打印全文
Processo n.º 36/2014 (apensados n.os 38, 41, 42, 46, 47, 50, 52, 53, 54, 59, 60 e 63, todos 2014). Recurso jurisdicional em matéria administrativa.
Recorrentes: A, B, C, D, E, F, G, H, I, J, K, L e M.
Recorrido: Secretário para a Economia e Finanças.
Assunto: Artigo 98.º da Lei Básica. Aposentados de Macau. Pensão de aposentação. Artigo 10.º, n.º 1, da Lei n.º 2/2011. Subsídio de residência. Interpretação conforme a Lei Básica.
Data da Sessão: 16 de Julho de 2014.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Song Man Lei e Sam Hou Fai.

SUMÁRIO:
I – De acordo com o artigo 98.º da Lei Básica os aposentados de Macau são os aposentados da RAEM, sendo estes apenas os funcionários que se aposentarem após 20 de Dezembro de 1999.
II - A situação de aposentado abrange um direito fundamental e outros de natureza complementar ou acessória, sendo o primeiro o direito a uma pensão, que constitui um abono mensal vitalício, em função do último vencimento (para os que tenham 36 anos de serviço) e do número de anos de serviço.
III – Os direitos de natureza complementar ou acessória incluem, designadamente, a assistência na doença; em Macau, em regime de gratuitidade [artigos 145.º, 146.º e 147.º, n.º 1, alínea c), do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau (ETAPM)], um subsídio de Natal, a pagar em Novembro, de montante igual à pensão (artigo 187.º do ETAPM), um subsídio, designado de 14.º mês, a receber no mês de Maio de cada ano, de montante igual ao da pensão a que tenham direito no primeiro dia daquele mês (Lei n.º 9/90/M, de 6 de Agosto), alojamento em moradia propriedade da Região em regime de arrendamento, quando no activo já beneficiassem deste direito (artigo 20.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 31/96/M, de 17.6), o prémio de antiguidade que detinham no activo, subsídio de família e subsídio de residência (artigos 183.º, 205.º, n.º 2 e 203.º do ETAPM, normas revogadas e substituídas, respectivamente, pelos artigos 9.º, 12.º, n.º 1 e 10.º, n.º 1, da Lei n.º 2/2011).
IV – A interpretação do artigo 10.º, n.º 1, da Lei n.º 2/2011 (que confere subsídio mensal de residência aos trabalhadores dos serviços públicos que se encontrem em efectividade de funções ou desligados do serviço para efeitos de aposentação, bem como os aposentados, incluindo os magistrados aposentados), conforme a Lei Básica, impõe que a norma, ao referir-se aos “aposentados” está-se necessariamente a referir aos aposentados da RAEM, já que são estes apenas os aposentados de Macau, para a Lei Básica.
O Relator,
Viriato Manuel Pinheiro de Lima


ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
A, B, C, D, E, F, G, H, I, J, K, L e M (doravante, também designados por recorrentes), funcionários aposentados da Administração Pública de Macau, cujo pagamento da pensão de aposentação é da responsabilidade da Caixa Geral de Aposentações (CGA) portuguesa, ao abrigo dos artigos 9.º ou 10.º do Decreto-Lei n.º 357/93, de 14.10 (Boletim Oficial de Macau, I série, de 25.10.1993), interpuseram recurso contencioso de anulação dos despachos do Secretário para a Economia e Finanças, respectivamente, de 2 de Fevereiro, 1 de Março, 1 de Março, 26 de Novembro, 1 de Março, 1 de Março, 1 de Março, 1 de Março, 11 de Outubro, 1 de Março, 1 de Março, 1 de Março e 1 de Março, todos de 2012, que indeferiram pedidos de abono de subsídio de residência, deduzidos ao abrigo do artigo 10.º da Lei n.º 2/2011.
Por acórdãos, respectivamente, de 27 de Fevereiro, 27 de Fevereiro, 13 de Março, 6 de Março, 20 de Março, 27 de Março, 27 de Março, 3 de Abril, 20 de Março, 27 de Março, 27 de Março, 27 de Março e 3 de Abril, todos de 2014, o Tribunal de Segunda Instância (TSI) julgou improcedentes os recursos.
Inconformados, interpõem os recorrentes recurso jurisdicional para o Tribunal de Última Instância (TUI), imputando aos acórdãos recorridos violação do artigo 10.º da Lei n.º 2/2011.
O Ex.mo Procurador-Adjunto emitiu douto parecer em que se pronuncia pela procedência dos recursos.
Procedeu-se à apensação dos vários recursos interpostos, por estar em causa a interpretação e aplicação das mesmas normas e princípios jurídicos, sendo as situações de facto dos vários recorrentes semelhantes.

II - Os Factos
Estão provados os seguintes factos (no mais se remetendo para a matéria de facto fixada nos acórdão recorridos, nos termos do n.º 6 do artigo 631.º do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 149.º, n.º 1, do Código de Processo Administrativo Contencioso):
Os recorrentes são funcionários aposentados da Administração Pública de Macau, cujo pagamento da pensão de aposentação é da responsabilidade da CGA, ao abrigo dos artigos 9.º ou 10.º do Decreto-Lei n.º 357/93.
Os recorrentes, em 2011, requereram abono de subsídio de residência, ao abrigo do artigo 10.º da Lei n.º 2/2011, que foi indeferido por despachos do Secretário para a Economia e Finanças, respectivamente, de 2 de Fevereiro, 1 de Março, 1 de Março, 26 de Novembro, 1 de Março, 1 de Março, 1 de Março, 1 de Março, 11 de Outubro, 1 de Março, 1 de Março, 1 de Março e 1 de Março, todos de 2012.


III – O Direito
1. A questão a apreciar
Trata-se de saber se os funcionários aposentados da Administração Pública de Macau, cujo pagamento da pensão de aposentação é da responsabilidade da CGA, ao abrigo dos artigos 9.º ou 10.º do Decreto-Lei n.º 357/93, têm direito ao abono de subsídio de residência, previsto no artigo 10.º da Lei n.º 2/2011.

2. A situação dos funcionários da Administração Pública de Macau, sob administração portuguesa, que se aposentaram até 19 de Dezembro de 1999
Os funcionários em causa, do Território de Macau, sob administração portuguesa, aposentaram-se até 19 de Dezembro de 1999.
Como é sabido, pela Declaração Conjunta dos Governos da República Portuguesa e da República Popular da China, rubricada em Pequim, em 26 de Março de 1987, foi acordado que o Governo da República Popular da China voltasse a assumir o exercício da soberania sobre Macau a partir de 20 de Dezembro de 1999.
Pelo artigo 2.º dessa Declaração Conjunta, o Governo da República Popular da China declarou que, em conformidade com o princípio «um país, dois sistemas», aplicaria, em relação a Macau, determinadas políticas, designadamente que “os nacionais chineses e os portugueses e outros estrangeiros, que previamente tenham trabalhado nos serviços públicos (incluindo os de polícia) de Macau podem manter os seus vínculos funcionais” (n.º 3 do artigo 2.º).
De acordo com o Anexo I, VI, da Declaração Conjunta, o Governo da República Popular da China prestou, além de outros, o seguinte esclarecimento acerca das políticas fundamentais da República Popular da China respeitantes a Macau, constantes do artigo 2.º da Declaração Conjunta:
  “Após o estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau, os nacionais chineses e os portugueses e outros estrangeiros que tenham previamente trabalhado nos serviços públicos (incluindo os de polícia) de Macau podem manter os seus vínculos funcionais e continuarão a trabalhar com vencimentos, subsídios e benefícios não inferiores aos anteriores. Os indivíduos acima mencionados que forem aposentados depois do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau terão direito, em conformidade com as regras vigentes, a pensões de aposentação e de sobrevivência em condições não menos favoráveis do que as anteriores, independentemente da sua nacionalidade e do seu local de residência”.
Na sequência da Declaração Conjunta, a Assembleia Popular Nacional da República Popular da China aprovou, em 31 de Março de 1993, a Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM), para entrar em vigor em 20 de Dezembro de 1999, em cujo artigo 98.º se estatui:
“Artigo 98.º
À data do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau, os funcionários e agentes públicos que originalmente exerçam funções em Macau, incluindo os da polícia e os funcionários judiciais, podem manter os seus vínculos funcionais e continuar a trabalhar com vencimento, subsídios e benefícios não inferiores aos anteriores, contando-se, para efeitos de sua antiguidade, o serviço anteriormente prestado.
Aos funcionários e agentes públicos, que mantenham os seus vínculos funcionais e gozem, conforme a lei anteriormente vigente em Macau, do direito às pensões de aposentação e de sobrevivência e que se aposentem depois do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau, ou aos seus familiares, a Região Administrativa Especial de Macau paga as devidas pensões de aposentação e de sobrevivência em condições não menos favoráveis do que as anteriores, independentemente da sua nacionalidade e do seu local de residência”.

Esta norma, constante do 2.º parágrafo, dispõe claramente que a RAEM paga as pensões de aposentação aos funcionários que se aposentem depois do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau, independentemente da sua nacionalidade e do seu local de residência. E, a contrario sensu, que a RAEM não paga aos que se aposentem (em bom rigor, aos que se tenham aposentado) até 19 de Dezembro de 1999. Certamente porque se entendeu que tal pagamento seria da responsabilidade do Governo do Território de Macau ou do Governo da República Portuguesa. O que está em consonância com a declaração do Governo da República Popular da China, prestada no Anexo I, VI, da Declaração Conjunta, atrás citada.
Entretanto, isto é, após aprovação da Lei Básica, o Governo português fez aprovar o Decreto-Lei n.º 357/93, de 14.10, que foi publicado no Boletim Oficial de Macau, I série (de 25.10.93), onde se estabelece o seguinte:
“Artigo 9.º
(Inscrição na Caixa Geral de Aposentações)
  1. O pessoal a quem tenha sido reconhecido o direito de integração é inscrito na Caixa Geral de Aposentações (CGA), a partir do mês imediato ao da publicação no Boletim Oficial de Macau do despacho referido no n.º 1 do artigo 3.º.
  2. O pessoal que, reunindo as condições de aposentações até 19 de Dezembro de 1999, declare expressamente que pretende fazê-lo até essa data pode requerer a transferência da responsabilidade das respectivas pensões de aposentação e sobrevivência para a CGA.
  3. O requerimento indicado no número anterior deve ser apresentado até um ano após a entrada em vigor do regulamento previsto no n.º 1 do artigo 12.º, sendo inscritos na CGA a partir do 1.º dia do mês imediato ao do deferimento do pedido pelo Governador de Macau
  4. No momento da inscrição na CGA do pessoal referido nos números anteriores, será contado, por acréscimo ao tempo de subscritor, mediante a liquidação das respectivas quotas, calculadas segundo a taxa de desconto de subscritor nos termos legais vigentes em Macau, todo o tempo de serviço anterior à inscrição.
  5. O território de Macau remeterá mensalmente à CGA as importâncias relativas às contribuições para aposentação e sobrevivência, devidas pelos subscritores e pela Administração de Macau, nos termos das normas legais vigentes em Macau sobre a matéria, relativamente ao tempo de serviço que seja prestado em Macau posteriormente à inscrição em Portugal.
  
  Artigo 10.º
  (Aposentação e sobrevivência)
  1. A responsabilidade pelo encargo e pagamento das pensões de aposentação, de sobrevivência e de preço de sangue de que seja titular o pessoal da Administração do território de Macau e seus herdeiros à data de entrada em vigor do presente diploma transita, sem prejuízo do disposto no n.º 6 deste artigo, para a CGA, desde que os pensionistas o requeiram ao Governador de Macau, até um ano após a data de entrada em vigor do regulamento previsto no n.º 1 do artigo 12.º.
  2. É abrangido pelo disposto no número anterior o pessoal da Administração de Macau cujos processos de aposentação ou sobrevivência estejam em curso ou que venham a constituir-se dentro do prazo previsto no número anterior.
  3. A transferência das responsabilidades referidas nos números anteriores produz efeitos a partir do 1.º dia do mês imediato ao da recepção na CGA do respectivo processo.
  4. A transferência de responsabilidades referida nos números anteriores implica a contagem, por retroacção, de todo o tempo de serviço considerado na atribuição da pensão, mediante a liquidação das respectivas quotas calculadas sobre a pensão auferida e à taxa de desconto de subscritor nos termos legais vigentes em Macau.
  5. As pensões referidas nos números anteriores, calculadas segundo o regime de Macau, ficarão, quanto à sua evolução futura, sujeitas ao regime vigentes para os demais aposentados e pensionistas de sobrevivência da CGA.
  6. Às pensões referidas nos números anteriores aplica-se o disposto na alínea d) do n.º 2 do artigo 60.º do Estatuto Orgânico de Macau”.
O artigo 12.º, n.º 1, determina que o Governador regulamentará a execução deste diploma no prazo de 120 dias.
E, em conformidade com o artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 357/93, foi aprovado o Decreto-Lei n.º 14/94/M, de 23.2, onde se previa, além do mais, o seguinte no artigo 9.º, n.º 1:
  “1. Os funcionários e agentes abrangidos pelo disposto no presente diploma1 devem, no prazo de um ano contado da data da sua entrada em vigor, requerer ao Governador o reconhecimento de um dos seguintes direitos, a efectivar até 19 de Dezembro de 1999:
  a) Integração nos serviços da República Portuguesa;
  b) Aposentação com transferência da responsabilidade das pensões de aposentação e de sobrevivência para a CGA;”
  E no artigo 13.º, n.º 1, do mesmo diploma:
  “1. O pessoal abrangido pelo disposto nos n.os 1 e 2 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 357/93, de 14 de Outubro, pode requerer ao Governador, no prazo de um ano contado da data de entrada em vigor do presente diploma, a transferência da responsabilidade das respectivas pensões para a CGA”.
Ou seja, sabendo-se que, na sequência da Declaração Conjunta, a Lei Básica só previa o pagamento de pensões aos funcionários da Administração Pública de Macau que se aposentassem após 20 de Dezembro de 1999, tanto o Governo português, como o Governo do Território de Macau, fizeram aprovar dispositivos legais prevendo a possibilidade de tais funcionários, tanto os que se viessem a aposentar até 19 de Dezembro de 1999, como aqueles que já estavam aposentados em Outubro de 1993 (data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 357/93, em Macau), poderem requerer que a responsabilidade pelas suas pensões ficasse a cargo da CGA.
Em conclusão, de acordo com o artigo 98.º da Lei Básica os aposentados de Macau são os aposentados da RAEM, sendo estes apenas os funcionários que se aposentarem após 20 de Dezembro de 1999.

3. Direitos dos aposentados
As considerações que se seguem respeitam ao estatuto da relação jurídica da aposentação, tal como ele resulta do ordenamento jurídico de Macau.
Como é sabido, deixou de ser possível, com algumas excepções, a inscrição no regime da aposentação e sobrevivência, regulado nos artigos 258.º e seguintes do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau (ETAPM), a partir de 1 de Janeiro de 2007, ocasião em que foi instituído o Regime de Previdência, criado pela Lei n.º 8/2006.
Mas o regime da aposentação e sobrevivência mantém-se, não só para os funcionários providos antes de 1 de Janeiro de 2007, inscritos neste regime e que não aderiram ao regime de previdência, nos termos do artigo 25.º da Lei n.º 8/2006, mas também para aqueles poucos servidores públicos que continuam a poder ainda inscrever-se no regime da aposentação e sobrevivência.
A “aposentação é o meio pelo qual se realiza, quanto aos funcionários, a previdência na invalidez permanente e na velhice”2.
Ainda se mantém actual a definição da situação jurídica da aposentação de JOÃO ALFAIA3: “Por aposentação entende-se a situação jurídica em que se encontram os funcionários e agentes que, sendo considerados incapazes para o serviço, em virtude da idade, de doença ou de incapacidade ou por motivo da prática de infracção criminal ou disciplinar muito grave, vêem extinta a sua relação jurídica de emprego público, permanecendo, todavia, vinculados à Administração Pública através de uma nova relação jurídica (de aposentação) filiada na relação jurídica extinta e constituída em seu inteiro benefício, a qual estabelece um novo complexo de direitos, deveres e incompatibilidades”.4
A situação de aposentado abrange um direito fundamental e outros de natureza complementar ou acessória5, constituindo estes manutenção de direitos que já detinha aquando em funções e que são considerados separáveis desta última qualidade de trabalhador no activo6.
O direito fundamental é o de recebimento de uma pensão, que constitui um abono mensal vitalício, em função do último vencimento (para os que tenham 36 anos de serviço) e do número de anos de serviço.
Os outros direitos de natureza complementar ou acessória podem variar no tempo, em função da conjuntura económica ou social. Normalmente incluem sempre a assistência na doença; em Macau, em regime de gratuitidade [artigos 145.º, 146.º e 147.º, n.º 1, alínea c), do ETAPM].
Hoje em dia, tais direitos de natureza complementar ou acessória incluem, designadamente, um subsídio de Natal, a pagar em Novembro, de montante igual à pensão (artigo 187.º do ETAPM), um subsídio, designado de 14.º mês, a receber no mês de Maio de cada ano, de montante igual ao da pensão a que tenham direito no primeiro dia daquele mês (Lei n.º 9/90/M, de 6 de Agosto), alojamento em moradia propriedade da Região em regime de arrendamento, quando no activo já beneficiassem deste direito (artigo 20.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 31/96/M, de 17.6), o prémio de antiguidade que detinham no activo, subsídio de família e subsídio de residência (artigos 183.º, 205.º, n.º 2 e 203.º do ETAPM, normas revogadas e substituídas, respectivamente, pelos artigos 9.º, 12.º, n.º 1 e 10.º, n.º 1, da Lei n.º 2/2011)7.

4. O regime da Lei n.º 2/2011 quanto aos seus destinatários
Como se disse no último parágrafo, a Lei n.º 2/2011 veio regular o regime do prémio de antiguidade e dos subsídios de residência e de família, revogando as disposições que previam estes direitos no ETAPM.
Para o fim da resolução da questão dos autos não nos interessa examinar em pormenor todo o regime da Lei n.º 2/2011. Apenas releva no que tange aos seus destinatários.
Estabelece o n.º 1 do artigo 1.º desta Lei:
  “A presente lei regula o regime do prémio de antiguidade e dos subsídios de residência e de família dos trabalhadores dos serviços públicos da Região Administrativa Especial de Macau, adiante designada por RAEM”.
E no artigo 2.º:
“O disposto na presente lei é aplicável aos trabalhadores providos em regime de nomeação provisória ou definitiva, nomeação em comissão de serviço, contrato além do quadro, contrato de assalariamento e contrato individual de trabalho dos serviços públicos”.
No artigo 9.º, n.º 1, no que respeita ao prémio de antiguidade dos aposentados ou desligados do serviço a aguardar aposentação:
“Nas situações de aposentação ou a aguardar aposentação, mantém-se o direito aos prémios de antiguidade auferidos pelo trabalhador subscritor do Regime de Aposentação e Sobrevivência, quando no activo”.
No artigo 10.º, quanto ao subsídio de residência dos aposentados ou desligados do serviço a aguardar aposentação:
“Artigo 10.º
Direito ao subsídio
1. Os trabalhadores dos serviços públicos que se encontrem em efectividade de funções ou desligados do serviço para efeitos de aposentação, bem como os aposentados, incluindo os magistrados aposentados, têm direito a um subsídio mensal de residência, nos termos previstos na presente lei, ainda que existam entre eles relações de parentesco e residam na mesma moradia.
2. Não têm direito ao subsídio de residência aqueles que habitem em moradia do património da RAEM ou de qualquer outra pessoa colectiva de direito público ou que recebam mensalmente subsídio para arrendamento ou equivalente”.
No artigo 12.º, n.º 1, quanto ao subsídio de família dos aposentados ou desligados do serviço a aguardar aposentação:
“Os trabalhadores dos serviços públicos que se encontrem em efectividade de funções ou desligados do serviço para efeitos de aposentação, bem como os aposentados, que tenham a seu cargo cônjuge, descendentes, ascendentes ou demais pessoas consideradas equiparadas, por força da presente lei ou nos termos da lei geral aplicável aos trabalhadores da Administração Pública, têm direito, por mês, a um subsídio de família em relação a cada uma dessas pessoas”.
Pois bem.
Os aposentados do Território de Macau, isto é, aqueles que se aposentaram até 19 de Dezembro de 1999, são abrangidos pelo âmbito pessoal da Lei n.º 2/2011, no que respeita ao subsídio de residência?
A letra do artigo 10.º, n.º 1, da Lei n.º 2/2011, refere apenas os “aposentados”. Abrange aqueles aposentados do Território de Macau?
Afigura-se-nos que não, por uma singela razão. Como já vimos, de acordo com o artigo 98.º da Lei Básica os aposentados de Macau são os aposentados da RAEM, sendo estes apenas os funcionários que se aposentarem após 20 de Dezembro de 1999.
Logo, quando uma lei da RAEM se refere aos aposentados está-se necessariamente a referir aos aposentados da RAEM, já que são estes apenas os aposentados de Macau, para a Lei Básica, que é a lei fundamental à qual todas as outras se subordinam.
Quer dizer, uma interpretação da Lei n.º 2/2011, conforme a Lei Básica, há-de necessariamente interpretar o conceito “aposentado”, como sendo o aposentado da RAEM, já que de acordo com esta Lei Fundamental os aposentados são apenas aqueles que adquiriram este estatuto após 20 de Dezembro de 1999.
Como dissemos no Acórdão de 30 de Maio de 2001, no Processo n.º 25/2011, a interpretação da lei ordinária deve privilegiar uma interpretação que se compatibilize com a Lei Básica, embora dentro dos cânones da interpretação das leis.
Ora, nos termos da Lei Básica, só têm direito à pensão de aposentação aqueles que se aposentem depois do estabelecimento da Região.
É que, como vimos, o direito fundamental do aposentado é o direito à pensão de aposentação, sendo todos os outros direitos e benefícios do estatuto do aposentado, meros direitos de natureza complementar ou acessória.
Assim, seria estranho que, sem mais, isto é, sem uma norma expressa e inequívoca8, a lei viesse a conceder direitos de natureza complementar ou acessória a um grupo de pessoas, sem que a Lei Básica lhes concedesse o direito fundamental, de que aqueles direitos dependem.
Em resumo, a interpretação da Lei n.º 2/2011, conforme a Lei Básica, conduz a considerar que os aposentados de que aquela Lei fala são apenas os aposentados da RAEM.
Os acórdãos recorridos não merecem censura na medida em que entenderam que os recorrentes não têm direito ao subsídio de residência previsto na Lei n.º 2/2011.

IV – Decisão
Face ao expendido, negam provimento aos recursos.
Custas pelos recorrentes, com taxa de justiça, para cada um, de 2 UC.
Macau, 16 de Julho de 2014.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai


O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Vítor Manuel Carvalho Coelho

     1 Que era o pessoal que, nos termos do Decreto-Lei n.º 357/93, reunisse condições de integração nos serviços da República Portuguesa ou o pessoal que reunisse condições de transferência da responsabilidade das pensões de aposentação e de sobrevivência para a CGA.
     2 MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, Coimbra, Almedina, Tomo II, 9.ª edição, reimpressão, 1980, p. 794.
     3 JOÃO ALFAIA, Conceitos Fundamentais do Regime Jurídico do Funcionalismo Público, Coimbra, Almedina, Vol. II, 1988, p. 1055.
     4 Embora na situação de aposentação voluntária não se possa considerar haver incapacidade para o serviço. E na aposentação por limite de idade a incapacidade é apenas presumida.
     5 JOÃO ALFAIA, Conceitos..., Vol. II, p. 1084.
     6 MARCELLO CAETANO, Manual…, Tomo II, p. 795.
     7 No regime de previdência, após cancelamento da inscrição, quando tenham completado 50 anos de idade e tempo de contribuição não inferior a 25 anos, ou atingido os 65 anos de idade, e em outras situações especiais, os trabalhadores têm alguns destes direitos, como a assistência na doença (artigo 19.º da Lei n.º 8/2006) e a manutenção do direito ao arrendamento de moradia da RAEM, de que beneficiassem no activo (artigo 20.º da Lei n.º 8/2006). Mas nenhuma disposição expressa lhes atribui o subsídio de família e o subsídio de residência, nem nada semelhante ao prémio de antiguidade, já que o prémio de tempo de contribuição (artigo 9.º da Lei n.º 8/2006) apenas é atribuído no activo. Não cabe no âmbito deste acórdão apurar se, na ausência de norma expressa, os trabalhadores beneficiam destes direitos, por via de outros meios de interpretação e integração de lacunas, se é que estas existem.
     8 Não nos cabe aqui discretear sobre a compatibilidade com a Lei Básica de uma tal norma, que não existe no ordenamento jurídico.
---------------

------------------------------------------------------------

---------------

------------------------------------------------------------




2
Processo n.º 36/2014