou de pagar à A. as rendas e as despesas de condomínio devidas pelo arrendamento da fracção autónoma “XX”. (10º)
Não obstante o 1º R. ter sido, por diversas vezes, instado pela A. a fazê-lo. (11º)
Sucede que, a A. sempre se opôs a tal pretensão porquanto tencionava manter o contrato em vigor até ao seu respectivo termo. (16º)
Não obstante a oposição da A., o 1º R. abandonou a fracção autónoma arrendada. (17º)
O 1º R., ao abster-se de proceder ao pagamento voluntário e atempado das prestações a que se encontrava adstrito, obrigou a A. a recorrer às vias judiciais para satisfação do direito que lhe assiste. (18º)
Até à presente data, foram despendidas pela A. MOP$25,000, para pagamento dos serviços dos seus mandatários judiciais a título de honorários. (cfr. Doc. n.º 7 junto na p.i.) (19º)
Bem como ascendem ao montante de MOP$3,000, referentes a traduções e gastos administrativos em geral. (cfr. Doc. n.º 8 junto na p.i.) (20º)
O 1º R. pagou à A., para além da renda e despesas de condomínio do mês de Abril, mais ainda dois meses de “caução” e despesas de condomínio adiantadas, no montante de MOP$30,666. (25º)
O 1º R. insistiu sempre com a A., para esta promover o centro comercial em causa, no sentido de atrair mais clientela. (26º)
*
Em sede do enquadramento jurídico, cumpre analisar os factos e aplicar o direito.
De acordo com os factos acima descritos, dúvidas não restam de que entre a A. e o 1º R. foi celebrado um contrato de arrendamento, nos termos do qual a primeira cedeu ao segundo o gozo temporário da fracção autónoma designada por “XX” acima identificada, mediante o pagamento de uma contrapartida no valor mensal de MOP$8.850,00, pelo prazo de dois anos, com início em 16 de Março de 2006 e termo em 15 de Março de 2008, destinando-se a fracção arrendada ao exercício do comércio por parte do 1º R.
Na contestação, foi suscitada a questão da ilegitimidade da 2ª R., por entender que a alegada dívida entre a A. e o 1º R. não se comunica à cônjuge mulher ora 2ª R., uma vez que o 1º R. não vinha a contribuir para a economia familiar com um negócio no seu exclusivo e próprio interesse, mas apenas financiado por economias pessoais suas.
Nos termos do artigo 62º do Código de Processo Civil de Macau, consagra-se que:
“1. Devem ser propostas por ambos os cônjuges, ou por um deles com o consentimento do outro, as acções de que possa resultar perda ou oneração de bens que só por ambos possam ser alienados ou a perda de direitos que só por ambos possam ser exercidos, incluindo as acções que tenham por objecto, directa ou indirectamente, a casa de morada da família.
   2. Na falta de acordo, o tribunal decide sobre o suprimento do consentimento, tendo em consideração o interesse da família, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 57.º
   3. Devem ser propostas contra o marido e a mulher as acções emergentes de facto praticado por ambos os cônjuges, as acções emergentes de facto praticado por um deles, mas em que pretenda obter-se decisão susceptível de ser executada sobre bens próprios do outro, e ainda as acções compreendidas no n.º 1.”
In casu, apesar de o contrato de arrendamento ter sido celebrado apenas entre a A. e o 1º R., mas como a A. pretendia com a presente acção executar ainda os bens da cônjuge mulher, terá legitimidade, segundo o disposto no nº 3 do citado artigo, intentar a acção também contra a mesma, pelo que, sem necessidade de delongas considerações, a 2ª R. é parte legítima (legitimidade passiva) nos presentes autos.
Diferentemente do que passa com a supra questão processual é a outra questão, substancial, de saber se a 2ª R. deverá ser responsabilizada pelas eventuais dívidas contraídas pelo seu marido ora 1º R.
Nos termos do artigo 1558º, nº 1, alínea d) do Código Civil de Macau, estipula-se que “são da responsabilidade de ambos os cônjuges...(entre outros) as dívidas contraídas por qualquer dos cônjuges no exercício do comércio, salvo se se provar que não foram contraídas em proveito comum ou se vigorar entre os cônjuges o regime da separação de bens ou da participação nos adquiridos”.
Segundo disse Lobo Xavier, in Revista de Direito e Estudos Sociais, XXIV. P. 241 e seguintes, “o objectivo do artigo 1961º, nº 1, alínea d), é a tutela do comércio, na medida em que, “alargando-se o âmbito da garantia patrimonial concedida aos credores daqueles que exercem o comércio”, se lhes facilita a obtenção de crédito e se favorecem as actividades mercantis, e o sacrifício imposto ao cônjuge e família do comerciante não é arbitrário, por se entender que, “em princípio, a dívida terá sido...contraída no interesse do casal..., com vista a granjear proveitos a aplicar em benefício da família”, ou seja, em proveito comum”.
Ora bem, provado nos autos que o 1º R. marido celebrou com a A. um contrato de arrendamento para exploração de uma loja de venda de artigos de telefone e pronto-a-vestir, apesar de não ser esse o seu principal ofício, uma vez que é dono de uma empresa de construção e decorações, mas mesmo assim as dívidas por ele contraídas não deixam de ser consideradas no exercício do comércio, nos termos previstos na alínea d) do citado artigo.
Segundo o artigo 81º do Código Comercial de Macau, “as dívidas comerciais do empresário comercial presumem-se contraídas no exercício da sua empresa”.
Por sua vez, “são empresários comerciais...as pessoas singulares ou colectivas que, em seu nome, por si ou por intermédio de terceiros, exercem uma empresa comercial” (artigo 1º, alíena a) do Código Comercial).
Por seu turno, “considera-se empresa comercial toda a organização de factores produtivos para o exercício de uma actividade económica destinada à produção para o troca sistemática e vantajosa, designadamente...(entre outras) da actividade de intermediação na circulação dos bens” (artigo 2º, nº 1, alínea b) do Código Comercial).
Segundo as disposições acima expostas, não obstante provado estar que o 1º R. exerceu uma actividade comercial para além da sua principal profissão, não deixa ainda de ser empresário comercial no correspondente ramo de actividade, isto leva a que as dívidas por ele contraídas sejam da responsabilidade de ambos os cônjuges, salvo se se provar que não foram contraídas em proveito comum do casal ou se vigorar entre os cônjuges o regime da separação de bens ou da participação nos adquiridos.
Em termos de jurisprudência, cita-se a título exemplificativo o acórdão do STJ, de 1 de Julho de 1993, CJ/STJ, 1993, 2º-189, onde se escreve no resumo que “é comerciante quem habitual, regular e sistematicamente pratica operações comerciais, mesmo que não seja essa a única ou até a sua principal profissão”.
Assim, por não estar provado que as dívidas do 1º R. não foram contraídas em proveito comum do casal (resposta negativa ao quesito 30º), nem que o regime de bens do casal seja o da separação de bens ou da participação nos adquiridos, caso seja demonstrada alguma responsabilidade no caso em apreço, é da responsabilidade de ambos os cônjuges, nos termos do artigo 1558º, nº 1, alínea d) do Código Civil de Macau.
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Quanto à eventual excepção peremptória de erro-vício, provados não foram os factos atinentes à respectiva matéria factual, pelo que outra solução não resta senão julgá-la improcedente.
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Vejamos agora que dívidas têm os RR. para com a A.
Rendas e despesas de condomínio
Como acima se referiu, foi celebrado entre a A. e o 1º R. um contrato de arrendamento da fracção “XX”, tendo este assumido o pagamento da renda mensal de HKD$8.575,00 (ou MOP$8.850,00) e das despesas de condomínio no valor de HKD$1.332,00 (ou MOP$1.372,00), como contrapartida pelo uso da mesma.
Nos autos, está provado que desde Maio de 2006 até à data do abandono da fracção em 8 de Janeiro de 2007, o 1º R. deixou de pagar à A. as rendas e as despesas de condomínio devidas pelo arrendamento.
Segundo o princípio da liberdade contratual previsto no artº 399º do Código Civil de Macau, “Dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste Código ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver”.
Uma vez celebrado o contrato, este deve ser pontualmente cumprido, nos termos do artº 400º, nº 1 do mesmo Código, sob pena de o devedor faltoso vir a tornar-se responsável pelos prejuízos causados ao credor (artº 787º do Código).
Nos termos do artigo 996º, nº 1 do Código Civil de Macau, dispõe-se que “constituindo-se o locatário em mora, o locador tem o direito de exigir, além das rendas ou alugueres em atraso, uma indemnização igual a metade do montante que for devido, salvo se o contrato for resolvido com base na falta de pagamento; se o atraso exceder 30 dias, a indemnização referida é aumentada para o dobro”.
Assim, uma vez provada a falta de pagamento das rendas devidas, a A. tem direito a receber dos RR. as rendas em atraso no montante de MOP$8.850,00 x 9 meses = MOP$79.650,00 (correspondente aos meses de Maio de 2006 a Janeiro de 2007), bem como uma indemnização igual ao valor das rendas em atraso, i.e., também no valor de MOP$79.650,00.
No que respeitam às despesas de condomínio, por estar provado que o 1º R. deixou de efectuar o seu pagamento desde Maio de 2006 até 8 de Janeiro de 2007, num total de 9 meses, a A. tem direito a receber as respectivas despesas em atraso, no montante de MOP$1.372,00 x 9 meses = MOP$12.348,00.
  Quanto aos juros devidos sobre as despesas de condomínio e peticionados pela A., prevê-se no artigo 787º do Código Civil de Macau que caso a obrigação não seja cumprida o devedor faltoso torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor.
  No caso de simples mora, “constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor”, e “o devedor considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efectuada no tempo devido” (artigo 793º do Código Civil de Macau).
  Assim, o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir (artigo 794º, nº 1 do Código Civil) ou quando tiver verificado alguma das situações previstas nos termos do artigo 794º, nº 2 do mesmo código.
  Na obrigação pecuniária a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora (artigo 795°, n° 1 do Código).
  Os juros devidos são os juros legais, salvo se antes da mora for devido um juro mais elevado ou as partes houverem estipulado um juro moratório diferente do legal (artigo 795º, nº 2).
In casu, segundo o acordado, as despesas de condomínio deveriam ser pagas adiantadamente até ao dia 8 do mês a que respeitam, sob pena de ser cobrados juros de mora calculados à taxa convencional de 15% ao ano.
Nestes termos, dúvidas não temos de que são devidos juros de mora, à taxa convencional de 15% ao ano, sobre as despesas de condomínio em atraso, calculados a partir do dia 8 de cada mês em falta a que respeita, nos termos do artigo 794º, nº 2, alínea a) e 795º, nº 1 e 2 do Código Civil de Macau.
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Indemnização compensatória pela revogação antecipada do contrato de arrendamento
Em terceiro lugar, vem a A. pedir que sejam os RR. condenados no pagamento de uma indemnização no valor de MOP$119.475,00, consistente na compensação equivalente a 13 meses e meio de rendas, correspondente ao período compreendido entre a data em que o 1º R. revogou o arrendamento e o terminus da vigência do contrato de arrendamento.
Embora seja verdade que não assiste ao 1º R. o direito de revogar unilateral e antecipadamente o contrato, pois ao contrário do que sucede nos arrendamentos para fins habitacionais (artigo 1044º do Código Civil de Macau), a lei de Macau não permite, nos contratos de arrendamento para fins comerciais, a revogação unilateral por parte do arrendatário, ou seja, o arrendatário ora 1º R. não goza do direito de pôr fim ao arrendamento antes do seu respectivo termo, mas nem por isso acarretaria necessariamente ao senhorio prejuízos pelo simples acto de revogação unilateral e antecipada do contrato de arrendamento.
Isto porque, para que haja lugar a direito de indemnização, terá que provar pelo senhorio que a cessação antecipada do contrato lhe causou algum dano, e salvo o devido respeito, nenhum facto relevante sobre a matéria foi alegado para o efeito.
Além disso, também haverá lugar a direito de indemnização se as partes assim tiverem acordado.
Relativamente à questão em causa, os contraentes acordaram na cláusula 4ª do contrato de arrendamento o seguinte: “租賃期2年,由2006年3月16日起至2008年3月15日止。於首年租賃期內,甲方不得提前終止本租約,乙方欲提前終止本租約,必須預早三個月前書面通知甲方,並向甲方支付補償金(按剩餘租賃期之租金計),由第2年起(2007年3月16日),租金雙方另行商議,如任何一方欲提前終止本租約,可提前三個月書面通知對方。於租約期滿時,乙方同意不再續約,按時無條件遷出及不得要求任何搬遷補償,且將商場交吉歸還甲方”.
Salvo o devido respeito por opinião contrária, julgo que a vontade das partes contraentes era no sentido de fixar condições da cessação do contrato mais rigorosas para o primeiro ano e menos para o segundo.
Assim, se o contrato cessar no primeiro ano por iniciativa do arrendatário, para além de ser obrigatória a comunicação da sua pretensão à A. com a antecedência de 3 meses, é necessário ainda pagá-la uma indemnização correspondente às rendas “vincendas” até ao terminus da vigência do contrato; a partir do segundo ano, i.e., desde 16 de Março de 2007 até 15 de Março de 2008, as condições da cessação do contrato tornam-se mais flexíveis e menos rigorosas, podendo qualquer dos contraentes pedir a sua cessação com a antecedência de 3 meses, não havendo, neste caso, necessidade de qualquer indemnização.
Ora, no caso sub judice, provado está que o 1º R. abandonou o arrendado no dia 8 de Janeiro de 2007, altura em que ainda não decorreu um ano sobre o início da vigência do contrato, pelo que a A. tem direito a uma indemnização correspondente a treze meses e meio de renda (desde Fevereiro de 2007 até 15 de Março de 2008), no montante de MOP$119.475,00, conforme o acordado.
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Honorários e despesas incorridas pela A.
Finalmente, a A. veio pedir que sejam os RR. condenados a pagá-la honorários de advogado e despesas incorridas na presente acção.
Salvo o devido respeito, não julgo assistir razão à A., tendo em conta que o próprio regime de custas já prevê a figura de custas de parte e procuradoria.
Além disso, não se vislumbra qualquer nexo de causalidade entre a dívida reportada nos presentes autos e os honorários acordados entre a parte vencedora ora A. e o seu mandatário. Pois, este acordo de pagamento de honorários só vincula as partes (parte vencedora e seu mandatário), pelo que não tem a parte vencida que suportar tais consequências onerosas.
Assim, por os honorários da A. e eventuais despesas despendidas deverem ser considerados à luz das regras previstas no Regime das Custas dos Tribunais respeitantes à matéria de custas de parte e procuradoria, não resta outra alternativa senão julgar improcedentes esses pedidos da A.
No que respeita a outras despesas que venha, futuramente, a realizar para obter a satisfação do seu crédito, quer no decurso da presente acção quer na eventual execução da sentença, salvo o devido respeito por opinião contrária, julgo não ser legítimo ao Tribunal fixar as despesas já neste momento, pelo facto de não se saber se elas existirão ou não, e se sim, qual o seu montante.
Caso o credor venha a recorrer à acção executiva para satisfazer o seu crédito, as respectivas despesas a realizar deverão ser provadas na própria acção executiva, ajuizando o juiz competente se tais sejam necessárias ou supérfluas, fazendo apelo ao critério de justiça e adequação.
Assim sendo, julgo absolvidos os RR. desse pedido.
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Reconvenção
Quanto à reconvenção dos RR., no respeitante à quantia de MOP$200.000,00 alegadamente despendida em obras de decoração do espaço arrendado, sem necessidade de delongas considerações, a solução não deixa de ser outra senão julgar improcedente o pedido, por não estar provada a matéria a ela atinente.
Contudo, mesmo que fosse provada tal despesa, a solução não deixaria de ser a mesma uma vez que foi acordado pelas partes através do próprio contrato de arrendamento, na sua cláusula 8º, que a A. não teria que pagar qualquer compensação ao arrendatário pelas obras de decoração ou benfeitorias por ele efectuadas.
No que toca à quantia da caução paga pelo 1º R. à A. na altura da celebração do contrato, têm já alguma razão os RR. no sentido de que deve ser tomada em consideração para efeitos de compensação, dado que segundo o acordado, dos três meses de rendas e despesas de condomínio pagos no valor de MOP$30.666,00, um terço destinava-se para pagar o primeiro mês de renda e despesas de condomínio, devendo os restantes dois terços, na quantia de MOP$20.444, ser oportunamente compensados, assim, no cálculo da quantia devida pelos RR. à A., irá ser descontada a referida quantia de MOP$20.444,00.
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DECISÃO
Tudo exposto e nos fundamentos acima descritos, julgo parcialmente procedente a presente acção comum sob a forma ordinária intentada pela A. Companhia de A Limitada contra os RR. B e C, e parcialmente procedente a reconvenção, condenando os últimos a pagar à A. as quantias abaixo discriminadas:
1 – Rendas vencidas no valor de MOP$79.650,00, e indemnização de igual valor, e deduzindo-se o valor da caução no montante de MOP$20.444,00, dá-se um subtotal de MOP$138.856,00;
2 – Despesas de condomínio, no valor mensal de MOP$1.372,00, vencidas desde 8 de Maio de 2006 a 8 de Janeiro de 2007, no montante global de MOP$12.348,00, acrescidas dos respectivos juros de mora à taxa convencional de 15% ao ano, contados a partir do dia 8 de cada mês em falta a que respeita;
    3 – Indemnização pela cessação do contrato no valor de MOP$119.475,00;
    Vão os RR. absolvidos dos demais pedidos formulados pela A.
    Custas do processo pelas partes, na proporção do respectivo decaimento.
    Registe e notifique.

Não se conformando com o decidido, vieram os Réus recorrer da mesma concluindo e pedindo:

A) A A. incumpriu o contrato, não possibilitando ao 1º R. o gozo do locado nas condições acordadas e pressuposto da vontade de contratar, em violação do disposto no art. 977º, alínea b) do C.C.;

B) Ainda, mesmo que assim se não entendesse, por que interpelada para cumprir as suas obrigações, que foram premissa da contratação por parte do 1º R., sem nunca o ter feito, determinou a A. a alteração das circunstâncias que fundaram a decisão de contratar, lesando gravemente o 1º R., que não conseguiu um volume mínimo de negócio que lhe permitisse manter o contrato, tendo este graves prejuízos económicos, o que determinou a resolução do válida e eficaz do contrato – cfr. arts. 433º e 430º do C.C..

C) Por todo o exposto, os RR. teriam que ter sido absolvidos do pedido, o que desde já se requer.

D) A Sentença proferida é nula por violação do art. 571º, alíneas b), c) e d) do Código de Processo Civil.

Termos em que, nos melhores de Direito e sempre com o Mui Douto suprimento de V.Exªs, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado e em consequência serem os RR. absolvidos dos pedidos, só assim se fazendo a mais esperada e sã,
JUSTIÇA!



Ao recurso respondeu a Autora pugnando pela improcedência do recurso.

II

Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.

Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.

Conforme o decidido na sentença recorrida, o Tribunal a quo julgou parcialmente procedente a acção e improcedente a reconvenção.

Não impugnando a sentença na parte que diz respeito à improcedência da reconvenção, vieram os Réus apenas reagir contra a condenação parcial no pedido da Autora.

Assim, o recurso tem por objecto apenas a decisão sobre a acção.

Lida a sentença recorrida e dando uma vista de olhos ao alegado na petição do recurso, é de concluir logo que o recurso não pode deixar de improceder por ser manifestamente infundado.

Ora, foi pelo incumprimento da obrigação de pagamento das rendas e das despesas de condomínio, nos termos estipulados no contrato de arrendamento celebrado entre eles, que os Réus foram condenados a pagar as rendas vencidas e as despesas de condomínio.

Não reagiram os Réus contra a matéria de facto assente.

Ai, em termos essenciais, ficou provado que:

* foi celebrado, entre a Autora e o 1º Réu, um contrato de arrendamento de uma loja no centro comercial de que é proprietária a Autora, pelo prazo de 2 anos, com início em 16MAR2006 e termo em 15MAR2008; e

* o 1º Réu apenas procedeu ao pagamento da renda e das despesas de condomínio, relativas ao mês de Abril de 2006.

Nas suas alegações, os Réus limitaram-se a pegar num facto provado, e a partir desse facto “desenvolver” e “ampliar” a matéria de factos, e acabaram por concluir pelo incumprimento por parte da Autora, enquanto locador, das suas obrigações de entregar ao locatário a coisa locada e assegurar-lhe o gozo da coisa para os fins a que a coisa se destina, com base nesses factos “ampliados”, tidos por eles próprios como se fossem factos provados.

Antes de mais, é de realçar que foi cedido o gozo da loja ao arrendatário, o 1º Réu.

O facto provado em que pegaram os recorrentes é o de que 1º Réu insistiu sempre com a Autora, para esta promover o centro comercial em causa, no sentido de atrair mais clientela.

E além disso, dizem os recorrentes que “são factos públicos e notórios, que não carecem de alegação, nem de prova, que à data de celebração do contrato, a empresa proprietária do Centro Comercial onde se situa o locado e a Autora estar a publicitar a inclusão e a abertura naquele de lojas de grandes marcas, como a Louis Vuitton, a Zara e outras, como chamativo e apelo efectuado a quem pretendesse fazer negócio, investindo, naquele local.”.

Assim, na óptica dos Réus, como, instada para cumprir o “acordado”, a Autora nunca instalou naquele centro comercial as tais afamadas lojas de marca e nem o promoveu no sentido de atrair mais clientela, ela incumpriu as obrigações a que se refere o artº 977º/-b) do CC, à luz do qual é obrigação do locador assegurar ao locatário o gozo da coisa para os fins a que se destina.

Ora, em primeiro lugar, não consideramos que são notórios os factos de que, no momento de celebração do contrato de arrendamento, a Autora estava a publicitar a inclusão e a abertura naquele centro comercial de lojas de grandes marcas, como a Louis Vuitton e a Zara.

E não ficou estipulado no contrato de arrendamento nem foi alegado na contestação que a Autora, enquanto senhorio, se obriga a promover o centro comercial no sentido de atrair mais clientela.

Não se tratando de factos notórios, os tais factos essenciais carecem de ser sempre alegados pela parte – artºs 5º/1 e 434º/1, a contrario, do CPC, pois de outro modo, não podia o Tribunal fundar a sua decisão nesses mesmos factos – artº 5º/2 do CPC.

E em segundo lugar, nem sequer foi alegado na contestação que os tais factos constituem motivos determinantes da formação por parte do 1º Réu da vontade e da decisão de tomar de arrendamento a loja em causa.

Antes pelo contrário ficou provado nos autos que a Autora efectivamente cedeu o gozo da loja ao 1º Réu e este não pagou atempadamente as rendas e as despesas de condomínio, para além das relativas ao mês de Abril de 2006.

Demonstrado assim o incumprimento por parte do 1º Réu, este e a 2ª Ré, seu cônjuge, não podem deixar de ser condenados no cumprimento de acordo com o clausulado no contrato.

Assim, bem andou o Tribunal a quo ao decidir como decidiu, e sem mais delonga, não nos resta outra solução que não seja a de julgar improcedente o presente recurso por ser manifestamente infundado.

Tudo visto, resta decidir.
III

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam julgar improcedente o recurso interposto pelos Réus, mantendo na íntegra a sentença recorrida.

Custas pelos Réus.

Registe e notifique.

RAEM, 10ABR2014


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Lai Kin Hong
(Relator)

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João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
(Primeiro Juiz-Adjunto)

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Ho Wai Neng
(Segundo Juiz-Adjunto)