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Processo nº 73/2014
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 22 de Maio de 2014

ASSUNTO:
- Impugnabilidade judicial
- Deliberações do conselho de administração

SUMÁRIO :
- Ao contrário do que ocorre no CSCP, o CCM não prevê expressamente que “o próprio conselho ou a assembleia geral pode declarar a nulidade ou anular deliberações do conselho viciadas”.
- Ao não adoptar a mesma solução do CSCP, o legislador de Macau, bem sabendo as divergências existentes em Portugal relativas ao regime em causa, queria afastar aplicar em Macau tal regime, a fim de evitar as mesmas divergências também surgirem em Macau.
- O acesso aos tribunais é um direito fundamental dos residentes de Macau, que é tutelado pela lei fundamental da RAEM (artº 36º, nº 1 da Lei Básica).
- Não havendo determinação legal em contrário, nunca se pode negar o direito da acção da Autora no sentido de pedir a declaração da nulidade ou anulação das deliberações do conselho de administração da Ré.
O Relator,

Processo nº 73/2014
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 22 de Maio de 2014
Recorrente: A Limitada (Autora)
Recorrida: Sociedade de Investimento Imobiliário B, SA (Ré)

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
Por sentença de 13/09/2013, julgou-se improcedente a acção interposto pela Autora, A Limitada, e, em consequência, absolveu-se a Ré, Sociedade de Investimento Imobiliário B, SA, do pedido.
Dessa decisão vem recorrer a Autora, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
1. O presente recurso tem por objecto a douta sentença de fls. 783v a 793, que absolveu a R. do pedido por ter concluído o Tribunal a quo que a via judicial não é o meio próprio para atacar as deliberações do conselho de administração de uma sociedade.
2. Em causa estão diversas deliberações pretensamente tomadas em 04/05/2009 pelo conselho de administração da sociedade R., ora Recorrida, e que foram objecto de impugnação judicial por parte da A., ora Recorrente, por entender que as mesmas são nulas e/ou anuláveis, vícios, aliás, que a própria R., em sede de contestação veio reconhecer e aceitar, aderindo à posição da Recorrente.
3. O M.mo Juiz do Tribunal a quo socorreu-se da ideia de analogia de regulamentação entre o Código das Sociedades Comerciais de Portugal e o Código Comercial de Macau em matéria societária, para sufragar em Macau uma solução semelhante à consagrada no artigo 412.°, n.º 1 do CSC, onde se determina que a apreciação da validade das deliberações do conselho compete à assembleia geral (e ao conselho de administração).
4. Com o devido respeito, não andou bem o Tribunal a quo ao controverter uma questão que não tem suscitado qualquer dúvida ou ambiguidade face à lei aplicável, desviando-se da solução que tem sido aplicada por este Venerando Tribunal, conforme resulta dos acórdãos n.os 981/2009 e 878/2012, resultando daí também uma decisão que não encontra qualquer suporte no sistema jurídico de Macau, e que de resto viola o artigo 36.º da Lei Básica e o artigo 1.º do CPC.
5. Como reconhece a sentença ora em crise, nenhum artigo do CCom estipula que as deliberações do conselho de administração não possam ser judicialmente impugnadas, ou que, antes de o serem, devam ser sujeitas a um controlo interno efectuado pelos órgãos sociais.
6. Por outro lado, tal conclusão não resulta de qualquer interpretação extensiva ou integração analógica da leis que regulam as sociedades comerciais em Macau.
7. À falta de uma disposição, no sistema jurídico local, que limite aos sócios o acesso directo aos tribunais para impugnarem as deliberações do conselho de administração, e da qual não resulta qualquer lacuna, porque na ausência de norma especial e/ou excepcional aplicam-se as normas gerais, não pode o julgador socorrer-se de uma disposição do mesmo tipo, consagrada num outro ordenamento jurídico, ainda que similar, por entender ser a solução mais adequada para o ordenamento jurídico local, sob pena de incorrer em flagrante violação dos mais elementares princípios da legalidade deste último.
8. Da remissão do artigo 467.°, n.º 6 para os art.º 217.°, 219.°, 228.°, 229.° e 233.°, todos do CCom, resulta que as deliberações do conselho de administração podem ser nulas ou anuláveis nos mesmos termos em que o podem ser as deliberações da assembleia geral, isto é, nas condições previstas nos artigos 228.° e 229.° do CCom.
9. Assim, da falta de atribuição expressa aos sócios de uma legitimidade específica e directa para impugnarem as deliberações tomadas pelo conselho de administração não pode retirar-se a conclusão de que os sócios não possam impugnar directamente em tribunal essas mesmas deliberações quando elas sejam nulas ou anuláveis nos termos dos artigos 228.° e 229.° do CCom.
10. Com efeito, no que se refere ao acesso directo aos tribunais, na falta de regime especial, aplica-se o princípio geral consagrado no CPC, segundo o qual, a todo o direito corresponde a acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo.
11. Assim, se a lei diz que as deliberações do conselho de administração podem ser nulas ou anuláveis e não consagra qualquer limitação ou restrição de acesso aos tribunais por parte dos interessados para impugnarem as deliberações nulas ou anuláveis, a conclusão lógica é a de que os interessados podem recorrer a tribunal directamente para fazer reconhecer essas invalidades em juízo.
12. No que se refere à legitimidade substantiva e processual para impugnar as deliberações do conselho de administração, também na falta de um regime especial, aplicam-se as regras gerais de legitimidade substantiva e processual de declaração de nulidade e anulabilidade dos negócios jurídicos, designadamente as constantes do CC (vd. art.º 278°).
13. Ora, in casu, não há dúvidas que a Recorrente tem interesse na invalidação das deliberações do conselho de administração que considera serem ilegais, interesse esse que não só decorre, de forma directa e objectiva, da sua qualidade de sócia da Recorrida, como também, conforme exposto na petição inicial, do facto de estarem seriamente ameaçados os interesses da Recorrida pela execução das deliberações in quaestio, designadamente a sua situação financeira, o que igualmente compromete os seus direitos decorrentes da qualidade de sócia, nomeadamente, o direito aos lucros ou ao quinhão de liquidação.
14. Por outro lado, ao decidir como decidiu, entende a aqui Recorrente que o tribunal ultrapassou a legalidade e, no recurso ao direito comparado, não teve em conta as opções específicas dos sistemas jurídicos similares em comparação.
15. Na verdade, as soluções de direito português já não podem ser aqui aplicáveis, a não ser que tenham sido expressamente adoptadas pelo legislador local, como decorre da Lei Básica e da Lei da Reunificação.
16. A similitude entre o ordenamento português e o de Macau não justifica a transposição para Macau de soluções de direito português, sobretudo de regime especial ou excepcional, que, bem ou mal, o legislador local não quis adoptar.
17. Ora, no caso em apreço, o legislador de Macau, que bem conhecia a solução consagrada pelo CSC Português, se não preconizou uma via interna para atacar as deliberações do conselho de administração, através da assembleia geral ou do próprio conselho, é porque claramente não a quis, deixando que fosse aplicável o regime geral de acesso directo aos tribunais e de arguição de nulidades ou anulabilidades.
18. Acresce que, mesmo em Portugal, parece não haver grandes dúvidas que qualquer accionista pode intentar procedimento (judicial) cautelar especificado de suspensão de deliberações do conselho de administração, como aconteceu nos presentes autos.
19. Ora, se se admite que os sócios possam intentar uma providência judicial de suspensão das deliberações do conselho de administração, tem necessariamente de se admitir que os mesmos têm legitimidade para prosseguir com a acção principal correspondente e assim, por vezes, atacar directamente, através dos tribunais, as deliberações do conselho de administração.
20. Ou seja, mesmo à luz da lei portuguesa, com uma norma expressa que prevê um controlo interno das deliberações do conselho de administração, há poucas dúvidas quanto à possibilidade de os sócios poderem impugnar directamente através dos tribunais as deliberações do conselho de administração nos casos de existência de um procedimento cautelar antecipatório.
21. E, na verdade, é essa a única posição que vem sendo defendida nos tribunais de Macau, de forma absolutamente clara e peremptória, conforme se vê a título exemplificativo pela posição que ficou vertida no acórdão citado nas alegações supra proferido por este Venerando Tribunal no processo n.º 981/2009.
22. O facto de a lei consagrar, ao elencar os seus poderes e deveres, que o órgão fiscalizador tem o dever de informar a assembleia geral de irregularidades e inexactidões verificadas e que não foram corrigidas pela administração (vd. art.º 243.°, n.º 2, alínea d) do CCom) não implica, nem pode implicar, que só a assembleia geral tenha o poder de invalidar, por nulas ou anuláveis as deliberações do conselho de administração.
23. O que está em causa nessa norma é apenas a consagração de um dever do órgão fiscalizador de, no cumprimento das suas obrigações, reportar inexactidões ou irregularidades no funcionamento da sociedade e que não forem corrigidas ao órgão representativo de todos os sócios para que estes, em assembleia ou individualmente, possam tomar as medidas necessárias e exercerem os seus direitos.
24. Não é também aceitável o argumento da via judicial enquanto via residual para atacar as deliberações do conselho de administração, como forma de evitar paralisações das sociedade, na medida em que em vários artigos do CCom se prevê o recurso directo dos sócios a tribunal até para responsabilização dos administradores, e que pode resultar numa paralisação da sociedade (vd., por exemplo, os art.º 463.°, n.º. 2 e 248.° do CCom).
25. Na solução preconizada na sentença recorrida, com base na legislação portuguesa, para que um sócio possa atacar as deliberações do conselho de administração é preciso que a assembleia delibere sobre a (in)validade dessa deliberação. Se pura e simplesmente a assembleia geral, por qualquer razão, não tomar uma deliberação, parece que o sócio nada pode fazer.
26. A solução consagrada na lei portuguesa é, pois, dúbia e lacunosa, não permitindo, no entanto, afastar de forma taxativa, como faz a sentença, o recurso directo dos sócios a tribunal para impugnar as deliberações do conselho de administração.
27. Assim, só pode concluir-se, com base na presunção de um legislador prudente que consagrou as melhores soluções, que o legislador de Macau nessa matéria omitiu deliberadamente a necessidade de uma sindicância prévia das deliberações do conselho de administração por parte do próprio ou da assembleia geral, como exige o ordenamento jurídico português, provavelmente por ter entendido que se trata de uma solução restritiva de um direito e princípio fundamental de acesso à justiça, pouco clara e que levanta mais problemas do que os que resolve.
28. Do exposto resulta igualmente que o Meritíssimo Juiz a quo, com a decisão tomada, violou as regras respeitantes à integração das lacunas da lei, ao criar normas ad hoc para aplicar ao caso concreto, quando a situação não o justificava, quer por não existir in casu qualquer lacuna, quer porque a criação de normas ad hoc é um último recurso que o julgador apenas deve utilizar em nome da proibição do non liquet.
29. Com efeito, o Meritíssimo Juiz a quo, ao decidir como decidiu, embora não expressamente, mais não fez do que criar e aplicar ao caso concreto uma norma ad hoc limitativa do recurso directo por parte dos sócios aos tribunais para impugnarem as deliberações do conselho de administração, tendo como referência a existente em Portugal, face a uma alegada lacuna no ordenamento jurídico de Macau derivada da inexistência em Macau de norma semelhante.
30. Ou seja, depreende-se da sentença que, sendo a organização interna das sociedades de Macau semelhante ao das de Portugal, se o legislador de Macau omitiu uma norma consagrando um controlo interno das deliberações do conselho de administração antes da via judicial, tal omissão traduz-se numa lacuna, a qual preencheu por recurso à criação de uma norma semelhante à do ordenamento português.
31. Se o legislador português sentiu a necessidade de criar uma norma consagrando um controlo interno das deliberações do conselho de administração antes da via judicial é porque, por um lado entendeu, bem ou mal, que tal solução se justificava e, por outro, que a mesma não poderia simplesmente ser inferida do modo de organização interna das sociedades comerciais, exactamente por ser uma solução limitadora do exercício de um direito fundamental constitucionalmente reconhecido.
32. Da mesma forma, se o legislador de Macau, conhecedor de tal norma, não a adoptou, é porque entendeu que a solução que dela resulta não é adequada e, consequentemente, que a mesma não pode ser inferida do sistema de organização interna das sociedades comerciais de Macau. Não se trata de uma omissão da qual resulta uma lacuna, mas de uma opção legislativa.
33. Mas, mesmo que a omissão do legislador de tal norma não tenha sido deliberada e se entenda que dessa omissão resulta uma lacuna, a mesma não poderia ser preenchida através do recurso imediato à criação de uma norma ad hoc, sobretudo se desta resulta uma limitação de um direito fundamental, que é o de acesso a justiça, mas antes, por recurso à analogia, a primeira forma de preenchimento de lacunas da lei como determina o art.º 9.° do CC.
34. E a situação que se configura análoga à impugnação judicial das deliberações do conselho de administração é a da impugnação judicial das deliberações da assembleia geral, resultando daí a aplicação à impugnação judicial das deliberações do conselho de administração, com as necessárias adaptações, do disposto nos art.º 230.° e 231.° do CCom e, consequentemente, a possibilidade de recurso directo aos tribunais por parte dos sócios para impugnar as deliberações do conselho de administração.
35. E a jurisprudência de Macau que existe e que se vem pronunciando sobre esta questão é perfeitamente pacífica no seu entendimento, no sentido do que a aqui Recorrente vem expondo, conforme decorre, a título meramente exemplificativo, da decisão proferida no acórdão n.º 878/2012 deste Venerando Tribunal.
36. Não há pois qualquer razão jurídica sistemática ou outra para pôr em dúvida a possibilidade de impugnação judicial directa das deliberações do conselho de administração nulas ou anuláveis.
37. Assim, ao decidir como decidiu, a sentença posta em crise neste recurso violou entre outras normas, o disposto no art.º 36.° da Lei Básica, o art.º 1.º do CPC, os art.os 9.°, 278.° e ss. ambos do CC, e os art.os 230.°, 231.°, 232.°, 467.°, todos do CCom, razão pela qual deverá a mesma a ser revogada.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II – Factos
Foi considerada como provada a seguinte factualidade pelo Tribunal a quo:
a) A Ré é uma sociedade comercial anónima com sede em Macau, registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis sob o n.º XX23, com o capital social de MOP$55.000.000,00.
b) A Autora é uma sociedade comercial por quotas com sede em Macau, na Avenida XX, nº XX, Edifício XX, XXº andar, registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis sob o nº XXX10, com o capital social de MOP$100.000,00.
c) A Autora é sócia da Ré, detendo na mesma 374,000 acções com o valor nominal global de MOP$37.400.000,00, sendo também sócios da Ré a sociedade C Limited, detentora de 174.500 acções no valor nominal de MOP$17.450.000,00; D, detentor de 800 acções no valor nominal de MOP$80.000,00 e E, detentor de 700 acções no valor nominal de MOP$70.000,00.
d) Em assembleia geral da Ré realizada em 23 de Abril de 2004, os então sócios da Ré alteraram diversas disposições dos estatutos desta, alterações essas que foram registadas junto da Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis mediante a Ap. nº XX/0XXXX04, apresentação essa que foi devidamente instruída com uma versão integral e actualizada dos estatutos na qual foi aposta a data dessa apresentação, 6 de Maio de 2004.
e) Em assembleia geral de sócios da Ré realizada em 6 de Junho de 2006, foram tomadas as seguintes deliberações sociais:
- Aceitar, com efeitos imediatos, os pedidos de renúncia aos cargos de administradores apresentados pelos Srs. F e Sr. G;
- Tendo em conta a deliberação tomada em a), eleger, com efeitos imediatos, os seguintes indivíduos que irão preencher os respectivos cargos e que exercerão funções para o período que termina em 31 de Dezembro de 2006:
- Sr. H, casado, de nacionalidade norte-americana, residente em 3XXX XX Way, XX, Nevada 8XXXX, XX2-3XX-2XXX, Estados Unidos da América, como administrador;
- Sr. I, casado, de nacionalidade japonesa, residente em 2-XX-XX XX City, XX, 3XX-0XX3, Japão, como administrador.
Considerando que o administrador que ainda continua em exercício de funções, Sr. J, casado, de nacionalidade chinesa, residente em Hong Kong, XXth Floor, XX Building, XX Road Central, havia sido eleito para o mandato que terminou em 31 de Dezembro de 2004, foi ainda deliberado por unanimidade reconduzi-lo no exercício do referido cargo para o mandato que termina em 31 de Dezembro de 2006, passando a assumir o cargo de presidente.
f) A nomeação como administradores dos Srs. H e I e a recondução como administrador do Sr. J foram registadas na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis sob as apresentações nºs. 48/0XXXXXX6 e 49/0XXXXXX6, não obstante, por lapso, não se ter registado a eleição do Sr. J como presidente do Conselho de Administração da Ré.
g) Em assembleia geral de sócios da Ré realizada no dia 1 de Setembro de 2008 foi deliberado intentar acções de responsabilização civil e, eventualmente criminal, contra todos os então administradores da FKV – os referidos Srs. H, I e J - deliberação essa que, por força do disposto no art. 235º do Código Comercial, implicou a destituição automática de tais administradores.
h) Nessa mesma assembleia de 1 de Setembro de 2008, foram eleitos 5 administradores efectivos e dois suplentes, a saber, os Srs. K, L, M, N e O, como efectivos, e os Srs. P e Q como suplentes.
i) Igualmente nessa assembleia de 1 de Setembro de 2008, foram alterados os arts. 18º, 23º e 25º dos Estatutos da Ré.
j) Uma sócia da Ré, a sociedade C, intentou uma providência cautelar solicitando a suspensão das deliberações tomadas na supra referida assembleia da Ré realizada em 1 de Setembro de 2008, no âmbito da qual, foi decretada, por sentença datada de 17 de Dezembro de 2008, a suspensão da execução de todas as deliberações dessa assembleia geral de 1 de Setembro de 2008, dela tendo recorrido a ali e aqui Ré, recurso esse ao qual foi atribuído efeito meramente devolutivo.
k) Na sequência dessa providência cautelar, a referida sócia da Ré, a C, intentou também uma acção declarativa onde pediu a declaração de nulidade ou a anulação de tais deliberações, a qual corre presentemente os seus termos neste tribunal sob o nº CV3-08-0061-CAO.
l) Do Livro de Actas do Conselho de Administração da Ré de folhas 8 a 11 consta a acta da reunião deste conselho de 4 de Maio de 2009 cuja cópia está a folhas 143/149 do apenso A;
m) No dia 4 de Abril de 2009 foi enviado o fax que consta de folhas 150 da providência cautelar apenso A cujo texto aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
n) Em 3 e 4 de Novembro de 2008 foram enviados e recebidos os emails que constam de folhas 54 a 57 e aqui se dão por integralmente reproduzidos.
o) Em 6 de Julho de 2006 foi lavrada e outorgada a escritura que consta de folhas 166 a 173 a qual aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais.
p) Neste tribunal sob o nº CV3-08-0055-CEO corre termos uma execução em que é exequente R (USVI)LLC e executada a aqui Ré, na qual foi penhorado o direito de concessão por arrendamento do prédio objecto da escritura referida na alínea anterior, tudo conforme consta de folhas 183 do apenso A.
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III – Fundamentação
O presente recurso consiste em saber se a deliberação do conselho de administração duma sociedade comercial pode ser objecto de impugnação judicial directa.
Na óptica da sentença recorrida, a resposta é negativa, socorrendo-se da ideia de analogia de regulamentação entre o Código das Sociedades Comerciais de Portugal (CSCP) e o Código Comercial de Macau (CCM) em matéria societária, para sufragar em Macau uma solução semelhante à consagrada no artº 412º, nº 1 do CSCP, nos termos do qual “O próprio conselho ou a assembleia geral pode declarar a nulidade ou anular deliberações do conselho viciadas, a requerimento de qualquer administrador, do conselho fiscal ou de qualquer accionista com direito de voto, dentro do prazo de um ano a partir do conhecimento da irregularidade, mas não depois de decorridos três anos a contar da data da deliberação”.
Quid irius?
A questão da impugnabilidade judicial das deliberações do conselho de administração das sociedades comerciais, como é referida na própria sentença recorrida, não é pacífica em Portugal, quer ao nível da doutrina, quer da jurisprudência, rejeitada por uns e admitida por outros1.
Em Macau, este Tribunal, a propósito de outros assuntos, tem admitido implicitamente a impugnabilidade judicial directa, pois no Ac. de 24/01/2013, proferido no Proc. 878/2012, tem fixado a jurisprudência no sentido de que “O artº 231º do C. Comercial aplica-se às acções de nulidade e de anulação de todas as deliberações sociais, quer seja da assembleia geral, quer do conselho de administração”.
Além disso, no Ac. de 25/03/2010, proferido no Proc. nº 981/2009, tem entendido que:
“... nos termos do disposto no artº 467º/6 do Código Comercial, as deliberações tomadas pelo conselho deadministração de uma sociedade anónima são reguladas, por remissão expressa ai feita, pelas normas disciplinadoras das deliberações tomadas pela assembleia geral dos sócios, designadamente no que diz respeito ao regime das nulidades e das anulabilidades das deliberações do conselho de administração.
Pois reza o artº 467º/6 do Código Comercial que “às deliberações e ..... são aplicáveis, com as necessárias adaptações, as regras constantes do...... e dos artigos ... 228º, 229º, ..... .”
Ao passo que esses artºs 228º e 229º elencam respectivamente as deliberações nulas e as deliberaçõs anuláveis da assembleia geral.
Se, à semelhança do que sucede com as deliberações tomadas pelo plenário dos sócios, existirem acções judiciais com vista à declaração da nulidade e à anulação ao dispor dos sócios e interessados face a deliberações nulas e anuláveis do conselho de administração, é de entender que, por razões análogas, os sócios e interessados devem poder recorrer aos tribunais para obterem a suspensão cautelar de uma deliberação do conselho de administração que se apresenta, na sua óptica, nula ou anulável, e cuja execução poderá causar-lhes ou à sociedade danos apreciáveis.
   Portanto, no conceito “deliberações sociais”, a que se referem o artº 232º do Código Comercial e os artºs 341º e s.s. do CPC, abrangem-se também as deliberações tomadas pelo conselho de administração.
   Assim, por força do disposto no artº 467º do Código Comercial, às deliberações do conselho de administração são aplicáveis, com as necessárias adaptações, as regras estipuladoras dos prazos para requerer a providência cautelar de suspensão das deliberações sociais”.
Não se nos afigura ter necessidade de alterar a posição já assumida.
Vejamos a sua razão de ser.
Em primeiro lugar, ao contrário do que ocorre no CSCP, o CCM não prevê expressamente que “o próprio conselho ou a assembleia geral pode declarar a nulidade ou anular deliberações do conselho viciadas”.
Como é sabido, o actual CCM foi elaborado e aprovado ainda na vigência da administração portuguesa, daí que a sua elaboração teve certamente em conta o regime jurídico então vigente em Portugal.
Assim, a nosso ver, ao não adoptar a mesma solução do CSCP, o legislador de Macau, bem sabendo das divergências existentes em Portugal relativas ao regime em causa, queria afastar aplicar em Macau tal regime, a fim de evitar as mesmas divergências também surgirem em Macau.
Em segundo lugar, o acesso aos tribunais é um direito fundamental dos residentes de Macau, que é tutelado pela lei fundamental da RAEM (artº 36º, nº 1 da Lei Básica).
E mesmo ao nível da lei ordinária, o nº 2 do artº 1º do CPCM prevê que “a todo o direito, excepto quando a lei determine o contrário (o sublinhado e o realçado são nossos), corresponde a acção adequada a faze-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou reparar a violação dele e a realizá-lo coercivamente, bem como as providências necessárias para acautelar o efeito útil da acção”.
Nesta conformidade, não havendo determinação legal em contrário, nunca se pode negar o direito da acção da Autora no sentido de pedir a declaração da nulidade ou anulação das deliberações do conselho de administração da Ré.
Pelo exposto e sem necessidade de demais delongas, é de conceder provimento ao recurso.
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IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conceder provimento ao recurso interposto, revogando a sentença recorrida e, em consequência, ordenar a baixa dos autos à primeira instância para o seu prosseguimento legal.
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Sem custas, uma vez que a parte contrária não respondeu à motivação do recurso.
Notifique e D. N.
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RAEM, aos 22 de Maio de 2014.

_________________________
Ho Wai Neng
(Relator)

_________________________
José Cândido de Pinho
(Primeiro Juiz-Adjunto)

_________________________
Tong Hio Fong
(Segundo Juiz-Adjunto)

1 Cfr. anotação do artº 412º do CSCP, ABÍLIO NETO, Ediforum, 4ª edição, pág. 887 e 888.
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