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Proc. nº 57/2014
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 22 de Maio de 2014
Descritores:
-Inventário
-Suspensão do processo

SUMÁRIO:

I - Em princípio, a conferência de interessados só se realizará uma vez que estejam “resolvidas as questões susceptíveis de influir na partilha e determinados os bens a partilhar” (art. 989º, nº1, do CPC). Isto significa que, apurados (“determinados”) os bens a partilhar, a conferência se destina primacialmente a compor os quinhões e valor dos bens respectivos de cada interessado.

II - Porém, não é inteiramente certo que tudo esteja sempre resolvido até à fase de conferência de interessados, nomeadamente quanto ao valor atribuído aos bens (nº5, al. a), do art. 990º, do CPC) e, particularmente, quanto a «quaisquer questões cuja resolução possa influir na partilha» (nº5, al. b), do cit. art. 990º). E de entre as mais importantes questões cuja resolução possa “influir na partilha” inscrevem-se, por exemplo, as que se destinam a determinar os «bens a partilhar».

III - O nº1, do art. 970º do CPC tem por pressuposto que o processo de inventário esteja em curso (“na pendência do inventário”), sem estabelecer qualquer limite temporal deste, isto é, sem definir o termo ad quem ou a fase até à qual a suspensão pode ocorrer. Portanto, parece poder dizer-se, por conseguinte, que se o legislador nada distinguiu a propósito, não poderá o intérprete fazê-lo. Aliás, se disposição legal se insere no capítulo I, do título XI, com a epígrafe “Disposições gerais”, logo aplicáveis a todo o processo e a todas as suas fases, consequentemente, não pode a circunstância de a fase de conferência de interessados estar já ultrapassada constituir obstáculo à suspensão do inventário.

IV - Os requisitos da suspensão do inventário, ao abrigo do art. 970º do CPC, envolvem as questões sobre a admissibilidade do próprio inventário e sobre a definição dos interessados na partilha.

V - No primeiro cabem questões que tenham que ver com a própria existência do processo (v.g., se houve já partilha, se existe um contrato-promessa de partilha válido, etc.). No segundo, entre outras situações, inscrevem-se questões que terão como resultado ou efeito a relacionação de bens questionados ou a relacionação de bens com uma qualificação específica. Neste sentido, a “definição de direitos” de que fala a norma abarca inúmeras questões, entre as quais se inclui a própria existência de bens.



~Proc. nº 57/2014

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.

I - Relatório
A, com os demais sinais dos autos, recorre jurisdicionalmente do despacho proferido no TJB em 19/03/2013, que ordenou a suspensão do processo de inventário (Proc. nº CV3-05-0056-CIV) até ser proferida decisão transitada em julgado num outro processo (CV3-13-0018-CAO) onde se discute a existência de direitos relativos à concessão por arrendamento sobre um determinado lote de terreno que na relação de bens do processo de inventário foi descrito com o nº 49.
Nas alegações respectivas, o recorrente formulou as seguintes conclusões:
«A. No requerimento de fls. 2196 e ss. apresentado em 31/1/2013, os interessados B e C requereram a suspensão do inventário nos termos do art.º 970.º, n.º 1 do Código de Processo Civil para que a questão da titularidade do bem imóvel relacionado sob a verba 49 da relação de bens pudesse ser esclarecida em acção declarativa a propor no prazo máximo de 30 dias.
B. Tal acção declarativa e simples apreciação negativa foi proposta em 4/03/2013 e distribuída sob o n.º CV3-13-0018-CAO.
C. Em 19/03/2013, o Tribunal a quo perante a eventualidade de se poder estar a cometer a nulidade prevista no artigo 1963.º do Código Civil ordenou a suspensão do inventário nos termos do disposto no art.º 970.º do Código de Processo Civil até que fosse proferida decisão transitada em julgado na referida acção de simples apreciação negativa.
D. Na fundamentação da decisão recorrida o Tribunal a quo considerou ser ainda possível aos recorridos reclamar contra a relação de bens por não ter sido produzida qualquer decisão nestes autos ou noutros sobre a eventual titularidade da verba n.º 49 pertencer à herança ou não.
E. Sucede que só depois de resolvidas todas as questões susceptíveis de influir na partilha e de determinados quais os bens a partilhar é que é designada data para a realização da conferência de interessados (art.º 989.º, n.º 1 do CPC), o que pressupõe que todas as reclamações relativas à relação de bens a partilhar hão-de ter lugar até esse momento, até porque na conferência pode haver acordo dos interessados quanto à composição de quinhões, no todo ou em parte, com os bens até então considerados para o efeito (art.º 990.º, n.º 1, a) do CPC).
F. E só na falta do acordo previsto nos nºs 1 e 2 do art.º 990.º do CPC é que caberá à conferência deliberar sobre as eventuais reclamações contra o valor atribuído aos bens relacionados, assim como relativamente a quaisquer outras questões relevantes para a partilha - art.º 990.º, n.º 5, alíneas a) e b), do CPC.
G. Daqui resulta que extinto o direito que se pretendia fazer valer na reclamação de fls. (art.º 237.º do CPC) e tendo sido deliberado pelos interessados que os bens existentes na herança e a partilhar são os que constam da nova relação de bens de fls. 1967 a 1983 (acta de fls. 2095-2096), não faz qualquer sentido que se possam admitir posteriores reclamações contra o que já foi resolvido, sob pena de violação do disposto no art.º 574.º do CPC. Sem o que não haveria quaisquer garantias de segurança quanto aos acordos assumidos em conferência de interessados, o que estaria em total desacordo com o princípio da preclusão processual, em violação do princípio da cooperação - art.º 8.º, n.º 1, CPC -, e em violação do dever de boa fé processual - art.º 9.º, n.º 1, CPC -, podendo até, no limite, uma tal reclamação traduzir uma actuação ilegítima, com abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium - art.º 326.º do C. Civ. - na medida em que contenderia com factos anteriormente aceites e objecto de acordo intra-processual.
H. Por outro lado, como regra geral, há um limite para a prática do acto, ou seja, só se pode reclamar uma vez, pelo que não poderiam os interessados B e C continuar a apresentar sucessivas reclamações no sentido da exclusão de bens já relacionados e aceites por todos por, face à homologação de fls. 1251, já se ter formado caso julgado sobre a decisão de fls. 1221.
I. Acresce que a titularidade do imóvel descrito sob a verba 49 da relação de bens de fls. 1967 e ss., se trata de uma questão resolvida pela conferência de interessados nos termos do disposto no artigo 990.º, n.º 5, alínea b) do Código de Processo Civil), na medida em que «Por todos os interessados foi dito que aceitam que todos os bens existentes na herança e a partilhar são os que constam da nova relação de bens de fls. 1967 a 1983, e declaram que prescindem do prazo do a que se refere o artigo 985 do C.P.C.M. e que ficam sem efeito todas as demais relações de bens existentes nos autos.» (acta de fls. 2095-2096).
J. Assim, saber se qualquer verba da nova relação de bens de fls. 1967 a 1983, incluindo a verba 49, pertence à herança consiste numa questão definitivamente resolvida pelos interessados, que a todos vincula.
K. Daí que a decisão ora recorrida, ao pressupor que os interessados B e C podiam esgrimir indefinidamente a questão definitivamente resolvida em conferência de saber quais os bens a partilhar, não se possa manter, por contender com o disposto no artigo 990.º, n.º 5, alínea b), do Código de Processo Civil.
L. Por outro lado, a eventualidade de se poder estar a cometer a nulidade prevista no artigo 1963.º do Código Civil invocada como fundamento da suspensão da instância não se inscreve em nenhuma das hipóteses do art.º 970.º do Código de Processo Civil, na medida em que, «in casu», tal nulidade não foi arguida na acção de simples apreciação negativa referida na decisão recorrida, nem tal acção se destina a declarar que o bem licitado (verba 49) pelos interessados B e C não pertence à herança.
M. Acresce que não tendo os interessados B e C suscitado o incidente da anulação da licitação da verba 49 da relação de bens consignada na acta de fls. 2121-2122, nem proposto qualquer acção anulatória nesse sentido, a licitação dessa verba mantém-se intocada para todos os efeitos, designadamente para efeitos da sentença homologatória da partilha.
N. Por outro lado, a regra é os incidentes suscitados pelos interessados serem decididos no inventário, excepto quando haja necessidade de levar a cabo a produção de provas que o processo de inventário não comporte.
O. Sucede que «in casu», a questão de esclarecer se o imóvel descrito sob a verba 49 da relação de bens de fls. 1967 e ss. foi concessionado ao D e registado a seu favor na Conservatória do Registo Predial reveste-se de extrema simplicidade face aos elementos de prova documental já constantes dos autos.
P. Com efeito, o esclarecimento das alegadas dúvidas dos interessados B e C quanto à titularidade do terreno do terreno descrito sob a verba 49 da relação de bens de fls. 1967-1983 não implica qualquer indagação que o inventário não comporte, porque de duas, uma: (i) ou a prova da concessão e do registo a favor do inventariado se encontra documentalmente feita (ii) ou não.
Q. E tal prova documental mostra-se produzida nos autos, dela resultando que a titularidade do prédio descrito sob a verba 49 da relação de bens de fls. 1967 e ss. se encontra definida pelos despachos do Secretário-Adjunto para os Transportes e Obras Públicas de fls. 2202-2209, 2210-2212 e 2213-2215 publicados no Boletim Oficial, sendo que tanto o Lote RI como o Lote R2 que compõem o prédio concessionado se encontram definitivamente inscritos na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 2889 a favor do inventariado D (fls. 501/503 e 2103/2104).
R. Não existe, portanto, fundamento jurídico para duvidar da titularidade do Lote RI a que se refere a verba 49 da relação de bens, dado o objecto da concessão (prédio composto pelos Lotes R1 e R2) ao D ser incidível.
S. Por conseguinte, podia e devia o Tribunal a quo ter decidido de meritis as dúvidas suscitadas quanto à titularidade da verba 49 da relação de bens sem ter de aguardar pelo desfecho da acção de simples apreciação negativa que os interessados B e C interpuseram na sequência do seu requerimento de fls. 2196 e ss. com a única finalidade de suspenderem o inventário e, por conseguinte, de retardar o pagamento das tomas de que são devedores.
T. Por outro lado, não se descortina de todo que na acção de simples apreciação negativa a que se refere a decisão recorrida, se discuta, quer a admissibilidade do processo de inventário, quer a definição dos interessados directos na partilha, quer ainda a definição dos direitos dos interessados directos na partilha, pelo que, «in casu» não se encontra em causa qualquer questão prejudicial subsumível à primeira parte do n.º 1, do art.º 970.º do Código de Processo Civil.
U. Por outro lado, nenhum dos desfechos possíveis da acção CV3-13-0018-CAO prejudica o presente inventário.
V. Isto porque o que os interessados B e C pretendem na acção de simples apreciação negativa referida na decisão recorrida, não é impugnar ou ver reconhecida a favor do inventariado a titularidade do imóvel descrito sob a verba 49 da relação de bens de fls. 1967 e ss., mas apenas que fique assente a inexistência de quaisquer direitos da “Companhia de Produtos de Betão de XXX SARL” relativos à concessão por arrendamento do prédio de natureza urbana denominado por “Lote R1”.
W. Em caso de procedência da referida acção declarativa de simples apreciação, confirma-se o que já se sabe, i.e., que o terreno descrito sob a verba 49 da relação de bens de fls. 1967-1983 foi concessionado pelo Governo ao ora inventariado e se encontra definitivamente inscrito a seu favor, enquanto em caso de improcedência, fica-se na mesma situação que ora existe, uma vez que da improcedência da acção não resulta quem é o titular do direito.
X. E sendo inócuo o desfecho desta acção para o presente inventário, não se verifica «in casu» a possibilidade a que se refere o artigo 970.º, n.º 2 do Código de Processo Civil de ordenar-se a suspensão da instância, nos termos previstos na alínea d) do n.º 1 do artigo 220.º e no artigo 223.º do mesmo diploma.
Y. Por outro lado, quanto à atendibilidade das dúvidas quanto à titularidade da concessão do terreno descrito sob a verba 49 da relação de bens de fls. 1967-1983 diz-se na decisão recorrida que Pese embora toda a argumentação deduzida pelas partes quanto a esta matéria, o certo é que há elementos suficientes nos para se poder considerar justificadas as dúvidas quanto à titularidade da concessão por arrendamento referente ao indicado terreno.
Z. Sucede que compulsados os autos, verifica-se que nenhum dos documentos que instruíram os requerimentos de fls. 2196 e ss. e de fls. 2335 e ss. é susceptível de por em causa a titularidade da concessão por arrendamento do terreno indicado na verba 49 da relação de bens e a sua inscrição definitiva na Conservatória do Registo Predial a favor do inventariado D com base nos despachos SATOP de fls. 2202-2209, 2210-2212 e 2213-2215.
AA. Primeiro, porque os factos atestados na inscrição n.º 2989 (fls. 2104 e fls. 503) e nos despachos SATOP de fls. 2202-2209, 2210-2212 e 2213-2215 de que a titularidade do terreno descrito sob a verba 49 da relação de bens de fls. 1967 e ss. pertence ao D se revestem de força probatória plena.
BB. Segundo, porque a certidão predial de folhas 48 e 49 e os despachos SATOP de fls. 2202-2209, 2210-2212 e 2213-2215 constituem documentos autênticos cuja força probatória quanto à titularidade do terreno descrito sob a verba 49 da relação de bens de fls. 1967 e ss. não foi elidida mediante prova do contrário (artigos 340.º e 343.º, n.º 2 do Código Civil) ou através do incidente da falsidade (art.º 366.º do Código Civil).
CC. Terceiro, porque «in casu», o facto de os interessados B e C terem intentado uma acção de simples apreciação negativa contra a “Companhia de Produtos de Betão de XXX S.A.R.L.II não configura a “prova do contrário” dos factos revestidos de força probatória plena atestados nos despachos SATOP de fls. 2202-2209, 2210-2212 e 2213-2215 e na certidão predial de fls. 2104 e fls. 503 (art.º 340.º, ex vi do art.º 365.’ n.º 1 do Código Civil) quanto à concessão e inscrição definitiva a favor do D do terreno descrito sob a verba 49 da relação de bens.
DD. Quarto, porque na referida acção de simples apreciação negativa não foi nem pode ser observado o disposto no artigo 8/1 do Código do Registo Predial.
EE. Quinto, porque produzida uma prova plena, é irrelevante gerar uma situação de dúvida no espírito do julgador, porque a lei manda resolver tal situação de dúvida no sentido indicado pela mesma prova.
FF. Do exposto, resulta que não foi contrariada a prova legal plena de que o terreno descrito sob a verba 49 da relação de bens de fls. 1967 e ss. foi concessionado pelo Governo de Macau ao D e definitivamente inscrito a seu favor na Conservatória do Registo Predial.
GG. Por outro lado, ao considerar justificadas as dúvidas quanto à titularidade da concessão por arrendamento referente ao indicado terreno, a decisão recorrida violou a presunção legal estabelecida no artigo do Código do Registo Predial, bem como o disposto no art.º 343.º, n.º 1 do Código Civil, sendo que tal presunção não pode ser substituída por um juízo de dúvida quanto à titularidade do terreno descrito sob a verba 49 da relação de bens de fls. 1967, como sucedeu no caso “sub judice”, sob pena de violação do disposto no art.º 7.º, n.º 1 do Código de Registo Predial e nos artigos 340.º e 343.º, n.º 2, ex vi do art.º 365.º, n.º 1, todos do Código Civil.
HH. Mesmo que assim não se entenda, não deveria ter ser sido ordenada a suspensão da instância por força do disposto no art.º 223.º, n.º 2, 1.ª parte, do Código de Processo Civil.
II. É que mesmo que se verifique o pressuposto da existência de uma acção prejudicial, a lei impõe ao juiz o dever de indeferir o pedido de suspensão da instância quando existam fundadas razões para crer que a causa prejudicial foi intentada unicamente para se obter a suspensão da causa dependente.
JJ. Ora, «in casu», há fundadas razões para crer que a causa indicada como prejudicial só foi intentada para suspender a causa dependente, e, por conseguinte, diferir no tempo o pagamento das tornas ordenado pelo despacho de fls. 2194, pelo que não deveria ser ordenada a suspensão da instância por força do disposto no art.º 223º n.º 2, la parte, do Código de Processo Civil.
KK. Primeiro, porque é o que resulta do alegado pelos interessados B e C no parágrafo 13.º da folha 2200.
LL. Segundo, porque resulta do último parágrafo da 2095 da acta da conferência de interessados que a titularidade de todos os bens que constituem o acervo da herança, incluindo o imóvel descrito sob a verba 49 da relação de bens de fls. 1967 e ss., se trata de uma questão resolvida nos termos do disposto no artigo 990.º, n.º 5, alínea b) do Código de Processo Civil.
MM. Terceiro, porque é o que resulta do facto de só existir um acto de concessão do terreno “Lote R” que é formado pelos subcondominios R1 e R2; donde necessariamente decorre que se o concessionário do subcondominio Rl não fosse o inventariado D, as fracções do prédio construído no subcondomínio R2 também não pertenceriam à herança.
NN. Quarto, porque é o que resulta da insanável contradição que decorre do facto dos interessados B e C terem proposto uma acção declarativa de simples apreciação negativa a pretexto de esclarecer a questão da titularidade do Lote R descrito sob a verba 49 da relação de bens de fls. 1967 formado pelos subcondomínios R1 e R2, sem que, no entanto, tenham expressado quaisquer dúvidas quanto à titularidade das fracções do edifício construído no subcondomínio R2 do lote em causa, descritas sob as verbas n.º 59, 61, 62, 66, 68, 71, 72 e 73 da relação de bens de fls. 1967, por si arrematadas em licitações (fls. 2097-2098 da acta de 25/09/2012) e cuja quota-parte das rendas já tinham resolvido aceitar (acta de fls. 1605v).
OO. Quinto, porque é que resulta do facto dos interessados B e C terem tomaram a iniciativa de propor uma acção cujo desfecho não prejudica o inventário por nela se discutir apenas a inexistência de quaisquer direitos da “Companhia de Produtos de Betão de XXX SARL”.
PP. Basta aliás, confrontar as datas (i) da expedição em 17/01/2013 da carta de notificação aos interessados B e C (fls. 2195v) do despacho de fls. 2194 que lhes ordenou o pagamento das tomas em dívida e (ii) da apresentação do requerimento de suspensão da instância de fls. 2196 e ss. em 31/01/2013, por um lado, com a data da proposição da acção de simples apreciação negativa em 4/03/2013, por outro, para se chegar à conclusão que o pedido de suspensão da instância foi unicamente motivado pela notificação aos interessados B e C do despacho de fls. 2194.
QQ. Dito por outras palavras: a proposição da acção de simples apreciação negativa agrafada à contracapa do décimo segundo volume dos presentes autos de inventário facultativo serviu unicamente para cumprir o alegado no parágrafo 13.º do incidente de suspensão da instância que resultou da notificação do despacho de fls. 2194 aos interessados B e C.
RR. Sendo, por isso notório que o escopo que presidiu à proposição da acção de simples apreciação negativa CV3-13-0018-CAO não foi o de esclarecer a questão da titularidade do subcondomínio R1, mas apenas o de travar o curso normal do inventário e assim diferir no tempo o pagamento das tomas ordenado pelo despacho de fls. 2194, de que os interessados B e C são devedores.
SS. Mostram-se, pois, preenchidos todos os elementos daquela 1.ª situação prevista no art.º 223.º, n.º 2 do Código de Processo Civil que impede a suspensão da instância.
TT. Todavia, mesmo que assim não se entendesse, decorre da 2.a parte do citado art.º 223.º, n.º 2 do Código de Processo Civil que pode ainda constituir motivo ou fundamento de indeferimento da suspensão da instância o facto de a causa dependente estar tão adiantada, que os prejuízos resultantes da suspensão superam as suas vantagens.
UU. Ora, quando a causa indicada como prejudicial foi proposta pelos ora Recorridos em 4/03/2013 já se encontrava organizado o mapa da partilha desde 4/12/2012 (fls. 2177-2184v), do qual nenhum dos interessados reclamou.
VV. Por outro, à data da propositura da referida acção de simples apreciação negativa já tinham já decorrido quase oito anos (faltavam apenas 4 meses) sobre a data do início do presente inventário em 22/07/2005 (fls. 2) e mais de seis anos sobre a notificação aos Recorridos da relacionação da Lote R, (fls. 1023-1024), actualmente descrito sob a verba 49.
WW. Acresce que da própria fundamentação da decisão recorrida decorre que da suspensão da instância não advirá qualquer efeito útil, dado o desfecho da causa indicada como prejudicial em nada afectar o presente inventário (vidé, por todos, o 4.º parágrafo da folha 2464 da decisão recorrida: “Cabe no entanto referir”... até... “não resulta quem é o titular do direito.”
XX. Por outro lado, a suspensão da instância do presente inventário teria que ficar a aguardar sine die o trânsito da sentença a proferir naquela outra acção recém- proposta.
YY. Daí, face ao adiantado estado do presente inventário - o qual aguarda apenas a prolação da sentença homologatória da partilha - não se justificar numa perspectiva de celeridade e boa administração da justiça a pretendida suspensão da instância requerida pelos ora Recorridos, sob pena de violação da 2.a parte do art.º 223.º, n.º 2 do Código de Processo Civil».
*
Os recorridos B e C responderam ao recurso, em cujas alegações apresentaram as seguintes conclusões:
«1.ª Na sequência de requerimento dos ora recorridos de 31 de Janeiro de 2013, proferiu o meritíssimo juiz titular o douto despacho recorrido, ordenando a suspensão da instância até que seja proferida decisão final na acção de simples apreciação que corre termos sob o n.º CV3-13-0018-CAO.
2.a Entende a recorrente que precludiu já o direito dos ora recorridos porem em causa a titularidade dos bens relacionados no inventário, visto que, nos termos do art.º 989.º, n.º 1 do CPC, todas as reclamações relativas à relação de bens deveriam ter sido decididas até a marcação de data para a conferência de interessados.
3.ª Discordam os recorridos de tal entendimento, dado que o art. º 985.º, n.º 5 do CPC prevê expressamente que as reclamações contra a relação de bens possam ser apresentadas a todo o tempo.
4.ª Defende a recorrente que se terá formado caso julgado quanto às questões suscitadas pelos recorridos aquando do trânsito em julgado do despacho de fls. 1221-1223v.
5.ª Porém, como acertadamente consignou o meritíssimo juiz do tribunal a quo no despacho recorrido, “não foi produzida qualquer decisão nestes autos ou noutros sobre a eventual titularidade da verba n.º 49 pertencer à herança ou não, não havendo assim, sobre esta matéria qualquer decisão transitada em julgado”.
6.a O despacho de fls. 1221-1223v decidiu uma reclamação apresentada pelo ora recorridos que não coincide nos seus fundamentos de facto e de direito, nem nos efeitos pretendidos, com o requerimento que motivou o presente despacho recorrido.
7.ª Não se pode de forma alguma falar de caso julgado contra as questões que ora se discutem. Nos termos do art.º 576.º, n.º 1 do CPC, “ [a] sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga.”
8.ª A questão preponderante por detrás da suspensão do presente inventário relaciona-se com a posse de facto e de direito do imóvel descrito na verba 49 da relação de bens do inventário, licitado no presente inventário pelos ora recorridos pela muito considerável quantia de MOP$700,000,000.00.
9.a Os elementos constantes dos autos indiciam categoricamente o facto de que o referido imóvel não pertence nem de facto nem de direito ao inventariado D.
10.a O DESPACHO N.º 31/SATOP/89 (fls. 2202-2209), sendo o título que consubstanciou a inscrição do registo predial, refere-se expressamente no seu cabeçalho ao “pedido feito por D, em nome de uma sociedade a constituir, de concessão, por arrendamento e com dispensa de hasta pública, de um terreno com a área de 13 853m2, sito na zona dos aterros de Pac On, Lote “R”, destinado à construção de 3 unidades industriais.” (negrito nosso)
11.ª Isso mesmo se retira de uma análise cuidada do citado Despacho do Secretário Adjunto para os Transportes e Obras Públicas, de 20 de Dezembro de 1989, designadamente:
12.a Na 3.a consideração: «Neste sentido, D, desta vez em nome de uma sociedade a constituir, solicitou a concessão do referido lote com vista à edificação de três fábricas (...)»;
13.a Na 4.a consideração: «a DSPECE fixou, em minuta de contrato, as condições a que deveria obedecer a concessão, as quais foram aceites pelo requerente, conforme termo de compromisso por ele firmado em 2811-89, no qual declara aceitar os termos e condições da minuta a ele anexa e se compromete, ainda, a constituir, até à data da celebração da escritura do contrato de concessão, uma sociedade comercial, com sede em Macau, e a jazer-se substituir, no processo de concessão, pela Sociedade, a qual outorgará a respectiva escritura pública de concessão, na data e local para o efeito indicados.» (negritos nossos);
14.ªA 1 de Agosto de 1991, efectivamente iniciou as operações a COMPANHIA DE PRODUTOS DE BETÃO DE XXX, S.A.R.L., com o seguinte objecto social: «construir e gerir uma fábrica para a produção e comercialização de produtos de betão, nomeadamente betão preparado, estacas de cimento de alta resistência e tubos de cimento».
15.a O inventariado D outorgou no acto constitutivo desta sociedade em nome próprio e em nome de uma sociedade, sendo designado membro do seu conselho de administração, o que é plenamente demonstrativo da sua conexão genética com esta sociedade.
16.a Desde 2003, pelo menos, a SOCIEDADE DE TURISMO E DIVERSÕES DE MACAU, S.A. tem recebido em nome desta mesma COMPANHIA DE PRODUTOS DE BETÃO DE XXX, S.A.R.L. as rendas devidas pelo arrendamento do imóvel em apreço.
17.ª A mesma sociedade anónima figura também como dona do referido imóvel em dois contratos de arrendamento celebrados nos anos de 2003 e de 2005.
18.a Não obstante o consabido facto de que o registo definitivo, nos termos do art.º 7.º do Código de Registo Predial, constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, tal não impede nem evita que essa presunção seja contraditada e ilidida pela realidade jurídica e fáctica,
19.a Especialmente quando o registo apresenta uma desconformidade com o título, o que implica uma inexactidão do registo e fundamenta a rectificação do mesmo, nos termos dos art.º 19.º e 114.º do citado diploma registal.
20.a Os recorridos propuseram no dia 4 de Março de 2013 acção de simples apreciação contra a COMPANHIA DE PRODUTOS DE BETÃO DE XXX, S.A.R.L. para esclarecer a situação do imóvel descrito na verba n.º 49 da relação de bens.
2l.ª Esta é a acção indicada, de facto, e melhor aconselhada pela técnica jurídica, para que se confrontem direitos incompatíveis exercidos sobre determinado bem, nomeadamente quando a realidade fáctica, jurídica e registal aparentam estar em desacordo.
22.ª Existe efectivamente um arrogo sobre os direitos do imóvel descrito, consubstanciado pelo recebimento das rendas por ele vencidas por parte da sociedade anónima e também pela assinatura de contratos de arrendamento que o configuram como objecto mediato, na posição de locadora.
23.ª O facto de tal acção não ter sido antes interposta justifica-se porque efectivamente os recorridos não possuíam quaisquer elementos que pudessem consubstanciar a sua apresentação num momento anterior.
24.ª A interposição de tal acção pretende defender interesses não só dos mesmos enquanto licitantes da verba em disputa, mas também de todos os herdeiros do inventariado porque a partilha de um bem não pertencente à herança consubstancia, nos termos do artº 1963.º do Código Civil, uma nulidade, cujos efeitos nefastos (art.º 282.º do CPC) se devem evitar antes e não depois de consumados.
25.ª Sendo verdade que o processo se encontrava já numa fase muito avançada, a verdade é que é notório que as vantagens de suspendê-lo nesta fase são vastamente superiores aos inconvenientes por isso causados.
26.ª De facto, a verba n.º 49 foi licitada pelos recorridos pela muito considerável quantia de MOP$700,000,000.00, que implica que tenham de adiantar em tomas aos demais herdeiros quantias muito elevadas, que se cifram nas centenas de milhões de patacas.
27.ª A ora recorrente, em disputa acesa com os recorridos não só neste processo como em muitos outros de natureza cível e criminal que correm termos nos tribunais de Macau, não está interessada efectivamente em que se esclareça a titularidade do bem imóvel em questão, muito pelo contrário.
28.ª Se efectivamente a partilha do imóvel em questão for nula, mais uma razão tem a recorrente para lutar pela não suspensão do inventário, para que lhe sejam adiantados em tornas valores muito consideráveis que de outra forma não teria direito a receber, e que muito dificilmente os recorridos conseguirão reaver posteriormente.
29.ª Os comportamentos da recorrente ao longo dos anos têm consubstanciado graves atropelos dos direitos legítimos dos ora recorridos na partilha da herança do inventariado, incluindo a dissipação de vasto legado do património hereditário através de artimanhas subversivas e ilegais.
30.ª O n.º 1 do art.º 223.º do CPC, efectivamente, confere ao tribunal a possibilidade de ordenar a suspensão da instância quando ocorrer um motivo justificado, o que, de todo parece estar demonstrado e terá estado na base da decisão recorrida.
31.ª Nos termos do art.º 970.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, sempre podem e devem as partes acordar em partilhar provisoriamente os remanescentes bens inventariados, sem que dessa forma se prejudiquem quaisquer interesses juridicamente atendíveis.
TERMOS EM QUE, contando com o muito douto suprimento de Vossas Excelências, deve improceder o recurso apresentado pela recorrente e manter-se a decisão ora posta em crise, procedendo-se assim à costumeira e sã JUSTIÇA!
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Cumpre decidir.
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II – Os Factos
1 – Apresentada a relação de bens de fls. 1052 a 1058, foi deduzida reclamação por B e C, que foi objecto de decisão de fls. 1221 a 1223vº (cfr. fls. 157 dos presentes autos de recurso);
2 – Na conferência de interessados de fls. 1695 dos autos de inventário foi homologado o acordo sobre a partilha dos bens relacionados e mandado elaborar uma nova e única relação de bens.
3 – Nas datas designadas para a continuação da conferência de interessados (fls. 2095 a 2098) os interessados aceitaram a relacionação de bens constantes da relação de fls. 1967 a 1983) e nelas se procedeu à composição dos quinhões dos interessados por adjudicação, quanto a uns, e por licitação, quanto a outros.
4 – A verba nº 49 foi licitada pelos interessados B e C pelo valor de 700.000.000,00.
5 – Foi elaborado o mapa de partilha em 4/12/2012 (fls. 2177).
6 – Em 31/01/2013, B e C, interessados no referido processo de inventário, e notificados do despacho de fls. 2194 para depositarem as tornas devidas, com base no mapa informativo da partilha, requereram o seguinte:
«1. Na acta de conferência de interessados de 28 de Setembro de 2012 (fls. 2120), fez-se consignar que «[p]elos interessados B e C foi dito que havia dúvidas quanto à titularidade da verba nº 49 da relação de bens, pelo que requeriam um prazo para realizar as necessárias investigações, suspendendo-se para o efeito esta diligência», tendo V. Ex.ª deferido o requerimento apresentado, designando o dia 15 de Outubro de 2012 para a continuação da conferência.
2. Não tendo os requerentes logrado até então obter qualquer esclarecimento determinantemente elucidativo, e depositando a fé devida na publicidade registal do bem imóvel, na acta da conferência de interessados de 15 de Outubro de 2012 (fls. 2121) fizeram porém expressamente consignar que «[n]este momento foi pedida a palavra »ela mandatária dos interessados B e C foi dito que: “para informação dos demais interessados, pondera requerer a suspensão do inventariado caso se venha a apurar que a verba n.º 49 não pertence integralmente à herança”.»
3. Recentemente, os interessados têm tido acesso a um cada vez maior número de documentos que conferem credibilidade incontornável ao receio de que o bem imóvel que compõe a verba n.º 49 do inventário - composta pelo Lote Ri, sito na XXX, nºs 87, 95, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º XXX, inscrito na matriz predial da freguesia de S. Lázaro sob o n.º XXX - não pertence, efectivamente, ao inventariado D.
4. Desde logo, deve ceder a presunção (ilidível) de que o registo predial reflecte a verdadeira e mais actualizada situação do bem imóvel - o contrário será a norma, obviamente, do que é exemplo elucidativo o princípio plasmado no art.º 70º do Código de Registo Predial.
5. O facto de no registo predial do bem imóvel figurar o inventariado D como titular dos direitos registados não pode ser sobrevalorizado se analisarmos os documentos que instruíram as inscrições e averbamento em seu nome (por ordem cronológica: o Despacho n.º 31/SATOP/89 (doc. n.º 1), o Despacho n.º 61/SATOP/93 (doc. n.º 2) e o Despacho n.º 143/SATOP/96 doc. n.º 3)); muito embora seja ele o outorgante nos contratos concessão por arrendamento, está explicitamente mencionado no cabeçalho do despacho do Gabinete Secretário-Adjunto para os Transportes e Obras Públicas que concede originariamente a concessão por arrendamento - e. de que os outros dois são derivados - que o requerente D fez o pedido em nome de uma sociedade a constituir1.
6. O mesmo Despacho n.º 31/SATOP/89 (doc. n.º 1) elucida no seu corpo esta ideia:
a) Na l.ª consideração: «D (…) solicitou junto da DSPECE, a concessão, por arrendamento (…) de um terreno (…) destinado à edificação de uma fábrica de estacas de betão armado e outros materiais de construção civil»;
b) Na 2.a consideração: «O pedido não pôde desde logo ter o adequado andamento...»
c) Na 3.a consideração: «Neste sentido, D, desta vez em nome de uma sociedade a constituir, solicitou a concessão do referido lote com vista à edificação de três fábricas (…)»;
d) Na 4.a consideração: «a DSPECE fixou, em minuta de contrato, as condições a que deveria obedecer a concessão, as quais foram aceites pelo requerente, conforme termo de compromisso por ele firmado em 28-11-89, no qual declara aceitar os termos e condições da minuta a ele anexa e se compromete, ainda, a constituir, até à data da celebração da escritura do contrato de concessão, uma sociedade comercial, com sede em Macau, e a jazer-se substituir, no processo de concessão, pela Sociedade, a qual outorgará a respectiva escritura pública de concessão, na data e local para o efeito indicados.» (carregados nossos);
7. Efectivamente, a 1 de Agosto de 1991 iniciou as operações a COMPANHIA DE PRODUTOS DE BETÃO DE XXX, S.A.R.L., sociedade anónima de responsabilidade limitada registada na então Conservatória do Registo Comercial de Macau sob o n.º XXX (SO) com o seguinte objecto social: «construir e gerir uma fábrica para a produção e comercialização de produtos de betão, nomeadamente betão preparado, estacas de cimento de alta resistência e tubos de cimento».
8. Desde 2003, tem sido em nome desta sociedade que a SOCIEDADE DE TURISMO E DIVERSÕES DE MACAU, S.A. tem recebido as rendas devidas pelo arrendamento do imóvel em apreço, como se pode facilmente constatar da análise da extensa cópia dos recibos das rendas durante os últimos dez anos (doc. n.º 4).
9. Também em dois contratos de arrendamento celebrados sobre o imóvel em apreço, - nos anos de 2003 e 2005, respectivamente, - figura como senhoria a já referida COMPANHIA DE PRODUTOS DE BETÃO DE XXX, S.A.R.L. (docs, n.º 5 e 6).
10. Os factos e os documentos ora transmitidos revelam que o proprietário de facto e de direito do imóvel não é o inventariado D.
11. Os interessados, porém, confiaram cegamente nos dados registais do bem imóvel - como, aliás, fizeram os demais interessados no inventário - e venceram uma licitação disputada com um lanço de MOP$700,000,000.00 (setecentos milhões de patacas).
12. Ora, nos termos do art.º 1963.º, é nula a partilha de bens não pertencentes à herança, pelo que - pensa-se - se deve procurar remediar essa situação antes e não depois da homologação da partilha.
13. Sendo verdade que ainda estão em tempo os interessados para requerer, nos termos do art.º 985.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, a remoção de tal bem da relação inventariada, através de reclamação, afigura-se mais aconselhável, porventura, a suspensão do inventário, nos termos do art.º 970.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, comprometendo-se os interessados a distribuir acção declarativa contra a COMPANHIA DE PRODUTOS DE BETÃO DE XXX, S.A.R.L. no prazo máximo de 30 dias para esclarecer definitivamente a questão.
14. O que não implica que se deva desaproveitar o tempo e esforços até ora despendidos, porque sempre podem as partes principais acordar na partilha provisória dos demais bens relacionados, nos termos do n.º 3 do citado art.º 970.º.
15. Embora a dúvida não seja recente, como aliás se consignou oportunamente nas actas das conferências de interessados, a verdade é que em face do registo ela deveria sucumbir. Mas já não contra os elementos que ora se coligiram, que parecem ser inequívocos de que o bem imóvel componente da verba n.º 49 não pertence ao inventariado D.
16. Os documentos que se juntam como does, n.º 4, 5 e 6 foram providenciados pela SOCIEDADE DE TURISMO E DIVERSÕES DE MACAU, S.A. no passado dia 24 de Janeiro de 2013 (doc. n.º 7).
17. Alternativamente restará aos interessados promover uma emenda da partilha, sendo certo porém que a faculdade prevista no art.º 1025.º do Código de Processo Civil está reservada para factos cujo conhecimento seja posterior à sentença - o que não os inibe, por maioria de razão, de suscitá-la previamente.
18. Antes desse momento, justifica-se plenamente que se resolvam todos os assuntos pendentes nos presentes autos, o que se diz com a ressalva do muito tido e devido respeito por opinião contrária de V. Ex.ª.
19. Por outro lado, considera-se que se terá oferecido justificação suficiente para o não pagamento atempado das tomas devidas em função do mapa informativo, - cujo prazo termina hoje, no seguimento de V. solicitação de fls. 2194, - visto que elas são apenas devidas em virtude da licitação que foi efectuada sobre o imóvel componente da verba n.º 49, cuja titularidade ora se põe em causa.
TERMOS EM QUE, contando com o muito douto suprimento de V. Ex.ª, se requer a suspensão do inventário, nos termos do art.º 970.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, para que possa ser devida e terminantemente esclarecida a questão da titularidade do bem imóvel relacionado sob a verba n.º 49.
Pedem deferimento.
7 – O despacho de 19/03/2013 do Juiz do processo foi o seguinte:
«A folhas 2196 vêm os interessados B e C requerer a suspensão do inventário nos termos do artº 970º nº1 do CPC, porquanto entendem haver fundadas dúvidas no que concerne a saber se o bem da verba nº 49 pertence à herança.
Notificados os demais interessados daquele requerimento, apenas a cabeça de casal veio responder, pugnando pelo indeferimento do mesmo uma vez que nesta fase já não é possível reclamar contra a relação de bens e porque a suspensão da causa por dependência de outra já proposta pressupõe que a acção já tinha sido instaurada o que não é o caso.
Cumpre assim apreciar e decidir.
Do exercício normal das funções deste tribunal resulta ser do nosso conhecimento que foi instaurada a acção que corre termos sob o nº CV3-13-0018-CAO em que são autores os aqui interessados B e C e ré Companhia de Produtos de Betão de XXX SARL na qual aqueles pedem que se reconheça não ter a Ré quaisquer direitos relativos à concessão por arrendamento do prédio de natureza urbana denominado por Lote R1, sito na Taipa, freguesia de Nossa Senhora do Carmo, nº 87 e 95 da Rua XXX e nº 80, 114 e 138 da Rua da XXX, descrito na Conservatória do registo Predial sob o nº XXX-1, com a área total de 9294,2 m2 e inscrito na matriz predial sob o nº XXX.
O prédio objecto da acção de simples apreciação referida no parágrafo anterior corresponde à verba nº49 da relação de bens – cf. fls. 1976 -.
Nos termos do artº 1963º do C.Civ. é nula a partilha que recair sobre bens que não pertencem à herança.
De acordo com o disposto no artº 985º nº5 do CPC as reclamações contra a relação de bens podem ser apresentadas a todo o tempo, sem prejuízo da eventual condenação em multa do reclamante.
Nestes autos já foi decidida uma reclamação contra a relação de bens – cf. fls. 1221- contudo aquela não se dirigia contra a verba nº 49 ora posta em questão.
Destarte, não só não foi produzida qualquer decisão nestes autos ou noutros sobre a eventual titularidade da verba nº 49 pertencer à herança ou não, não havendo assim, sobre esta matéria qualquer decisão transitada em julgado, como também, ainda é possível apresentar reclamação contra a relação de bens.
Por outro lado já foi instaurada acção de simples apreciação negativa para que seja definitivamente resolvida a questão da titularidade do bem em causa.
Pese embora toda a argumentação deduzida pelas partes quanto a esta matéria, o certo é que há elementos suficientes nos autos para se poder considerar justificadas as dúvidas quanto à titularidade da concessão por arrendamento referente ao indicado terreno.
Cabe no entanto referir que se a acção instaurada vier a ser julgada procedente ficam afastadas as dúvidas quanto à titularidade do direito relativo à verba nº 49. Porém, se aquela vier a ser julgada improcedente dai nada se pode retirar para além de subsistirem as dúvidas – quiçá mais fundamentadas – uma vez que da improcedência da acção não resulta quem é o titular do direito.
Nestes termos e perante a eventualidade de se poder estar a cometer uma nulidade consubstanciada na partilha de bem que não pertence à herança entendemos face ao disposto no artº 970º do CPC ser de ordenar a suspensão do inventário até que seja proferida decisão transitada em julgado naquele outro processo.
Notifique».
8 – B e C, filhos e herdeiros do inventariado D, interpuseram no dia 4/03/2013 acção declarativa de simples apreciação negativa contra a “Companhia de Produtos de Betão de XXX; SARL”, pedindo que se declare que esta sociedade não tem quaisquer direitos de concessão por arrendamento sobre o prédio que constitui a verba nº 49 da relação de bens (fls. 73).
9- A ré contestou a acção nos termos constantes da cópia certificada constante de fls. 81 a 138, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
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III – O Direito
1 – Questão prévia
A fls. 79 os recorridos vieram requerer a junção de uma certidão extraída de um processo onde alegadamente se expressa a posição de uma sociedade ali identificada referente à titularidade da verba nº 49. Todavia, à decisão do recurso não importa qual seja essa posição. Isso é matéria que concerne à substância sobre essa titularidade, matéria que no recurso não está em discussão, pois nele apenas se aprecia a bondade do despacho que determinou a suspensão do processo de inventário. Neste sentido, a certidão não faz a menor luz sobre o desfecho da impugnação em que nos encontramos.
Razão por que, nos termos dos arts. 468º e 616º, nº1 do CPC, se indefere a junção da referida certidão, que deve ser desentranhada, com taxa de justiça mínima a cargo do apresentante.
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2 – Do recurso
Importa apurar se o tribunal recorrido podia, ao abrigo do art. 970º do CPC, determinar a suspensão da instância no processo de inventário em curso, a fim de se discutir a titularidade da verba 49 da relação de bens de fls. 1976.
O tribunal entendeu que sim, até por saber ter sido instaurada acção de simples apreciação negativa 4/03/2013 e distribuída sob o n.º CV3-13-0018-CAO, e também para evitar eventual nulidade da partilha a que alude o art. 1963º do C.C. Os recorrentes, porém, discordam.
Em primeiro lugar, entendem que todas as questões susceptíveis de influir na partilha deveriam ter sido resolvidas até à conferência de interessados. Daí que todas as reclamações concernentes à relação de bens a partilhar haveriam de ser decididas até esse momento. E que só na falta do acordo a que se refere o art. 990º, nºs 1 e 2 do CPC é que caberia à conferência deliberar sobre eventuais reclamações contra o valor atribuído aos bens relacionados, assim como sobre «quaisquer outras questões relevantes para a partilha». Por isso, deveria ser atendido unicamente o facto de na conferência de interessados ter sido aceite a nova relação de bens de fls. 1967 e sgs., onde estava incluída verba nº 49.
Ora bem. Realmente, a organização da relação de bens obedece aos critérios dos arts. 982º e 983º do CPC, sendo que os interessados podem discordar da que tiver sido concretamente apresentada, tanto acusando a falta de bens ou requerendo a exclusão de outros, como arguindo qualquer inexactidão na respectiva descrição (art. 985º, nº1, do CPC). Tal discórdia é manifestada através de “reclamação” (cit. artigo).
E as reclamações que tiverem sido apresentadas serão decididas pelo juiz do processo e só quando a complexidade do caso assim o exigir ou aconselhar, os interessados serão remetidos para os meios comuns (art. 987º, nº1, do CPC).
Neste percurso lógico, em princípio a conferência de interessados só se realizará uma vez que estejam “resolvidas as questões susceptíveis de influir na partilha e determinados os bens a partilhar” (art. 989º, nº1, do CPC). Isto significa que, apurados (“determinados”) os bens a partilhar, a conferência se destina primacialmente a compor os quinhões e valor dos bens respectivos de cada interessado.
Por outro lado, na falta de acordo sobre alguns bens, abrir-se-á licitação na mesma conferência, de acordo com o art. 1001º do CPC, decidindo-se nela, previamente, qualquer reclamação contra o valor atribuído a alguns deles (art. 1000º do CPC).
É certo que, nos termos do nº5, al. b), do art. 990º, na conferência, na falta de acordo de interessados, podem ser deliberadas outras «quaisquer questões cuja resolução possa influir na partilha».
E uma coisa parece certa, desde logo: esta “deliberação” é a decisão colectiva dos interessados; no conceito não entra a posição decisória do juiz.
Portanto, pareceria que a conferência de interessados é soberana quanto aos assuntos tratados e decididos nela e que, em princípio, exceptuando o caso previsto no art. 1000º do CPC, a sua realização parece implicar ou pressupor que as questões referentes à falta ou excesso de bens tenham sido já previamente tratadas e “resolvidas”, na fase que já se designou de “saneamento”2, mas que na actual redacção do artigo não se encontra inscrita na respectiva epígrafe.
Nesta lógica, poderia dizer-se que, tendo os interessados acordado que os bens a partilhar seriam os que constam da nova relação de fls. 1967 a 1982, não haveria possibilidade de, após a conferência, ter sido suscitada a questão da relacionação da verba nº 49 e proferida a decisão do juiz do processo de suspender a tramitação deste com vista ao apuramento da titularidade dela no acervo de bens do de cujus. É esta, aliás, a posição da recorrente.
Todavia, não é inteiramente certo que tudo esteja sempre resolvido até à fase de conferência de interessados, nomeadamente quanto ao valor atribuído aos bens (nº5, al. a), do art. 990º, do CPC) e, particularmente, quanto a «quaisquer questões cuja resolução possa influir na partilha» (nº5, al. b), do cit. art. 990º). E de entre as mais importantes questões cuja resolução possa influir na partilha inscrevem-se, por exemplo, as que se destinam a determinar os «bens a partilhar»3. Portanto, apesar de estas questões, em princípio e pela lógica das coisas, já deverem estar “resolvidas” previamente, a verdade é que, excepcionalmente, a conferência de interessados ainda continua a servir para as resolver em certos casos. Há, aliás, incidentes que, até pelo momento em que possam ter sido suscitados, por falta de tempo podem não estar concluídos antes da marcação já feita para a conferência de interessados. E até é preciso pensar nalguns recursos interpostos até esse momento de decisões intercalares e no efeito devolutivo que eventualmente possam ter merecido4.
No entanto, não será pelo facto de a conferência de interessados dever, em princípio, resolver todas as questões que influenciem a partilha, e que ainda não o tenham sido antes, que se tem por resolvida a questão central do recurso. Com efeito, a conferência de interessados que teve lugar neste caso até acabou por resolver o que havia a resolver. Tudo foi acordado e licitado segundo a vontade de cada interessado: simplesmente, na sessão de 15/10/2012 dois deles, B e C informaram os restantes que ponderavam requerer a suspensão do inventário caso se viesse a apurar que a verba nº 49 não pertencesse à herança (cfr. fls. 189 dos autos de recurso e 2121 dos autos de inventário).
O que aconteceu, depois disso, foi que, elaborado o mapa informativo da partilha (fls. 191 dos presentes autos de recurso) e já depois da notificação dos interessados para procederem ao depósito das tornas, aqueles mesmos herdeiros vieram finalmente requerer a suspensão do processo, com a invocação de disporem de elementos documentais (que anexaram) alegadamente comprovativos de que a verba nº 49 afinal não pertencia ao inventariado.
E então, é caso para perguntar: podia nessa fase o juiz suspender o processo e remeter as partes interessadas para os meios comuns a fim de discutir a titularidade do bem?
Repare-se que o fundamento legal invocado foi o art. 970º do CPC. Este dispositivo dispõe que:
“1- Se, na pendência do inventário, se suscitarem questões prejudiciais de que dependa a admissibilidade do processo ou a definição dos direitos dos interessados directos na partilha que, atenta a sua natureza ou a complexidade da matéria de facto que lhes está subjacente, não devam ser incidentalmente decididas, o juiz determina a suspensão da instância, até que ocorra decisão definitiva, remetendo as partes para os meios comuns, logo que os bens se mostrem relacionados.
2- Pode ainda ordenar-se a suspensão da instância, nos termos previstos na alínea d) do nº1 do artigo 220º e no artigo 223º, designadamente quando estiver pendente causa prejudicial em que se debata alguma das questões a que se refere o número anterior. 3…;4…” (destaque nosso).
Antes de mais nada, o nº1 tem por pressuposto que o processo de inventário esteja em curso (“na pendência do inventário”), sem estabelecer qualquer limite temporal deste, isto é, sem definir o termo ad quem ou a fase até à qual a suspensão pode ocorrer. Parece poder dizer-se, por conseguinte, que se o legislador nada distinguiu a propósito, não poderá o intérprete fazê-lo. Aliás, se olharmos para a inserção sistemática desta disposição legal, logo veremos que ela se insere no capítulo I, do título XI, com a epígrafe “Disposições gerais”, logo aplicáveis a todo o processo e a todas as suas fases, consequentemente. Portanto, não pode a circunstância de a fase de conferência de interessados estar já ultrapassada constituir obstáculo à suspensão.
O problema está no preenchimento dos requisitos contidos na norma e de acima demos destaque a bold.
Na verdade, o artigo estabelece dois requisitos para a suspensão, tanto no caso do nº1, como no do nº2: A suspensão justificar-se-á se as questões a resolver nos meios comuns forem necessárias à conclusão sobre a admissibilidade do próprio inventário, ou necessárias à definição dos direitos dos interessados na partilha.
Ora bem. Na densificação dos requisitos será que se pode integrar o apuramento da titularidade de algum bem no acervo da herança?
É aqui, precisamente, que se situa a questão maior e para a qual a doutrina não parece olhar uniformemente.
Já para não falar na última parte do nº1 do art. 970º, pois o segmento “…logo que os bens se mostrem relacionados” tem segundo Lopes Cardoso duas leituras possíveis5, a verdade é que também o segundo daqueles dois requisitos não é visto sempre da mesma maneira. Quanto ao primeiro, não haverá grandes dúvidas: serão questões que tenham a ver com a própria existência do processo. Assim, por exemplo, se houve já partilha, se existe um contrato-promessa de partilha válido, etc., então o processo instaurado não seria “admissível”6.
Mas, quanto ao segundo “definição dos direitos dos interessados directos na partilha” há divergências detectadas. Para Carlos Francisco de Oliveira Lopes do Rego parece serem questões que tenham a ver com os direitos dos herdeiros independentemente da existência de certos bens na herança. Então, para este autor, caberiam ali as hipóteses de impugnação da legitimidade do interessado citado ou da invocação de outros herdeiros não indicados pelo cabeça-de-casal7. Isto significa que, para si, a suspensão referida no art. 970º (equivalente à do art. 1335º do CPC português antes da reforma introduzida pela Lei nº 29/2009, de 29/06) tem um objectivo que é diferente do previsto no art. 1350º8 (equivalente ao art. 987º do CPCM), destinado à decisão sobre as «…questões que apenas condicionam a exacta definição do acervo dos bens a partilhar no inventário»9
Mas, para Lopes Cardoso, a expressão permite uma integração “muito vasta”, de uma coisa parecendo estar seguro: serão questões que terão como resultado ou efeito “relacionar bens questionados ou fazê-lo com qualificação específica”. Essa definição de direitos, portanto, para si, contém inúmeras questões, entre as quais destaca a «existência de bens – aí incluídas dívidas activas e passivas, ou a “perda” de bem do património hereditário, por força de usucapião por parte de herdeiro ou de terceiro – em função dos quais se definem os quinhões de cada um»10.
Quid iuris?
Parece-nos que o caso não pode ser resolvido à luz do art. 987º. Na verdade, ele destina-se a solucionar as “reclamações previstas no artigo anterior”, ou seja, as deduzidas “contra a relação de bens” (art. 986º, nº1).
De qualquer maneira, está em discussão um bem que pode não pertencer à herança. Assim, e uma vez que ele foi relacionado (art. 970º, nº1, “fine”), cremos que a liquidez desta questão influenciará o direito (a definição) de cada interessado. E se os documentos juntos por aqueles dois interessados não foram tidos por suficientes para habilitar o juiz do inventário a resolver essa “vexata quaestio”, então cremos que a suspensão ao abrigo do art. 970º tem cabimento, até para evitar a nulidade a que se refere o art. 1963º do CC. E com isto aderimos à tese de Lopes Cardoso.
E, por outro lado, se a suspensão não fosse admissível sob a égide do art. 970º do CPC, haveria de sê-lo ao abrigo do art. 971º, nº2, do mesmo Código.
Em qualquer das hipóteses, pensa-se que a sensatez e a prudência aconselhavam a suspensão dos autos, até que fosse decidida tal questão nos autos que, entretanto, já tinham sido instaurados com o nº CV3-13-0018-CAO. Pensamos que tal decisão responde, portanto, aos anseios de todos os interessados na busca da verdade material e à necessidade de certeza e segurança jurídicas acerca da pertença à herança da verba nº 49, ainda que sem prejuízo de requerimento das partes nos termos do nº3 do art. 970º a respeito do prosseguimento do inventário com vista à partilha provisória.
Isso em nada contende com o disposto nos arts. 237º (cuja invocação mal se entende) e 574º do CPC. Na verdade, a resolução que estava alcançada nunca poderia ser dada por definitiva, pois aqueles interessados logo deram a entender que fariam nova incursão aos autos para pedir a suspensão no momento em que encontrassem documentos que revelassem a titularidade sobre o dito bem. Portanto, a partir desse instante nenhum interessado tinha legitimidade para dizer que tudo estava definitivamente resolvido.
Daí que se não acolha a posição dos recorrentes nas conclusões A) a G) das alegações.
*
Nas conclusões H) e seguintes, os recorrentes consideram que a questão dos bens já estava decidida por trânsito em julgado sobre a decisão de 1221 (fls. 157 do presente recurso) e homologação de fls. 1251 (fls. 160 do presente recurso).
Ora, em primeiro lugar, do que se tratou na situação em apreço não foi uma reclamação no sentido estrito do termo. Os referidos interessados limitaram-se a dirigir um requerimento ao processo, pedindo a suspensão do inventário, o que foi acolhido pelo juiz. Isto é, o tribunal acedeu ao pedido, mas bem podia fazê-lo oficiosamente, pois o artigo citado deposita nele esse poder. Portanto, não se pode dizer que aqueles interessados fizeram do processo uma esgrima sucessiva e indefinida. Em vez disso, o que fizeram foi chamar o tribunal à possibilidade de vir a estar a partilhar um bem que não pertence à herança, tornando assim nula a partilha nessa parte. Parece que prestaram, em vez disso, um bom serviço à justiça material.
Em segundo lugar, a decisão de fls. 1251 dos autos não constitui nenhuma homologação. De resto, como se viu, a determinação dos bens, devendo embora estar aprontada até à fase da conferência de interessados, pode excepcionalmente ser decidida posteriormente. Lembremos que, nem mesmo a licitação ou o acordo sobre a partilha serve ainda para conferir titularidade dos bens aos respectivos herdeiros, pois isso só tem lugar com o trânsito em julgado da sentença homologatória da partilha constante do mapa (art. 1020º e 582º do CPC)11.
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E não se diga que a nulidade do art. 1963º do CC não podia constituir razão fundamentativa para a decisão recorrida com o argumento de ela não estar prevista no art. 970º do CPC (conclusão L).
Pois não está prevista, isso é verdade. Mas não é pelo facto de o não estar que ela não pode figurar no quadro da razão primeira da decisão judicial que tenha, precisamente, o propósito de a evitar. Realmente, o que se pretendeu com a decisão em crise foi definir o acervo patrimonial (no que a essa verba concerne), para desse modo não se correr o risco de uma partilha eventualmente nula. A ideia da decisão sob censura foi, como é fácil de ver, prevenir a montante o que queria evitar a jusante. E para tanto, nem sequer era necessário que estivesse já instaurada a acção. Por acaso já estava, como se viu. E a circunstância de nela não ter sido arguida a nulidade é facilmente perceptível: como se podia arguir a nulidade, se esta só se dá com a partilha (homologada) de bens não pertencentes à herança?! Portanto, parece óbvio que essa nulidade não podia ainda ser arguida. Tal acção visa, diferentemente, apurar se o dito bem não pertence efectivamente à herança.
Por conseguinte, não vale a pena insistir, como o faz o recorrente, acerca da ausência de qualquer “incidente de anulação da verba 49 da relação de bens”. (conclusão M)). O valor da licitação é relativo e, assim, provisório, face ao que se disse atrás acerca da propriedade do bem licitado.
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Nas conclusões N) a S) o recorrente defende que a decisão sobre se o terreno em causa foi concessionado ao inventariado se reveste de extrema simplicidade, face aos elementos de prova documental. Razão para que o tribunal do inventário devesse decidir essa questão incidental sem necessidade de suspender o processo e sem ter que aguardar o desfecho da acção de simples apreciação negativa interposta.
Pensamos, porém, que a questão não terá a facilidade que o recorrente entrevê no recurso e assim o terá pensado também o juiz do processo. E que a questão não é de fácil resolução mostra-o bem o teor da petição inicial da referida acção e o da contestação a fls. 68-73 e 81-138. É complexa a resolução do tema, se tivermos presente a necessidade de indagar da natureza e extensão do mandato (caso exista) conferido ao inventariado e a multiplicidade dos factos invocados, sem se ignorar, por fim, a circunstância de ter sido ainda deduzida reconvenção assente em usucapião e em acessão industrial. E então, como se vê, apesar de o registo predial apresentar o terreno em nome do inventariado, a verdade é que, atendendo ao valor meramente presuntivo deste (art. 7º do CRP) e não constitutivo, não é inquestionável que a titularidade esteja realmente na esfera daquele.
Improcedem, pois, os argumentos retirados das referidas conclusões.
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Nas conclusões T) a X o recorrente traz à colação um argumento quase convincente: o de que, afinal, a acção de apreciação negativa, se vier a merecer improcedência, não faz melhor luz para a resolução acerca da propriedade da verba em causa, uma vez que nessa hipótese não ficará apurado quem é o verdadeiro titular do direito.
É verdade. Mas, bastará admitir a existência de 50% de chances de a acção ser julgada procedente para se lhe reconhecer utilidade e afastar, imediatamente, desse modo a sombra invocada pelo requerente da suspensão no sentido de que a referida verba pertence à sociedade e não ao inventariado. Se não fosse essa dificuldade aportada ao processo de inventário, certamente tudo se desenrolaria normalmente até à partilha sem qualquer obstáculo, incluindo a concernente à verba nº 49. Por conseguinte, desde que seja afastada essa névoa, mais livre fica o caminho para a adjudicação aos licitantes, no pressuposto de a verba em apreço (nº49) pertencer ao de cujus. Se acção vier a ser improcedente, saberão as partes resolver o diferendo e o juiz do processo de inventário tomará as diligências apropriadas à solução do caso. Mas, isso é questão que neste momento não pode ser equacionada.
Neste sentido, o resultado da acção não é necessária e totalmente inócuo ao do inventário. Oportunamente, isso será revelado.
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Prosseguindo, o recorrente nas conclusões Y a GG) tentou convencer o tribunal ad quem de que os elementos documentais dos autos não põem em causa a titularidade da concessão por arrendamento do terreno indicado na verba nº 49.
Ora, essa é uma análise que já contende com o fundo ou o mérito da referida acção. O que o recorrente faz ali é entrar num universo jurídico em matéria de avaliação da força dos documentos apresentados pelos interessados que requereram a suspensão, mas que não são exactamente os mesmos da referida acção. Ora, o processo de inventário, como já adiantámos, não parece ser o espaço ideal para o debate e estudo desta questão, pelo que claudica o recorrente também nesta parte.
Só a discussão a fazer na acção será apta a afastar ou confirmar a presunção que resulta do registo (cfr. art. 7º do CRP e 343º, nº2, do CC).
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Nas conclusões HH) a SS) o recorrente acha que, mesmo na hipótese de se estar ante a existência de uma acção prejudicial, a lei impõe ao juiz o dever de indeferir o pedido de suspensão quando tenha razões para crer que a causa prejudicial só foi intentada unicamente para se obter essa suspensão.
Mas, nenhuma das razões em que se funda procede.
Efectivamente, do teor do art. 13º do requerimento de fls. 2000 acima transcrito (ponto 6 dos factos) não é possível extrair aquela conclusão.
Em segundo lugar, também se não pode chegar a essa conclusão com o alegado fundamento de se tratar de uma questão já definitivamente resolvida, porque, na realidade, só a sentença homologatória da partilha dá por definitivamente resolvidas as questões da divisão da herança, como já dissemos mais acima.
O terceiro e quarto argumentos (conclusões MM e NN) estão na linha do que já se escreveu antes: é matéria de fundo e de substância que o inventário não tratou, pelas fundadas razões já vistas. O facto de ter sido licitada a verba 49 não afasta a possibilidade de se discutir a sua titularidade, mesmo considerando a fase em que o inventário se encontrava. E por outro lado, a instauração da acção, como tivemos ensejo de explicar, pode vir a fazer luz sobre a verdadeira titularidade da concessão do terreno.
Não podemos, de maneira nenhum extrair, com a facilidade com que o recorrente a atinge, a conclusão de que o objectivo da acção instaurada fosse o de retardar o pagamento das tornas e, assim, travar o curso normal do inventário. Mesmo que objectivamente o efeito acabe por ser esse, daí se não segue que na base do pedido esteja alguma intenção dilatória.
Tudo o que o recorrente aduz não passa de ilações, perigosas, aliás, que só ele se atreve a extrair em defesa laboriosa e persistente da sua tese. Nenhum dos factos invocados nestas alegações é capaz de permitir a este tribunal, e por certo não o permitiu ao tribunal a quo, atingir a mesma conclusão.
Improcede, pois, estas conclusões.
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Nas conclusões TT a YY serve-se o recorrente do disposto no art. 223º, nº2, 2ª parte, do CPC para dizer que não havia razão para a suspensão do inventário dado o adiantado estado do processo, por achar serem dela maiores os prejuízos do que as vantagens.
Após um longo e demorado périplo de oito anos, adiantado estava o inventário na fase em que a suspensão foi decretada, sim, é verdade. Mas, importa sublinhar que, para fugir a eventual nulidade da partilha e havendo dúvidas sérias sobre a totalidade do património partilhável, mais vale a perda de mais algum tempo pela espera da definição patrimonial da herança, com vantagem evidente para a segurança jurídica, do que levar a partilha até ao seu termo com o risco de depois se declarar a sua nulidade parcial.
De resto, esta questão foge ao nosso poder de sindicância, por não ter sido colocada previamente no tribunal recorrido. Realmente, nenhum requerimento foi apresentado ali no sentido de fazer prosseguir o processo com vista à partilha provisória nos termos e fundamentos previstos no art. 970º, nº 3, do CPC. Tal requerimento, se apresentado com deferimento judicial, talvez calasse os lamentos e observações críticas que ora o recorrente veicula no recurso. Não foi, mas em boa verdade, nem pensamos que a sua possibilidade já esteja fora de cogitação.
Portanto, também estas conclusões se julgam improcedentes.
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IV – Decidindo
Face ao exposto, acordam em:
1 – Indeferir a junção da certidão de fls. 80 e sgs, que deverá ser desentranhada.
Taxa de justiça mínima pelos apresentantes.
2 - Negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.
TSI, 22 de Maio de 2014
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
1 «Respeitante ao pedido feito por D, em nome de uma sociedade a constituir, de concessão, por arrendamento e com dispensa de hasta pública, de um terreno com a área de 13853m2, sito na zona dos aterros de Pac On, Lote “R”, destinado à construção de 3 unidades industriais. (Proc. n.o 60611.1, da Direcção dos Serviços de Programação e Coordenação de Empreendimentos e Proc. n.º 137/89, da Comissão de Terras)», in Despacho n.º 31/SATOP/89.
2 João António Lopes Cardoso, in Partilhas Judiciais, Vol. II, 5ª ed., revista e actualizada, pág. 24 a 27.
3 Autor e ob. cits., pág. 25
4 Autor, ob. e loc. cits., pág. 25.
5 Ob. cit. I, 5ª ed., pág. 596. Para nós, porém, a expressão parece inculcar a ideia de que a remessa para os meios comuns só deverá ter lugar após a relacionação de bens e não que a relacionação se faça após a decisão dos meios comuns.
6 Exemplos fornecidos pelo autor citado, I cit., pág. 240.
7 Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. II, 2ª ed., pág.254.
8 Em que para decidir as reclamações, por falta de prova, o juiz se abstém de conhecer delas e remete as partes para os meios comuns.
9 Comentário cit., pág.254. Parecendo fazer também a distinção sobre os objectivos entre os preceitos (arts. 1335º e 1350º) ver Rabindranath Capelo de Sousa, in Lições de Direito das Sucessões, Vol. II, 5ª ed., pág. 102, nota 281.
10 Ob. cit., I, pág. 240-241.
11 Ver ainda neste sentido, na jurisprudência comparada, o Ac. do STJ de 21/01/2003, Proc. nº 02A931.
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