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Processo n.º 24/2014
Recurso Penal
Recorrente: A
Recorrido: Ministério Público
Data da conferência: 18 de Junho de 2014
Juízes: Song Man Lei (Relatora), Sam Hou Fai e Viriato Manuel Pinheiro de Lima

Assuntos: - Crime de provocação de incêndio
- Medida concreta da pena

SUMÁRIO

1. Nos termos do art.º 65.º do Código Penal de Macau, a determinação da medida da pena é feita “dentro dos limites definidos na lei” e “em função da culpa do agente e das exigências de prevenção criminal”, tanto de prevenção geral como de prevenção especial, atendendo a todos os elementos pertinentes apurados nos autos, nomeadamente os elencados no n.º 2 do mesmo artigo.
2. Ao Tribunal de Última Instância, como Tribunal especialmente vocacionado para controlar a boa aplicação do Direito, não cabe imiscuir-se na fixação da medida concreta da pena, desde que não tenham sido violadas vinculações legais - como por exemplo, a dos limites da penalidade - ou regras da experiência, nem a medida da pena encontrada se revele completamente desproporcionada.

A Relatora,
Song Man Lei
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

1. Relatório
Por Acórdão proferido pelo Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base em 18 de Outubro de 2013, A, arguido nos presentes autos, foi condenado, pela prática de um crime de provocação de incêndio p.p. pelo art.º 264.º n 1, al. a) do Código Penal de Macau, na pena de 3 anos de prisão, cuja execução foi declarada suspensa por 4 anos.
Inconformado com a decisão, recorreu o Ministério Público para o Tribunal de Segunda Instância, que decidiu julgar procedente o recurso, passando a condenar o arguido na pena de 3 anos e 6 meses de prisão efectiva.
Vem agora o arguido recorrer para o Tribunal de Última Instância, formulando na sua motivação do recurso as seguintes conclusões:
1) O acórdão recorrido passou a condenar o recorrente, pela prática do crime de provocação de incêndio previsto e punido pelo artigo 264.º, n.º 1, al. a) do Código Penal de Macau, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão efectiva.
2) O acórdão recorrido teve principalmente por fundamento o facto: estando a decorrer o período de suspensão da execução da pena de prisão por que tinha sido condenado pela prática do crime de furto qualificado, praticou o recorrente o delito de que era acusado no presente caso. Tendo em conta o artigo 40.º, n.ºs 1 e 2 e o artigo 65.º, n.ºs 1 e 2 do CP, o Tribunal recorrido passou a condenar o recorrente na pena de 3 anos e 6 meses de prisão efectiva.
3) O recorrente praticou, sem dúvida, um novo facto ilícito proibido pelo direito penal de Macau durante o período de suspensão da execução da pena de prisão.
4) Tendo em conta os respectivos dados nos autos, designadamente o relatório social do recorrente, pode-se descobrir que o recorrente tem registo de doença psiquiátrica e tem que se submeter periodicamente à farmacoterapia pelo médico especialista de psiquiatria que acompanhava a sua condição.
5) Provou-se na audiência de julgamento realizada pelo Tribunal a quo que “na véspera da ocorrência do caso, o arguido passou a ser emocionalmente instável por ter discutido intensamente com a sua esposa e o ofendido”. Referiu-se no facto não provado que “o arguido achou que B só favoreceu C, pelo que passou a ter uma hostilidade contra aquele”.
6) Atendendo aos factos dados como provados e não provados acima referidos e à doença psiquiátrica do recorrente, pode formar-se a conclusão de que o recorrente, ao praticar o crime em causa, não agiu com dolo directo e necessário, mas só, manifestametne, com dolo eventual, cuja intensidade não é elevada.
7) Faltaram ao recorrente os fins ou motivos que determinaram o facto. Ele passou a ser emocionalmente instável principalmente por causa da estimulação externa e repentina.
8) Além disso, antes do início da audiência de julgamento, o recorrente procedeu à reparação ao ofendido tanto quanto possível e foi perdoado por este.
9) Das várias condutas do recorrente acima referidas resulta a evolução da sua personalidade e várias circunstâncias que depõem a favor dele.
10) Após ter sido libertado da prisão, o recorrente foi suportado e compreendido pelos familiares (pai, mãe, esposa e filhos), voltou a trabalhar e começou a reintegração social com uma atitude positiva. Verifica-se a evolução da sua personalidade e a reparação da violação do bem jurídico.
11) Na determinação da medida da pena, deve procurar-se, tanto quanto possível, um critério objectivo disponível e relativamente estável, considerando também as finalidades das penas e as exigências de prevenção geral e especial.
12) Os factores favoráveis acima referidos preenchem plenamente as finalidades das penas e as exigências de prevenção geral e especial.
13) Nestes termos, tendo em conta o disposto nos artigos 40.º, 64.º e 65.º do Código Penal, deve manter-se a decisão e a medida da pena feita pelo Tribunal a quo e voltar-se a condenar o recorrente numa pena não privativa da liberdade.
14) O acórdão recorrido não considerou plenamente o disposto nos artigos 40.º, 64.º e 65.º do Código Penal sobre finalidade da pena e medida de pena, padecendo assim de manifesta insuficiência na consideração de vários factores (incluindo a prevenção geral e especial, e as finalidades das penas).
15) Nestes termos, o acórdão recorrido viola o artigo 40º, n.ºs 1 e 2, o artigo 64.º e o artigo 65.º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal e padece do vício de errado entendimento do direito referido no artigo 400.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, pelo que deve ser declarado revogado.
16) Segundo o recorrente, tendo em conta o artigo 40º, n.ºs 1 e 2, o artigo 64.º e o artigo 65.º, n.ºs 1 e 2 do CP, deve manter-se a decisão e a medida da pena feita pelo Tribunal a quo.

Respondeu o Ministério público, terminando a sua resposta com as seguintes conclusões:
1. Nesta causa, o reocrrente foi condenado, no Tribunal Judicial de Base, pela prática do crime de provocação de incêndio previsto e punido pelo artigo 264.º, n.º 1, al. a) do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 4 anos, e posteriormente passou a ser condenado, pelo Tribunal de Segunda Instância, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão efectiva.
2. Segundo o recorrente, o acórdão do TSI violou o disposto nos artigos 40.º, 64.º e 65.º do Código Penal e padecendo do vício de erro na aplicação do direito referido no artigo 400.º, n.º 1 do Código de Processo Penal. Pelo que o recorrente entendeu que deve manter-se a medida da pena que lhe era aplicada pelo TJB.
3. Cumpre indicar que, o crime de provocação de incêndio praticado pelo recorrente é punido com pena de prisão de 3 a 10 anos e não lhe sendo aplicável pena não privativa da liberdade. Pelo que a condenação do recorrente na pena de prisão não violou o disposto no artigo 64.º do CP.
4. Quanto à medida concreta da pena, os artigos 40.º e 65.º do Código Penal estabelecem os factores a ser considerados na determinação da medida da pena e os seus critérios, e atribuem ao tribunal a discricionariedade judicial dentro da moldura penal legalmente fixada. Nos termos dos artigos 40.º e 65.º do Código Penal, a determinação da medida concreta da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção criminal, são consideradas também todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele.
5. Segundo os factos dados como provados pelo Tribunal a quo, o recorrente ficou descontente com o ofendido por ter discutido com este e a mulher sobre problema familiar e, para desabafar o descontentamento, veio a ter uma ideia de atear fogo ao automóvel do ofendido. No dia da ocorrência do caso, a fim de incendiar o veículo do ofendido, o recorrente dirigiu-se várias vezes ao parque de estacionamento onde se encontrava estacionado tal veículo. O recorrente primeiro pôs fogo a uma chapa de madeira. Logo após, tendo confirmado que o veículo não foi incendiado, voltou ao local com garrafa que continha petróleo e incendiou com sucesso o veículo. A sua conduta não só pôs o fogo ao veículo, mas também afectou a área junto ao veículo. Ainda bem que o fogo foi descoberto logo depois, caso contrário, tendo em conta que a área onde se encontrava estacionado o veículo fica debaixo das fracções habitacionais, a sua conduta causaria consequências desastrosas. Disso podemos saber que é elevada a intensidade do dolo com que agiu o recorrente, e que este ignorou a ordem jurídica bem como as vidas e os bens alheios, sendo a sua conduta consideravelmente grave.
6. Tal como referiu o próprio recorrente, ele não é delinquente primário e, durante o período de suspensão da execução da pena de prisão por que tinha sido condenado pela prática do crime de furto qualificado, praticou o delito grave de que era acusado no presente caso; o mesmo negou a prática do imputado crime, o que revela a falta de introspecção e arrependimento pela prática dos factos.
7. Nesta causa, bem pelo contrário, para além do perdão do ofendido, não existe qualquer circunstância atenuante que depõe a favor do arguido.
8. Entendemos, portanto, que não há fundamentos de facto e de direito para aplicar-lhe a pena mínima da moldura penal abstracta legalmente fixada.
9. Tendo em conta o facto e as circunstâncias nesta causa, incluindo o modo de execução deste, o antecedente criminal, a atitude de confissão, as afectações negativas causadas pelo acto do recorrente para a sociedade, a moldura penal abstracta do respectivo crime, bem como as exigências de prevenção geral e especial, entendemos que a condenação do recorrente, pela prática do crime de provocação de incêndio, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão mostra-se adequada, não é demasiado grave, e preenche assim o disposto nos artigos 40.º e 65.º do CP.
10. O recorrente foi condenado na pena de prisão superior a 3 anos, o qual não preenche os requesitos para a concessão da suspensão da execução da pena de prisão, pelo que deve executar-se efectivamente a pena de prisão.

Nesta instância, a Digna Procuradora-Adjunta do Ministério Público emitiu o douto parecer, pugnando pela rejeição do recurso.
Foram corridos vistos.

2. Os factos
Nos autos foram dados como provados os seguintes factos importantes para a decisão da causa:
- O arguido e C casaram-se no ano 1995. Desde 2011, o casal pretendia divorciar-se por causa de problemas na relação conjugal e ocorriam brigas entre eles, nas quais B, irmão mais novo de C, costumava discutir com o arguido na defesa da irmã.
- No dia 24 de Janeiro de 2013, ocorreu uma briga entre C e o arguido por problema familiar e, por conseguinte, aquela saiu com os filhos da fracção sita na [Endereço(1)] e deslocou-se à fracção da sua irmã mais nova D sita no [Endereço(2)] do mesmo edifício para o alojamento provisório.
- No dia 26 de Janeiro de 2013, cerca das 21h00, B mais uma vez entrou em discussões com o arguido sobre problema familiar quando acompanhou C à fracção sita no [Endereço(1)]. A seguir, C, acompanhada pela mãe do arguido, entrou na fracção para arrumar os bens, e depois saiu e voltou à residência de D.
- Na madrugada do dia 27 de Janeiro de 2013, o arguido, a fim de desabafar o descontentamento contra B, veio a ter uma ideia de atear fogo ao automóvel de matrícula MM-XX-XX possuído por B e a sua esposa E. Tal veículo encontrava-se estacionado na unidade-parque n.º 26 do rés-do-chão do parque de estacionamento do [Endereço(3)]. Pelo que cerca das 6h11 da madrugada, o arguido conduziu o ciclomotor de matrícula CM-XXXXX à entrada do [Endereço(3)] e entrou, atravessando a área pública até chegar ao parque de estacionamento. Seguidamente, ao lado do veículo de matrícula MM-XX-XX, o arguido ateou fogo a uma chapa de madeira com área de cerca de 100cm x 50cm e foi-se embora. O fogo ateado à chapa de madeira mas não queimou o veículo de matrícula MM-XX-XX. Cerca das 6h29, o arguido voltou no ciclomotor. Ao descobrir que o veículo de matrícula MM-XX-XX não foi queimado, ele saiu e voltou mais uma vez alguns minutos depois. O arguido entrou no parque de estacionamento, colocou sobre o pára-brisas do veículo de matrícula MM-XX-XX uma garrafa de plástico que continha petróleo e ligou o bocal da garrafa e a fenda no capô do veículo com um pano, a que ele ateou o fogo antes de ir-se embora. O veículo foi, portanto, queimado. F, trabalhadora de limpeza do parque de estacionamento acima referido, primeira descobriu o incêndio e imediatamente notificou o administrador G a tratar isto. O Corpo de bombeiros recebeu o pedido de apoio e enviou para o local o pessoal que apagou o fogo em cerca de 5 minutos. Cerca das 6h44, o arguido voltou de novo ao local no ciclomotor e foi-se embora quando viu que o veículo de matrícula MM-XX-XX foi queimado com sucesso.
- A conduta acima referida do arguido causou à parte da frente do veículo de matrícula MM-XX-XX danos sérios de impossível reparação e tornou-o inútil. Tal veículo foi adquirido por E em 2009 pelo preço de cerca de HKD$130.000,00.
- O arguido dolosamente ateou fogo ao veículo de terceiro, do qual resultou a inutilização do veículo. Aquele bem sabia que ateou o fogo na zona residencial durante a madrugada, e que, uma vez propagado o incêndio, poderia haver perigos para as vidas e os bens alheios e seria gravemente prejudicada a ordem e paz social.
- O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente ao praticar dolosamente a conduta acima referida.
- O arguido bem sabia que a sua conduta era legalmente proibida e punida.
- O arguido é taxista de profissão, no exercício dessa actividade aufere cerca de 15.000,00 patacas mensais.
- O mesmo tem como a sua habilitação literária o ensino secundário complementar e a seu cargo os pais e dois filhos.
- Segundo o registo criminal, o arguido não é delinquente primário.
Nos autos do processo colectivo comum n.º CR2-11-0186-PCC, cujo facto ocorreu em 31 de Agosto de 2011, o arguido foi condenado, em 21 de Setembro de 2012, pela prática de um crime de furto qualificado previsto e punido pelo artigo 198.º, n.º 1, al. a) do Código Penal conjugado com o artigo 196.º, al. a) do mesmo Código, na pena de 1 ano e 3 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos.
- Na véspera da ocorrência do caso, o arguido passou a ser emocionalmente instável por ter discutido intensamente com a sua esposa e o ofendido.
*
E não foram dados como provados os restantes factos relevantes da acusação que são incompatíveis com os factos provados, designadamente:
- O arguido achou que B só favoreceu C, pelo que passou a ter uma hostilidade contra aquele.

3. Direito
O recorrente suscitou a única questão que se prende com a medida concreta da pena, pretendendo que se mantivesse a pena aplicada pelo Tribunal de 1.ª instância.
Invocou a violação do disposto nos art.ºs 40.º n.ºs 1 e 2, 64.º e 65.º n.ºs 1 e 2 do Código Penal de Macau.

Antes de mais, é de frisar que, face à pena aplicável ao crime em causa, a pena de prisão, não há lugar à aplicação do art.º 64.º do Código Penal de Macau, que pressupõe a previsão da pena alternativa.

Nos termos do art.º 40.º n.ºs 1 e 2 do Código Penal de Macau, a aplicação de penas visa não só a reintegração do agente na sociedade mas também a protecção de bens jurídicos. E a pena não pode ultrapassar, em caso algum, a medida da culpa.
E ao abrigo do art.º 65.º do Código Penal de Macau, a determinação da medida da pena é feita “dentro dos limites definidos na lei” e “em função da culpa do agente e das exigências de prevenção criminal”, tanto de prevenção geral como de prevenção especial, atendendo a todos os elementos pertinentes apurados nos autos, nomeadamente os elencados no n.º 2 do artigo.
No caso ora em escrutínio, não se afigura exagerada a pena de 3 anos e 6 meses de prisão, face à moldura penal aplicável e a todo o circunstancialismo apurado nos autos.
O crime pelo qual foi condenado o recorrente, de provocação de incêndio de relevo, é punível com a pena de 3 a 10 anos de prisão.
Resultam dos autos que o recorrente não é delinquente primário, tendo sido condenado, em 21 de Setembro de 2012 e pela prática de um crime de furto qualificado, na pena de 1 ano e 3 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos. A decisão transitou em julgado em 4 de Outubro de 2012. Daí que o recorrente cometeu o crime dos presentes autos no período de suspensão da execução da pena anteriormente aplicada.
Pese embora as naturezas diferentes dos dois crimes em causa, certo é que nem por isso a condenação anterior e a prática do novo crime, ainda mais grave, no período de execução da pena, que revelam a conduta anterior do recorrente e milita contra si, deixam de ser ponderadas na determinação da medida da pena, nos termos do art.º 65.º n.º 2, al. e) do Código Penal de Macau.
Não decorre dos autos que o recorrente confessou a prática dos factos nem se demonstrou arrependido, constatando-se ainda na acta de audiência de julgamento que, uma vez verificas discrepâncias entre as declarações prestadas pelo recorrente no primeiro interrogatório judicial e as prestadas na audiência de julgamento, o Presidente do Tribunal Colectivo procedeu à leitura daquelas declarações, ao abrigo do art.º 338.º n.º 1, al. b) do Código de Processo Penal (cfr. fls. 429v dos autos).
A factualidade apurada nos autos revela que o dolo do recorrente é intenso, na medida em que, na zona residencial e durante a madrugada, insistiu em pôr fogo ao veículo do ofendido, tendo voltando, depois de atear o fogo e sair do parque de estacionamento onde se encontrava o automóvel, ao local e, quando descobriu que o veículo não tinha sido queimado, posto de novo o fogo com uma garrafa de plástico que continha petróleo. Até que regressou mais uma vez ao local e foi-se embora quando viu que o veículo foi finalmente queimado.
E são muito graves os factos ilícitos, que não só causaram o prejuízo patrimonial mas também criaram perigo para a vida de outrem e os bens alheios.
No que tange às finalidades da pena, são prementes as exigências de prevenção criminal, tanto especial, face à condenação anterior do recorrente, como geral, impondo-se prevenir a prática do crime em causa, que põe em causa a ordem e a paz social, sendo ainda de afirmar como finalidade primária da pena o restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime.1

Alega o recorrente que tinha apenas o dolo eventual, e não dolo directo nem necessário, invocando o seu registo de doença psiquiátrica e que se encontrava emocionalmente instável no momento em que praticou o crime, faltando-lhe os fins ou motivos do crime. Diz ainda que procedeu à reparação ao ofendido, tanto quanto possível, antes do início da audiência de julgamento e que já foi perdoado pelo ofendido.
Ora, não obstante ficar provado nos autos que, na véspera da ocorrência do caso, o recorrente se encontrava emocionalmente instável por ter discutido intensamente com a sua esposa e o ofendido, é de ter presente que ele se dirigiu por várias vezes ao parque de estacionamento, insistindo em pôr fogo ao veículo do ofendido, o que revela o seu dolo directo, que é muito intenso. E não se provou que a provocação de incêndio foi motivada pela sua doença psiquiátrica.
Por outro lado e em relação à indemnização, não foi dada como assente a alegada circunstância e consta da acta de audiência de julgamento apenas que o recorrente chegou a acordo com o ofendido quanto à questão de indemnização (cfr. 429 dos autos).

Tudo ponderado, não se afigura excessiva a pena concreta aplicada pelo Tribunal recorrido.
E tal como tem entendido este Tribunal, “Ao Tribunal de Última Instância, como Tribunal especialmente vocacionado para controlar a boa aplicação do Direito, não cabe imiscuir-se na fixação da medida concreta da pena, desde que não tenham sido violadas vinculações legais – como por exemplo, a dos limites da penalidade – ou regras da experiência, nem a medida da pena encontrada se revele completamente desproporcionada”2, pelo que se não se estiver perante essas situações, como é no caso vertente, o Tribunal de Última Instância não deve intervir na fixação da dosimetria concreta da pena.

É de concluir pela improcedência da pretensão do recorrente.

4. Decisão
Pelo exposto, acordam em julgar improcedente o recurso.
Custas pelo recorrente, com a taxa de justiça fixada em 4 UC.

Macau, 18 de Junho de 2014

   Juízes: Song Man Lei (Relatora) – Sam Hou Fai –
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

1 Jorge de Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, p. 106.
2 Cfr. Ac. do TUI, de 23-1-2008, 19-9-2008, 29-04-2009 e 28-9-2011, nos Processos n.ºs 29/2008, 57/2007, 11/2009 e 35/2011, respectivamente.
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