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Processo nº 142/2013
(Revisão de Sentença do Exterior)

Data: 3/Julho/2014

   
   Assuntos:
   
- Revisão de Sentença do Exterior

    
    SUMÁRIO :
    
    É de confirmar uma decisão dos Tribunais de Hong Kong, na exacta medida dos termos em que foi proferida a sentença condenatória do requerido, tendo este sido condenado a pagar uma certa quantia a um casino de Macau, não obstante alegadamente ter sido declarado ali insolvente, se essa questão não foi suscitada na decisão revidenda, decisão essa anterior à declaração de insolvência.
    
O Relator,



(João Gil de Oliveira)

Processo n.º 142/2013
(Revisão de Sentença do Exterior)
Data : 3/Julho/2014

Requerente : A, S.A.

Requerido : B

    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
    A S.A., sociedade com sede em Macau, na Rua XXX, NAPE, Hotel XXX, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Macau sob o n.º XXXX (SO), vem requerer,
    contra
    B, XXX, também conhecido por XXX, portador do Bilhete de Residente de Hong Kong n.º XXXXXXX(X), residente em Hong Kong RAE, Flat XXX, XX/F, Block XX, Hong Kong XXX, XX XX Reservoir Road, Repulse Bay, Hong Kong,
    
    ACÇÃO DE REVISÃO E CONFIRMAÇÃO DE SENTENÇA DO EXTERIOR
    o que faz nos termos e com os seguintes fundamentos:

    Por sentença proferida pelo COURT OF FIRST INSTANCE OF THE HIGH COURT da Região Administrativa Especial de Hong Kong, em 12 de Fevereiro de 2010, na Acção n.º 192 de 2009, foi condenado o Requerido ao pagamento de uma quantia certa à Requerente (cfr. doc. 2 e 3 que se juntam aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais).

    A sentença foi proferida em 12 de Fevereiro de 2010 e já transitou em julgado segundo a Lei de Hong Kong pois, não foi objecto de qualquer recurso.

    A Requerente é uma sociedade constituída em Macau (cfr. doc. 1).

    O requerido tem residência em Hong Kong (cfr. Doc. 4).

    Nos termos dessa Douta sentença o Requerido foi condenado a pagar à Requerente
    i) a quantia de HKD$28.941.637,00 (equivalente a MOP$29.809.886,11);
    ii) acrescida de juros vencidos, calculados à taxa anual de 18% desde 3 de Agosto de 2008 até 12 de Fevereiro de 2010, que se liquidam em HKD$7.964.104,17 (equivalentes a MOP$8.203.027,29);
    iii) a que acrescem juros vencidos e a vencer desde 13 de Fevereiro de 2010 até liquidação da dívida, à taxa de 8% ao ano (cfr. doc. 5).


    Como resulta da Sentença a reconhecer, o montante procedente na Sentença resulta do incumprimento pelo Requerido do contrato de crédito celebrado entre Requerente e Requerido em Outubro de 2006.

    Tendo sido provado e procedente esse incumprimento em processo semelhante ao processo declarativo ordinário que existe na ordem jurídica de Macau.
    Em qualquer caso,

    O Requerido foi devidamente citado, contestou a acção e foi proferida sentença, tendo, a mesma, transitado em julgado sendo registada em 24 de Fevereiro de 2010.

    A referida sentença não ofendeu disposições da ordem pública e decretou uma condenação em pagamento de quantia certa definitiva em tudo equivalente e produzindo os mesmos efeitos da lei de Macau.
10º
    A mencionada sentença consta de documento cuja autenticidade e inteligência não deve haver dúvidas, provém de tribunal competente e não pode ser objecto de excepções.
11º
    Está, assim em condições de ser revista e confirmada por esse Venerando Tribunal, atento o disposto no Art. 1199.º e seguintes do Código de Processo Civil.
12º
    Deve, pois, ser revista e confirmada por esse Venerando Tribunal a referida decisão para produzir os seus efeitos em Macau.
    Nestes termos, pede que seja revista e confirmada a decisão proferida pelo COURT OF FIRST INSTANCE OF THE HIGH COURT a fim de produzir efeitos em Macau.


Citado o requerido, veio ele, desacompanhado de advogado, o que é inadmissível, oferecer contestação, peça processual essa que por essa razão foi mandada desentranhar dos autos.
Não se deixa de anotar, contudo, que mais do que uma contestação do pedido em si, a peça por si escrita é uma explicação para a sua situação de insolvente, não deixando de aludir a uma situação de eventual duplicação de procedimento judicial, na medida em que alega que por essa razão não deixou já de ser demandado e declarado insolvente.
Foram colhidos os vistos legais.


II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
O Tribunal é o competente internacionalmente, em razão da matéria e da hierarquia.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária, dispondo de legitimidade ad causam.
Inexistem quaisquer outras excepções ou questões prévias de que cumpra conhecer.

III - FACTOS
Nos autos vem certificado o seguinte:


Na Região Administrativa Especial de Hong Kong, pelo Juízo de Primeira Instância do Tribunal Superior de Justiça, correu seus termos o Processo n.º 192 de 2009, aí sendo proferida sentença já transitada nos seguintes termos:

    “HCA192/2009
    
    Região Administrativa Especial de Hong Kong
    Juízo de Primeira Instância do Tribunal Superior de Justiça
    Processo n.º 192 de 2009
    __________________________
     A, S.A. Autora
    
     B (XXX) Réu
    ________________________________________
    Sentença
    ________________________________________
    Data: 12 de Fevereiro de 2010
    Remetido para o registo em 24 de Fevereiro de 2010
    
    XXX
    Mandatário Judicial da Autora
    XX/F, Prince’s Building, 10 Chater Road, Central, Hong Kong
    Tel.: XXX
    Fax: XXX
    Ref. n.º: VWCL/NDH/4108XXX
    (1578XXXX_1)
    
    ***
    
    HCA192/2009
    
    Região Administrativa Especial de Hong Kong
    Juízo de Primeira Instância do Tribunal Superior de Justiça
    Processo n.º 192 de 2009
    __________________________
     A, S.A. Autora
    contra
     B (XXX) Réu
    __________________________
    Juíza do processo: Dr.ª XXX (XXX), audiência em sala interna
    Data da audiência: 8 de Setembro de 2009
    Data da sentença: 12 de Fevereiro de 2010
    
    ___________________________
    Sentença
    ___________________________
    1. Trata-se do pedido da sentença sumária formulado pela Autora.
    Factos
    2. Sem impugnação contra os respectivos factos. Em suma, a Autora é a proprietária e exploradora dum Casino e Resort estabelecidos na Região Administrativa Especial de Macau. O Réu é o cliente do Casino.
    3. Em Outubro de 2006, o Réu e a Autora celebraram um acordo de crédito (“o referido acordo de crédito”) sem data, no qual a Autora consentiu realizar empréstimo, conforme as cláusulas e condições estipuladas no referido acordo, em forma de crédito concedido, ao Réu.
    4. Nesta causa, as cláusulas e condições do referido acordo de crédito são:
(1) Segundo a linha de crédito (se já for concedida), antes de efectuar o levantamento do dinheiro, a Autora necessita de assinar a instrução de crédito de que consta o montante a levantar.
(2) A partir da data da assinatura da instrução de crédito, o Réu tem de pagar os juros calculados com a taxa anual de 18%, bem como os custos resultantes da reclamação das dívidas, incluindo os honorários para os advogados e as custas judiciais.
(3) A linha de crédito, a quantia do empréstimo ou as cláusulas da instrução de crédito são reguladas exclusivamente por leis da R.A.E.M.
    5. Em 3 de Agosto de 2008 ou por volta daquele dia, ao Réu foi concedido o crédito no valor de HKD30.000.000,00 pela Autora para jogar no casino da mesma. Ao adquirir o aludido crédito, o Réu assinou uma instrução de crédito que era vulgarmente designada por declaração de dívida.
    6. O Réu pagou parte das dívidas à Autora, cujo valor total era de HKD1.058.363,00. Em Agosto de 2008, o Réu emitiu à Autora um cheque no valor de HKD28.941.637,00, mas este foi rejeitado na sua apresentação a pagamento.
    Reivindicação
    7. A Autora reivindicou perante o Réu sobre as dívidas no valor de HKD28.941.637,00, acrescidas de juros, à taxa anual de 18%, contados a partir de 3 de Agosto de 2008 até à data da sentença, bem como os juros calculados, posteriormente, com a taxa fixada pela sentença. Fundamentou a Autora que a quantia em apreço, como empréstimo fornecido ao Réu em conformidade com o acordo de crédito, era uma obrigação que tinha sido provada por meio da assinatura da declaração de dívida pelo Réu. No presente pedido de sentença sumária, a Autora não voltou a usar a declaração de dívida como nota promissória para continuar a apresentar uma outra reivindicação que tinha sido apresentada antes.
    Defesa
    8. O Réu fundamentou principalmente na sua defesa que o acordo de crédito em causa era nulo e não era coactivamente executável, visto que o n.º 2 do art.º 8º da Lei n.º 5/2004 da R.A.E.M. (“Lei n.º 5/2004”) prevê que a Autora necessita de apresentar o exemplo ou a minuta do acordo de crédito ao Governo da R.A.E.M. para efeitos de aprovação. Dado que assim não fez a Autora, nos termos do art.º 287º do Código Civil de Macau, o referido acordo de crédito é nulo.
    9. A Autora respondeu que o n.º 2 do art.º 8º da Lei n.º 5/2004 só regulava os contratos de promotor e os de representação (definidos posteriormente), e não era aplicável ao referido acordo de crédito, ou seja, acordo estabelecido entre casino e jogadores.
    Contenção
    10. Assim sendo, a contenção fundamental do presente pedido consiste na interpretação do n.º 2 do art.º 8º da Lei n.º 5/2004. Nesta conformidade, ambas as partes contrataram juristas para prestarem provas periciais em relação à legislação de Macau, nomeadamente à interpretação do n.º 2 do art.º 8º da Lei n.º 5/2004. O Réu observa o parecer jurídico fornecido pelo Advogado de Macau, Dr. XXX e, por outro lado, a Autora observa os pareceres fornecidos pelos dois Advogados de Macau, Dr. XXX e Dr. XXX.
    A Lei n.º 5/2004
    11. A Lei n.º 5/2004 foi aprovada em 31 de Maio de 2004 e entrou em vigor em 1 de Julho de 2004. Antes do estabelecimento da aludida Lei, não se permitia em Macau a concessão de crédito para jogo, sendo esta criminalizada na altura. A Lei n.º 5/2004 tem a função de descriminalizar a concessão de crédito para jogo em casino.
    12. A Lei em apreço tem 18 artigos. Face ao presente pedido, é suficiente atender a 1º a 8º artigos. A tradução das respectivas disposições para a versão inglesa está discriminada no anexo desta sentença.
    13. O artigo 1º relata sobre o objecto daquela Lei, ou seja, regula a concessão de crédito para jogo ou para aposta em casino em Macau. O artigo 2º define a concessão de crédito para jogo.
    14. O artigo 3º define os concedentes de crédito, ou seja, as entidades que são permitidas pela lei a conceder crédito para jogo. Nos termos do art.º 3º, n.º 1, estão autorizadas a conceder crédito para jogo as concessionárias e subconcessionárias. A Autora é uma das três concessionárias em Macau. Nos termos do art.º 3º, n.º 2, estão, ainda, autorizados a conceder crédito para jogo os promotores de jogo, mediante contrato a celebrar com a concessionária ou subconcessionária. O n.º 6 do artigo 3º aponta claramente que apenas podem existir as seguintes relações de concessão de crédito: (i) Entre uma concessionária ou subconcessionária e um jogador ou apostador; (ii) Entre um promotor de jogo e um jogador ou apostador; e (iii) Entre uma concessionária ou subconcessionária e um promotor de jogo. Entre a Autora e o Réu existe o primeiro tipo de relação de concessão de crédito.
    15. Nos termos do artigo 5º, n.º 3, podem os promotores de jogo ou as sociedades gestores de concessionárias, em nome ou por conta dos concedentes de crédito, mediante procuração ou contrato de representação, praticar actos jurídicos ou celebrar contratos. Além disso, o art.º 5º proíbe a transmissão da qualidade dum concedente de crédito a terceiro.
    16. O artigo 4º dispõe que o crédito concedido produz efeito de obrigações civis. Os artigos 6º e 7º referem que os concedentes de crédito têm o dever de cooperação com o Governo de Macau e devem observar as respectivas normas legais e regulamentares.
    17. O artigo 8º está epigrafado “Contratos”. O n.º 1 do art.º 8º aborda expressamente as duas espécies de contratos: (i) Os contratos referidos no n.º 2 do artigo 3º, ou seja, contratos celebrados entre promotores de jogo e concessionária ou subconcessionária (“Contratos de promotor”); e (ii) Os contratos referidos no n.º 3 do artigo 5º, ou seja, procuração ou contratos de representação (“Contratos de representação”) celebrados entre promotores de jogo ou sociedades gestores de concessionárias e concessionária ou subconcessionária. O n.º 1 do artigo 8º prevê que essas duas espécies de contratos estão sujeitos a forma escrita e são celebrados em 3 exemplares originais, sendo as assinaturas objecto de reconhecimento notarial presencial.
    18. A presente causa está directamente relacionada com o n.º 2 do artigo 8º em que se trata da disposição da aprovação do Governo, cuja redacção é a seguinte:
“As minutas dos contratos, dos seus documentos complementares e de quaisquer alterações a esses instrumentos estão sujeitas a aprovação do Governo, o qual pode determinar a alteração de qualquer cláusula das referidas minutas por razões de legalidade ou de interesse público.”
    19. Dispõem-se os n.ºs 3 e 4 do artigo 8º que um exemplar original dos contratos e os seus documentos complementares são enviados pela concessionária e subconcessionária à Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos (“DICJ”) após a sua celebração, a par disso, deve ainda ser enviada à DICJ qualquer alteração aos referidos instrumentos. Os n.ºs 5 e 6 do artigo 8º dizem respeito às declarações e cláusulas da legislação aplicável e do foro que devem ser contidas nos contratos. O n.º 7 do artigo 8º (o último número do artigo 8º) dispõe que são nulas as cláusulas dos contratos, dos seus documentos complementares, bem como das respectivas alterações que sejam desconformes com as respectivas minutas aprovadas pelo Governo.
    Provas periciais do Réu
    20. O parecer jurídico emitido pelo perito do Réu, Dr. XXX, defende fundamentalmente que o n.º 2 e os restantes números (com a excepção do n.º 1) do artigo 8º são aplicáveis aos contratos celebrados pelas partes referidas no n.º 6 do artigo 3º, incluindo contratos celebrados entre concessionária e jogador, tal como o referido acordo de crédito. O Dr. XXX expôs as seguintes razões: 1ª. Embora o n.º 1 do artigo 8º refira expressamente sobre os contratos de promotor e os de representação, não significa que os restantes números daquele artigo são limitados em tratar apenas das aludidas duas espécies de contratos; 2ª. Não se encontra no n.º 2 e nos demais números do artigo 8º redacção que manifeste a restrição na aplicação dos aludidos números aos contratos de promotor e aos de representação; 3ª. O fim e o objecto da Lei n.º 5/2004 consistem em regular a concessão de crédito geral para jogo ou para aposta, mas não em regular meramente contratos referidos no n.º 1 do artigo 8º que não têm a ver com crédito. A Lei em apreço abrange cinco tipos de relações contratuais: contratos de promotor referidos no n.º 2 do artigo 3º; contratos de representação referidos no n.º 3 do artigo 5º; e, três tipos de relações de crédito referidos no n.º 6 do artigo 3º. É irrazoável excluir do âmbito de aplicação dos n.ºs 2 a 7 do artigo 8º os contratos de crédito celebrados entre as partes mencionadas no n.º 6 do artigo 3º. A par disso, se excluir os aludidos contratos de crédito, causar-se-á prejuízo à capacidade da DICJ na inspecção da actividade de concessão de crédito, contrariando a intenção fundamental e o objecto da Lei em causa.
    21. O Dr. XXX fundamentou o seu parecer com dois documentos da DICJ. O primeiro é um certificado datado de 8 de Abril de 2009, cuja sua emissão foi solicitada pelo advogado do Réu. A tradução para a versão inglesa da respectiva parte do certificado: “Certifica-se que, até à presente data, não existe aprovação das minutas dos contratos ou dos seus documentos complementares referidos no n.º 2 do artigo 8º da Lei n.º 5/2004 que regula a concessão de crédito para aposta em jogos de fortuna ou azar em casino na R.A.E.M., pelo que esta Direcção não pode emitir à “Autora” o certificado da minuta do acordo de crédito aprovada pelo Governo da R.A.E.M.” O segundo é uma “Resposta” dada pela DICJ em 15 de Maio de 2009 à interpelação escrita dum deputado da Assembleia Legislativa de Macau. A tradução para a versão inglesa do 8º parágrafo da “Resposta”: “Todavia, os contratos de jogo ou acordos de crédito em casino são celebrados em conformidade com o exemplo de contrato aprovado pelo Governo da R.A.E.M., caso contrário serão nulas as cláusulas do referido contrato. Esta disposição é também aplicável aos documentos complementares do acordo de crédito. (Vide n.ºs 2 e 7 do artigo 8º)”.
    22. À luz do parecer do Dr. XXX, dos aludidos documentos revela-se que a DICJ também defende que aos acordos de crédito é aplicável o n.º 2 do artigo 8º, e, do papel desempenhado pela DICJ no supervisionamento e na inspecção das actividades das concessionárias mostra-se que o ponto de vista e a interpretação da DICJ perante a Lei n.º 5/2004 (sobretudo o n.º 2 do art.º 8º) devem ter um valor relevante.
    Provas periciais da Autora
    23. Por outro lado, o perito da Autora entende que o artigo 8º inteiro só é aplicável às duas espécies de contratos mencionadas no n.º 1 do art.º 8º (contratos de promotor e contratos de representação). O Dr. XXX defende que, com a ausência da disposição expressa em contrário, os números subsequentes do n.º 1 do artigo 8º devem ser interpretados como disposições aplicáveis às duas espécies de contratos referidas no n.º 1 do artigo 8º. O Dr. XXX fundamentou a sua tese com o n.º 3 do art.º 8º, no qual se prevê que um exemplar original dos contratos é enviado pela concessionária ou subconcessionária à DICJ. Indica o Dr. XXX se ao acordo de crédito também for aplicável o número acima referido (para além de ser aplicável aos contratos de promotor e aos de representação), emergirá um fenómeno estranho, isto é, não existe o mesmo dever de apresentação dum exemplar original dos contratos celebrados entre promotores de jogo e jogadores.
    24. Além de se conformar com a fundamentação do Dr. XXX, o Dr. XXX diz que, com base na estrutura e na ordem lógica do artigo 8º, deve interpretar-se que o n.º 2 do art.º 8º tem um âmbito igual ao do n.º 1 do art.º 8º, já que se o legislador pretender que os demais números do art.º 8º abranjam um âmbito mais amplo, a melhor solução é estipular expressamente a situação na lei. Caso o legislador não diferencie os respectivos números, deve interpretar-se que o n.º 2 do art.º 8º mantém o mesmo âmbito do n.º 1, mas não estende ou alarga o seu âmbito.
    25. Face ao sentido original e ao objecto da Lei n.º 5/2004, o Dr. XXX refere que por meio de examinação dos dois documentos introduzidos e dispostos à interpretação da proposta de lei, pode resultar, duma forma óptima, uma determinação. Os dois documentos em apreço são: (i) O “Prefácio” da proposta de lei apresentada pela primeira vez à Assembleia Legislativa; e, (ii) O “Parecer n.º 1/II/2004” emitido, em 25 de Maio de 2004, pela 3ª Comissão Permanente da Assembleia Legislativa.
    26. Comenta o Dr. XXX que o “Prefácio” mostra claramente que o pensamento legislativo não consiste em regular nem controlar cada pormenor da actividade de crédito para jogo e dos contratos de jogo. Em relação aos artigos 5º a 8º da Lei em causa, o “Prefácio” aponta que podem as sociedades gestores e os promotores de jogo, em nome ou por conta dos concedentes de crédito (concessionárias e subconcessionárias), mediante procuração ou acordo de representação, celebrar contratos de crédito. Mais indica o “Prefácio” que a referida procuração está sujeita a autorização do Governo e o acordo está sujeito a forma escrita, sendo o Governo notificado da celebração do acordo e de qualquer alteração ao mesmo. O Dr. XXX repara que, face aos artigos 5º a 8º, o “Prefácio” não diz nada sobre os acordos de crédito celebrados entre as concessionárias ou subconcessionárias e os jogadores, pelo que o Dr. XXX considera que o artigo 8º não pretende estender para os acordos de crédito celebrados entre as concessionárias ou subconcessionárias e os jogadores.
    27. O “Parecer n.º 1/II/2004” tem como natureza uma informação elaborada pela 3ª Comissão Permanente, a qual se atribui a tarefa de examinação da proposta de lei. O artigo 3º do “Parecer” abrange as redacções e interpretações pormenorizadas das alterações a todos os artigos da versão final da Lei em causa. Ao tratar do artigo 8º, o “Parecer” menciona que os contratos de promotor (nos termos do n.º 2 do art.º 3º) e contratos de representação (nos termos do n.º 3 do art.º 5º) são supervisionados pelo Governo desde a sua existência, e, a adesão do n.º 2 do artigo 8º serve para exercer o controlo do Governo na celebração de contratos ou anterior a esta, aperfeiçoando, portanto, o mecanismo de supervisionamento. Na interpretação dos n.ºs 3 e 4 do artigo 8º, o “Parecer” refere que os deveres legais (envio de contratos, dos documentos complementares ou das alterações aos mesmos) devem ser cumpridos pelas concessionárias ou subconcessionárias que tenham celebrado, nos termos do n.º 2 do artigo 3º, os contratos de promotor ou, nos termos do n.º 3 do artigo 5º, os contratos de representação.
    28. O Dr. XXX entende que o “Parecer” revela manifestamente que a intenção original do Órgão legislativo é apenas permitir que o artigo 8º seja aplicável aos contratos de promotor e aos de representação, enquanto o n.º 2 do artigo 8º seja não aplicável aos acordos de crédito celebrados entre as concessionárias ou subconcessionárias e os jogadores.
    29. A par disso, o Dr. XXX ainda menciona sobre o princípio de uniformização do sistema jurídico, sendo este um princípio sob legislação de Macau que serve para interpretar as normas legais. O dito princípio prevê que a interpretação das normas legais deve ser feita com o atendimento à estrutura completa, à redacção e ao sistema do diploma legal. Na aplicação daquele princípio, nota-se que a Lei n.º 5/2004 é organizada de acordo com tópicos e que o artigo 8º não diz respeito à actividade de crédito para jogo, assim sendo, o Dr. XXX conclui que não se deve interpretar que a actividade de crédito para jogo seja prevista no artigo 8º.
    30. Quanto ao papel da DICJ, o Dr. XXX refere que o papel e as atribuições da DICJ estão enumerados no Regulamento Administrativo n.º 34/2003, de 3 de Novembro de 2003. Mais indica que a interpretação das normas legais não pertence ao âmbito do papel jurídico nem da responsabilidade da DICJ, sendo conferido à Assembleia Legislativa o poder de interpretação legislativa. Deste modo, não é formalmente vinculativo o ponto de vista da DICJ perante o sentido e o âmbito do n.º 2 do artigo 8º. O Dr. XXX ainda entende que é incorrecto o ponto de vista manifestado pela DICJ na “Resposta” de 15 de Maio de 2009, onde se refere que os acordos de crédito têm de ser conformes com as minutas previamente aprovadas pelo Governo.
    A interpretação do n.º 2 do artigo 8º
    31. Das provas apresentadas pelas ambas as partes perante a contenção desta causa vê-se claramente que em Macau não há uma interpretação final ou vinculativa para o âmbito geral do artigo 8º ou para o sentido e âmbito concretos do n.º 2 do artigo 8º, pelo que este Tribunal necessita de ajuizar se o n.º 2 do artigo 8º abrange os acordos de crédito celebrados entre as concessionárias ou subconcessionárias e os jogadores, ou só regula as duas espécies de contratos referidas no n.º 1 do artigo 8º.
    32. Antes de tocar neste ponto, tenho de apreciar primeiramente as alegações do Advogado XXX em que se refere que este Tribunal não pode nem deve resolver o desacordo existente entre os peritos sem ter realizado audição perante as provas periciais nem inquirição de peritos. Mais entende o Advogado XXX que é necessário notificar a DICJ para prestar depoimentos na audiência. Os conhecimentos específicos e a credibilidade dos peritos são inquestionáveis. Cada um dos peritos fundamentou pormenorizada e largamente o seu parecer. Tendo em conta a natureza da impugnação e o conteúdo das declarações dos peritos, concordo com o parecer do Dr. XXX, ou seja, a audição dos depoimentos verbais dos peritos ou das testemunhas da DICJ, ou a inquirição dos mesmos não contribuem para avanço do assunto. A maior parte das provas foi já apresentada ao Tribunal, por isso, afigura-se que tenha realizado audiência perante a impugnação existente entre as duas partes.
    33. Presentemente, trato da contenção fundamental desta causa. Considero que, na determinação do sentido e do âmbito do n.º 2 do artigo 8º, o ponto de partida é necessariamente a sua linguagem e o contexto do artigo 8º e até da Lei n.º 5/2004 inteira. Certamente, ao olhar unicamente para o n.º 2 do artigo 8º, não se verifica qualquer expressão que limite o seu âmbito para os contratos de promotor e os de representação. Todavia, o n.º 2 do artigo 8º é precisamente um dos números do artigo que trata dos “Contratos”, pelo que não se deve observar particularmente o n.º 2 do artigo 8º para ajuizar quais os contratos são abrangidos pela mesma disposição legal. Sem dúvida, o artigo 8º, n.º 1 (i.e., n.º 1 do artigo 8º) apenas menciona concretamente duas espécies de contratos. Incontestavelmente, os restantes seis números do artigo 8º, ao referir sobre “Contratos” ou “Documentos”, não definem ou indicam quais os contratos ou documentos são abrangidos. Atendendo à estrutura e organização do artigo 8º, no meu ponto de vista, alguns números daquele artigo devem ser interpretados em conjunto. Assim sendo, os “Contratos” mencionados nos números 2 a 7 do artigo 8º e os mencionados no n.º 1 do artigo 8º devem ter o mesmo significado, além disso, os “Documentos” referidos nos números 2 a 7 do artigo 8º são os documentos complementares das duas espécies de contratos referidos no n.º 1 do artigo 8º.
    34. Esta interpretação e a estrutura geral da Lei n.º 5/2004 são unânimes. Os artigos da aludida Lei são enumerados de acordo com tópicos e ordem lógica. A actividade de crédito para jogo é exercida com a observação do enquadramento jurídico discriminado nos artigos 2º a 8º, e, cada um deles trata dum assunto concreto. O artigo 8º trata concretamente dos trâmites e requisitos relacionados com contratos. Daí se conclui que todos esses artigos devem ser interpretados em forma conjunta. A par disso, a Lei em causa apenas menciona duas espécies de contratos (contratos de promotor e contratos de representação). O Dr. XXX referiu sobre o n.º 6 do artigo 3º, porém, aquele número trata meramente das relações de concessão de crédito e, além disso, o Órgão legislativo optou por não descrever as referidas relações como contratos de crédito nem mencionar concretamente sobre os contratos celebrados entre as concessionárias ou subconcessionárias e jogadores ou apostadores, ou contratos celebrados entre promotores de jogo e jogadores ou apostadores. Tendo em consideração o princípio de uniformização do sistema jurídico invocado pelo Dr. XXX, cuja sua aplicabilidade não foi impugnada pelo Dr. XXX, verifica-se que os contratos de promotor e os de representação são aqueles que o n.º 2 do artigo 8º e até o artigo 8º inteiro pretendem abranger.
    35. Os pareceres emitidos pela DICJ nos seus dois documentos serviram duma prova apreciada na determinação da interpretação adequada do n.º 2 do artigo 8º. Face à respectiva questão, os pareceres da DICJ não são vinculativos nem de natureza final. Da mesma maneira, o “Prefácio” e o “Parecer n.º 1/II/2004” também forneceram provas a este Tribunal no conhecimento da questão respeitante a interpretação.
    36. Considero que o “Parecer n.º 1/II/2004” forneceu provas directas e úteis respeitantes ao pensamento legislativo do n.º 2 do artigo 8º, das quais se revelam as espécies de contratos reguladas pelo referido número. Quanto à questão de quais as espécies de contratos são sujeitas a aprovação do Governo, o “Parecer” defende a conclusão de que o n.º 2 do artigo 8º deve ter a mesma interpretação da do n.º 1 do artigo 8º. Pelo contrário, a DICJ entende que o n.º 2 do artigo 8º prevê que os acordos de crédito são sujeitos a aprovação do Governo, entretanto, esta não especificou, de forma qualquer, as razões ou fundamentos do seu ponto de vista.
    Conclusão
    37. Pelos fundamentos acima expostos, admito os pareceres do Dr. XXX e do Dr. XXX, mas não do Dr. XXX. O n.º 2 do artigo 8º da Lei n.º 5/2004 não é aplicável aos acordos de crédito celebrados entre as concessionárias ou subconcessionárias e os jogadores. Considero que os fundamentos da defesa invocados com base na nulidade do acordo de crédito em causa e na impossibilidade da execução coactiva do mesmo, por aludido acordo estar desconforme com o disposto no n.º 2 do artigo 8º, não constituem qualquer ponto de impugnação a conhecer. Razão por que a Autora tem o direito à obtenção da sentença sumária consoante a sua reivindicação.
    38. Nesta conformidade, profiro a sentença sumária de procedência do pedido da Autora e do decaimento do Réu, condenando o Réu a pagar a quantia de HKD28.941.637,00, acrescida de juros, à taxa anual de 18%, contados a partir de 3 de Agosto de 2008 até à data da sentença, e, posteriormente, serão calculados com a taxa fixada pela sentença até integral e efectivo pagamento.
    39. Segundo a regra geral, a quantia das custas processuais é determinada de acordo com o resultado da causa. Ordeno ao Réu a pagar à Autora as custas processuais emergentes do presente processo, incluindo as custas do presente pedido e todas as custas de reserva. A quantia das custas será determinada pelo Tribunal caso não haja acordo na mesma.
    
    (A Juíza XXX (XXX))
    A Juíza do Juízo de Primeira Instância do Tribunal Superior de Justiça
    
    A Autora é representada pelo Dr. XXX.
    O Réu é representado pelo Advogado XXX (XXX) de XXX & Co.”

Do processo constam os anexos seguintes:
    Anexo
    Artigos 1º a 8º da Lei n.º 5/2004 da R.A.E.M.
    Artigo 1.º Objecto
    A presente lei regula a concessão de crédito para jogo ou para aposta em jogos de fortuna ou azar em casino na Região Administrativa Especial de Macau, adiante designada por concessão de crédito.
    Artigo 2.º Concessão de crédito
    1. Apenas existe concessão de crédito quando um concedente de crédito transmita a um terceiro a titularidade de fichas de jogos de fortuna ou azar em casino sem que haja lugar ao pagamento imediato, em dinheiro, dessa transmissão.
    2. Considera-se dinheiro, para efeitos do disposto no número anterior, o seguinte:
1) Numerário;
2) Cheques de viagem;
3) Cheques visados;
4) Ordens de caixa (cashier’s orders ou cashier’s checks);
5) Ordens ou autorizações para a entrega rápida de valores em numerário (money orders);
6) Vales postais;
7) Créditos em conta bancária através de depósito de quaisquer instrumentos levados em conta que sejam directamente convertíveis num saldo em numerário;
8) Créditos em conta bancária resultante quer de operações de transferência bancária ou de movimentação de fundos, quer de compensação em conta;
9) Transferências electrónicas de fundos (Electronic Funds Transfer) através da utilização de instrumentos de pagamento electrónico;
10) Instrumentos representativos de valores em numerário que as concessionárias para a exploração de jogos de fortuna ou azar ou outros jogos em casino, adiante designadas por concessionárias, e as subconcessionárias para a exploração de jogos de fortuna ou azar ou outros jogos em casino, adiante designadas por subconcessionárias, ponham, a título gratuito, à disposição de jogadores ou apostadores, e que sejam por aquelas aceites como meio de pagamento da transmissão a que se refere o número anterior; e
11) Quaisquer outros actos, transacções ou instrumentos que sejam como tal considerados por despacho do Chefe do Executivo.
    3. Para efeitos do disposto na alínea 9) do número anterior, constituem instrumentos de pagamento electrónico:
1) Os cartões de pagamento, designadamente os de crédito e os de débito; e
2) Os instrumentos de moeda electrónica que revistam a forma de um cartão com valor armazenado em suporte electrónico ou de um saldo em numerário registado na memória de um computador.
    4. No caso de o crédito decorrente da transmissão referida no n.º 1 constar de título de crédito, este pode ser emitido ao portador ou, ainda que faça parte de uma emissão em série, à ordem.
    Artigo 3.º Concedentes de crédito
    1. Estão habilitadas a exercer a actividade de concessão de crédito as seguintes entidades:
1) Concessionárias; e
2) Subconcessionárias.
    2. Estão, ainda, habilitados a exercer a actividade de concessão de crédito os promotores de jogos de fortuna ou azar em casino, adiante designados por promotores de jogo, mediante contrato a celebrar com uma concessionária ou subconcessionária.
    3. Sem prejuízo de procedimento por infracção administrativa e de responsabilidade civil ou criminal que ao caso couber, pode o Governo da Região Administrativa Especial de Macau, adiante designado por Governo, determinar a suspensão ou a cessação do exercício da actividade de concessão de crédito ou impor condições a esse exercício sempre que o concedente de crédito viole de forma grave as normas legais e regulamentares aplicáveis a essa actividade ou revele manifesta falta de aptidão técnica para o seu exercício.
    4. No caso de ser determinada a cessação do exercício da actividade de concessão de crédito nos termos do número anterior, o concedente de crédito deixa de estar habilitado a exercer essa actividade.
    5. No caso de se tratar de um promotor de jogo a quem seja determinada a suspensão ou a cessação do exercício da actividade de concessão de crédito nos termos do n.º 3, fica o mesmo, ainda, impedido, temporária ou definitivamente conforme o caso, de praticar actos jurídicos ou de celebrar contratos relativos a essa actividade ao abrigo do n.º 3 do artigo 5.º
    6. Apenas podem existir as seguintes relações de concessão de crédito:
1) Entre uma concessionária ou subconcessionária, na qualidade de concedente, e um jogador ou apostador, na qualidade de concedido;
2) Entre um promotor de jogo, na qualidade de concedente, e um jogador ou apostador, na qualidade de concedido; ou
3) Entre uma concessionária ou subconcessionária, na qualidade de concedente, e um promotor de jogo, na qualidade de concedido.
    Artigo 4.º Eficácia
    Da concessão de crédito exercida ao abrigo da presente lei emergem obrigações civis.
    Artigo 5.º Intransmissibilidade
    1. Os concedentes de crédito não podem exercer a actividade de concessão de crédito por interposta pessoa ou entidade.
    2. É nulo o acto ou contrato pelo qual um concedente de crédito transmita a terceiro, por qualquer forma e a qualquer título, a sua qualidade.
    3. Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, podem as sociedades gestoras que assumam poderes de gestão de concessionárias quanto à exploração de jogos de fortuna ou azar ou outros jogos em casino, adiante designadas por sociedades gestoras, ou os promotores de jogo, em nome e por conta de um dos concedentes de crédito referidos no n.º 1 do artigo 3.º, mediante contrato de mandato com representação ou de agência com representação, praticar actos jurídicos ou celebrar contratos relativos à actividade de concessão de crédito.
    4. Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 3.º, pode o Governo determinar que as sociedades gestoras ou os promotores de jogo fiquem impedidos, temporária ou definitivamente, de praticar actos jurídicos ou de celebrar contratos relativos à actividade de concessão de crédito ao abrigo do número anterior, quando os mesmos violem de forma grave as normas legais e regulamentares aplicáveis a essa actividade ou revelem manifesta falta de aptidão técnica para o seu exercício e, tratando-se de promotor de jogo, pode ainda determinar a suspensão ou a cessação do exercício da mesma actividade para a qual se encontra habilitado ao abrigo do n.º 2 do artigo 3.º
    5. No caso referido no n.º 3, são aplicáveis às sociedades gestoras e aos promotores de jogo, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 6.º e 7.º
    Artigo 6.º Dever de cooperação
    Impende sobre os concedentes de crédito um especial dever de cooperação com o Governo, devendo ser submetidos quaisquer documentos e prestadas quaisquer informações, dados, autorizações ou provas que para o efeito lhes sejam solicitados.
    Artigo 7.º Princípio geral
    Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 3.º, os concedentes de crédito devem observar todas as normas legais e regulamentares aplicáveis à actividade de concessão de crédito, sendo qualquer violação dessas normas tomada em consideração designadamente para efeitos da sua idoneidade enquanto concessionária, subconcessionária ou promotor de jogo.
    Artigo 8.º Contratos
    1. Os contratos referidos no n.º 2 do artigo 3.º e no n.º 3 do artigo 5.º estão sujeitos a forma escrita e são celebrados em 3 exemplares originais, sendo as assinaturas objecto de reconhecimento notarial presencial.
    2. As minutas dos contratos, dos seus documentos complementares e de quaisquer alterações a esses instrumentos estão sujeitas a aprovação do Governo, o qual pode determinar a alteração de qualquer cláusula das referidas minutas por razões de legalidade ou de interesse público.
    3. Um dos exemplares dos contratos, bem como cópia de todos os seus documentos complementares, é enviado pela concessionária ou subconcessionária à Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos, adiante designada por DICJ, no prazo de 15 dias a contar da data da sua celebração.
    4. Deve ainda ser enviada pela concessionária ou subconcessionária à DICJ qualquer alteração aos contratos ou aos seus documentos complementares, no prazo de 15 dias.
    5. Os documentos complementares referidos nos n.os 3 e 4 devem ser acompanhados de uma declaração subscrita por representante legal da concessionária ou subconcessionária que a obrigue, com assinatura e qualidade reconhecidas notarialmente, nos termos da qual este declara, sob compromisso de honra, a correcção, actualidade e veracidade dos dados e informações neles constantes, bem como que os mesmos são cópia dos originais.
    6. Os contratos devem conter, obrigatoriamente, cláusulas relativas à obrigação, assumida pelas partes, de renúncia a foro especial e submissão à lei vigente na Região Administrativa Especial de Macau e, no caso do contrato referido no n.º 3 do artigo 5.º, cláusulas relativas à renúncia à utilização de substitutos ou ao recurso a subagentes, conforme o caso.
    7. São nulas as cláusulas dos contratos, dos seus documentos complementares, bem como das respectivas alterações que sejam desconformes com as respectivas minutas aprovadas pelo Governo.
    
    
    ***
    
    Determinação de juros e taxas de juro sobre a dívida
    
    Determinação de juros sobre a dívida
    
    A determinação da dívida é feita com juros simples, contados a partir da data da sentença até integral e efectivo pagamento:
    
1) As taxas de juro são determinadas em conformidade com a ordem do tribunal; ou
2) Caso não haja a referida ordem, essas taxas serão determinadas em conformidade com a ordem do Chefe de Justiça do Tribunal de Última Instância.

    (Vide artigo 49(1)º do Capítulo IV “Portaria do Tribunal Superior de Justiça” ou artigo 50(1)º do Capítulo CCCXXXVI “Portaria do Tribunal Distrital” da Legislação de Hong Kong)
    
    Taxas de juro
    Por ordem do Chefe de Justiça do Tribunal de Última Instância, determinam-se as seguintes taxas de juro sobre a dívida:
    Determinação das taxas de juro sobre a dívida (taxas anuais)
    Data de vigência
    8.000
    01-01-2013
    8.000
    01-10-2012
    8.000
    01-07-2012
    8.000
    01-04-2012
    8.000
    01-01-2012
    8.000
    01-10-2011
    8.000
    01-07-2011
    8.000
    01-04-2011
    8.000
    01-01-2011
    8.000
    01-10-2010
    8.000
    01-07-2010
    8.000
    01-04-2010
    8.000
    01-01-2010
    8.000
    01-10-2009
    8.000
    01-07-2009
    8.000
    01-04-2009
    8.192
    01-01-2009
    8.250
    01-10-2008
    8.353
    01-07-2008
    9.398
    01-04-2008
    10.420
    01-01-2008
    10.750
    01-10-2007
    10.750
    01-07-2007
    10.750
    01-04-2007
    10.934
    01-01-2007
    11.000
    01-10-2006
    10.921
    01-07-2006
    10.711
    01-04-2006
    10.088
    01-01-2006
    9.234
    01-10-2005
    8.245
    01-07-2005
    8.000
    01-04-2005
    8.069
    01-01-2005
    8.000
    01-10-2004
    8.000
    01-07-2004
    8.000
    01-04-2004
    8.000
    01-01-2004
    8.000
    01-10-2003
    8.000
    01-07-2003
    8.000
    01-04-2003
    8.093
    01-01-2003
    8.125
    01-10-2002
    8.125
    01-07-2002
    8.140
    01-04-2002
    8.720
    01-01-2002
    9.820
    01-10-2001
    10.860
    01-07-2001
    12.080
    01-04-2001
    12.500
    01-01-2001
    12.500
    01-10-2000
    11.980
    01-07-2000
    
    III - FUNDAMENTOS

1. O objecto da presente acção - revisão de sentença proferida pelo Tribunal de Primeira Instância da Região Administrativa Especial de Hong Kong da República Popular da China, proferida em 12 de Fevereiro de 2010- de forma a produzir aqui eficácia, passa pela análise das seguintes questões:
- Requisitos formais necessários para a confirmação;
- Colisão ou não com matéria da exclusiva competência dos Tribunais de Macau;
- Compatibilidade com a ordem pública;
Não obstante a não contestação do pedido de revisão importará analisar as questões acima referidas, não havendo qualquer obstáculo à revisão de uma decisão do Tribunal Arbitral do Exterior que só terá eficácia no ordenamento da RAEM depois de aqui confirmada tal como resulta do artigo 1199º, n.º 1 do CPC.

2. Prevê o artigo 1200º do C. Processo Civil:
“1. Para que a decisão proferida por tribunal do exterior de Macau seja confirmada, é necessária a verificação dos seguintes requisitos:
a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a decisão nem sobre a inteligibilidade da decisão;
b) Que tenha transitado em julgado segundo a lei do local em que foi proferida;
c) Que provenha de tribunal cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais de Macau;
d) Que não possa invocar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal de Macau, excepto se foi o tribunal do exterior de Macau que preveniu a jurisdição;
e) Que o réu tenha sido regularmente citado para a acção, nos termos da lei do local do tribunal de origem, e que no processo tenham sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes;
f) Que não contenha decisão cuja confirmação conduza a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública.
2. O disposto no número anterior é aplicável à decisão arbitral, na parte em que o puder ser.” (sublinhado nosso).
    Com o Código de Processo Civil (CPC) de 1999, o designado privilégio da nacionalidade ou da residência - aplicação das disposições de direito privado local, quando este tivesse competência segundo o sistema das regras de conflitos do ordenamento interno - constante da anterior al. g) do artigo 1096º do CPC, deixou de ser considerado um requisito necessário, passando a ser configurado como mero obstáculo ao reconhecimento, sendo a sua invocação reservada à iniciativa da parte interessada, se residente em Macau, nos termos do artigo 1202º, nº2 do CPC.
    A diferença, neste particular, reside, pois, no facto de que agora é a parte interessada que deve suscitar a questão do tratamento desigual no foro exterior à R.A.E.M., facilitando-se assim a revisão e a confirmação das decisões proferidas pelas autoridades exteriores, respeitando a soberania das outras jurisdições, salvaguardando apenas um núcleo formado pelas matérias da competência exclusiva dos tribunais de Macau e de conformidade com a ordem pública.
     Não se conhecendo do fundo ou do mérito da causa, na revisão formal, o Tribunal limita-se a verificar se a decisão do exterior satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade1, pelo que não há que proceder a novo julgamento tanto da questão de facto como de direito.
    
    3. Vejamos então os requisitos previstos no artigo 1200º do CPC.
Não parecendo haver dúvidas de que a sentença objecto de revisão - a existir - encontrar-se-ia corporizada por um documento autêntico devidamente selado e traduzido, certificando-se um procedimento que correu seus termos por um Tribunal de Hong Kong.
É verdade que o conteúdo da decisão facilmente se alcança, em particular no que respeita à consubstanciação da condenação do ora requerido a pagar à requerente uma determinada quantia e qual o fundamento dessa condenação.

4. Quanto aos requisitos relativos ao trânsito em julgado, competência do tribunal do exterior, ausência de litispendência ou de caso julgado, citação e garantia do contraditório, dispõe o artigo 1204º do CPC:
“O tribunal verifica oficiosamente se concorrem as condições indicadas nas alíneas a) e f) do artigo 1200º, negando também oficiosamente a confirmação quando, pelo exame do processo ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções, apure que falta algum dos requisitos exigidos nas alíneas b), c), d) e e) do mesmo preceito”.
Tal entendimento já existia no domínio do Código anterior2, entendendo-se que, quanto àqueles requisitos, geralmente, bastaria ao requerente a sua invocação, ficando dispensado de fazer a sua prova positiva e directa, já que os mesmos se presumiam3.
É este, igualmente, o entendimento que tem sido seguido pela Jurisprudência de Macau.4
    De todo o modo, sobre a questão de saber se essa decisão dita final é efectivamente uma decisão definitiva e transitada ou se a sua validade foi de algum modo posta em crise, sempre se refere que não há elementos que permitam duvidar de que a sentença revidenda esteja transitada e também não há elementos que comprovem que o requerido foi duplamente accionado pelos mesmos fundamentos, importando atentar que estamos perante uma decisão proferida no âmbito da Common Law, onde não é usual tal certificação, não obstante a existência de um regime da res judicata condition.
5. Já a matéria da competência exclusiva dos Tribunais de Macau está sujeita a indagação, implicando uma análise em função do teor da decisão revidenda, à luz, nomeadamente, do que dispõe o artigo 20º do CC:
“A competência dos tribunais de Macau é exclusiva para apreciar:
a) As acções relativas a direitos reais sobre imóveis situados em Maca
b) As acções destinadas a declarar a falência ou a insolvência de pessoas colectivas cuja sede se encontre em Macau.”
Ora, ainda aqui se observa que nenhuma das situações contempladas neste preceito colide com o caso sub judice.


6. Da ordem pública.
Não se deixa de ter presente a referência à ordem pública, a que alude o art. 273º, nº2 do C. Civil, no direito interno, como aquele conjunto de “normas e princípios jurídicos absolutamente imperativos que formam os quadros fundamentais do sistema, pelo que são, como tais, inderrogáveis pela vontade dos indivíduos.”5

E se a ordem pública interna restringe a liberdade individual, a ordem pública internacional ou externa limita a aplicabilidade das leis exteriores a Macau, sendo esta última que relevará para a análise da questão.
No caso em apreço, em que se pretende confirmar é uma sentença de condenação no pagamento de uma determinada quantia à requerente na sequência do contrato entre eles havido.
Situação banal e comum em qualquer ordenamento jurídico.
A decisão proferida mostra-se transitada e os seus efeitos ainda não foram destruídos por nenhuma outra decisão que tenha sido proferida até ao presente momento.
O pedido de confirmação de decisão arbitral do Exterior não deixará, pois, de ser procedente

7. Uma referência apenas ao alegado facto de a dívida à requerente ter sido fundamento pra os tribunais de Hong Kong declararem a insolvência do requerido, pelo que não haveria lugar agora a uma nova condenação na quantia peticionada.
Como referimos já, a revisão de uma sentença exterior é meramente formal e tem apenas como limite as matérias acima referidas.

Não pode este Tribunal da RAEM apreciar uma matéria exceptiva em relação à condenação sofrida se essa questão não foi suscitada e acolhida na própria sentença a rever, para mais se ela foi anterior à declaração de insolvência.
Se a situação de insolvente do requerido, só posteriormente declarada, em 2013, em relação à prolação da sentença, em 2010, é impeditiva do aproveitamento da sentença ora revista ou da sua exequibilidade, essa é uma questão que extravasa este pedido e que só oportunamente deverá ser suscitada e apreciada, em sede própria, se o requerido considerar que a sua situação de insolvente, como tal declarado em Hong Kong, obsta à executoriedade ou aproveitamento desta sentença na ordem interna da RAEM.


V - DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em conceder a revisão e confirmar a sentença proferida pelo COURT OF FIRST INSTANCE OF THE HIGH COURT da Região Administrativa Especial de Hong Kong, em 12 de Fevereiro de 2010, na Acção n.º 192 de 2009, nos seus exactos termos, a que correspondem os documentos traduzidos de fls. 67 a 96 juntos aos autos com a petição.

Custas pela requerente.
Macau, 3 de Julho de 2014
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
    
    
1 - Alberto dos Reis, Processos Especiais, 2º, 141; Proc. nº 104/2002 do TSI, de 7/Nov/2002

2 - cfr. artigo 1101º do CPC pré-vigente
3 - Alberto dos Reis, ob. cit., 163 e Acs do STJ de 11/2/66, BMJ, 154-278 e de 24/10/69, BMJ, 190-275
4 - cfr. Ac. TSJ de 25/2/98, CJ, 1998, I, 118 e jurisprudência aí citada, Ac. TSI de 27/7/2000, CJ 2000, II, 82, 15/2/2000, CJ 2001, I, 170, de 24/5/2001, CJ 2001, I, 263 de 11/4/2002, proc. 134/2002 de 24/4/2002, entre outros
5 -João Baptista Machado, Lições de DIP, 1992, 254
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142/2013 1/34