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Processo nº 793/2012
(Recurso Cível)

Relator: João Gil de Oliveira
Data: 22/Maio/2014

   Assuntos:
- Divórcio por separação de facto; elemento objectivo e subjectivo

    SUMÁRIO :
    1. Se o marido, pelo menos desde 2005 e até à presente data deixou de viver na mesma casa com a sua mulher, não havendo, pelo menos da parte dele o propósito de restabelecer a vida conjugal, se propôs a acção em 14/2/2011, acção essa que não foi contestada, entende-se que se observam os requisitos para o decretamento do divórcio por separação de facto por período superior a dois anos nos termos do artigo 1637º, al. a) do Código Civil.
    2. O elemento objectivo é a divisão do habitat, a falta de vida em comum dos cônjuges, que passam a ter residências diferentes. Este elemento é muitas vezes equívoco, pois o dever de coabitação, reveste-se de grande plasticidade. Tudo depende das circunstâncias e há uma grande variedade de situações. Ao elemento objectivo que é matéria da separação de facto, há-de, pois, acrescer um elemento subjectivo, que anima essa matéria e lhe dá forma e sentido; consiste ele numa disposição interior - o “propósito” como diz o artigo da parte de ambos os cônjuges ou de um deles de não restabelecer a comunhão da vida matrimonial.
    3. Não se deve ser demasiado exigente na comprovação de uma matéria de facto fluida, do foro íntimo, sentimental, afectiva. A perda dos laços é, quantas vezes, pelo silêncio que melhor se expressa.
    4. Numa situação em que se vem a invocar a ruptura conjugal, em regra o elemento subjectivo não deixa de acompanhar o elemento objectivo relevante, na certeza de que nesses casos ele se vai cimentando ao longo do tempo. É evidente que numa situação dessas, como aquelas que a vida nos mostra, não há um momento exacto e determinável para se poder dizer que naquele exacto momento passou a haver uma disposição de ruptura conjugal.
    5. Os requisitos para o decretamento do divórcio, não deixam de actuar sobre o marco de referência temporal em que se traduz a propositura da acção e o tempo da sua pendência, não se deixando de lhe dar prevalência, em função do princípio da actualidade da decisão, plasmado no artigo 566º do Código de Processo Civil.
O Relator,









Processo n.º 793/2012
(Recurso Civil)
Data : 22/Maio/2014

Recorrente : A

Recorrida : B

    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
    A, na sequência da decisão proferida no âmbito dos presentes autos que julgou improcedente a acção e, em consequência, absolveu a Ré, ora Recorrida, B, dela interpõe recurso, alegando em síntese:
    1. Vem o presente recurso da decisão proferida no âmbito dos presentes autos que julgou improcedente a acção e, em consequência, absolveu a Ré, ora Recorrida, B, do pedido de divórcio formulado pelo Autor, ora Recorrente; A.
    2. Com deito, a aqui Recorrente não se pode conformar com a referida Sentença, porquanto, ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou, entre outros, o n.º 1 do artigo 1638° do Código Civil de Macau ("C.C.M")
    3. Resulta da douta sentença ora posta cm causa, assente na matéria de fado provada, que o Recorrente e a Recorrida deixaram de viver juntos desde 2005 até presente dura, portanto, estão separados de facto há mais de dois anos, e que não existe, pelo menos por parte do ora Recorrente, de propósito de restabelecer a vida cm comum.
    4. Todavia, o Tribunal a quo, baseando-se num acórdão deste Venerando Tribunal de 10 de Dezembro de 2009, proferido no processo n.º 74/2008, negou a decretação fio divórcio por entender que o propósito de não restabelecer a vida em comum também tem que estar verificado há 2 anos consecutivos, o que não acontece no presente caso.
    5. Com efeito, segundo o Tribunal a quo nada resulta dos factos assentes acerca da data concreta a partir da qual o Á. formou a vontade de não restabelecimento da vida em comum, sendo que o único elemento disponível a esse respeito é a data de 14 de Fevereiro de 2011, data em que foi apresentada a petição inicial de divórcio.
    6. Ora, é verdade que, conforme ensina Antunes Varela (cfr. Direito da Família, Lisboa 1993, pago 540 a 542), a separação de facto envolve dois elementos:
    O elemento objectivo, que consiste na falta de vida em comum dos cônjuges que passam a ter residências diferentes e o elemento subjectivo que consiste num propósito de ambos, ou de um deles, de não restabelecer a vida em comum (Artigos 1637° a) e 1638°, n.º 1), do C.C.M.).
    7. Porém, salvo o devido respeito, parece que o Tribunal coloca a questão um pouco ao contrário relativamente à prova dos elementos subjectivo e objectivo da separação de facto.
    8. Com efeito, estando demonstrada numa acção de divorcio que os cônjuges não têm vida em comum há cerca de 7 anos, só se poderia concluir pela inexistência de uma separação no sentido dos artigos 1637º a) e 1638º, n.º 1) de C.C.M., por falta do elemento subjectivo, se houvesse elementos nos autos que permitissem concluir que tal separação era justificada e consentida por qualquer mas que não correspondia uma separação afectiva do casal (as situações exemplificadas na sentença).
    9. Ou seja, perante o facto de os cônjuges não viverem juntos há mais de 7 anos, sem que haja um motivo para o efeito, é perfeitamente possível formular um juízo conclusivo, com base nas regras de experiência, de razoabilidade - aliadas à intenção inequivocamente demonstrada com a propositura da acção de divórcio que existe uma ruptura da vida conjugal que justifica a decretação do divórcio remédio, nos termos dos citados artigos.
    10. Acresce que, ao contrário do afirmado na sentença ora posta em causa, a tendência da mais recente jurisprudência deste Venerando Tribunal e, em termos de direito comparado, da jurisprudência portuguesa de há muito tempo, tem sido no sentido de que o início da separação de facto só diz respeito ao elemento objectivo sendo que, para o elemento subjectivo, basta a verificação da vontade definitiva de cm dos cônjuges de não restabelecer a vida em comum.
    11. Tal entendimento encontra-se expresso em vários acórdãos deste Tribunal designadamente o n.º 388/2010 de 15 de Dezembro de 2011 onde se refere que:
    "Quanto ao elemento subjectivo, o que nos parece é que o momento do início da separação entre os cônjuges só se diz respeito aos elementos objectivos, e para o elemento subjectivo, basta a verificação da sua vontade definitiva de "não restabelecer comunhão de vida matrimonial.", e que "o simples facto de o autor intentar a acção de divórcio demonstra, só por si, o propósito de não reatamento dá sociedade conjugal, já que se traduz numa manifestação nesse sentido, desde que se tenha separado do outro há mais de dois anos consecutivos".
    12. Também no Acórdão do T.S,I., n° 158/2011, é referido que: "A sentença considerou essencialmente que só no momento da proposição da presente acção é que começou a contagem da vontade do autor ou a ré de "não restabelecer a comunhão de vida matrimonial", razão pela que, por a partir dali não se completar o período de dois anos, deu por não haver separação de facto durante dois anos consecutivos.
    13. O que nos parece é que a sentença confundiu os critérios da consideração dos elemento objectivos e subjectivos. O momento do início da separação entre os cônjuges só se diz respeito aos elementos objectivos, e para o elemento subjectivo, basta a verificação da sua vontade definitiva de "não restabelecer a comunhão de vida matrimonial".
    14. Pelo exposto supra, entende o Tribunal a quo violou, por interpelação errada da lei substantiva, o n.º 1 do artigo 1638° do Código Civil de Macau ("C.C.M."), assim, a douta sentença deve ser revogada e, consequência, ser decretado o divórcio entre o Recorrente e a Recorrida
    Nestes termos,
    Deve ser julgado procedente o presente recurso, por totalmente provado, e bem assim, devendo a sentença recorrida ser revogada, consequentemente, ser decretado o divórcio entre Recorrente e Recorrida.
    
    Não houve oposição na acção nem neste recurso.
    
    Foram colhidos os vistos legais
    II - FACTOS
    Vêm provados os factos seguintes:
    - O Autor e a Ré contraíram casamento civil em Macau no dia 15 de Julho de 2004, sem precedência de convenção antenupcial e portanto segundo o regime da participação nos adquiridos, casamento esse registado na conservatória do Registo Civil de Macau.
    - Pelo menos, desde 2005 e até à presente data, o Autor e a Ré não vivem na mesma casa.
    - Não existe pelo menos por parte do Autor o propósito de a restabelecer.
    III - FUNDAMENTOS
    1. O objecto do presente recurso passa por saber se se observam os requisitos do divórcio por separação de facto pelo período de dois anos.
    
    2. As razões expendidas na douta sentença pareceriam numa primeira análise irrepreensíveis:
    “Dos factos provados vê-se que as partes deixaram de viver juntos a partir de 2005, portanto, estão separados há mais de dois anos.
    Apesar de estar provado que o Autor não tem o propósito de restabelecer a comunhão de vida que cessara há por volta de 7 anos verifica-se que nada resulta dos factos assentes acerca da data concreta a partir da qual o Autor formou esta vontade. O único elemento disponível a esse respeito, é a data de 14 de Fevereiro de 2011, data em que foi apresentada a petição inicial em que o Autor manifesta a sua vontade de não restabelecer a comunhão de vida.
    Conforme o Acórdão do Tribunal de Segunda Instância, de 10 de Dezembro de 2009, processo n° 74/2008, para os efeitos previstos no artigo 1637°, a), do CC, não basta a separação por dois anos. O propósito de não restabelecer a vida em comum, referido no artigo 1638°, n.º 1, do CC, também tem que estar verificado há 2 anos.
    Trata-se de uma exigência que resulta da própria letra da lei quando procedemos a uma leitura mais atenta das normas em questão. Num primeiro momento, através do artigo 1638°, n° 1, do CC, a lei define a separação de facto como sendo uma situação de ruptura afectiva em que envolve não apenas a cessação da vida em comum mas também a vontade de um ou de ambos os cônjuges de não mais voltar a estabelecer a cessada vida em comum. Pelo que, só se está em separação de facto quando estão reunidos esses dois elementos: um objectivo, a separação, e outro subjectivo, o propósito de não restabelecer a comunhão de vida. Num segundo momento, com o artigo 1637°, a), do CC, a lei exige que essa ruptura afectiva tenha perdurado por 2 anos consecutivos.
    Como vem esclarecido no Acórdão acima referido, essa exigência de o propósito de não restabelecer a vida em comum também perdurar 2 anos consecutivos resulta do facto de hoje em dia ser muito frequente a separação dos cônjuges pelas mais variadas ordens de razão: emprego, estudo, formação, etc. Essas situações em que os cônjuges são, como que, forçados a viver separados, não constituem motivo para divórcio porque ainda não se verificou a exigida ruptura afectiva do casal.
    Além disso, tendo em conta o acima expendido, deve-se exigir que esses requisitos estejam preenchidos à data da propositura da acção visto que o direito potestativo de qualquer dos cônjuges pedir unilateralmente o divórcio deve estar consolidado na respectiva esfera jurídica nesta altura, o qual, segundo os artigos 1637°, a) e 1638° do CC, só nasce quando o casal tiver deixado de coabitar, com comunhão de leito, mesa e tecto, durante dois anos e sem o propósito de restabelecer a comunhão de vida também por dois anos. Com efeito, na perspectiva do legislador, apenas nessa altura é que a ruptura do casal se toma objectivamente irreversível.
    Assim, não obstante estar provado que as partes deixaram de viver juntos, a partir de 2005, não pode proceder o pedido de divórcio do Autor visto que só se pode considerar que o seu propósito de não restabelecer a comunhão de vida se formou em 14 de Fevereiro de 2011, isto é, há menos de 2 anos à data em que a presente acção foi interposta.”
    
    3. Dispõe o artigo 1637°, a), do CC, que a separação de facto por 2 anos consecutivos é também fundamento de divórcio litigioso.
    Nos termos do art. 1638, n.º 1, do CC, "Entende-se que há separação de facto, para os efeitos da alínea a) do artigo anterior, quando não existe comunhão de vida entre os cônjuges e há da parte de ambos, ou de um deles, o propósito de não a restabelecer."
    São assim elementos da separação de facto: a) elemento objectivo: falta de comunhão de vida entre os cônjuges; b) elemento subjectivo: haver da parte de ambos ou apenas de um deles um propósito de não restabelecer a comunhão de vida matrimonial; c ) a separação por dois anos consecutivos.

     4. A situação merece alguma atenção e ponderação.
    Estamos num domínio em que, se o elemento objectivo é fácil de demonstrar, já não assim o elemento subjectivo.
    Imaginemos uma discussão intra muros na casa de morada de família, o marido bate com a porta e sai de casa.
    Ou pode até sair de casa sem discussão alguma .
    Pode sair com a intenção imperscrutável de não mais viver com a sua mulher naquela ou noutra casa; pode sair apenas para apanhar fresco e seguro que dentro de umas horas ou dias as coisas irão serenar. Pode até ser dominado por aquele primeiro ânimo e voltar a reponderar por si ou porque as artes da esposa o convencem a tal.
    É evidente que pode até bater com a porta e não mais ali voltar porque alguma fatalidade o faz desaparecer, numa situação como aquela em que as vagas levam o pescador ou um avião desaparece sem recobro do corpo.
    E pode fechar a porta, por dias, meses e anos, por razões e necessidades várias, ponderosas ou não, da sua vida pessoal, familiar, profissional, quantas vezes, para ganhar o pão para a sua própria família.
    Estas duas últimas situações não interessam para o caso, mas não são completamente desprezíveis, na medida em que materializam uma causa justificativa para a separação independentemente da intencionalidade no rompimento conjugal. Dir-se-á que mesmo nelas se revela apenas o elemento objectivo, mas diremos nós que esse elemento objectivo é irrelevante como fonte de divórcio (exceptuada a situação da al. b) do art. 1637º do CC). Já não assim no primeiro grupo das diferentes situações de separação, pesem embora, ainda aí, os seus diferentes contornos.
    
    Estamos num domínio - referimo-nos ao elemento subjectivo - muito volátil e de difícil apreensão e percepção. Por vezes nem o próprio membro do casal sabe o que quer! Tanto assim que não é difícil configurar que haja casais que partilhem o mesmo tecto, mas que no fundo, no fundo, nada há mais de comum entre eles.
    Daí que faça sentido integrar como pressuposto da separação relevante esse animus de separação, de corte, de cessação da relação conjugal.
    É por isso que se acasalam esses dois elementos - o objectivo e o subjectivo - como requisitos do divórcio por separação de facto.
    
    5. É assim que se deve compreender o invocado acórdão deste TSI - proc. n.º 74/2008 -, no qual se louvou a Mma Juíza que prolatou a douta sentença recorrida para julgar improcedente a presente acção de divórcio.
     Temos, porém, para nós, que não se deve ser demasiado exigente na comprovação de uma matéria de facto fluida, do foro íntimo, sentimental, afectiva. A perda dos laços é, quantas vezes, pelo silêncio que melhor se expressa.
    Nesta linha, o Prof. Pereira Coelho, “Esta causa de divórcio é integrada por dois elementos, um objectivo e outro subjectivo. O elemento objectivo é a divisão do habitat, a falta de vida em comum dos cônjuges, que passam a ter residências diferentes. Este elemento é muitas vezes equívoco, pois o dever de coabitação, reveste-se de grande plasticidade. Tudo depende das circunstâncias e há uma grande variedade de situações. Pode haver residências separadas - o artº 1673º [1534º CC Macau] permite-o - e todavia haver uma comunhão de vida (v.g. o caso dos emigrantes). Outras vezes, respeitos humanos ou o interesse dos filhos levam os cônjuges a manter uma aparência de vida em comum que não corresponde à realidade. Ao elemento objectivo que é matéria da separação de facto, há-de, pois, acrescer um elemento subjectivo, que anima essa matéria e lhe dá forma e sentido; consiste ele numa disposição interior - o “propósito” como diz o artigo da parte de ambos os cônjuges ou de um deles de não restabelecer a comunhão da vida matrimonial (...)”1
    Também a este respeito ensina o Prof. Antunes Varela “A forma como na lei (…) se define a separação de facto, tradutora da ruptura da vida em comum, mostra com efeito que ela pode resultar de uma actuação bilateral concertada entre ambos os cônjuges, como de um procedimento bilateral não acordado entre eles, como da atitude isolada de um só deles. Apesar de não ser essencial o acordo dos cônjuges quanto à separação, é evidente que esta separação compreende um elemento subjectivo (a intenção de ambos os cônjuges, ou de um deles de romper definitivamente com a vida em comum) ao lado de um elemento objectivo (não existência entre os cônjuges da comunhão de leito, mesa e habitação”.23
    
    6. Perante este enquadramento somos a discorrer que o elemento subjectivo, numa situação em que se vem a invocar a ruptura conjugal, acompanha o elemento objectivo relevante, na certeza de que nesses casos ele se vai cimentando ao longo do tempo. É evidente que numa situação dessas, como aquelas que a vida nos mostra, não há um momento exacto e determinável para se poder dizer que naquele exacto momento passou a haver uma disposição de ruptura conjugal.
    Daí que o levantamento da cortina se faça por um conjunto de factos e comportamentos, donde emerge, com maior relevo, a separação de facto material, objectiva. Pois se assim não fosse, não faltariam motivos ou razões que logo seriam aventados pela outra parte, de forma a fechar a cortina, alegando-se que não foi assim que as coisas se passaram, pois, não obstante aquela saída, ocorreu este e aquele facto demonstrativo de uma vontade em manter o casamento.
    É verdade que a matéria fáctica nos presentes autos é muito curta, mas, pensamos, não ser impeditiva do decretamento do divórcio, relevando-se aqui, não obstante as regras do ónus da prova, a passividade do cônjuge, a esposa requerida no divórcio, que nada veio alegar ou contrapor ao afirmado e ao desiderato formulado pelo marido. Tudo conjugado, não nos será difícil compreender que aquela separação de facto que se prolongou, à presente data por cerca de nove anos, sem nada que a quebrasse ou sem que tal fosse invocado, não terá deixado de estar imbuída do elemento subjectivo pertinente. Como ensina o Prof. Antunes Varela, 4 a Segunda Instância, assento final da fixação da matéria de facto, pode, com base nos factos provados - e desde que não os altere - lançar mão dos juízos de experiência, ou das considerações de probabilidade/razoabilidade para dar como provados outros factos, assim como tem toda a liberdade de emitir juízos de valor sobre a matéria de facto, alterando ou reforçando os que foram emitidos pela 1ª Instância.

    7. Esta sensibilidade temo-la visto colhida na Jurisprudência de Macau, em particular neste TSI, o que se recolhe da análise de três acórdãos que se seguiram àquele acima referido na douta sentença sob apreciação, aliás, também subscrito pelo presente relator. Não obstante, regista-se uma evolução no sentido acima desenhado, tal como reflectida na própria evolução da Jurisprudência concretizada nos acórdãos 388/2010, 158/2011 e 723/2013.
     Do primeiro se pode retirar que “o simples facto de o autor intentar a acção de divórcio demonstra, só por si, o propósito de não reatamento da sociedade conjugal, já que traduz uma manifestação nesse sentido, desde que se tinha separado do outro há mais de dois anos consecutivos.”
    Do segundo “O elemento objectivo consiste na divisão do habitat, na falta de vida em comum dos cônjuges, que passam a ter residências diferentes; o elemento subjectivo consiste num propósito da parte de ambos os cônjuges ou de um deles, de não restabelecer a comunhão de vida matrimonial.
É nitidamente um facto conclusivo que “não existe, pelo menos da parte do A., o propósito da restabelecer a comunhão de vida”.
Para a verificação deste requisito, só pode levar em conta os elementos fácticos concretamente acontecido, v.g. as partes não moravam no mesmo tecto; vivia numa outra casa; vivia com outra mulher ou homem, etc. O simples facto de o autor intentar a acção de divórcio demonstra, só por si, o propósito de não reatamento da sociedade conjugal, já que traduz uma manifestação nesse sentido, devendo considerar haver separação de facto quando se verificar o requisito objectivo e o pressuposto de “dois anos consecutivos”.
    Do terceiro, este, então, incisivamente, “na matéria de divórcio com fundamento na separação de facto, ao exigir a duração mínima de dois de separação de facto, o nosso legislador está a olhar apenas para o requisito objectivo e não também o subjectivo. Pois este requisito, de natureza subjectiva, é um requisito de natureza complementar. Assim sendo, desde que tenha sido provada a separação de facto por dois anos e no momento de decisão persista a intenção de não restabelecer a comunhão de vida interrompida por dois anos consecutivos, é de decretar o divórcio.”
     Aliás, relativamente ao elemento subjectivo, importa ainda esclarecer que, como vem sendo entendimento da Jurisprudência Comparada, a propositura da acção com fundamento na separação de facto, revela de forma inequívoca a intenção ou o propósito de não restabelecer a comunhão de vida entre os cônjuges .5
    
    8. Voltando ao caso dos autos e não obstante reconhecer-se, repete-se, ser escassa a factualidade alegada, não pode deixar de se concluir que foram alegados e provados factos suficientes para a integração dos referidos elementos.
No caso é indiscutível a ocorrência do elemento objectivo da "separação de facto".
Por outro lado, tendo o autor, ora recorrido, proposto a acção de divórcio, manifestou com tal conduta a intenção de romper definitivamente com a vida em comum, verificando-se, desta forma, o elemento subjectivo da "separação de facto". Como se refere noutro aresto6 “ o simples facto de o autor intentar a acção de divórcio demonstra, só por si, o propósito de não reatamento da sociedade conjugal, já que traduz uma manifestação nesse sentido.”
Por outro, nada foi oposto que fizesse apartar daquela separação ao longo de vários anos qualquer circunstancialismo paralisante de um elemento subjectivo, como integrante, em princípio, de uma separação material objectiva.

    9. Por último, se estas razões não bastassem, sempre podemos dizer que, passado todo este tempo, contado até o da pendência da acção, o elemento subjectivo não deixa de ocorrer, visto o princípio que decorre da actualidade que deve revestir a decisão judicial.
    Esta argumentação mostra-se igualmente acolhida na Jurisprudência Comparada7, onde se afirma que, se, por um lado, a separação de facto como causa de divórcio exige, em primeiro lugar a verificação de um elemento objectivo, constituído pela falta de vida em comum dos cônjuges, que passam a ter residências diferentes, a tal elemento, acresce a exigência de um elemento subjectivo, que anima essa matéria e lhe dá forma e sentido, o qual, - para efeitos da separação de facto por dois anos consecutivos -, consiste numa disposição interior, ou num propósito, da parte de ambos os cônjuges, ou de um deles, de não restabelecer a comunhão de vida matrimonial, compreendendo-se, todavia, a menor imperatividade probatória quanto ao mesmo elemento, no caso da separação de facto como causa de divórcio, se este for requerido por um dos cônjuges sem oposição do outro; ou seja, o elemento subjectivo vai em princípio implicado, quer na circunstância de um dos cônjuges requerer o divórcio, quer na circunstância de o outro não deduzir oposição;
Aí se afirmando ainda que o corpus material da separação em causa se encontrava provado, uma vez que no momento em que foi proferida a decisão final decorreu muito mais do que o tempo mínimo indispensável, desde que o réu saíra do domicílio conjugal, pelo que, considerando a data da propositura da presente acção (14/2/2011), sobre este marco de referência temporal não se deixará de lhe dar prevalência, em função do princípio da actualidade da decisão plasmado no artigo 566º do Código de Processo Civil.
    Em face do exposto o recurso não deixará de proceder.

    IV - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em conceder provimento ao recurso, e, revogando, a decisão recorrida, decreta-se o divórcio entre o Autor A e a Ré B.
    Custas pelo autor/recorrente em ambas as instâcias.
Macau, 22 de Maio de 2014,

_________________________
João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
(Relator)

_________________________
Ho Wai Neng
(Primeiro Juiz-Adjunto)

_________________________
José Cândido de Pinho
(Segundo Juiz-Adjunto)

1 - Reforma do Código Civil, Petrony, 1981, 36 e 37

2 - Direito da Família, ed. 1987, págs. 479 e segs
3 - Direito da Família, ed. 1987, págs. 479 e segs

4 - Revista de Legislação e Jurisprudência 122º, 223
5 - Acs. do STJ de 5/07/01, CJ/STJ T.II, pág. 166; de 3/04/2003 e de 25/11/2003

6 - Ac. do S.T.J. de 5/7/01, C.J/S.T.J., ano IX, tomo II, pág. 166
7 - Ac. do STJ, Proc. n.º 05B2266 de 20/1/2005

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