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Processo nº 136/2014
(Autos de recurso civil e laboral)

Data: 5/Junho/2014

Assunto: Guardforce
Compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal


SUMÁRIO
- Nos termos do artigo 17º, nº 6 do Decreto-Lei nº 24/89/M, o trabalho prestado em dias de descanso semanal é pago pelo dobro da retribuição normal, para além do salário em singelo.
       
       
O Relator,

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Tong Hio Fong


Processo nº 136/2014
(Autos de recurso civil e laboral)

Data: 5/Junho/2014

Recorrente:
- A (Autor)

Recorrida:
- Guardforce (Macau) – Serviços e Sistemas de Segurança, Ltd (Ré)

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
A intentou junto do Tribunal Judicial de Base da RAEM acção declarativa de processo comum do trabalho, pedindo a condenação da Ré no pagamento do montante de MOP$166.451,00, acrescido de juros legais até integral e efectivo pagamento.
Realizado o julgamento, foi a Ré condenada a pagar ao Autor a quantia de MOP$93.786,40, acrescida de juros de mora calculados da data da sentença até efectivo e integral pagamento.
Inconformada com a sentença, dela vem o Autor interpor recurso ordinário, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
1. Versa o presente recurso sobre a parte da Sentença na qual o Tribunal a quo procedeu a um julgamento incorrecto quanto ao ponto 1 da resposta à matéria de facto e, em consequência, julgou parcialmente improcedente a favor do Recorrente a atribuição de uma determinada compensação devida pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal, em violação ao disposto nos artigos 17º e 26º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril.
2. O julgamento de facto que incidiu sobre o ponto 1 da matéria de facto mostra-se equivocado, porquanto uma correcta ponderação de todos os meios de prova constantes dos autos é apta a conduzir a uma outra decisão.
3. Neste sentido, contrariamente ao que terá sido concluído pelo Tribunal a quo, resulta do depoimento prestado em audiência de discussão e julgamento pela testemunha arrolada pelo Autor que: durante todo o tempo da relação laboral, nunca o Autor gozou de qualquer dia a título de descanso semanal remunerado.
Ao que acresce que,
4. Resulta dos registos informáticos de remunerações trazidos aos autos pela Recorrida – e reportados ao período compreendido entre Julho de 1999 e Maio de 2005 – que nos meses de Abril de 2000, Janeiro de 2003 e Abril e Maio de 2004 o Recorrente terá sido pago por uma quantia inferior ao salário mensal que havia acordado com a Recorrida.
5. Porém, em caso algum o Tribunal a quo poderá pressupor e/ou concluir que tal “desconto” se terá ficado a dever ao facto de o Recorrente não ter trabalhado “todos os dias, mesmo nos dias de descanso semanal”.
6. Pelo contrário, se em determinados meses de um determinado ano civil o Recorrente não terá auferido a totalidade do salário mensal que havia acordado com a Recorrida, tal se ficou a dever ao gozo pelo primeiro de dias de “dispensa ao trabalho, autorizados e não remunerados” (“gozo de no pay days”, no relato da testemunha) e nunca ao facto de o Recorrente não ter prestado trabalho em dia de descanso semanal, porquanto estes dias estariam sempre incluídos no seu salário, não podendo sofrer qualquer dedução pelo facto de não prestação de trabalho nesse mesmo período.
7. Ao não entender assim, o Tribunal a quo terá procedido a uma incorrecta interpretação e aplicação do disposto no n.º 1 do artigo 26º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril.
Sem prescindir,
8. Em caso algum o Tribunal a quo poderia ter pressuposto e/ou concluído que o Recorrente não fez prova do não gozo de descanso semanal antes de Junho de 1999, porquanto do relato prestado pela testemunha arrolada pelo Autor (testemunha que prestou trabalho para a Ré nas mesmas condições que o Autor) resulta claro que durante todo o período da relação laboral, nunca o Autor gozou de qualquer dia de descanso semanal, seja antes seja depois de Julho de 1999.
9. Ao que acresce que, tendo a Recorrida sido expressamente notificada para juntar aos autos os registos de presenças diárias do Autor ao longo de todo o período da relação laboral, e apenas o tendo feito relativamente ao período compreendido entre Julho de 1999 a Maio de 2005, o ónus de prova do gozo de dias de descanso semanal por parte do Autor cabia à própria Recorrida, sendo certo que a mesma nenhuma outra prova apresentou neste sentido.
10. Pelo exposto, ao oferecer uma resposta restritiva ao ponto 1 da base instrutória, o Tribunal a quo não terá ponderado devidamente todos os meios de prova, pelo que se justifica que o douto Tribunal ad quem proceda à reapreciação do testemunho prestado e, em consequência, altere a resposta ao facto contido no ponto 1 da base instrutória, julgando-se o mesmo como integralmente provado, com as devidas consequências quanto ao concreto pedido formulado pelo Recorrente.
11. Ao proceder ao desconto do valor pago em singelo pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal, o Tribunal a quo procedeu a uma errada aplicação da al. a) do n.º 6 do art. 17º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, visto o preceito garantir o seu pagamento em dobro, pelo que a decisão deve ser julgada nula e substituída por outra que condene a Ré em conformidade com o disposto na referida Lei das Relações Laborais.
12. Trata-se, de resto, de uma interpretação que se afasta da que reiteradamente tem vindo a ser seguida pelo Tribunal de Segunda Instância a respeito da mesma questão de Direito.
13. Em consequência, deve a Recorrida ser condenada a pagar ao ora Recorrente a quantia de MOP$93.786,00 – e não apenas de MOP$46.893,00, conforme resulta da decisão ora posta em crise – em consequência do trabalho prestado em dia de descanso semanal, nos termos da a) do n.º 6 do artigo 17º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril.
Conclui, pedindo a procedência do recurso, com a consequente revogação da sentença proferida pelo Tribunal a quo, para ser substituída por outra que atenda aos pedidos formulados pelo recorrente.
***
II) FUNDAMENTOS DE FACTO E DE DIREITO
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
Entre 12 de Novembro de 1997 e 30 de Maio de 2005, o Autor esteve ao serviço da Ré para, sob as suas ordens, direcção, instruções e fiscalização, exercer funções de guarda de segurança. (alínea A) dos factos assentes)
A Ré sempre fixou o local e o horário do trabalho do Autor de acordo com as suas necessidades. (alíneas B) dos factos assentes)
Por cada dia de trabalho prestado o Autor auferiu, em média, os seguintes montantes diário (alínea C) dos factos assentes):
Ano
Salário diário
1997
121,35
1998
159,19
1999
166,82
2000
160,67
2001
161,89
2002
166,57
2003
158,71
2004
118,78
2005
174,63
A prestação de trabalho pelo Autor nos dias de descanso semanal foi remunerada pela Ré com o valor de um salário diário, em singelo. (alínea D) dos factos assentes)
Durante Outubro a Dezembro de 1998, Julho de 1999 a Março de 2000, Maio de 2000 a Dezembro de 2002, Fevereiro de 2003 a Março de 2004 e Junho de 2004 a Abril de 2005, o Autor não gozou de qualquer dia a título de descanso semanal remunerado. (Resposta ao quesito 1º da base instrutória)
A Ré nunca concedeu ao Autor o correspondente dia de descanso compensatório. (Resposta ao quesito 2º da base instrutória)
*
É perante a matéria de facto acima descrita que se vai conhecer do recurso, tendo em conta as respectivas conclusões que delimitam o seu âmbito.
Prevê-se no artigo 589º, nº 3 do Código de Processo Civil de Macau, “nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso”.
Com fundamento nesta norma tem-se entendido que se o recorrente não leva às conclusões da alegação uma questão que tenha versado na alegação, o tribunal de recurso não deve conhecer da mesma, por se entender que o recorrente restringiu tacitamente o objecto do recurso.1
*
Cumpre decidir.
Da impugnação da matéria de facto constante da resposta ao quesito 1º da base instrutória
Alega o Autor que, partindo da prova produzida em audiência, mormente a testemunhal, a resposta dada ao quesito 1º deveria ser alterada.
Consagra-se na resposta ao quesito 1º o seguinte:
“Durante Outubro a Dezembro de 1998, Julho de 1999 a Março de 2000, Maio de 2000 a Dezembro de 2002, Fevereiro de 2003 a Março de 2004 e Junho de 2004 a Abril de 2005, o Autor não gozou de qualquer dia de descanso semanal remunerado.”
Entende o Autor que, de acordo com o depoimento da testemunha B, respondeu a testemunha claramente em audiência que o Autor não gozou de dias de descanso semanal entre 1997 e 2005, para além de que de acordo com a política da companhia, aquela medida era igual para todos os trabalhadores.
Entende o Tribunal a quo que, com excepção dos meses de Abril de 2000, Janeiro de 2003, Abril e Maio de 2004 e Maio de 2005, nos restantes meses o Autor trabalhou todos os dias, incluindo os dias de descanso semanal.
Reapreciando a gravação atinente à matéria impugnada, bem como analisando toda a prova documental junta aos autos, nomeadamente de fls. 58, 59, 70 e 71, salvo o devido respeito, entendemos assistir alguma razão ao recorrente.
Em nossa opinião, a testemunha mostrou-se ter conhecimento dos factos quesitados, nomeadamente, tendo ele durante alguns anos exercido funções para a recorrida, nas mesmas condições do Autor, e segundo soube não recebeu o Autor dias de descanso pagos nem dias de descanso compensatório, para além de que descreveu de forma mais ou menos pormenorizada o procedimento geral implementado na recorrida em matéria de faltas, o qual é aplicável ao Autor.
Por outro lado, não obstante se verificar que nos meses de Abril de 2000, Janeiro de 2003, Abril de 2004 e Maio de 2005 houve desconto na retribuição do recorrente, mas salvo o devido respeito, entendemos que só se poderia ter feito aquele desconto a título de “dias de dispensa”, ou seja, dias em que o trabalhador não trabalhou por isso não lhe era pago a remuneração; e não se logrou provar que foi a título de dias de descanso semanal, os quais eram pagos ao trabalhador se ainda mantivesse em vigor a relação laboral, não podendo sofrer qualquer dedução pelo facto de não ter prestado trabalho nesses dias.
Entretanto, só não tem razão o Autor relativamente ao mês de Maio de 2004, em que o trabalhador não recebeu qualquer remuneração, por não ter prestado trabalho naquele mês todo, daí que, salvo o devido respeito, podemos entender que o Autor gozou naquele mês de dias de descanso semanal mas não remunerados.
*
Por outro lado, o Tribunal a quo entende que o Autor não teria feito a prova do não gozo de descanso semanal entre o período de Novembro de 1997 e Outubro de 1998, e Janeiro a Junho de 1999.
Salvo melhor opinião, entendemos que de acordo com a prova produzida em audiência, conjugada com os documentos juntos aos autos, logrou-se a prova da referida matéria.
Em primeiro lugar, prova-se através de uma declaração emitida pela Ré que o Autor trabalhou para com a mesma, pelo menos, desde 12 de Novembro de 1997 até 26 de Setembro de 2002.
Em segundo lugar, retira-se da prova testemunhal que durante todo o tempo da relação laboral, o Autor nunca gozou de qualquer dia a título de descanso semanal remunerado, não obstante que podia requerer dias de descanso, mas nunca eram remunerados. Resulta ainda do mesmo depoimento que se trata de uma política seguida pela Ré em matéria de não atribuição de dias de descanso semanal aos seus trabalhadores, incluindo o aqui Autor.
Nesta conformidade, entendemos ter logrado a prova de que durante todo o período da relação laboral, mas com excepção do mês de Maio de 2004, nunca o Autor gozou de qualquer dia a título de descanso semanal remunerado; enquanto no mês de Maio de 2004, o Autor gozou de dias de descanso semanal mas não remunerados.
Daí que é de proceder o recurso quanto a esta parte, alterando-se a resposta ao quesito 1º da Base Instrutória de seguinte forma:
“Durante todo o período da relação laboral, mas com excepção do mês de Maio de 2004, nunca o Autor gozou de qualquer dia a título de descanso semanal remunerado; enquanto no mês de Maio de 2004, o Autor gozou de dias de descanso semanal não remunerados.”
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Da compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal
Entende o Autor ora recorrente que, nos termos do artigo 17º do Decreto-Lei nº 24/89/M, o trabalho prestado em dias de descanso semanal deverá ser remunerado pelo dobro do salário normal.
Em nossa opinião, julgamos assistir razão ao Autor.
De acordo com a interpretação que tem vindo a ser seguida de forma quase unânime neste TSI, tem-se entendido que o trabalho prestado em dias de descanso semanal é pago pelo dobro da retribuição normal aos trabalhadores que auferem salário normal.
No mesmo sentido, citam-se, a título exemplificativo, os Acórdãos deste TSI, proferidos no âmbito dos Processos 778/2010, 376/2012 e mais recentemente, Processo 61/2014.
Nesta conformidade, por o Autor ter direito a receber, por cada dia de descanso semanal não gozado, o dobro da retribuição normal, para além do salário em singelo, é revogada a decisão quanto a esta parte, e em sua substituição, ser a Ré condenada a pagar ao Autor o seguinte:
Período
Número de dias de descanso semanal não remunerados (A)
Remuneração diária (B)
Compensação
(AxBx2)
1997 (Nov. e Dez.)
7
121,35
$1.698,90
1998
52
159,19
$16.555,76
1999
52
166,82
$17.349,28
2000
52
160,67
$16.709,68
2001
52
161,89
$16.836,56
2002
52
166,57
$17.323,28
2003
52
158,71
$16.505,84
2004 (com excepção de Maio)
47
118,78
$11.165,32
2005 (Jan. a Abr.)
17
174,63
$5.937,42
Total


$120.082,04
*
No mês de Maio de 2004, o Autor gozou de dias de descanso semanal, mas não recebeu qualquer remuneração, pelo que tem direito à respectiva remuneração, em singelo:
Maio de 2004
5
118,78
$593,90
***
III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em conceder provimento ao recurso interposto pelo recorrente A (Autor), sendo revogada a sentença na parte em que condenou a Ré a pagar ao Autor, a título de compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal, a quantia de MOP$46.893,20, e em sua substituição, ser a Ré condenada a pagar ao Autor a quantia de MOP$120.675,94.
Confirmando-se a sentença em tudo o mais.
Custas pelas partes, em ambas as instâncias, na proporção do decaimento, sem prejuízo do apoio judiciário de que o Autor beneficia.
Registe e notifique.
***
                   Macau, 5 de Junho de 2014
                   

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Tong Hio Fong
(Relator)
(Votei vencido quanto à parte do acórdão em que foi considerado que o trabalho prestado em dias de descanso semanal é pago pelo dobro da retribuição, para além do salário em singelo.
Sumariamente, provado está que durante todo o período em que vigorou a relação laboral entre o Autor e a Ré, aquele não gozou dias de descanso semanal.
Por outro lado, provado ainda que depois de ter prestado trabalho nos dias de descanso semanal, o Autor sempre foi remunerado pela Ré com o valor de um dia de salário em singelo.
Ao abrigo do artigo 17º, nº 6, alínea a) do Decreto-Lei nº 24/89/M, deve ser pago aos trabalhadores que auferem salário mensal pelo dobro da retribuição normal.
Em termos de interpretação, entendo eu que esse “dobro” abrangeria o salário diário em singelo (aliás já pago), mais o direito a auferir o equivalente a 100% da mesma retribuição.
Comparando com a compensação do trabalho prestado em dias de feriado obrigatório, o legislador utilizou uma expressão diferente - “dá direito a um acréscimo salarial nunca inferior ao dobro da retribuição normal”.
Ali a solução é clara, o trabalhador, para além do próprio salário normal, teria direito ao dobro da retribuição normal, no total de 3 dias de salário, se prestasse trabalho nos dias de feriado obrigatório.
Além disso, ainda no âmbito da compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal, o trabalhador terá ainda direito a um outro dia de descanso compensatório, ao abrigo do nº 4 desse mesmo artigo 17º do Decreto-Lei nº 24/89/M, mas não o tendo gozado ao longo da relação laboral, terá que ser compensado por um dia de salário.
Mas já não o terá se tiver prestado trabalho nos dias de feriado.
No fundo, se se entendesse que, pelo trabalho prestado nos dias de descanso semanal, para além da retribuição normal, o trabalhador teria direito ao dobro da retribuição normal e ao dia compensatório, então iria receber, no total, 4 vezes do salário normal, enquanto nos dias de feriado obrigatório, só teria direito a 3 vezes do salário.
Com todo o respeito, não se vislumbra qual a necessidade que teria levado o legislador a estabelecer melhores condições de trabalho, em termos de compensação, aos trabalhadores que tenham prestado trabalho nos dias de descanso semanal, em “detrimento” daqueles que prestem trabalho nos feriados.
Sendo assim, na minha modesta opinião, julgo que se o trabalhador tivesse prestado trabalho no dia de descanso semanal, teria direito, para além do salário em singelo, um dia de acréscimo, mais um dia compensatório ou respectiva indemnização.
Nesta conformidade, já no caso concreto, no que respeita à fórmula adoptada para o cálculo do valor da compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal, não merece reparo a decisão recorrida quando foi deduzido o montante pago em singelo, ou seja, tendo o trabalhador prestado trabalho nos dias de descanso semanal e já recebido o salário em singelo, tem direito agora a receber um dia de acréscimo, mais um dia compensatório não gozado)


_________________________
Lai Kin Hong
(Primeiro Juiz-Adjunto)

_________________________
João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
(Segundo Juiz-Adjunto)

1 Viriato Manuel Pinheiro de Lima, in Manual de Direito Processual Civil, CFJJ, 2005, página 663
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Processo 136/2014 Página 15