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Processo n.º 22/2014
Recurso penal
Recorrente: A
Recorrido: Ministério Público
Data do acórdão: 11 de Junho de 2014
Juízes: Song Man Lei (Relatora), Sam Hou Fai e Viriato Manuel Pinheiro de Lima

Assuntos: - Crime de tráfico de estupefacientes
- Atenuação especial da pena
- Idade inferior a 18 anos

SUMÁRIO

1. A verificação de qualquer das circunstâncias referidas no n.º 2 do art.º 66.º do Código penal não constitui fundamento, por si só, para a atenuação especial da pena, regime este que tem como pressuposto material a acentuada diminuição da culpa do agente ou das exigências da prevenção, tal como expressamente estabelece o n.º 1 do art.º 66.º.
2. A acentuada diminuição da culpa ou das exigências da prevenção constitui o pressuposto material de atenuação especial da pena, pelo que a idade inferior a 18 anos, ao tempo do facto, não constitui fundamento, por si só, para tal atenuação.
3. Nos termos do art.º 65.º do Código Penal, a determinação da medida da pena é feita “dentro dos limites definidos na lei” e “em função da culpa do agente e das exigências de prevenção criminal”, tanto de prevenção geral como de prevenção especial.
4. Ao Tribunal de Última Instância, como Tribunal especialmente vocacionado para controlar a boa aplicação do Direito, não cabe imiscuir-se na fixação da medida concreta da pena, desde que não tenham sido violadas vinculações legais – como por exemplo, a dos limites da penalidade – ou regras da experiência, nem a medida da pena encontrada se revele completamente desproporcionada.

A Relatora,
Song Man Lei
  ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
  
1. Relatório
Por Acórdão proferido pelo Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base, o arguido A foi condenado, pela prática de um crime de tráfico ilícito de estupefacientes e um crime de detenção indevida de utensílio p.p. pelos art.º 8.º n.º 1 e art.º 15.º da Lei n.º 17/2009, nas penas de 7 anos e 11 meses de prisão e 2 meses de prisão, respectivamente. Em cúmulo jurídico, foi condenado na pena única de 8 anos de prisão.
Inconformado com a decisão, recorreu para o Tribunal de Segunda Instância, que julgou improcedente o recurso.
Deste Acórdão vem agora o arguido recorrer para o Tribunal de Última Instância, formulando na sua motivação do recurso as seguintes conclusões:
1- Na opinião do recorrente o Tribunal não atendeu de forma cabal ao disposto no art. 65.º do Código Penal.
2- A idade do recorrente pode funcionar como requisito para a atenuação especial da pena nos termos do art. 66.º, n. 2, f) do Código Penal.
3- Salvo melhor opinião, para determinar a dosimetria da pena, não nos parece correcto partir de metade da pena em abstracto aplicável ao crime;
4- Numa primeira fase, deverá ser fixada a pena-base, atendendo designadamente à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime. Depois, deverá considerar-se as circunstâncias agravantes e atenuantes aplicáveis ao caso concreto, as quais não podem exceder os limites máximos e mínimos dos estabelecidos no tipo penal. Na última etapa, deverá ser observado se incidem causas de aumento ou de diminuição de pena, que podem estar previstas tanto na legislação especial como no Código Penal. Essas, reconhecidamente, podem fazer com que a pena vá além ou aquém dos limites legais estabelecidos no tipo penal;
5- No entendimento do arguido, atendendo ao circunstancialismo dos autos e ao disposto nos arts. 65.º, 66.º e 67.º do Código Penal, ao crime de Tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas deveria corresponder uma pena de prisão de cerca de 4 anos de prisão e ao crime de Detenção indevida de utensílio ou equipamento deveria corresponder a pena de multa de 20 dias, à taxa a fixar;
6- Considerando o disposto no art. 71.º do Código Penal, o Tribunal a quo condenou o arguido A na pena única de oito anos de prisão efectiva, mas, face à nova dosimetria concretamente aplicada, a pena única deverá ser de 4 anos de prisão. Destarte a pena de 8 anos de prisão aplicada a um jovem de 17 anos, aquando da prática dos factos, mostra-se exagerada, desproporcionada e deverá ser reduzida nos termos legais.
7- A douta sentença violou, entre outros, os seguintes dispositivos legais: arts. 40.º, 65.º, n. 3; 66.º, n.s l e 2 al. f); 67.º, 71.º do Código Penal e arts. 8.º, n.º 1 e 15.º da Lei 17/2009.
8- No entender do recorrente, as normas legais supra referidas deveriam ter sido interpretadas e aplicadas conforme as conclusões 1 a 6.

Respondeu a Digna Procuradora-Adjunta do Ministério público, terminando a sua resposta à motivação do recurso com as seguintes conclusões:
1. Não se deve admitir o recurso sobre o crime de detenção indevida de utensílio ou equipamento, nos termos do art.º 390.º n.º 1 alínea g) do Código de Processo Penal.
2. O art.º 66.º n.º 1 do Código Penal dispõe os requisitos materiais da atenuação especial de pena, enquanto que o n.º 2 enumera as circunstâncias que sobretudo merecem considerar ao apreciar se se deve conceder a atenuação especial, incluindo, entre as quais, ter o agente menos de 18 anos ao tempo do facto (alínea f) do mesmo artigo).
3. Todavia, como é sabido, as circunstâncias previstas no art.º 66.º n.º 2 do Código Penal, mesmo existindo, não conduzem necessariamente à atenuação especial, é preciso satisfazer o requisito material previsto no n.º 1 do mesmo artigo, isto é, existência de circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena.
4. É certo que, o recorrente só tinha 17 anos ao tempo do crime, entretanto, no caso, de Fevereiro e Março de 2012 até 31 de Maio do mesmo ano, o recorrente, o 1º arguido e dois menores destinaram ao tráfico de droga, mediante a distribuição de tarefas. O recorrente facultou dinheiro, organizou os trabalhos, dividiu e empacotou a droga, enquanto que os outros três foram responsável por comprar e levar as drogas do Interior da China para Macau e vender as drogas empacotadas pelo recorrente, assim sendo, mostra-se que o recorrente desempenhou um papel principal em tráfico de droga, são elevados o grau do seu dolo e o grau de gravidade; negou na audiência a acusação, demonstrando que não se sentiu arrependido pela sua conduta criminosa. Pelo que, não conseguimos concluir que são diminuídas por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena.
5. Deste modo, não se deve atenuar especialmente a pena do recorrente por não estar preenchido o requisito material de atenuação especial previsto pelo Código Penal.
6. Na medida concreta, os art.º 40.º e 65.º estabelecem os factores a considerar e os critérios de medida concreta e confere ao tribunal, na moldura legal de pena, o poder discricionário. De acordo com essa norma, a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção criminal, e o tribunal atende a todas as circunstâncias que depuserem a favor do agente ou contra ele.
7. Conforme os factos dados provados pelo Tribunal a quo, o recorrente agiu de forma livre, voluntária e consciente, em tráfico de droga, mediante a distribuição de tarefas e a colaboração com outrem, incluindo dois menores. Até ser preso, já se destina ao traficou de droga há 4 meses, o que revela o grau elevado do seu dolo subjectivo criminoso e a gravidade de conduta.
8. Ponderando os factos e as circunstâncias do caso, o grau de culpa do recorrente, a natureza e a gravidade do crime, a moldura de pena aplicável, a situação pessoal do recorrente e as grandes influências negativas exercidas pelo tráfico de droga à saúde pública e à paz social, em conjugação com a análise sintetizada da necessidade de prevenção de crime, entendemos que, não é susceptível de ser excessivamente severa a condenação feita pelo Tribunal a quo ao recorrente pela prática de crime de tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas e não é violado o disposto dos art.ºs 40.º e 65.º do Código Penal.
9. Em termos de concurso, ponderando os factos e as circunstâncias apurados, a personalidade do recorrente e os limites máximo e mínimo em concurso de pena, é adequado e é conformado com as regras da punição do concurso previstas no art.º 71.º do Código Penal que o Tribunal a quo condene o recorrente em pena de prisão de 8 anos.

Nesta instância, o Ministério Público mantém a posição já assumida na resposta à motivação do recurso.
Foram corridos vistos.

2. Os Factos
Nos autos foram considerados assentes os seguintes factos:
1. Desde Novembro de 2011, os arguidos A e B tomaram conjuntamente de arrendamento, para habitação, o apartamento [Endereço(1)].
2. No período de Fevereiro a Março de 2012, o arguido A conheceu sucessivamente o menor C (com alcunha “C1”), o arguido D (com alcunha “D1”) e o menor E (com alcunha “E1”), e os quatro dedicaram-se às actividades de tráfico de droga no apartamento referido.
3. Os quatro indivíduos agiram mediante a distribuição de tarefas entre si: incumbindo ao arguido A facultar dinheiro, organizar os trabalhos, dividir e empacotar a droga; ao arguido D e ao menor C ir ao Interior da China para comprar e transportar a droga para Macau e depois entregar ao arguido A para as dividir e empacotar; ao arguido D e ao menor E guardar as drogas assim empacotadas na caixa de medidor da energia eléctrica do apartamento [Endereço(2)], a fim de estes dois, no caso de haver clientes a comprar, voltarem a levantá-las para proceder à venda na [Discoteca], no [Restaurante] e à porta do [Hotel], etc., sendo o dinheiro assim obtido a entregar ao arguido A.
4. O arguido A entregava, semanalmente, dinheiro no montante de vários milhares de patacas aos menores C e E e ao arguido D como recompensa do tráfico de droga;
5. Em 10 de Maio de 2012, pelas 19H12, o pessoal da PJ interceptou o arguido D para investigação fora do [Centro de Máquina de Diversões] sito em Estrada Marginal do Hipódromo.
6. O pessoal da PJ acabou por encontrar no bolso esquerdo das calças desportivas do arguido D um saco plástico transparente contendo pós brancos, coberto por um papel branco.
7. Às 21H30 do mesmo dia, o arguido D disse ao pessoal da PJ que havia ainda drogas guardadas na caixa de medidor da energia eléctrica do apartamento [Endereço(2)], na sequência do que a PJ acabou por descobrir no sítio referido dois sacos plásticos transparentes.
8. Após exame laboratorial, verifica-se que os pós brancos acima referidos, com peso líquido de 1.230g, contêm “Ketamina”, substância abrangida pela Tabela II – C da Lei nº 17/2009, (de acordo com a análise quantitativa os pós contêm Ketamina de 77.94%, com peso líquido de 0.959g); os dois sacos plásticos transparentes padecem de vestígios de “Ketamina”, substância abrangida pela Tabela II – C da mesma Lei, e de “Metanfetamina” e “Cocaína”, substâncias abrangidas pela Tabela II – B (vide as fls. 67 a 73 do 1º anexo e as fls. 314 a 319 do relatório de perícia).
9. As drogas referidas foram buscadas, conforme as instruções do arguido A e o menor C (com alcunha “C1”), pelo arguido D, na caixa de medidor da energia eléctrica do apartamento [Endereço(2)], a fim de vendê-las à porta do [Centro de Máquina de Diversões] sito na Estrada Marginal do Hipódromo de Macau.
10. Os dois sacos plásticos transparentes que padeceram de drogas foram equipamentos dos arguidos D e A, destinados a dividir e empacotar drogas.
11. No mesmo dia, na PJ, o pessoal da PJ encontrou do arguido D um telemóvel de marca ANYCALL, que serviu de aparelho de comunicação nas actividades de tráfico de droga (vide o auto de apreensão constante da fls. 12 do 1º anexo).
12. Em 31 de Maio de 2012, pelas 20H25, o pessoal da PJ interceptou o arguido D à porta do [Endereço(1)].
13. Em seguida, o pessoal da PJ levou o arguido D à residência deste ([Endereço(1)]) para efectuar busca. Quando chegaram à porta dessa residência, F e o menor G dali saiam.
14. No apartamento referido, o pessoal da PJ acabou por encontrar o arguido B num quarto entre os outros e um bastão telescópico férreo preto no armazém dele (vide o auto de apreensão constante da fls. 25 dos autos).
15. Após o exame, o bastão telescópico férreo preto encontrado no armazém do arguido B tem um comprimento não estendido de 20cm e um comprimento estendido de 60cm, com pega coberta pela borracha antiderrapante preta, é feito com aço inoxidável e materiais duros, pode ser usado como arma de ofensa ao corpo de outrem (vide o auto de exame directo constante da fls. 28 dos autos).
16. O bastão telescópico foi adquirido pelo arguido B dum indivíduo de identidade desconhecida, a fim de usá-lo como arma ofensiva.
17. Por conseguinte, o pessoal da PJ encontrou na cama do quarto do arguido D um Laisi de cor vermelho com impressão “大吉大利” no qual havia 42 pequenos sacos transparentes; além disso, encontrou na mesa de madeira da sala de estar um isqueiro e uma garrafa plástica que continha líquido de cor de rosa claro e dezenas de palhinhas curtas (com duas palhinhas inseridas na tampa); encontrou na cadeira de madeira da sala de estar uma cigarreira com impressão “KENT” que continha 4 sacos de pós brancos, um pacote de droga com impressão “滅菌靈” que continha 32 sacos de pós brancos, uma cigarreira com impressão “Marlboro” que continha 14 sacos de pós brancos e um saco plástico transparente que continha 10 comprimidos de cor de queijo; encontrou na sofá da sala de estar um cartão de estudante pertencente a A e um impresso de notas da [Escola] também a este pertencente (vide o auto de apreensão constante da fls. 25 dos autos).
18. Após exame laboratorial, verificou-se que a garrafa plástica encontrada na mesa de madeira da sala de estar (que continha líquido de cor de rosa claro e dezenas de palhinhas curtas, com duas palhinhas inseridas ma tampa), com capacidade líquida de 135ml, contem “Metanfetamina”, substâncias abrangidas pela Tabela II – B da Lei n.º 17/2009; os pós brancos, com peso líquido de 4.545g, encontrados nos 4 sacos da cigarreira com impressão “KENT”, contêm “Ketamina”, substância abrangida pela Tabela II – C da mesma Lei (de acordo com a análise quantitativa os pós contêm “Ketamina” de 79.32%, com peso líquido de 3.605g); os pós brancos, com peso líquido de 39.890g, encontrados nos 32 sacos da caixa de droga com impressão “滅菌靈”, contêm “Ketamina”, substância abrangida pela Tabela II – C da mesma Lei (de acordo com a análise quantitativa os pós contêm “Ketamina” de 77.02%, com peso líquido de 30.723g); os pós brancos, com peso líquido de 17.146g, encontrados nos 14 sacos da cigarreira com impressão “Marlboro”, contêm “Ketamina”, substância abrangida pela Tabela II – C da mesma Lei (de acordo com a análise quantitativa os pós contêm “Ketamina” de 74.84%, com peso líquido de 12.832g); os 10 comprimidos, com peso líquido de 1.431g, contêm “Cocaína”, substância abrangida pela Tabela I – B da mesma lei (de acordo com a análise quantitativa os comprimidos contêm “Cocaína” de 83.04%, com peso líquido de 1.188g) (vide os relatórios de perícia constantes das fls. 181 a 187 e das fls. 284 a 289 dos autos).
19. As drogas referidas foram adquiridas de indivíduos de identidade desconhecida e escondidas na residência pelos arguidos D e A, a fim de vendê-las em Macau para obter lucros.
20. A garrafa plástica, as palhinhas e o isqueiro referidos serviram de utensílios e equipamentos de consumo de droga dos arguidos D e A.
21. Na PJ, o pessoal da PJ apreendeu do arguido D um telemóvel e numerários de MOP$500 e de HKD$100 (vide o auto de apreensão constante da fls. 37 dos autos).
22. O telemóvel referido serviu de aparelho de comunicação do arguido D em tráfico de droga e os numerários foram obtidos através do tráfico de droga por ele próprio.
23. Os arguidos D e A sabiam bem a natureza e as características das drogas referidas.
24. Os arguidos D e A obtiveram, detiveram e esconderam as drogas referidas com a intenção e o dolo comum, mediante a distribuição de tarefas, a fim de vendê-las para obter interesse pecuniário.
25. Bem sabendo que era proibido deter bastão telescópico sem autorização, o arguido B adquiriu e obteve o bastão telescópico referido como arma.
26. Os arguidos D, A e B agiram de forma livre, voluntária e consciente ao praticar as condutas referidas.
27. Os arguidos D, A e B sabiam bem que as condutas referidas eram proibidas e punidas pela lei.

Mais se provou:
- Conforme o CRC, o arguido A foi condenado, em 8 de Julho de 2013 e no processo n.º CR1-13-0059-PCC do Tribunal Judicial de Base, na pena de um ano e seis meses de prisão, pela prática, em 8 de Julho de 2012, de um crime de receptação, cuja execução ficou suspensa por dois anos e seis meses.
- O arguido A declarou ter por habilitação literária o 1º ano do ensino secundário, trabalhar como empregado de venda, auferindo mensalmente um montante de MOP$1.2000,00, e ter os pais a seu cargo e um irmão mais novo a precisar da sua ajuda financeira.

3. O direito
Desde logo, e tal como se decidiu no despacho de 16 de Maio de 2014, não é de conhecer o recurso interposto do Acórdão do Tribunal de Segunda Instância na parte respeitante à condenação pela prática do crime de detenção indevida de utensílio, face à disposição no art.º 390.º n.º 1, al. g) do Código de Processo Penal.

O recorrente suscitou a questão que se prende com a medida da pena, pretendendo que o Tribunal atenue especialmente a pena nos termos do art.º 66.º n.º 2, al. f) do Código Penal e fixe uma pena de cerca de 4 anos de prisão para o crime de tráfico ilícito de estupefacientes.
E invocou a violação da disposição nos art.ºs 40.º, 65.º n.º 3, 66.º n.º s 1 e 2, al. f), 67.º e 71.º do Código Penal e nos art.ºs 8.º n.º 1 e 15.º da Lei n.º 17/2009.
Na óptica do recorrente, a sua idade, de 17 anos à data dos factos, pode funcionar como requisito para a atenuação especial da pena; e a pena única de 8 anos de prisão, resultante do cúmulo jurídico, aplicada a um jovem de 17 anos mostra-se exagerada e desproporcionada, pelo que deve ser reduzida nos termos legais.

Ora, é verdade que, aquando da prática dos crimes imputados, o recorrente tinha apenas 17 anos, facto este que resulta dos elementos de identificação constantes dos autos.
E nos termos do art.º 66.º n.º 2, al. f) do Código Penal, é previsto como uma das circunstâncias que devem ser ponderadas para efeitos da atenuação especial da pena “ter o agente menos de 18 anos ao tempo do facto”.
No entanto, é de salientar que a verificação de qualquer das circunstâncias referidas no n.º 2 do art.º 66.º não constitui fundamento, por si só, para a atenuação especial da pena, regime este que tem como pressuposto material a acentuada diminuição da culpa do agente ou das exigências da prevenção, tal como expressamente estabelece o n.º 1 do art.º 66.º.
No ensinamento do Prof. Figueiredo Dias, “A diminuição da culpa ou das exigências da prevenção só poderá, por seu lado, considerar-se acentuada quando a imagem global do facto, resultante da actuação da(s) circunstância(s) atenuante(s), se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo. Por isso, tem plena razão a nossa jurisprudência – e a doutrina que a segue – quando insiste em que a atenuação especial só em casos extraordinários ou excepcionais pode ter lugar: para a generalidade dos casos, para os casos «normais», lá estão as molduras penais normais, com os seus limites máximos e mínimos próprios”.1
A jurisprudência também tem entendido que, para atenuação especial da pena, o importante é demonstrar-se a diminuição acentuada da ilicitude do facto, da culpa do agente ou da necessidade da pena. Ou seja, só depois de valorizar todas as circunstâncias verificadas no caso concreto e se da imagem global do facto resulta a diminuição acentuada da ilicitude do facto, da culpa do agente ou da necessidade da pena é que se deve atenuar especialmente a pena.
E este Tribunal de Última Instância tem assumido a posição no sentido de considerar que “a acentuada diminuição da culpa ou das exigências da prevenção constitui o pressuposto material de atenuação especial da pena, pelo que a idade inferior a 18 anos, ao tempo do facto, não constitui fundamento, por si só, para tal atenuação.”2
Daí que, para efeitos da atenuação especial da pena, há de apurar se existem no caso concreto circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena, ao comando do n.º 1 do art.º 66.º do Código Penal.

Expostas tais considerações, é de voltar ao nosso caso concreto.
Decorre da matéria de facto provada que o recorrente agiu conjuntamente com o co-autor D e os menores C e E, mediante a distribuição de tarefas entre si, sendo o recorrente quem desempenhou o papel principal nas actividades ilícitas, na medida em que facultou dinheiro para comprar droga, organizou os trabalhos, dividiu e empacotou a droga e recebeu o dinheiro obtido pela venda da droga, enquanto os outros iam ao Interior da China para comprar e transportar a droga para Macau, que foi depois entregue ao recorrente para dividir e empacotar e vendida a outrem, tendo ainda o recorrente dado, semanalmente, dinheiro aos menores e ao co-arguido como recompensa de tráfico de droga.
A quantidade da droga apreendida nos autos totaliza-se em 48.119 gramas de Ketamina e 1.188 gramas de Cocaína, em peso líquido, tudo obtido pelo arguido através da colaboração de outrem e destinado à venda com finalidade lucrativa.
O recorrente negou ter praticado os factos ilícitos imputados, não tendo mostrado arrependimento.
E o CRC do recorrente demonstra que o recorrente praticou, em 8 de Julho de 2012, data posterior à dos factos do presente caso, um crime de receptação e foi condenado na pena de um ano e seis meses de prisão, suspensa por dois anos e seis meses.
Na realidade, não resulta dos autos nenhuma circunstância atenuante que milite a favor do recorrente, com excepção de ter apenas 17 anos e, quanto muito, ser delinquente primário.
E são prementes as exigências de prevenção geral, face à realidade social de Macau, em que se tem detectado problemas graves relacionados com o tráfico e consumo de estupefacientes, impondo-se prevenir a prática do crime em causa, que põe em risco a saúde pública e a paz social.
Ora, face a todo o circunstancialismo apurado nos autos, nomeadamente a natureza e a gravidade do crime pelo qual foi condenado o recorrente, a sua culpa revelada nas actividades ilícitas, que é intensa, o grau elevado da ilicitude dos factos, a quantidade da droga envolvido e as exigências de prevenção criminal, tanto geral como especial, que são, sem dúvida, acentuadas, dúvidas não restam que é de afastar a atenuação especial da pena pretendida pelo recorrente, pois não ocorreu a diminuição acentuada da ilicitude do facto, da culpa do agente nem da necessidade da pena.

Há que ver ainda a medida concreta da pena.
Ora, nos termos do art.o 40. n. 1 do Código Penal de Macau, a aplicação de penas visa não só a reintegração do agente na sociedade mas também a protecção de bens jurídicos.
E ao abrigo do art.º 65.º do Código Penal de Macau, a determinação da medida da pena é feita “dentro dos limites definidos na lei” e “em função da culpa do agente e das exigências de prevenção criminal”, tanto de prevenção geral como de prevenção especial, atendendo a todos os elementos pertinentes apurados nos autos, nomeadamente os elencados no n.. 2 do artigo.
No caso em apreciação, o crime pelo qual foi condenado o recorrente é punível com a pena de 3 a 15 anos de prisão.
Ponderado todo o circunstancialismo do caso concreto, nomeadamente as circunstâncias acima referidas, não se nos afigura excessiva a pena de 7 anos e 11 meses de prisão aplicada ao recorrente, que foi encontrada dentro da moldura penal fixada para o crime de tráfico ilícito de estupefaciente e em função da culpa do recorrente e das exigências de prevenção criminal.
Acrescentando, decorre ainda dos factos provados que o recorrente praticou o crime por intermédio dos menores, que faz agravar os limites máximos e mínimos da pena aplicável ao crime, ao abrigo do art.. 68..-A do Código Penal.
Todavia, tendo em conta o princípio da proibição de reformatio in pejus consagrado no art.. 399.. do Código de Processo Penal, é de manter a pena concretamente aplicada.
E não se mostra violado o disposto no art.n 71. do Código Penal, sendo adequada a pena única de 8 anos de prisão resultante do cúmulo jurídico das penas aplicadas ao recorrente pela prática dos crimes de tráfico ilícito de estupefacientes e de detenção indevida de utensílio.
Tal como tem entendido este Tribunal, “Ao Tribunal de Última Instância, como Tribunal especialmente vocacionado para controlar a boa aplicação do Direito, não cabe imiscuir-se na fixação da medida concreta da pena, desde que não tenham sido violadas vinculações legais – como por exemplo, a dos limites da penalidade – ou regras da experiência, nem a medida da pena encontrada se revele completamente desproporcionada”3, pelo que se não se estiver perante essas situações, como é no caso vertente, o Tribunal de Última Instância não deve intervir na fixação da dosimetria concreta da pena.
É de concluir pela improcedência do recurso.

4. Decisão
Face ao expendido, nega-se provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, com a taxa de justiça fixada em 4 UC.
  
  
   Macau, 11 de Junho de 2014
  
   Juízes: Song Man Lei (Relatora) – Sam Hou Fai –
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
  
1 Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, p. 306.
2 Cfr. Ac.s do Tribunal de Última Instância, nos processos n.º 15/2002, de 20-11-2002, n.º 11/2003, de 9-7-2003, n.º 22/2003, de 8-10-2003, n.º 1/2007, de 21-3-2007, n.º 56/2008, de 21-1-2009 e n.º 52/2010, de 24-11-2010.
3 Ac. do TUI, de 23 de Janeiro de 2008, 19 de Setembro de 2008, 29 de Abril de 2009 e 28 de Setembro de 2011, nos Processos nºs 29/2008, 57/2007, 11/2009 e 35/2011, respectivamente.
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