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Processo n.º 271/2014 Data do acórdão: 2014-6-26 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– atenuação especial da pena
– art.º 66.º, n.º 1, parte final, do Código Penal
– princípio da proibição da dupla valoração na medida da pena
– tráfico de estupefaciente de menor gravidade
– cúmplice
– idade adulta à data dos factos

S U M Á R I O

1. Como da fundamentação concretamente tecida pelo tribunal recorrido para a decidida atenuação especial da pena da arguida ora recorrente já resulta como nítido que ficou inclusivamente ponderada a idade dela à data dos factos, não pode ela vir, ao arrepio do princípio da proibição de dupla valoração na medida da pena, defender na sua motivação de recurso que a sua idade então ainda não adulta deve relevar em seu favor na determinação da sua pena de prisão dentro da moldura penal especialmente atenuada.
2. Sendo o arguido ora também recorrente já uma pessoa adulta aquando da prática, como cúmplice, do crime de tráfico de estupefaciente de menor gravidade, as suas faladas circunstâncias do já sincero arrependimento dos factos, da manutenção da boa conduta desde então até agora e da influência especial pelas consequências dos factos do crime, mesmo que fossem verdadeiras, não teriam, por si só ou em conjunto, força suficiente para diminuir por forma acentuada a necessidade da pena do crime, dadas as prementes necessidades da prevenção geral deste tipo de delito (cfr. o critério material vertido na parte final do n.o 1 do art.o 66.o do Código Penal, para a decisão da atenuação especial, ou não, da pena).
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 271/2014
(Autos de recurso penal)
Recorrentes:
2.a arguida A (XXX)
4.º arguido B (XXX)



ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por acórdão proferido a fls. 401 a 408v dos autos de Processo Comum Colectivo n.° CR1-13-0198-PCC do 1.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, a 2.a e o 4.º arguidos desse processo, chamados A e B, foram condenados, respectivamente, como co-autora material de um crime consumado de tráfico de estupefaciente, p. e p. pelo art.º 8.º, n.º 1, da Lei n.º 17/2009, de 10 de Agosto, na pena, especialmente atenuada, de um ano e seis meses de prisão, suspensa na sua execução por dois anos, sob condição de prestação de dez mil patacas de contribuição a favor da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM) no prazo de dois meses, e como cúmplice de um crime consumado de tráfico de estupefaciente de menor gravidade, p. e p. pelo art.º 11.º, n.º 1, alínea 1), da mesma Lei, na pena de nove meses de prisão, suspensa na sua execução por um ano, sob condição de prestação de oito mil patacas de contribuição a favor da RAEM no prazo de dois meses.
Inconformados, vieram recorrer ambos os arguidos referidos para este Tribunal de Segunda Instância (TSI).
Apontou a 2.a arguida A (na sua motivação de fls. 422 a 425 dos presentes autos correspondentes) ao Tribunal recorrido o excesso na medida da sua pena, defendendo ela, na essência, que esse Tribunal, em sede da medida concreta da pena de prisão, dentro da respectiva moldura especialmente atenuada nos termos do art.o 66.o, n.os 1 e 2, alínea d), do CP, deveria ter ponderado também na circunstância, a ela favorável, de que à data dos factos ainda não era pessoa adulta, pelo que deveria merecer ela uma pena de prisão fixada tão-só em um ano, e suspensa na sua execução por um ano e seis meses, sob condição de prestação de oito mil patacas de contribuição a favor da RAEM dentro de dois meses.
Ao passo que o 4.º arguido B, irmão da referida arguida, já pediu primeiro, com base na alegada concorrência das circunstâncias referidas nas alíneas c), d) e e) do n.o 2 do art.o 66.o do CP, a atenuação especial da pena do seu crime praticado a título de cúmplice, e depois, e, pelo menos, a redução da sua pena para perto do mínimo legal, e finalmente a também almejada substituição por multa (à luz do art.o 44.o, n.o 1, ex vi do art.o 67.o, n.o 2, ambos do CP), da nova pena de prisão, a ser fixada concretamente em um a três meses (cfr. a motivação do recurso a fls. 427 a 430 dos autos).
Aos recursos respondeu o Ministério Público no sentido igual de improcedência da argumentação dos dois recorrentes (cfr. as respostas de fls. 436 a 439v e de fls. 440 a 444v).
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer (a fls. 469 a 470v), pugnando também pela improcedência dos recursos.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se que:
1. Os dois arguidos ora recorrentes chegaram a confessar integralmente e sem reservas os factos imputados (cfr. o teor da acta da audiência de julgamento realizada perante o Tribunal recorrido, lavrada a fls. 398 a 400).
2. Como não vem impugnada pelos dois recorrentes a factualidade já descrita como provada no texto do acórdão ora recorrido, é de tomar essa factualidade provada também como fundamentação fáctica do presente acórdão de recurso, por aval do art.o 631.o, n.o 6, do Código de Processo Civil, ex vi do art.o 4.o do Código de Processo Penal.
3. Segundo essa mesma factualidade: a 2.a arguida ora recorrente e o 1.o arguido XXX do mesmo subjacente processo penal, com base na vontade conjunta, cooperação e por divisão de tarefa, adquiriram Ketamina para ser vendida a outrem, actividade essa praticada por ambos desde Fevereiro de 2010, tendo sido apreendidos, em Maio de 2010, no corpo desse arguido um total de 0,77 grama líquido de Ketamina, e um total de 5,155 gramas líquidos de Ketamina na residência da 2.a arguida recorrente, enquanto o 4.o arguido recorrente B prestou auxílio na aquisição da parte da referida droga; a 2.a arguida e o 4.o arguido ganham respectivamente dezoito mil e catorze mil patacas por mês, não têm ninguém a cargo, e têm por habilitações académicas o curso secundário completo.
4. Segundo a identificação descrita no intróito do acórdão recorrido (a fl. 401), a 2.a arguida nasceu em Outubro de 1992 e o 4.o arguido nasceu em Setembro de 1991.
5. Em sede da medida da pena, o Tribunal recorrido teceu inclusivamente as seguintes considerações (originalmente escritas em chinês e aqui traduzidas literalmente para português pelo ora relator) na página 12 do texto do seu acórdão (a fl. 406v): <>.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
A 2.a arguida começou por assacar ao Tribunal recorrido o excesso na medida da sua pena de prisão, alegando sobretudo que deveria ter sido ponderada também, em favor dela, a sua idade de 17 anos à data dos factos do crime, aquando da graduação da pena de prisão do crime de tráfico de estupefaciente dentro da moldura especialmente atenuada nos termos do art.o 66.o, n.o 2, alínea d), do CP.
Entretanto, opina o presente Tribunal ad quem que como da fundamentação concretamente tecida pelo Tribunal recorrido para a decidida atenuação especial da pena dessa 2.a arguida (e já acima referenciada na parte II deste acórdão de recurso) já resulta como nítido que ficou inclusivamente ponderada a idade da mesma arguida à data dos factos, não pode esta ora recorrente vir, ao arrepio do consabido princípio da proibição de dupla valoração na medida da pena, defender que a sua idade então ainda não adulta deve relevar em seu favor na determinação da sua pena de prisão dentro da moldura penal especialmente atenuada.
De facto, embora o Tribunal recorrido não tenha citado expressamente a alínea f) do n.o 2 do art.o 66.o do CP, isto não invalida que a sua decisão de atenuação especial da pena da 2.a arguida tenha sido concretamente tomada com ponderação expressa da idade concreta desta arguida ao tempo dos factos do crime.
De resto, quanto à punição concreta achada no acórdão para esta arguida, realiza este Tribunal ad quem que aos padrões da medida da pena vertidos nos art.os 40.º, n.os 1 e 2, e 65.º, n.os 1 e 2, do CP, a pena de um ano e seis meses de prisão fixada no aresto recorrido dentro da correspondente moldura penal especialmente atenuada do crime de tráfico de estupefaciente em questão, em face de todas as circunstâncias fácticas descritas como provadas no aresto recorrido que não foram ponderadas aquando da decisão de concessão da atenuação especial da pena, já não pode admitir mais margem para redução, tendo também em ponderação sobretudo as mui prementes necessidades da prevenção geral do delito de tráfico de estupefaciente. Da mesma maneira, também não se pode reduzir mais o período da suspensão da execução da pena de prisão. Por fim, não se vislumbrando qualquer injustiça notória, é de confiar totalmente no juízo de valor do Tribunal recorrido na fixação do montante da contribuição pecuniária como condição da pena suspensa.
E agora do recurso do 4.o arguido B:
Não pode proceder desde já a sua pretensão de atenuação especial da pena do seu crime praticado a título de cúmplice, isto porque sendo ele já uma pessoa adulta aquando da prática do crime, as suas faladas circunstâncias do já sincero arrependimento dos factos, da manutenção da boa conduta desde então até agora e da influência especial pelas consequências dos factos do crime, mesmo que fossem verdadeiras, não teriam, por si só ou em conjunto, força suficiente para diminuir por forma acentuada a necessidade da pena do seu crime de tráfico de estupefaciente de menor gravidade cometido a título de cúmplice, dadas as prementes necessidades da prevenção geral deste tipo de delito (cfr. o critério material vertido na parte final do n.o 1 do art.o 66.o do CP, para a decisão da atenuação especial, ou não, da pena).
No atinente à redução da pena de prisão do 4.o arguido recorrente em termos gerais, entende-se que a pena de nove meses de prisão, achada no aresto recorrido para esse arguido dentro da correspondente moldura legal, ante todas as circunstâncias fácticas já descritas como provadas no texto decisório recorrido, também não pode admitir mais redução aos padrões da medida da pena dos art.os 40.o, n.os 1 e 2, e 65.o, n.os 1 e 2, do CP, tendo mormente em conta as prementes exigências da prevenção geral do delito praticado por esse arguido como cúmplice, com o que já fica precludida a possibilidade legal da substituição da pena de prisão por multa nos termos do art.o 44.o, n.o 1, do CP.
Naufragam, pois, os dois recursos, sem mais indagação por ociosa.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar improcedentes os recursos da arguida A e do arguido B.
Pagarão os dois arguidos recorrentes as custas dos seus recursos, com seis UC de taxa de justiça individuais.
Fixam em duas mil patacas os honorários da Ex.ma Defensora Oficiosa da arguida recorrente, a entrarem na regra das custas.
Macau, 26 de Junho de 2014.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)



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