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Processo n.º 10/2014
Recurso jurisdicional em matéria administrativa
Recorrente: Ministério Público e A
Recorrido: Secretário para a Segurança
Data da conferência: 9 de Julho de 2014
Juízes: Song Man Lei (Relatora), Sam Hou Fai e Viriato Manuel Pinheiro de Lima

Assuntos: - Concessão da licença de uso e porte de arma de defesa
- Competência do Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública
- Recurso hierárquico necessário


SUMÁRIO

1. Quando numa pessoa colectiva vários órgãos ou agentes se incumbem da mesma matéria, formando hierarquia, os respectivos poderes distribuem-se entre eles tendo em consideração a sua posição relativa na escala hierárquica, sendo a regra a de que a competência do superior compreende a dos seus subalternos e a excepção a competência exclusiva destes, subtraída aos seus superiores.
2. Não obstante a disposição no n.º 2 do art.º 27.º do Decreto-Lei n.º 77/99/M, que confere ao comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública a competência para concessão da licença de uso e porte de arma de defesa, não se estabelece nenhuma competência exclusiva deste órgão.
3. Logo, funcionando a regra geral de a competência do superior compreender a dos subalternos, o Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública exerce uma competência própria, que não sendo exclusiva, é comum ao seu superior.
4. O acto praticado pelo Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública, organicamente subalterno do Senhor Secretário para a Segurança, está sujeito a impugnação administrativa necessária, não sendo ainda contenciosamente recorrível, nos termos do art.º 28.º n.º 1 do Código de Processo Administrativo Contencioso.

A Relatora,
Song Man Lei
  ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
  
1. Relatório
A, melhor identificado nos autos, interpôs recurso contencioso de anulação do despacho proferido pelo Senhor Secretário para a Segurança de 11 de Setembro de 2012 que, confirmando o acto administrativo de indeferimento de pedido de concessão de licença de uso e porte de arma de defesa praticado pelo Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública, negou provimento ao recurso hierárquico por si interposto.
Por Acórdão proferido em 31 de Outubro de 2013, o Tribunal de Segunda Instância decidiu julgar procedente a excepção deduzida pela entidade recorrida da irrecorribilidade do acto e rejeitar o recurso.
Inconformados com a decisão, vêm o Ministério Público e A recorrer para o Tribunal de Última Instância, apresentando devidamente as alegações com a formulação das seguintes conclusões:
- Do recurso do Ministério Público
1ª- O douto Acórdão em questão julgou procedente a excepção da irrecorribilidade contenciosa aduzida pelo Exmo. Sr. Secretário para a Segurança, com argumento sumariado de: Quando a lei atribuir uma competência a um órgão subalterno da Administração Pública para a prática de um determinado acto administrativo, desse acto não cabe recurso hierárquico necessário salvo quando especialmente previsto na lei;
2ª- Preceitua o n.º 2 do art. 27º do Regulamento de Armas e Munições aprovado pelo D.L. n.º 77/99/M: A concessão da licença de uso e porte de arma de defesa é da competência do comandante do CPSP, mediante requerimento do interessado, que a pode denegar por razões gerais de segurança e ordem públicas;
3ª- Dispõe expressamente o n.º l do art. 1º do Regulamento Administrativo n.º 22/2001, o CPSP fica na dependência do Secretário para a Segurança. O que implica que o Comandante do CPSP é organicamente subalterno do Secretário para a Segurança;
4ª- A propósito de estabelecer as competências dos titulares dos principais cargos, prevê o art. 17º da Lei n.º 2/1999 (Lei de Bases da Orgânica do Governo): Os titulares dos principais cargos exercem as competências previstas nos diplomas orgânicos das entidades ou serviços que dirigem ou tutelam e nos demais diplomas legais;
5ª- Na nossa modesta opinião, este art. 17º acolhe positivamente a regra geral de ser separada e não exclusiva a competência própria do órgão subalterno, sendo excepcional a competência exclusiva que existe apenas nos casos em que a lei expressamente a consagra.
6ª- Tal regra geral encontrava-se, no ordenamento jurídico de Macau, reiteradamente proclamada e sustentada. O que nos dão a conta os Acórdãos do anterior TSJM em 7/1/1998 e de 28/4/1999, respectivamente nos Processos n.º 769 e n.º 1043, e os decretados pelo TSI nos Processos n.º 141/2000 e n.º 195/2000.
7ª- Em harmonia e coerência com o art. 17.º da Lei n.º 2/1999, o n.º 2 do art. 27.º do RAM aprovado pelo D.L. n.º 77/99/M deve ser interpretado no sentido de atribuir ao Comandante do CPSP a competência separada e não exclusiva, cabendo recurso hierárquico necessário ao Secretário para Segurança dos actos praticados pelo Comandante do CPSP no exercício desta competência.
8ª- Nesta linha de consideração, e ressalvado o habitual e muito elevado respeito pela douta posição do Venerando TSI a quo, afigura-se-nos que o Acórdão ora recorrido infringe o disposto no art. 17.º da Lei n.º 2/1999 e no n.º 2 do art. 27.º do RAM aprovado pelo D.L. n.º 77/99/M, padecendo do erro de direito.
- Do recurso do A
1. Quando a lei dá ao subalterno determinada competência para praticar actos sem que directa ou indirectamente identifique que espécie de competência é, a regra no direito Português e no direito de Macau é a de que a competência é própria mas separada.
2. A este propósito veja-se inter alia Freitas do Amaral1, e ainda Esteves de Oliveira2, onde claramente se assume que o subalterno é por lei competente para praticar actos administrativos, que podem ser executórios mas não definitivos, pois deles cabe recurso hierárquico necessário.
3. E ainda os acórdãos3 de 25-11-93 - AD 395. de 1-3-95 - AD 403, de 9-7-96 - Rec. 39983, de 15-1-97 (Pleno) - Rec. 37428, de 30-4-97, - Rec. 35259, de 4-6-97 - Rec. 40440, de 9-7-97 (Pleno) - AD 431, de 9-12-98 (Pleno) - Rec. 37185, de 15-12-98 - Rec. 44073, de 28-4-99 (Pleno) - Rec. 40256, de 12-5-99 - Rec. 44684, de 17-6-99 - Rec. 41820, de 9-11-99 (Pleno) - Rec. 45085, de 13-4-00 - Rec. 45398, de 19-6-01 - Rec. 43961, de 29-11-01 - Rec. 40865, de 29-5-01 - Rec. 47237, de 25-4-01 - Rec. 46794, de 20-5-02 - Rec. 442, de 9-5-02 - Rec. 48272, de 8-5-02 - Rec. 47279, de 2-5-02 - Rec. 47947, de 5-2-02 - Rec. 47841, de 18-12-02 - Rec. 1318/02, de 20-12-02 - Rec. 467/02.
4. O princípio da legalidade administrativa, do qual decorre o princípio da legalidade da competência abrange o respeito também pelos princípios gerais de Direito (Administrativo).
5. Em concreto o princípio geral da hierarquia Administrativa que se manifesta no poder de direcção do superior sobre o subalterno.
6. O poder de direcção permite ao superior emanar ordens e directivas onde o superior pode planificar, organizar, comandar e coordenar toda a actividade administrativa do subalterno.
7. O poder de direcção permite ao superior intervir em todas as matérias da competência do subalterno.
8. Tal poder significa a existência de um nexo de competência comum entre superior e subalterno.
9. O poder de direcção enquanto poder inerente à hierarquia administrativa fundamenta a existência de uma competência material comum entre superior e subalterno.
10. Por isso, mal se compreendia que, quando a lei expressamente nada aponta-se que espécie de recurso se devia interpor, se adopta-se a regra contrária ao princípio da hierarquia administrativa.
11. Mesmo Freitas do Amaral4, embora criticando o princípio para determinadas decisões, não o afasta, dizendo claramente que apesar de hoje em dia o mesmo ser um bloqueio burocrático, é ele que prevalece face à Administração hierarquizada existente em Portugal.
12. No caso de Macau, o sistema tem a mesma matriz de Administração hierarquizada, pelo que o princípio é o mesmo.
13. Veja-se o Regulamento Administrativo n.º 6/1999 (Organização, competências e funcionamento dos serviços e entidades públicas) onde no seu artigo 4.º, o Secretário para a Segurança tem competência na segurança pública interna da Região Administrativa Especial de Macau.
14. E ainda o n.º 2 do artigo 4.º do mesmo diploma, ficam na dependência hierárquica, tutelar ou supervisão do Secretário para a Segurança, conforme aplicável, os serviços e entidades especificados no Anexo IV ao presente regulamento administrativo, e que dele faz parte integrante, entre os quais o Corpo de Policia de Segurança Pública.
15. Caso a douta decisão do Tribunal a quo vingue, podemos dizer que assistiremos a uma espécie de “revolução” no contencioso administrativo de Macau.
16. Em Macau, a jurisprudência tem seguido o mesmo princípio, veja-se inter alia, o acórdão 141/2000, onde pode ler-se a pag. 9 do acórdão que “…Pode afirmar-se com toda a segurança que a doutrina e o próprio direito português têm seguido esta ultima posição: a regra geral é a que, nestes casos, a competência do subalterno é separada e não uma competência reservada ou exclusiva, esta é excepcional, quando uma disposição legal concreta e inequívoca a confira ao subalterno, posição que se considera no ordenamento administrativo de Macau.
17. Não podermos concordar com as palavras do ilustre Juiz 1º Adjunto, que os superiores hierárquicos deve estar talhados para tarefas mais gerais e abrangentes, não se devendo ocupar de cada um dos casos que chegam à Administração, porque o legislador não entreviu no caso concreto, como bem reconhece na declaração de voto.
18. O princípio da legalidade da competência dispõe que só a Lei expressamente pode atribuir a competência a um órgão administrativo, e é a luz desse mesmo princípio que só uma Lei pode retirar essa mesma competência.
19. Quando uma Lei atribui expressamente uma competência ao subalterno, sem que disponha expressamente sobre a competência dispositiva do superior ou indirectamente sobre o espécie de recurso a interpor, não se pode por uma mera interpretação jurídica sem base expressa na lei, ao arrepio das princípios gerais de direito administrativo como é o caso do princípio da hierarquia administrativa, ser retirada a competência dispositiva ao superior.
20. Tal seria uma violação clara do princípio da legalidade de competência, uma vez que, a competência também resulta dos princípios gerais de direito como é o caso do princípio da hierarquia administrativa.
21. Pelo que, qualquer alteração do bloco legal sobre a competência tem de partir do legislador.

O Exmo. Procurador-Adjunto do Ministério Público emitiu o douto parecer sobre o recurso interposto por A, entendendo que merece provimento o recurso.
Foram corridos os vistos.

2. Factos Provados
Nos autos foram apurados os seguintes factos com pertinência para a decisão:
- Desde 1978, ao recorrente A foram concedidas várias autorizações para uso e porte de arma de defesa.
- O recorrente aposentou-se em 3 de Janeiro de 2012.
- Em 10 de Fevereiro de 2012, o recorrente requereu ao Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública a concessão de uma nova licença de uso e porta de arma de defesa.
- Em 4 de Julho de 2012, o Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública proferiu despacho no sentido de indeferir o pedido do recorrente, que foi notificado ao recorrente com informação de que da decisão poderia interpor recurso contencioso para o Tribunal Administrativo de Macau (vide fls.43, 44 e 45 do processo instrutor, cujo teor se dá por inteiramente reproduzido).
- Em 15 de Agosto de 2012, o recorrente interpôs recurso hierárquico necessário da decisão do Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública para o Sr. Secretário para a Segurança.
8. Em 11 de Setembro de 2012, o Sr. Secretário para a Segurança negou provimento ao recurso hierárquico com os fundamentos constantes na informação elaborada pelo Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública (vide fls. 4 a 8 do processo instrutor, cujo teor se dá por inteiramente reproduzido).

3. Direito
A única questão suscitada nos recursos interpostos pelo Ministério Público e por A prende-se com a recorribilidade do acto administrativo praticado pelo Sr. Secretário para a Segurança, alvo do recurso contencioso, que confirmou o despacho de indeferimento de pedido de concessão de licença de uso e porte de arma de defesa proferido pelo Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública, negando provimento ao recurso hierárquico interposto por A.

Ora, quanto à concessão da licença de uso e porte de arma de defesa, dispõe o art.º 27.º do DL n.º 77/99/M o seguinte:
“Artigo 27.º
(Licença de uso e porte de arma de defesa)
1. Pode ser concedida licença de uso e porte de arma de defesa a quem reúna os seguintes requisitos:
a) Ser maior;
b) Demonstrar ter adequada idoneidade moral e civil;
c) Demonstrar essa necessidade para a sua defesa pessoal ou da sua família, em razão das suas especiais condições de vida ou risco inerente ao exercício da sua actividade profissional;
d) Possuir capacidade de manejo de arma de defesa.
2. A concessão da licença de uso e porte de arma de defesa é da competência do comandante do CPSP, mediante requerimento do interessado, que a pode denegar por razões gerais de segurança e ordem públicas.
…”

No entendimento do Acórdão recorrido, face à ausência no Decreto-Lei n.º 77/99/M de uma norma que impõe a necessidade de impugnação graciosa ou que estabelece a impugnabilidade contenciosa do acto do subalterno, é de concluir pela natureza facultativa do recurso hierárquico do despacho do Senhor Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública que negou o pedido da concessão da licença de uso e porte de arma de defesa, proferido ao abrigo da competência atribuída pelo n.º 2 do art.º 27.º, e que por força atributiva dessa norma, o acto do Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública é imediatamente recorrível contenciosamente.
Acresce-se ainda que o despacho do Senhor Secretário para a Segurança se limitou a confirmar o despacho do Comandante da PSP, remetendo para os fundamentos aí adoptados.
Pelo contrário, defendem os recorrentes que, estando a decisão do Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública sujeita ao recurso hierárquico necessário, é o acto praticado pelo Senhor Secretário para a Segurança impugnável contenciosamente.
Coloca-se a questão de saber se é exclusiva a competência conferida ao Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública na matéria em causa.
Vejamos.

No que respeita à competência dos órgãos das pessoas colectivas, ensina Marcello Caetano que cada pessoa colectiva tem, na maioria dos casos, mais de um órgão e os órgãos, por sua vez, são coadjuvados por agentes que desempenham os cargos públicos.
E a competência de um órgão é o complexo de poderes funcionais conferido por lei a cada órgão para o desempenho das atribuições da pessoa colectiva em que esteja integrado.
Quando numa pessoa colectiva vários órgãos ou agentes se incumbem da mesma matéria, formando hierarquia, os respectivos poderes distribuem-se entre eles tendo em consideração a sua posição relativa na escala hierárquica, sendo a regra a de que a competência do superior compreende a dos seus subalternos. 5
Sobre o tema de como saber se efectivamente a competência do superior envolve a do inferior, e ao indicar vários critérios para o efeito, defende Robin de Andrade que “Quando nenhum dos elementos anteriores nos trouxer qualquer indicação decisiva para a resolução do problema, deve entender-se que a competência do superior envolver a do inferior, que, portanto, ao superior é reconhecido o poder de avocar e de revogar os actos do inferior, de tal forma que os actos do inferior não se possam considerar resoluções finais nem actos definitivos, por deles caber recurso hierárquico necessário para o superior. É a própria organização hierárquica dos serviços que permite presumir esta solução, na medida em que o poder de direcção do superior tem como seu apoio natural, embora não necessário, a competência dispositiva do superior sobre os assuntos objecto da direcção”. E mesmo nos casos em que o poder de avocação não seja reconhecido ao superior, isso não significa necessariamente que a sua competência não envolva a do inferior.6
Mas há casos em que a lei confere aos subalternos competência exclusiva, subtraída aos seus superiores, reservando aos subalternos “o seu exercício em termos expressos ou de maneira que claramente se deduza que quis estabelecer uma distribuição de poderes e ordenar um processo de modo a acautelar ou garantir os direitos dos administrados.
Estão nestes casos os preceitos que permitem a aplicação de sanções pelo subalterno com recurso para o superior, pois a preterição da ordem hierárquica equivaleria à supressão de um grau de jurisdição”.7
É esta também a opinião de Freitas do Amaral, que sustenta a competência separada do subalterno como regra geral, dizendo que “o subalterno é por lei competente para praticar actos administrativos, que podem ser executórios, mas não são definitivos, pois dele cabe recurso hierárquico necessário (é a regra geral no nosso direito, quanto aos actos praticados por subalternos”.8

Para além das considerações doutrinais acima expostas, resulta claramente da relação hierárquica existente nos órgãos administrativos, em que se reconhece ao superior o poder de direcção do inferior, bem como da disposição legal sobre a competência para a revogação dos actos administrativos, que a regra no nosso Direito é também a apontada, a de que a competência do superior compreende a dos subalternos, sendo a competência exclusiva destes, subtraída aos seus superiores, a excepção.
Na realidade, dispõe o art.º 131.º n.º 1 do Código de Procedimento Administrativo que “Salvo disposição especial, são competentes para a revogação dos actos administrativos, além dos seus autores, os respectivos superiores hierárquicos, desde que não se trate de acto da competência exclusiva do subalterno”.
Do preceito resulta que os superiores hierárquicos são competentes para a revogação dos actos administrativos praticados por subalternos (regra), só assim não acontecendo quando se trate de acto da competência exclusiva do subalterno (excepção)9.
Como afirma Paulo Otero, para o direito português perante o preceito semelhante, a competência revogatória do órgão titular de um poder de supremacia intra-administrativa compreende sempre a competência revogatória do autor do acto submetido a essa mesma relação e “a identidade de competência revogatória entre os referidos órgãos, expressando uma situação de concorrência de competências administrativas, vem demonstrar que também ao nível da titularidade do poder revogatório só excepcionalmente existe um único órgão exclusivamente competente”.
Acresce que “o campo de operatividade do poder de direcção confere ao superior hierárquico a possibilidade de emanar ordens e instruções sobre toda a actividade confiada por lei aos órgãos subalternos, definindo o momento e o conteúdo decisórios – senão mesmo ditando-lhes palavra por palavra a própria decisão – encontrando-se estes sujeitos a um dever geral de obediência.
A circunstância de o poder de direcção permitir ao superior hierárquico interferir sobre todas as matérias da competência dos subalternos, podendo mesmo ir ao ponto de esvaziar ou expropriar a discricionariedade decisória que lhes foi conferida por lei (…), tem de significar, forçosamente, a existência de um nexo de competência comum entre superior e subalternos10.
Como pode um órgão determinar validamente o conteúdo de uma decisão integrante da competência externa de outros órgãos se também não participa de qualquer forma na competência destes últimos? Como se pode justificar a faculdade de o superior hierárquico interferir sobre todas as matérias da competência dos respectivos subalternos, emitindo ordens e instruções vinculativas sobre o sentido concreto de exercício dos respectivos poderes decisórios, se ele também não partilhar o exercício de tais poderes?”11

Por outro lado, a Lei n.º 2/1999 (Lei de Bases da Orgânica do Governo) prevê, no seu o art. 17º, as competências dos titulares dos principais cargos: “Os titulares dos principais cargos exercem as competências previstas nos diplomas orgânicos das entidades ou serviços que dirigem ou tutelam e nos demais diplomas legais”.
E de acordo com o diploma que estabelece a organização, competências e funcionamento dos serviços e entidades públicas, o Regulamento Administrativo n.º 6/1999, a competência dos Secretários abrange áreas de governação.
No que tange às competências do Secretário para a Segurança, estipula o artigo 4.º do mencionado Regulamento que o Secretário para a Segurança “exerce competências nas seguintes áreas de governação:
1) Segurança pública interna da Região Administrativa Especial de Macau;
2) Investigação criminal;
3) Controlos de imigração;
4) Fiscalização do tráfego marítimo e das respectivas regras disciplinadoras;
5) Protecção Civil;
6) Coordenação e gestão do sistema prisional.
7) Actividades alfandegárias no âmbito definido pela Lei n.º 11/2001”.
E fica na dependência do Secretário para a Segurança o Corpo de Polícia de Segurança Pública, conforme a disposição no n.º 2 do art.º 4.º e no Anexo IV do Regulamento Administrativo n.º 6/1999.
Ao mesmo tempo, dispõe expressamente o n.º l do art. 1º do Regulamento Administrativo n.º 22/2001, o Corpo de Polícia de Segurança Pública fica na dependência do Secretário para a Segurança.
Tem, assim, de se entender que o Secretário para a Segurança exerce todas as competências na área da segurança pública, sem prejuízo de casos especiais em que a lei disponha em sentido contrário, concedendo competências exclusivas aos subalternos.
E o Secretário para a Segurança tem poder hierárquico sobre o Corpo de Polícia de Segurança Pública, donde decorre o seu poder de direcção sobre os órgãos deste Corpo e daqui a sua competência cumulativa sobre as áreas em que esses órgãos disponham de competências.

Voltando ao caso ora em apreciação, estabelece o n.º 2 do art.º 27.º do Decreto-Lei n.º 77/99/M que a concessão da licença de uso e porte de arma de defesa é da competência do comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública, mediante requerimento do interessado, que a pode denegar por razões gerais de segurança e ordem públicas.
Não se estabelece nenhuma competência exclusiva deste órgão.
Logo, funcionando a regra geral de a competência do superior compreender a dos subalternos, o Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública exerce uma competência própria, que não sendo exclusiva, é comum ao seu superior.
Daí que o acto praticado pelo Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública, organicamente subalterno do Secretário para a Segurança, está sujeito a impugnação administrativa necessária, não sendo ainda contenciosamente recorrível, nos termos do art.º 28.º n.º 1 do Código de Processo Administrativo Contencioso.
O acto recorrível é, pois, do Secretário para a Segurança.
Pelo que é de revogar o Acórdão recorrido.

4. Decisão
Pelo exposto, acordam em julgar procedentes os recursos jurisdicionais, revogando o Acórdão recorrido e determinando a baixa dos autos ao Tribunal de Segunda Instância para conhecer das questões suscitadas em sede do recurso contencioso, se para tal nada obsta.
Sem custas.

   Macau, 9 de Julho de 2014
   
   Juízes: Song Man Lei (Relatora) – Sam Hou Fai –
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Vítor Manuel Carvalho Coelho
   
1 Conforme alegações supra.
2 Conforme alegaçães supra.
3 Com sumários em www.dgsi.pt.
4 Conforme alegações supra.
5 Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, 10.ª ed., I vol., p. 223 e 224.
6 Robin de Andrade, A Revogação dos Actos Administrativos, Coimbra Editora, 2.ª edição, 1985, p. 283 a 285.
7 Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, 10.ª ed., I vol., p. 224 e 225.
8 Freitas do Amaral, Conceito e Natureza do Recurso Hierárquico, 1981, Vol. I, p. 62 e Curso de Direito Administrativo, 3a ed., I vol., p. 785.
9 Mas em recurso hierárquico o superior pode revogar o acto recorrido, mesmo que a competência do subalterno seja exclusiva. Mas já não modificar o acto ou substituí-lo (n.º 1 do art.º 161.º do Código de Procedimento Administrativo).
10 Seguimos aqui de perto aquilo que antes se escreveu sobre a matéria, cfr. Paulo Otero, Conceito e Fundamento ... , pp. 120ss.
11 Paulo Otero, Legalidade e Administração Pública, 2003, p. 884 e 885.
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Processo n.º 10/2014