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Proc. nº 39/2014
(Recurso Civil e Laboral)
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 22 de Maio de 2014
Descritores:
-Marcas
-Caducidade
-Utilização séria
-Justo motivo

SUMÁRIO:

I - Nos termos do art. 231º do RJPI o registo de marca caduca por falta de utilização séria durante três anos consecutivos, salvo ocorrendo justo motivo.

II - Para se evitar a caducidade, preciso é, antes de mais, que se verifique uma situação de facto reveladora de uma “utilização”, de um uso efectivo e real, e só depois se haverá de ver se ela é “séria”. Se o titular da marca não fizer dela nenhuma utilização, então não se justifica sequer o apuramento de elementos que possam densificar a seriedade.

III - Para efeito da materialização do conceito “utilização séria”, a utilização da marca há-de ocorrer na RAEM, não bastando que o seu titular a utilize em Hong Kong.

IV - Existe “justo motivo” quando o não uso não provém da vontade do titular do registo, nem lhe é imputável a título de mera culpa.
Proc. nº 39/2014

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.

I - Relatório
“The B Company, Limited”, sociedade com sede em Hong Kong, com os demais sinais dos autos, intentou no TJB (Proc. nº CV2-12-0033-CRJ) recurso judicial contra o despacho de 3 de Julho de 2012, proferido pela Ex.ma Chefe do Departamento de Propriedade Intelectual dos Serviços de Economia que declarou a caducidade da marca nº N/1XXZZ para a classe 42 de que a recorrente era titular.
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Houve resposta ao recurso (fls. 75 e sgs.) por parte da entidade administrativa referida, bem como dos contra-interessados que haviam pedido a caducidade da marca (fls. 84 e sgs.).
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Foi proferida sentença (fls. 181 e sgs.) que julgou improcedente o recurso, mantendo a decisão impugnada.
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Contra essa sentença recorre agora a impugnante “The B Company, Limited”, concluindo as suas alegações do seguinte modo:
«1.ª A Recorrente começou a sua Alegação de recurso jurisdicional impugnando a matéria de facto dada por provada e considerada relevante para uma decisão de Direito, pelo douto Tribunal recorrido, certo sendo que foram alegados factos pela Recorrente não contrariados pelas Recorridas que devem constar do elenco dos factos provados.
2.ª A Recorrente considera que deviam ter sido elencados na matéria fáctica os seguintes factos: (i) A Recorrente requereu o registo das marcas: N/1XXXX, que consiste em YY, que romaniza YY1 ou YY2 e N/1XXXY, que consiste em 香港YY, que romaniza HONG KONG YY1, ambas para assinalar serviços da classe 42.ª (ii) Os processos relativos a tais marcas não se encontram decididos, encontrando-se em fase judicial; (iii) Foram recusadas, por decisão judicial, as marcas N/1XXXZ, N/1XXYX e N/1XXZX, todas elas requeridas pela, aqui, Recorrida SOCIEDADE DE INVESTIMENTO PREDIAL C, S.A.”.
3.a Se é verdade que a Recorrente não pode deixar de se conformar com a interpretação que o douto Tribunal recorrido fez do conceito de utilização ou uso sério, o mesmo não dirá quanto ao entendimento subscrito pelo Meritíssimo Juiz a quo no que se refere a considerar-se um justo motivo para a não utilização de uma marca.
4.ª O douto Tribunal recorrido invocou Luís M. COUTO GONÇALVES para concluir que constitui justo motivo “tudo que diga respeito a causas de força maior ou casos fortuitos e todas as situações não imputáveis ao titular da marca (por exemplo, por consequência de uma disposição legal ou administrativa ou por impossibilidade de obtenção de matéria prima, etc.) ”, não tendo considerado justificada a não utilização da marca YYYYYYYY, com o facto de, ainda não lhe ter sido reconhecido o direito a usar a correspondente marca em língua chinesa.
5.ª Há um justo motivo para a não utilização da marca YYYYYYYY, para a classe 42.ª e é nessa circunstância que invoca o facto notório que, em Macau (ou em qualquer região especial da República da China), onde a maioria dos consumidores é falante da língua chinesa, uma marca de origem inglesa deve, também, ser usada na correspondente marca de língua chinesa.
6.a O Meritíssimo Juiz a quo, para decidir que não existe justo motivo, partiu do pressuposto de facto errado de que as marcas N/1XXXX e N/1XXXY, consistentes, respectivamente, em YY(que romaniza YY1 ou YY2) e em 香港YY(que romaniza HONG KONG YY1), cujos processos ainda não se encontram decididos, se destinam a assinalar serviços das classes 35.ª e 36.ª, o que não corresponde à realidade da situação, certo sendo que tais marcas se destinam a assinalar serviços da classe 42.ª.
7.ª Sem que sejam concedidas à Recorrente as mencionadas marcas n.º s N/1XXXX e N/1XXXY (ou uma delas), ambas para a classe 42.ª, não pode a mesma fazer um uso alargado da marca YYYYYYYY, para a classe 42.ª.
8.ª Sendo a Recorrente titular da marca registada em Macau que consiste em YYYYYYYY para assinalar serviços da classe 42.ª, não tem podido fazer um uso alargado dessa sua marca, porque necessita da marca correspondente em língua chinesa (indispensável dado o elevadíssimo número de consumidores falantes da língua chinesa), marcas essas que são as que tomaram os n.º s N/1XXXX (cujo processo tem a instância suspensa) e N/1XXXY (a marca objecto mediato de um processo em fase de recurso jurisdicional), ambas para assinalar serviços integrados na classe 42.ª.
9.ª A sentença recorrida violou a norma contida no art.º 231.º, n.º 1, alínea b), do Regime Jurídico da Propriedade Industrial, por a ter aplicado com uma errada interpretação sobre o conceito de “justo motivo” de não utilização da marca.
NESTES TERMOS e contando com o douto suprimento de Vossas Excelências, Venerandos Juízes, requer-se, muito respeitosamente, seja considerado procedente o presente Recurso Jurisdicional e, consequentemente, seja revogada a douta sentença de 31 de Julho de 2013, que manteve o despacho da DSE de 3 de Julho de 2012, que declarou a caducidade da marca nominativa n.º N/1XXZZ, para a classe 42.ª e, consequentemente, seja explicitada uma decisão no sentido de ser reconhecido por essa Alta Instância que a Recorrente mantém o direito de ver a sua marca registada na RAEM, porquanto a mesma não foi por si abandonada, apenas, estando a aguardar decisões judiciais relativas a duas marcas que vão permitir o uso alargado em Macau desta particular marca.
Assim procedendo, será feita uma sã JUSTIÇA!».
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A entidade recorrida respondeu ao recurso, concluindo as suas alegações dizendo simplesmente:
«Pelo exposto, não deverá ser dado provimento ao presente recurso e suster-se a douta sentença do Tribunal a quo, que manteve o despacho de caducidade da marca, cfr. na al. b) do n.º 1 do art.º 231 do Regime Jurídico da Propriedade Industrial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 97/99/M, de 13 de Dezembro».
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Responderam também os contra-interessados, terminando a respectiva peça alegatória com o pedido de ampliação do âmbito do recurso, nos seguintes termos:
« (…) Termos em que deve ser indeferido o recurso da THE B COMPANY, LIMITED:
- na parte da Impugnação da Matéria de Facto, por o despacho saneador previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 419.º do CPC não carecer de especificação dos “Factos Assentes”; e por a decisão recorrida ter claramente tomado em consideração a factualidade ora repetida pela Recorrente;
- na parte de Direito, por não se verificar qualquer “justo motivo” para a falta de utilização séria pela Recorrente da marca N/1XXZZ durante 3 anos consecutivos, tendo a alínea b) do n.º 1 do artigo 231.º do RJPI sido perfeita e correctamente aplicada na decisão recorrida, tanto mais que a NOVO ...... YYYYYYYY - SOCIEDADE GESTORA, LIMITADA é titular registadada marca N/1XXYY (MACAU YYYYYYYY / 澳門YY廣場) para serviços da classe 36; e a SOCIEDADE DE INVESTIMENTO PREDIAL C, S.A. é titular registadada marca N/1XZZZ (YY廣場酒店澳門), para serviços da classe 42, pelo que nunca poderá ser deferido à Recorrente qualquer registo de marca “YY” para serviços da classe 42, carecendo de qualquer lógica a argumentação em que persiste a Recorrente, de que estaria à espera de conseguir o registo de qualquer marca “YY” para essa classe para então começar a usar a marca N/1XXZZ (“YYYYYYYY”); e por existirem muitos casos, inclusivamente em Hong Kong, em que são usados, como equivalente de “YYYYYYYY” outros caracteres chineses que não “YY”, bem como casos, em Hong Kong e na China Continental, em que o uso do termo “YY” não é feito corresponder pelo termo “YYYYYYYY”, ou em que são usados, como equivalente de “YYYYYYYY”, outros caracteres chineses que não sejam “YY”.
Subsidiariamente, e para o caso de vir a proceder a impugnação da decisão de facto suscitada pela Recorrente, requerem as Recorridas a ampliação do âmbito do presente recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 590.º do CPC, pedindo que seja também incluída nos “Factos Assentes” a matéria alegada pelas Recorridas na sua Resposta de 14 de Novembro de 2012, especialmente os factos alegados nos artigos 38.º a 45.º dessa peça; bem como requerem, nos termos do n.º 1 do artigo 590.º do CPC, que, a título subsidiário, o tribunal de recurso conheça de todos os fundamentos de defesa aduzidos pelas Recorridas no mesmo articulado.».
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Cumpre decidir.
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II - Os Factos
A - A sentença recorrida julgou assente a seguinte factualidade:
- No dia 18 de Setembro de 2003, a recorrente pediu o registo da marca N/1XXZZ junto da Direcção dos Serviços de Economia para a classe 42ª.
- A referida marca consiste em “YYYYYYYY”.
- Por decisão de 4 de Agosto de 2004 do Sr. Chefe do Departamento da Propriedade Industrial, substituta, da Direcção dos Serviços de Economia da RAEM, foi indeferido o pedido de registo da marca.
- Por sentença proferida em 20 de Abril de 2007 pelo Tribunal Judicial de Base, foi revogada a decisão de indeferido do registo e determinado o registo da marca N/1XXZZ.
- A referida sentença foi mantida pelo acórdão do Tribunal de Segunda Instância proferido em 8 de Maio de 2008 e encontra-se transitada em julgado no dia 26 de Maio de 2008.
- Por requerimento de 21 de Março de 2012, as requeridas Sociedade de F de Macau, S.A.”, a “Sociedade de Investimento Predial C, S.A.”, em chinês “C置業股份有限公司”, “NOVO ...... YYYYYYYY Sociedade Gestora Limitada e a “Empresa Administradora de Imóveis Macau YYYYYYYY Limitada”, em chinês “澳門YY物業管理有限公司” apresentaram, respectivamente, pedido de declaração da caducidade da marca N/1XXZZ (classe 42ª) com fundamento de falta de utilização séria à marca.
- A recorrente foi notificada, através dos ofícios nºs 60292/DPI e 60925/DPI datados de 26 de Março de 2012, do pedido de declaração de caducidade.
- O pedido de declaração de caducidade foi publicado no BORAEM n.º 16 de 18/04/2012.
- “The B Company Limited”, apresentou dentro do prazo legal (28 de Maio de 2012) a resposta aos pedidos de declaração de caducidade das empresas referenciadas.
- Por decisão de 3 de Julho de 2012 proferida pela Srª Chefe do Departamento de Propriedade Industrial, foi deferido o pedido de declaração de caducidade de registo da marca N/1XXZZ.
- Tal decisão foi publicada no Boletim Oficial nº 31, 2a Série, de 1 de Agosto de 2012.».
B - Resulta ainda da posição das partes e dos elementos dos autos que:
- A recorrente tem feito anúncio publicitário no “Zzz Zzzzzzz” de Macau do “YYYYYYYY ...... Hotel”, que pertence à sociedade “D Investments Limited”.
- A recorrente requereu o registo das marcas:
. N/1XXXX, que consiste em YY, que romaniza YY1 ou YY2;
. N/1XXXY, que consiste em 香港YY, que romaniza HONG KONG YY1, ambas para assinalar serviços da classe 42.ª
- Os processos relativos a tais marcas não se encontram definitivamente decididos, encontrando-se em fase judicial;
- Foram recusadas, por decisão judicial, as marcas N/1XXXZ (Hotel YYYYYYYY), N/1XXYX (The YYYYYYYY Macau) e N/1XXZX (YYYYYYYY Hotel), todas elas requeridas pela aqui Recorrida “SOCIEDADE DE INVESTIMENTO PREDIAL C, S.A.”.
- A sociedade “NOVO ...... YYYYYYYY - Sociedade Gestora Limitada” é titular registada da marca N/1XXYY para serviços da classe 36, nomeadamente de “Administração de bens imobiliários” que consiste em: (doc. fls. 170 e vº)
- A “Sociedade de Investimento Predial C, SA” é titular registada da marca N/1XZZZ para serviços da classe 42, nomeadamente para serviço de “hotéis, restaurante com sala de dança, serviço de bares, etc”, que consiste em:
(doc. fls. 171 e vº)
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III - O Direito
1 – Da factualidade
A recorrente começou as alegações do seu recurso por considerar ter a 1ª instância feito insuficiente elencagem da matéria de facto. As recorridas particulares, por seu turno, nas suas alegações, pediram a ampliação do objecto do recurso, nos termos do art. 590º, nºs 1 e 2, do CPC, solicitando para tanto o alargamento da matéria de facto nos termos descritos na parte final das conclusões acima transcritas.
Porém, como atrás se viu, teve este TSI oportunidade de proceder, ao abrigo do disposto no art. 629º, nº1, al. a), 1ª parte e nº2, do CPC, à ampliação da matéria de facto no capítulo II-B, vazando nela os elementos essenciais ao desfecho da causa que oficiosamente pudemos colher dos autos e da posição confessória das partes.
Razão pela qual, consideramos não ter que se fazer nova abordagem sobre o tema no âmbito do presente recurso.
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2 – Do mérito do recurso
A marca “YYYYYYYY” foi concedida à ora recorrente na sequência de acórdão do TSI de 8/05/2008, que confirmou a sentença do TJB de 20/04/2007, a qual, por seu turno, havia revogado a decisão da DSE e determinado o registo dessa marca.
Em 21/03/2012 as recorridas particulares pediram a declaração da caducidade da marca N/1XXZZ com fundamento na falta da sua utilização séria. E tal foi conseguido através do despacho recorrido de 3/07/2012.
A titular da marca, porém, apresentou recurso judicial contra a respectiva decisão administrativa, mas o TJB também considerou que a recorrente não utilizara a marca no período legal, sem que tivesse apresentado motivo justo para o não uso. E com esse fundamento julgou improcedente o recurso ao abrigo do art. 231º, nº1, al. b), do RJPI.
A recorrente, diferentemente, acha que tem feito um uso efectivo e real da marca, e que em Macau só não possui nenhum hotel com a marca “YYYYYYYY” por necessitar de a usar também em língua chinesa, para o que diz ter pendentes vários pedidos com vista à constituição das marcas “YYYYYYYY” e “YY” (que romaniza YY1). Por isso, reafirma que, sem que sejam concedidas estas marcas, não pode ela, face a esse justo motivo, fazer um uso alargado da marca “YYYYYYYY”.
Vejamos.
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O art. 231º do RJPI dispõe que o registo de marca caduca pela falta de utilização séria durante três anos consecutivos, salvo justo motivo (al. b)).
E o art. 232º do diploma exemplifica alguns casos que podem ser subsumidos ao conceito de “utilização séria”.
Preceitua no nº1:
«1. É considerada utilização séria da marca:
a) A utilização da marca tal como está registada ou que dela não difira senão em elementos que não alterem o seu carácter distintivo, nos termos do presente diploma, feita pelo titular do registo ou por seu licenciado devidamente inscrito;
b) A utilização da marca, tal como definida na alínea anterior, para produtos ou serviços destinados apenas a exportação;
c) A utilização da marca por um terceiro, desde que sob o controlo do titular e para efeitos da manutenção do registo».
Ora bem. O conceito “utilização séria” é composto de dois vocábulos: “utilização” e “séria”. Isto significa que o qualificativo “séria” só faz sentido quando apendiculado ao substantivo que pretende qualificar. A discussão em torno do conceito carece, portanto, e em primeiro lugar de uma situação de facto que revele uma utilização da marca (elemento a montante do conceito) e só depois se indagará se ela é séria (elemento a jusante). E a utilização deve ser feita “através de actos concretos, reiterados e públicos, manifestados no âmbito do mercado de produtos ou serviços e da finalidade distintiva e um uso meramente simbólico, esporádico ou em quantidades irrelevantes não parece preencher o referido requisito de uso efectivo, muito menos uma abstenção de uso”1.
Evidentemente, se o titular de uma marca não fizer dela qualquer utilização, então o problema acaba por ser muito mais grave e nem sequer precisa de apuramento sobre os elementos que possam densificar a seriedade.
É o que sucede aqui.
Na verdade, a recorrente não fez qualquer uso da marca em Macau. Quando ela diz que teve “justo motivo” para o não uso, não está senão a reconhecer a sua não utilização. E quando nos informa que estão por resolver alguns processos relativos aos sinais marcários que consistem em “YYYYYYYY” e “YY” está, por sua vez, a tentar justificar a razão para a não utilização da marca na RAEM.
Ora, isso, quanto a nós, não é motivo suficiente e justo para a recorrente não ter utilizado a marca “YYYYYYYY”. Se ela já tinha a marca registada em seu favor, a sua esfera jurídica estava satisfeita, bastando desenvolver as acções concretas para a pôr em prática na classe atribuída. Nunca se viu que uma marca (para a classe 42), para ser materializada em actos de uso concreto carecesse da concessão de outras (para as classes 35ª, 36ª e 42ª), por mais parecidas que sejam com aquela na sua designação gráfica.
Também não é sinal de utilização a acção promocional e publicitária que a recorrente diz ter feito no “Zzz Zzzzzzz” de Macau a favor do Hotel “The YYYYYYYY ......” sito em Hong Kong. Na verdade, acções publicitárias desse tipo não servem para caracterizar a utilização da marca em Macau. É em Macau que o uso da marca deve ser feito! Aliás, nem o serviço de hotel cabe na classe 42, nem a marca em Hong Kong é a mesma, e, inclusive, ao que parece, nem sequer pertence à recorrente, mas a outra pessoa colectiva.
Portanto, como pode aceitar-se que tenha feito em Macau o uso da marca de Macau?! Não, não fez.
E por outro lado, o que impediria a recorrente de usar a marca em Macau? Sinceramente, não vemos como houvesse algum obstáculo representativo de algum “justo motivo” que a recorrente pudesse invocar. Realmente, nunca o deferimento de outras marcas com igual ou idêntica designação (incluindo em chinês) poderiam constituir desimpedimento à dificuldade muito menos à impossibilidade do uso da marca que aqui estudamos. Não pode haver relação entre elas! Repetimos: o uso de uma nunca poderia depender da concessão de outras!
O que inspira a recorrente nesta alegação impeditiva do uso da marca (que pretende seja considerada “justo motivo”) deve-se a razões de mera estratégia comercial, fundada num aparecimento conjunto ou simultâneo de uma marca igual (mesmo que nuns casos, com a sua romanização) para produtos e serviços de natureza diversa. Ora, isso, como diz e bem a entidade recorrida, é uma questão de ordem subjectiva que nada tem a ver com a objectividade que é própria do uso marcário.
O uso da marca é obrigatório. E no preenchimento do conceito uso sério deve estar presente a ideia de uso efectivo e real através de actos concretos, reiterados e públicos manifestados no mercado2, de modo estável ou não esporádico e em quantidades significativas ou não irrisórias que não revelem uma utilização meramente simbólica3
Por outro lado, só constitui motivo justo para o não uso aquele motivo que não tenha permitido a uma pessoa normal, diligente e devidamente informada e cuidadosa cumprir as obrigações que impendem sobre ela4. Existe justo motivo quando o não uso não provém da vontade do titular do registo, nem lhe é imputável a título de mera culpa. Dito de outra forma, o justo motivo para o não uso da marca depende da ocorrência de circunstâncias independentes da vontade do titular, como são os casos de força maior (guerras, catástrofes naturais, etc.), ou de medidas de autoridades públicas proibindo a produção ou a comercialização dos respectivos produtos5.
O uso meramente publicitário, a não ser em casos que precedam a comercialização efectiva, não se integra no conceito6
Nada disso aqui se verifica, pois até o efeito publicitário não servia propósito de anunciar a marca de Macau, mas uma marca semelhante de Hong Kong.
Consequentemente, não podemos senão concordar com a sentença.
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IV – Decidindo
Nos termos exposto, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
TSI, 22 de Maio de 2014
Relator José Cândido de Pinho

Primeiro Juiz-Adjunto Tong Hio Fong

Segundo Juiz-Adjunto Lai Kin Hong
1 Acs. TSI, de 28/10/2004, Proc. nº 204/2004 e de 10/06/2004, Proc. nº 17/2004.
2 Luis M. Couto Gonçalves, Direito de Marcas, Almedina, 2000, pág. 176, 177.; Américo da Silva Carvalho, Direito de Marcas, Coimbra Editora, 2004, pág. 530.
3 Jorge Manuel Coutinho de Abreu, Curso de Direito Comercial, Vol. I, 4ª ed., pág. 393.
4 Américo da Silva Carvalho, ob. cit., pág. 533.
5 Jorge Manuel Coutinho de Abreu, ob. cit., pág. 394.
6 Couto Gonçalves, Manual de Direito Industrial: Patentes, Marcas e Concorrência Desleal, pág. 321 e 322.
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