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Processo n.º 19/2014. Recurso jurisdicional em matéria administrativa.
Recorrente: A.
Recorrido: Secretário para a Segurança.
Assunto: Desvio de poder. Prova. Insuficiência da matéria de facto. Anulação do julgamento de facto.
Data da Sessão: 18 de Junho de 2014.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Song Man Lei e Sam Hou Fai.

SUMÁRIO:
  I – A prova do vício de desvio de poder admite todos os meios de prova admitidos em Direito, não se limitando ao teor da fundamentação do acto recorrido.
  II - Se o Tribunal não apura se os factos invocados no acto administrativo recorrido e os alegados pelo recorrente no recurso contencioso são verdadeiros ou falsos, há insuficiência da matéria de facto, que provoca a anulação do julgamento de facto, nos termos do artigo 650.º do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente nos termos do artigo 1.º do Código de Processo Administrativo Contencioso, por não permitir proferir, em recurso jurisdicional, a decisão de direito.
O Relator,
Viriato Manuel Pinheiro de Lima



ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
A (doravante, também designado por recorrente), interpôs recurso contencioso de anulação do despacho do Secretário para a Segurança, de 25 de Fevereiro de 2009, que negou provimento ao recurso hierárquico interposto de despachos dos Director e Subdirectora da Polícia Judiciária que qualificaram como faltas injustificadas, no total de 39 dias, atrasos e saídas antecipadas em dias de Outubro, Novembro e Dezembro de 2008.
Por acórdão de 5 de Dezembro de 2013, o Tribunal de Segunda Instância (TSI) julgou improcedente o recurso.
Inconformado, interpõe A recurso jurisdicional para o Tribunal de Última Instância (TUI), terminando a respectiva alegação com a formulação das seguintes conclusões úteis:
- O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras;
- O Acórdão recorrido não se pronunciou sobre os novos elementos, supervenientemente conhecidos Recorrente, alegados nas suas alegações facultativas, que se traduzem no facto de os dirigentes da PJ terem demonstrado a realidade dos alegados atrasos e saídas antecipadas, conjuntamente, através as imagens captadas pelas câmaras de vídeo instaladas (1) na entrada do Edifício onde funciona o Serviço do Recorrente Escola de PJ, (2) nos vários elevadores do referido edifício, (3) no 12.° andar do referido edifício, na entrada da Escola de PJ e (4) na entrada do edifício-sede da PJ;
- O Acórdão recorrido não se pronunciou sobre a questão suscitada pelo Recorrente de que constitui prova ilegal a utilização de imagens captadas por todas essas câmaras e dos dados resultantes da perseguição/seguimento que foi ordenado ao Recorrente diariamente e durante mais de um mês;
- O Acórdão recorrido não contém base factual necessária a permitir a afirmação da existência de «uma reiteração e persistência das ausências do recorrente nas entradas e saídas do serviço», a pressuposição de que a pontualidade e assiduidade do Recorrente estavam sujeitos a «medidas de controle suplementar», a afirmação de que se não verificou integração do Recorrente em "piquete de intervenção", e as afirmações reiteradas de que se não via que se tivesse ultrapassados os «limites legalmente aceitáveis»;
- Uma válida e criteriosa aplicação do direito ao caso concreto pressupunha que se fixasse matéria relativa às concretas faltas imputadas ao Recorrente, ao modo como se controlava a pontualidade e assiduidade do Recorrente; aos meios utilizados para demonstrar a verificação das referidas faltas, à legitimidade do recurso a esses meios, etc.;
- A matéria de facto dada como provada no Acórdão recorrido é objectivamente insuficiente para uma boa e justa decisão da causa, razão por que padece este do vício de deficiência da matéria de facto integrada nos factos dados como provados;
- O Acórdão recorrido, em virtude da manifesta e objectiva falta de base factual, padece do vício de deficiência da matéria de facto fixada, o que determina a anulação do douto acórdão recorrido, nos termos do artigo 629.°/4 do CPC.
- Sendo limitada a competência do TUI para o julgamento fáctico, tem competência este Tribunal para verificar a insuficiência da matéria de facto e para ordenar a baixa dos autos ao douto tribunal recorrido, com vista à ampliação da matéria de facto, em ordem a constituir a base suficiente para a decisão de direito;
- O Acórdão recorrido padece de erro na apreciação da prova lá onde considera justificada a «adopção de medidas de controlo suplementar» no caso dos presentes autos, sem existir nestes qualquer elemento que permita a formação de uma convicção nesse sentido, existindo, ao invés, elementos que apontam no sentido de que a pontualidade e assiduidade do Recorrente não estavam a ser controladas e que o recurso aos meios indicados nos presentes autos teve em vista a demonstração das faltas alegadas;
- Inexistindo prova susceptível de sustentar a existência de controlo suplementar, o Acórdão recorrido adoptou um pressuposto de facto errado e que condicionou a respectiva apreciação jurídica;
- O recurso que os dirigentes da PJ fizeram das imagens vídeo para demonstrar as alegadas faltas de pontualidade e assiduidade do Recorrente não obedece às exigências de adequação ou idoneidade, de necessidade e de proporcionalidade em sentido estrito, tal como resulta dos artigos 5.°/1-3 e 6.°-5 da Lei da Protecção de Dados Pessoais;
- São razões de segurança e de certeza jurídicas que determinam a necessidade de o trabalhador ter acesso imediato ao registo da hora a que entrou ou a que saiu, com vista a poder justificar eventuais atrasos ou para, se for o caso, reclamar do registo horário efectuado, dados os efeitos gravosos das faltas injustificadas, que, para além de consequências disciplinares, determinam a perda da remuneração correspondente, desconto nas férias e não contagem para efeitos de antiguidade;
- O sistema de videovigilância, tal como foi usado com o Recorrente, não permite que os trabalhadores beneficiem das garantias acabadas de referir;
- A lei não admite o sistema de videovigilância como meio de controlo principal da duração do trabalho, em virtude de o mesmo não ser adequado a esse fim;
- No caso dos autos, a pontualidade e assiduidade do Recorrente era susceptível de ser controlada através do mecanismo existente de registo por captação da impressão digital e que só não o era para o Recorrente, porque tal mecanismo nunca foi adaptada pelo Serviço para poder ser utilizado por este;
- Admite-se que de videovigilância possa ser utilizado apenas e tão-só como meio subsidiário do controlo efectuado através do livro de ponto, de meios mecânicos ou electrónicos, nomeadamente, como meio de prova favorável ao trabalhador, como forma de prevenir a utilização abusiva do meio próprio de registo e como forma de suprimento de falhas ocasionais de funcionamento do mecanismo próprio de registo;
- E se o controlo da duração do tempo de trabalho do Recorrente não podia ser feito, através do visionamento da gravação vídeo existente no Serviço, muito menos o poderia ser através das imagens de câmaras de vídeo instaladas na entrada do prédio, nos elevadores, etc, como ainda através da perseguição ou o seguimento à distância a que o ora Recorrente foi submetido, pelo menos entre os dias 12/11/2008 e 15/12/2008, e do relatório a que lhe deu origem, o que constitui uma clara violação da autonomia ética de qualquer pessoa ainda que funcionário público;
- Apenas existe o vício de desvio de poder quando o motivo principalmente determinante de um acto não visa a prossecução do fim que a lei visou ao conferir o poder administrativo;
- O Acórdão recorrido incorre em erro de julgamento quando pressupõe que o motivo determinante da prossecução do fim diverso tenha de resultar «dos próprios termos do acto recorrido»;
- As decisões que injustificaram as alegadas faltas foram proferidas não em função do interesse público relativo ao regular desempenho de funções administrativas, subjacente ao controlo da pontualidade e assiduidade, mas, antes, em função do fim disciplinar e que consistiu na obtenção das condições necessárias para uma punição severa do Recorrente;
- Se assim não fosse, os dirigentes da PJ, que tiveram conhecimento das alegadas faltas desde o seu início, não teriam informado o Recorrente que deveria justificar a existência de 34 faltas cometidas apenas mais de dois meses depois de terem tido aquele conhecimento;
- A prossecução do interesse público ligado ao cumprimento dos deveres de pontualidade e assiduidade impunha que aqueles dirigentes informassem de imediato o Recorrente desse facto, tal como sucedeu em caso análogo ocorrido em 8/11/2006;
- O Acórdão recorrido erra quando pressupõe que o vício de desvio de poder foi imputado directamente ao acto contenciosamente recorrido, o que não corresponde à verdade;
- O acórdão recorrido erra quando não dá como verificado o vício de desvio de poder;
- O Acórdão incorreu em nulidade por omissão de pronúncia, é anulável por vício de deficiência da matéria de facto e por erro de apreciação da prova, enferma do vício de violação de lei por violação do princípio da proporcionalidade, da protecção dos direitos e interesses dos particulares e das normas dos artigos 79.°, 90.° e 315.º/2-f do ETAPM; 4.°, 5.°/2, 8/1 do CPA; 5.°/1-3 e 6.°-5 da Lei n.º 8/2005 e 80.° do Código Civil.
O Ex.mo Procurador-Adjunto emitiu douto parecer em que se pronuncia pela improcedência do recurso.

II - Os Factos
O acórdão recorrido deu como provados os seguintes factos:
- À data dos factos, o ora recorrente pertencia ao grupo de pessoal de investigação criminal da PJ, na categoria de Inspector de 1ª classe.
- Através de movimento de pessoal determinado pela Direcção, publicado na ordem de serviço nº 103-B, de 26/12/2003, o recorrente foi afecto à Escola de Polícia Judiciária com efeitos desde 02/01/2004.
- Por despacho do Sr. Director da PJ, de 19/12/2008, 26/12/2008, 05/01/2009 e 14/01/2009, foram consideradas dadas pelo recorrente 39 faltas injustificadas no período entre 14 de Outubro a 05 de Dezembro de 2008.
- Inconformado, o recorrente impugnou os despachos em referência por meio do recurso hierárquico necessário.
- Por despacho do Sr. Secretário para a Segurança, de 25/02/2009 (Despacho nº XX/SS/2009), foi negado provimento ao recurso hierárquico interposto.


III – O Direito
1. As questões suscitadas e a apreciar e a não apreciar
São as seguintes as questões, eventualmente, a apreciar:
- Se o acórdão recorrido não se pronunciou, devendo fazê-lo, sobre novos elementos de facto, alegadamente conhecidos supervenientemente pelo recorrente, suscitados nas alegações do recurso contencioso, que se traduzem no facto de os dirigentes da PJ terem demonstrado a realidade dos alegados atrasos e saídas antecipadas, conjuntamente, através das imagens captadas pelas câmaras de vídeo instaladas (1) na entrada do Edifício onde funciona o Serviço do Recorrente Escola de PJ, (2) nos vários elevadores do referido edifício, (3) no 12.° andar do referido edifício, na entrada da Escola de PJ e (4) na entrada do edifício-sede da PJ;
- Se o Acórdão recorrido não se pronunciou sobre a questão suscitada pelo Recorrente de que constitui prova ilegal a utilização de imagens captadas por todas essas câmaras e dos dados resultantes da perseguição/seguimento que foi ordenado ao Recorrente diariamente e durante mais de um mês;
- Se o acórdão recorrido não contém base factual necessária a permitir a afirmação da existência de «uma reiteração e persistência das ausências do recorrente nas entradas e saídas do serviço», a pressuposição de que a pontualidade e assiduidade do Recorrente estavam sujeitas a «medidas de controle suplementar», a afirmação de que se não verificou integração do Recorrente em "piquete de intervenção", e as afirmações reiteradas de que se não via que se tivesse ultrapassados os «limites legalmente aceitáveis»;
- Se o recurso às imagens de vídeo para demonstrar as alegadas faltas de pontualidade e assiduidade do Recorrente não obedece às exigências de adequação ou idoneidade, de necessidade e de proporcionalidade em sentido estrito;
- Se a lei não admite o sistema de videovigilância como meio de controlo principal da duração do trabalho, em virtude de o mesmo não ser adequado a esse fim;
- Se o Acórdão recorrido incorre em erro de julgamento quando pressupõe, para efeitos de desvio de poder, que o motivo determinante da prossecução do fim diverso tem de resultar «dos próprios termos do acto recorrido»;
- Se o acto recorrido incorreu em desvio de poder na medida em que as decisões que injustificaram as alegadas faltas foram proferidas não em função do interesse público relativo ao regular desempenho de funções administrativas, subjacente ao controlo da pontualidade e assiduidade, mas, antes, em função do fim disciplinar e que consistiu na obtenção das condições necessárias para uma punição severa do Recorrente;
- Se isso resulta de que, se assim não fosse, os dirigentes da PJ, que tiveram conhecimento das alegadas faltas desde o seu início, não teriam informado o Recorrente que deveria justificar a existência de 34 faltas cometidas apenas mais de dois meses depois de terem tido aquele conhecimento.
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O TUI não conhece da questão de erro na apreciação da prova, visto que não tem poder de cognição em matéria de facto, nos termos dos artigos 47.º, n.º 1, da Lei de Bases da Organização Judiciária e 152.º do Código de Processo Administrativo Contencioso.

2. Omissão de pronúncia
Alegou o recorrente que:
- O acórdão recorrido não se pronunciou sobre os novos elementos, supervenientemente conhecidos pelo Recorrente, alegados nas suas alegações facultativas, que se traduzem no facto de os dirigentes da PJ terem demonstrado a realidade dos alegados atrasos e saídas antecipadas, conjuntamente, através as imagens captadas pelas câmaras de vídeo instaladas (1) na entrada do Edifício onde funciona o Serviço do Recorrente Escola de PJ, (2) nos vários elevadores do referido edifício, (3) no 12.° andar do referido edifício, na entrada da Escola de PJ e (4) na entrada do edifício-sede da PJ;
- O Acórdão recorrido não se pronunciou sobre a questão suscitada pelo Recorrente de que constitui prova ilegal a utilização de imagens captadas por todas essas câmaras e dos dados resultantes da perseguição/seguimento que foi ordenado ao Recorrente diariamente e durante mais de um mês.
Tem razão o recorrente.
Na petição inicial tinha alegado que a demonstração dos atrasos e saídas antecipadas foi feita através de duas câmaras de vídeo do circuito interno.
Mas nas alegações facultativas alegou o recorrente que os dirigentes da PJ demonstraram a realidade dos alegados atrasos e saídas antecipadas, conjuntamente, através as imagens captadas pelas câmaras de vídeo instaladas (1) na entrada do Edifício onde funciona o Serviço do Recorrente Escola de PJ, (2) nos vários elevadores do referido edifício, (3) no 12.° andar do referido edifício, na entrada da Escola de PJ e (4) na entrada do edifício-sede da PJ.
Ora, o acórdão recorrido não se pronuncia concretamente sobre a utilização de todas estas câmaras, limitando-se a referir “câmaras de vídeo do circuito interno”, que foi a expressão utilizada pelo recorrente na petição inicial, indiciando-se fortemente que o acórdão recorrido não ponderou se a utilização das câmaras mencionadas nas alegações facultativas viola os princípios jurídicos alegados pelo recorrente.
Por outro lado, é indiscutível que o acórdão recorrido não se pronunciou sobre a questão suscitada pelo Recorrente de que constitui prova ilegal a utilização dos dados resultantes da alegada perseguição/seguimento que foi ordenado ao Recorrente diariamente e durante mais de um mês, com vista à prova da sua assiduidade.
Estas omissões integram nulidade do acórdão recorrido, nos termos dos artigos 633.º, n.º 1 e 571.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente, nos termos do artigo 1.º do Código de Processo Administrativo Contencioso.

3. Insuficiência da matéria de facto. Desvio de poder. Prova do motivo principalmente determinante da prática do acto.
Quanto ao vício do desvio de poder, alegou o recorrente que o acto recorrido incorreu neste vício na medida em que as decisões que injustificaram as alegadas faltas foram proferidas, não em função do interesse público relativo ao regular desempenho de funções administrativas, subjacente ao controlo da pontualidade e assiduidade, mas, antes, em função do fim disciplinar e que consistiu na obtenção das condições necessárias para uma punição severa do Recorrente; e que, se assim não fosse, os dirigentes da PJ, que tiveram conhecimento das alegadas faltas desde o seu início, não teriam informado o Recorrente que deveria justificar a existência de 34 faltas cometidas apenas mais de dois meses depois de terem tido aquele conhecimento.
Também nesta matéria o acórdão recorrido é completamente omisso, não fixando os factos pertinentes e limitando-se, na parte da fundamentação jurídica, a referir que “não resulta dos próprios termos do acto recorrido que a entidade recorrida prosseguiu o fim alegado pelo recorrente nem outros diferentes daquele que a lei visa alcançar”.
Ora, é completamente pacífico há muito tempo, que a prova do desvio de poder não tem de resultar do próprio acto. Já o § único do artigo 19.º da vetusta Lei Orgânica do Supremo Tribunal Administrativo português (aprovada pelo Decreto-Lei n.º 40768, de 8 de Setembro de 1956), dizia que “A anulação por desvio de poder terá lugar sempre que da prova produzida resultar para o Tribunal a convicção de que o motivo principalmente determinante da prática do acto recorrido não condizia com o fim visado pela lei na concessão do poder discricionário”.
Como referia MARCELLO CAETANO1, interpretando a norma, “Em primeiro lugar, quanto à prova, a lei consagra o sistema da prova moral, deixando à convicção dos julgadores a conclusão de que, à face da demonstração feita pelos interessados, o desvio de poder se verifica ou não.

Partindo do princípio de que o fim visado na prática dos actos é extremamente difícil de apurar na grande maioria dos casos, o legislador mandou atender aos motivos determinantes, que devem constar da fundamentação do próprio acto ou podem depreender-se do processo gracioso que o haja antecedido. É através desses motivos do acto que depreenderá (por convicção do tribunal) se foi ou não visado o fim legal”.
Recordam, também, MARCELO REBELO DE SOUSA e ANDRÉ SALGADO MATOS2, que a tese de que a confissão era o único meio de prova do desvio de poder, está, há muito, ultrapassada.
Assim, se dá provimento ao recurso na parte em que o acórdão recorrido decide que o motivo determinante da prossecução do fim diverso tenha de resultar «dos próprios termos do acto recorrido».
Quanto aos factos necessários ao conhecimento do vício de desvio de poder, tem o tribunal recorrido de apurar se os dirigentes da PJ tiveram conhecimento das alegadas faltas desde o seu início e se só informaram o recorrente que deveria justificar a existência de 34 faltas cometidas, apenas mais de dois meses depois de terem tido aquele conhecimento, bem como se as decisões que injustificaram as alegadas faltas foram proferidas não em função do interesse público relativo ao regular desempenho de funções administrativas, subjacente ao controlo da pontualidade e assiduidade, mas, antes, em função do fim disciplinar e que consistiu na obtenção das condições necessárias para uma punição severa do Recorrente.
Como referimos no acórdão de 6 de Março de 2013, no Processo n.º 5/2013, a falta de fixação dos factos provados impede o julgamento pelo TUI, pelo que, nos termos do artigo 650.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente, nos termos do artigo 1.º do Código de Processo Administrativo Contencioso, por insuficiência da matéria de facto, se anula o julgamento de facto, devendo o TSI julgar novamente a causa.
Não é possível fixar já o regime jurídico aplicável ao caso, dada a insuficiência da matéria de facto (artigo 650.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente, nos termos do artigo 1.º do Código de Processo Administrativo Contencioso).
A omissão de pronúncia e a anulação do julgamento da matéria de facto inviabilizam o conhecimento das restantes questões colocadas no recurso, que ficam, assim, prejudicadas.

IV – Decisão
Face ao expendido:
A) Anulam o acórdão recorrido, por omissão de pronúncia quanto à ponderação se a utilização das câmaras mencionadas nas alegações facultativas viola os princípios jurídicos alegados pelo recorrente, bem como se constitui prova ilegal a utilização dos dados resultantes da alegada perseguição/seguimento que foi ordenado ao Recorrente diariamente e durante mais de um mês, com vista à prova da sua assiduidade;

B) Revogam o acórdão recorrido na parte em que decidiu, para efeitos do vício de desvio de poder, que o motivo principalmente determinante da prática do acto tem de resultar dos próprios termos do acto recorrido;
C) Anulam a decisão de facto, para apuramento dos factos mencionados quanto ao vício de desvio de poder.
Sem custas.
Macau, 18 de Junho de 2014.

Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Vítor Manuel Carvalho Coelho


     1 MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, Coimbra, Almedina, I vol., 10.ª edição, reimpressão de 1980, p. 508 e 509.
     2 MARCELO REBELO DESOUSA e ANDRÉ SALGADO MATOS, Direito Administrativo Geral, Lisboa, Dom Quixote, 2007, Tomo III, p. 157.
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