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Processo nº 258/2013
(Recurso Contencioso)

Relator: João Gil de Oliveira
Data: 3/Julho/2014


Assuntos:
- Revogação de autorização de permanência de trabalhador não residente

SUMÁRIO:

    Se um dado trabalhador não residente viu revogada a sua autorização de permanência por ter sido condenado em pena de multa, em substituição da prisão, por prática de crime de condução sob o efeito do álcool, prevendo a lei que o facto de se ter praticado uma conduta que possa constituir perigo para a segurança ou ordem públicas, nomeadamente pela prática de crimes, ou sua preparação, na RAEM. - artigo 11º da Lei n.º 6/2004 -, estamos perante poderes discricionários da entidade recorrida na avaliação da conduta e sua repercussão naqueles valores que a lei visa preservar, não devendo os Tribunais imiscuir-se nessa actividade da Administração.
    
O Relator,
    João A. G. Gil de Oliveira

Processo n.º 258/2013
(Recurso Contencioso)

Data : 3 de Julho de 2014

Recorrente: A

Entidade Recorrida: Secretário para a Segurança

    
    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
    1. A, mais bem identificado nos autos, portador de Título de Trabalhador Não Residente (TNR), vem interpor RECURSO CONTENCIOSO da decisão do Exm.° Senhor SECRETÁRIO PARA A SEGURANÇA, tomada em 18 de Março de 2013, com a ref. MIG. 758/2012/TNR/R, (em anexo) notificada presencialmente ao requerente, nos Serviços de Imigração, em 8 de Abril de 2013, alegando, no essencial:
     A) O acto administrativo recorrido confirmou - no âmbito de recurso hierárquico oportunamente interposto, - a anterior decisão do senhor Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública (CPSP), de 19 de Outubro de 2012, reproduzida na notificação com a mesma referência (MIG. 758/2012/TNR) com data de 5/11/2012, entregue ao recorrente em 26/11/2012, que revogou a autorização de permanência na qualidade de Trabalhador Não Residente (doravante TNR) ao ora recorrente, sem outra fundamentação.
    B) Por sua vez, a decisão do senhor Comandante do CPSP suportou-se nos fundamentos de facto e de direito do parecer e informação suplementar n.º MIG. 758/2012/TNR, nos termos da qual foi proposta a revogação ao ora recorrente da autorização de permanência em Macau, pelo facto de, em suma, ter sido o mesmo julgado (processo CR1-12-0154-PSM) pela prática do crime p.p.p. art. 90.°, n.º 1 da Lei do Trânsito Rodoviário (condução em estado de embriaguez), e condenado na pena de 2 (dois meses) de prisão, substituída por multa no valor de MOP$6.000,00 (seis mil patacas), e na pena acessória de inibição de condução pelo período de um ano.
    C) O aludido parecer fundamentou de direito a proposta por considerar verificada a previsão na al. 3) do n.° 1 do art. 11.° da Lei n.º 6/2004, de 2 de Agosto, e n.º 1 do art. 15.° do Regulamento Administrativo n.º 8/2012, de 19 de Abril (que remete implicitamente para o art. 4.° da lei n.º 4/2003), pese embora, na verdade, não ter o requerente ficado sujeito ao cumprimento da pena de prisão efectiva, por ter sido a mesma substituída por multa, oportuna voluntariamente liquidada.
    D) Ademais, da fundamentação constante da decisão do CPSP consta que «deve ser cancelada a autorização de permanência do interessado, enquanto TNR, considerando que este violou a lei de Macau e foi sentenciado em pena de prisão» . Portanto,
    E) O pressuposto da decisão recorrida foi, no entendimento do CPSP e, por conseguinte, da entidade recorrida, o ora recorrente ter sido condenado em pena de prisão, i.e., precisamente o fundamento constante da al. 2) do n.º 2 do art. 4 da Lei n.º 4/2003.
    F) Sendo certo que foi a pena de multa aplicada ao ora recorrente em vez da pena de prisão, e tendo sido aquela pena de multa oportuna e voluntariamente cumprida, forçoso é concluir-se não ter sido o recorrente condenado em pena privativa da liberdade.
    G) Uma pena de prisão substituída por multa é multa e não prisão.
    H) «O que o art. 4.°, n.º 2, al. 2) da Lei n.º 4/2003 prevê não é a prática de um crime punível (em abstracto) com pena de prisão, mas sim a condenação (efectiva) numa pena (concreta) privativa da liberdade. Neste caso, porém, a pena que o recorrente sofreu, e pagou, foi a de multa em substituição da de prisão» (cfr. Acórdão TSI de 21 de Junho de 2012, proferido no Processo n.º 644/2011, decidido por unanimidade).
    I) E se não é aplicável ao ora recorrente a previsão da al. 2) do n.º 2 do art. 4.° da Lei n.º 4/2003, também não lhe são aplicáveis as previsões das disposições que a decisão recorrida expressamente invoca (al. 3) do n.º 1 do art. 11.° da Lei n.º 6/2004 e o n.º 1 do art. 15.° do Regulamento Administrativo n.º 8/2012).
    J) Com efeito, o fundamento legal da al. 3) do n.º 1 do art. 11.° da Lei n.º 6/2004, nos termos da qual a autorização de permanência na RAEM pode ser revogada, quando a pessoa não residente constitua perigo para a segurança ou ordem públicas, nomeadamente pela prática de crimes, ou sua preparação, na RAEM, é, obviamente, improcedente por inaplicável.
    L) Efectivamente, o recorrente não constitui perigo para a segurança e ordem públicas da RAEM, nem o mesmo praticou ou se prepara para praticar «crimes», A situação do recorrente situa-se claramente fora do âmbito de aplicação e da teleologia da citada norma.
    M) A decisão recorrida, ao sustentar-se nas disposições que cita e, implicitamente, ainda, no art. 4.°, n.º 2, al. 2) da Lei n.º 4/2003, incorreu no vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e, bem assim, nos de direito, por errada interpretação e aplicação das mesmas disposições legais.
    Nestes termos entende dever proceder o presente recurso e, por conseguinte, ser revogado o acto administrativo recorrido, com as legais consequências.
    
    2. O Exmo Senhor Secretário para a Segurança do Governo da Região Administrativa Especial de Macau contesta, dizendo:
    O despacho, em crise, do Secretário para a Segurança, de 18/03/2013 apropria-se dos fundamentos de facto e de direito constantes do despacho Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública, adiante CPSP, e do parecer e informação suplementar n.º MIG.758/2012/TNR do CPSP, respectivamente, de 19/10/2012 e 18/10/2012, a fls. do processo instrutor.
    A interpretação da expressão "nomeadamente pela prática de crimes" consagrada na norma do artigo 11.º, n.º 1, alínea 1), da Lei n.º 6/2004 deve ser entendida em sentido amplo, ou seja, no sentido em que é subsumida à norma a existência de indícios da prática de crimes que permitam com elevado grau de probabilidade antever um acusação pelo Ministério Público, bem como a condenação por tribunal do TNR, no caso, o recorrente, pela prática de um crime.
    Pelo que,
    A aplicação da medida administrativa de revogação da autorização de permanência "in casu", decorre do facto da prática de crime consubstanciada na sentença que condenou, o recorrente, na pena de prisão, substituída por multa e na pena assessoria supra referida no art. 1º
    Sendo que, a sentença de condenação em pena de prisão, substituída por multa (mas que podia ser pena de prisão suspensa, pena principal de multa ou outra sentença sancionadora de acto tipificado como crime no ordenamento jurídico da Região) constitui matéria de facto que, “per se”, integra na plenitude o fundamento legal necessário para a aplicação da medida de administrativa de revogação da autorização de permanência na qualidade de TNR ao recorrente.
    Pelo que, a entidade recorrida opõe-se ao entendimento do recorrente plasmado nos arts. 4.º, 8.º, 9.º, 13.º a 17.º, 25.º e conclusões C, F a I, da P. R. de que o artigo 15.º, n.º 1, do R. A. n.º 8/2010 "remete implicitamente para o art. 4 da lei n.º 4/2003" e, neste sentido, deve improceder o alegado vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito e erro de interpretação e aplicação da lei.
    Igualmente, é de afastar o entendimento do recorrente no artigos 11.º, 12.º e conclusões D e E, da P. R, por estar errado, quando afirma que "por via da fundamentação constante da decisão do CPSP «deve ser cancelada a autorização de permanência do interessado, enquanto TNR, considerando que este violou a lei de Macau e foi sentenciado em pena de prisão» II e "O pressuposto da decisão decorrida, foi no entendimento do CPSP (...) o ora recorrente ter sido condenado em pena de prisão".
    A expressão "deve" - consta do parágrafo 3. da informação suplementar n.º MIG.758/2012/TNR, de 18/010/2012 (a fls., do processo instrutor), mas cuja redacção termina com "mantém a proposta original revogando a sua autorização de permanência (...). À apreciação superior" e não condicionou nem foi apropriada pela decisão do Comandante do CPSP; ou seja, não passa de um mero erro de expressão escrita do funcionário.
    Pelo que, também, aqui deve improceder o alegado vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito.
    Mas, exige, também, a norma do artigo 11º, n.º 1, alínea 1), da Lei n.º 6/2004,
    Que o não residente "constitua perigo para a segurança ou ordem públicas", conforme alegado pelo recorrente no art. 23.º, da P. R., o que nos remete para o campo dos conceitos indeterminados querendo aparentemente com qualquer deles aludir a uma realidade contida no conceito de "segurança interna".
    Assim,
    No que respeita à segurança interna pode ser entendida como a actividade desenvolvida pela RAEM para garantir a ordem, a segurança e a tranquilidade públicas, proteger pessoas e bens, prevenir a criminalidade e contribuir para assegurar o normal funcionamento das instituições democráticas, o regular exercício dos direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos e o respeito pela legalidade democrática.
    Cabe ao CPSP, como função exclusiva (em face da sua experiência), realizar um juízo de "prognose de perigo"1 ("in casu" não é um perigo efectivo, presente ou em potência), que não pode ser "ilusório ou putativo", devendo verificar se a conduta do recorrente é adequada e provável à produção de certo resultado danoso para o interesse público a proteger.
    
    A condenação pela prática do crime especial de condução em estado de embriaguez (integrador do art. 11º, n.º 1, al. 3), da Lei n.º 6/2004) faz legitimamente concluir pelo perigo que na pessoa do recorrente se potencia para a segurança e ordem públicas.
    E, neste sentido justifica-se a aplicação da revogação da autorização de permanência na qualidade de TNR como a medida necessária e adequada à prossecução dos fins da segurança e ordem pública".
    Pelo que, deve, igualmente, improceder o alegado vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito.
    Destarte, pelo exposto, conclui-se que o acto administrativo recorrido não se mostra eivado de qualquer invalidade que consubstancie o vício de violação de lei, imputado ao acto em crise, nos termos em que o recorrente alegou e que determine a sua anulação.
    
    3. O Exmo Senhor Procurador Adjunto emite o seguinte douto parecer:
    Propondo a invocação, como motivação do decidido, além do mais, do disposto no art. 15°, n.º do R.A. 8/2010, projecta ao recorrente a sua argumentação em duas vertentes essenciais :
    - por um lado, decorrerá daquele dispositivo a aplicabilidade do art. 4° da Lei 4/2003, o qual, contemplando como fundamento a condenação do visado em pena de prisão, não terá, no caso, acolhimento, uma vez que a pena aplicada foi substituída por multa, adquirindo, consequentemente, esta característica, não coadunável com aquele dispositivo legal;
    - por outra banda, sendo certo reportar-se expressamente a motivação do acto ao disposto na a1. 3) do n° 1 do art. 11 ° da Lei 6/2004, a verdade é que, no seu critério, inexistirá matéria bastante para a conclusão de que a sua permanência na Região constitua perigo para a segurança ou ordem públicas.
    Pois bem:
    Não aceitamos, desde logo, a pretensão do recorrente, no sentido de o acto em crise se encontrar (também) estribado na al. 2) d n° 2 do art. 4° da Lei 4/2003, por força da invocação do n.° 1 do art. 15° do R.A. 8/2010.
    Atentando devidamente neste último dispositivo, verificar-se-à que o termo "respectivamente" ali ínsito não poderá deixar de significar que "A autorização de permanência na qualidade de trabalhador é recusada ... quando se verifiquem os pressupostos previstos na lei para a recusa ou interdição de entrada a quaisquer não residentes", do mesmo passo que terá que se entender que aquela autorização é revogada quando se verifiquem os pressupostos "... para a revogação da respectiva autorização de residência".
    O que significa, no caso, a aplicabilidade (de resto, claramente expressa no acto) apenas do disposto na al. 3) do n° 1 do art. 11° da Lei 6/2004, fundando-se, pois, a revogação registada no facto de a entidade recorrida entender que, por força da condenação sofrida, a permanência do recorrente constitui perigo para a segurança ou ordem públicas da RAEM, que não por ter, pura e simplesmente sido condenado criminalmente.
    De todo o modo, não nos esquivaremos a adiantar que, se tal fosse o caso, nos encontraríamos em sintonia com o visado, no sentido de considerar que a pena que concretamente lhe foi aplicada - 2 meses de prisão substituída por multa, no valor de MOP 6.000,00 e pena acessória de inibição de condução pelo período de um ano - não reveste a característica de "pena privativa de liberdade" para os efeitos da al. 2) do n° 2 do art. 4° da Lei 4/2003, na senda do que, aliás, já foi decidido por este Tribunal, designadamente no âmbito do proc. 644/2011.
    Isto, apesar de a questão não deixar de poder suscitar algumas dúvidas.
    É que se é certo que a redacção da al. 3) do n° 2 da norma em questão, ao permitir a recusa de entrada pelo facto da existência de (apenas) fortes indícios da prática de qualquer crime (independentemente da respectiva natureza ou pena), parece apontar no sentido da vontade do legislador no "fácil" preenchimento daquele conceito de "pena privativa de liberdade", ali se podendo abranger o caso presente, a que acresce a circunstância de sempre se poder afirmar que o normativo por que o recorrente foi criminalmente punido – n.º 1 do art. 90° da LTR- prever como pena principal a aplicação de prisão "tout court", não é menos verdade que nos deparamos, no caso, claramente com uma pena substitutiva dessa mesma prisão, nos termos do n.° 1 do art. 44° CPM, a tal não obstando o facto de no n.° 2 da mesma norma se prever o cumprimento da pena de prisão se a multa não for paga, o que não sucedeu no caso.
    "Substituir" é "ser ou fazer-se em vez de" (Grande Dicionário da Língua Portuguesa" de Cândido de Figueiredo.
    Terá, assim, de partir-se do princípio que a pena de multa foi aplicada "em vez" da pena de prisão. E, tendo sido oportunamente cumprida, não poderá, no caso, para os efeitos que nos ocupam, concluir-se ter o recorrente sido condenado em pena privativa de liberdade.
    Contudo, como acima se frisou, a real motivação do acto foi outra, cumprindo, assim, aferir do registo dos pressupostos que conduziram a Administração à consideração de que a permanência do recorrente na Região constitui perigo para a segurança ou ordem públicas, asserção decorrente da condenação criminal pelo mesmo sofrida.
    Dada a natural dose e margem de subjectividade subjacente à apreciação na matéria e o poder discricionário neste domínio, a tarefa não se apresenta tão simples quanto aparenta.
    Na verdade, bem vistas as coisas, será difícil configurar qualquer condenação criminal da qual, de uma forma ou de outra, se não possa extrair, ainda que minimamente, aquele perigo para a ordem pública derivada da presença do elemento criminoso no meio.
    Porém, se tal fosse a intenção do julgador, não careceria, para os casos de interdição de entrada, de exigir esse requisito de efectivo perigo, bastando-se com a mera existência de antecedentes criminais, como, de resto, sucede com a autorização de residência cfr. n° 2, al. l ) do art. 9° da Lei 4/2003).
    Não se ignora que a medida em crise foi tomada em sede de estratégia de prevenção da segurança e estabilidade públicas, necessidade que se continua a sentir, cada vez com maior acuidade, tomando-se, pois, matéria do máximo interesse público: porém, o escrutínio do que possa constituir aquele perigo para a segurança e ordem públicas não poderá deixar de passar por um sensato juízo de valor àcerca da matéria, o qual há-de conter, além do mais, reflexão sobre o tipo de crime praticado, contornos e circunstancialismos do mesmo bem como a pena aplicada.
    Nestes parâmetros, não nos parece que, de alguém que foi condenado pela prática de condução em estado de embriaguez, na pena de 2 meses de prisão substituída por multa e em pena acessória de inibição de condução por 1 ano, se possa, com normalidade, extrair aquele efectivo perigo para a segurança e ordem públicas.
    É claro que a prática é tudo, menos recomendável.
    Trata-se, contudo, de situação que, formalmente integrada como ilícito penal, configura, por norma, elemento subjectivo (a nível intelectual e volitivo) "sui generis", a não ultrapassar o dolo eventual e em que qualquer cidadão, porventura mais confiante e incauto pode incorrer (sobretudo se, como é o caso, a alcoolemia detectada ultrapassa em pouco o limite da consideração como crime), o que, conjugado com o facto de, tratando-se, como tudo aparenta, de situação isolada, mal se compaginará com o augúrio e configuração do registo daquele efectivo perigo para a segurança e ordem públicas da RAEM pela permanência do prevaricador na Região.
    A menos que se pretenda Macau como a "cidade dos anjos" (porventura por associação, pelo menos na nomenclatura, com a congénere nos USA), o que nos não parece ser o caso.
    Donde, por erro manifesto nos pressupostos relativos a esta vertente vinculada, adentro do poder discricionário da entidade recorrida na matéria, sermos a entender merecer provimento o presente recurso.
    
    4. Foram colhidos os vistos legais.
    
    II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito.
    
    III - FACTOS
    Respiga-se do processo administrativo instrutor a seguinte factualidade pertinente, em particular os pareceres e despacho seguintes:
    
Governo da Região Administrativa Especial de Macau
CORPO DE POLÍCIA DE SEGURANÇA PÚBLICA

Parecer:
1. O interessado A, titular do TI/TNR n.º XXX, trabalhava como garçom (bartender) no bar “MP3”.
2. Segundo a notificação da sentença do processo sumário n.º CR1-12-0154-PSM proferida em 21/08/2012 pelo Juízo Criminal do TJB, foi mostrado que o interessado foi condenado pela prática de crime de condução em estado de embriaguez p.p. pelo art.º 90.º n.º 1 da Lei n.º 3/2007, ora Lei do Trânsito Rodoviário, na pena de dois meses de prisão, substituída por multa de MOP 6.000,00, e com inibição de condução pelo período de 1 ano (vide a notificação da sentença no Anexo).
3. Considerando que o interessado não respeitou a lei de Macau e foi condenado na pena pela violação da lei desta Região, deve ser revogada a autorização de permanência na qualidade de trabalhador concedida ao interessado.
4. Realizada a audiência, o interessado pronunciou-se por escrito junto ao presente Serviço (cfr. os Anexos I e II)
5. Tendo considerado sinteticamente os respectivos factos e os pressupostos previstos no art.º 11.º n.º 1 al. 3) da Lei n.º 6/2004, sugere-se a revogação da autorização de permanência na qualidade de trabalhador concedida ao interessado nos termos do art.º 15.º n.º 1 do Regulamento Administrativo n.º 8/2010.

Submete-se à consideração do MM.º Comandante.

O chefe do Serviço de Migração
Ass. Subint. Cheang Kam Va (鄭錦華)
Ass.: vide o original
Aos 19 de Outubro de 2012

Despacho:
Concordo. Preenchidos os pressupostos previstos no art.º 11.º n.º 1 al. 3) da Lei n.º 6/2004, o signatário vem exercer a competência subdelegada pelo Secretário para a Segurança e decidir, nos termos do art.º 15.º n.º 1 do Regulamento Administrativo n.º 8/2010, revogar a autorização de permanência na qualidade de trabalhador concedida ao interessado.

Data ilegível (vide o original)
O Comandante
Superintendente-geral, Lei Sio Peng (李小平)
Ass.: vide o original

Assunto: revogação da autorização de permanência na qualidade de trabalhador
Informação complementar n.º MIG.758/2012/TNR
Pág. N.º 1
Data: 18/10/2012
1. No que diz respeito ao assunto da condenação do trabalhador não residente A pela prática de crime de condução em estado de embriaguez, este Comissariado lavrou a informação n.º MIG.758/2012/TNR, sugerindo a revogação da autorização de permanência na qualidade de trabalhador concedida ao aludido trabalhador.
2. Em 22 de Agosto de 2012 e 4 de Outubro de 2012, foi notificado ao interessado A, do teor que a informação pretende emitir, por “audiência escrita” nos termos do art.º 94.º do Código do Procedimento Administrativo de Macau, e de que pode pronunciar-se por escrito sobre o teor da informação, dentro de dez dias a partir do recebimento da notificação. Além disso, foi comunicada, através do ofício, ao seu empregador a situação susceptível da revogação da autorização de permanência na qualidade de trabalhador do aludido interessado.
3. Em 4 de Novembro de 2012 e 12 de Outubro de 2012, a advogada do interessado pronunciou-se por escrito respectivamente dentro de dez dias, com o seguinte sumário (pode-se consultar os Anexos para as informações detalhadas):
1) No dia da ocorrência do caso, o interessado tinha praticado os respectivos actos criminosos quando recebeu a notícia da morte súbita do seu pai por acidente e bebeu muito no caso de extrema angústia e descontrolo emocional;
2) O interessado já foi condenado na pena pelo Tribunal e com inibição de condução pelo período de 1 ano;
3) A pena supracitada pode reduzir eficazmente, em alguma medida, a sua ameaça contra a segurança desta Região;
4) A aludida parte tinha praticado os actos criminosos e já foi condenado na pena, quer dizer, a mesma já sofreu a punição devida através a condenação;
5) Ademais, o interessado tem a mãe velha e uma filha menor a seu cargo, se seja revogada a autorização de permanência na qualidade de trabalhador, o interessado poderá perder emprego e consequentemente, não consegue assegurar alimentos à sua mãe velha e à filha menor.
4. Face ao exposto, afigura-se que não são suficientes os fundamentos das respectivas opiniões por escrito do interessado, portanto, mantém-se o parecer original, revogando a autorização de permanência na qualidade de trabalhador concedido ao aludido interessado.

O chefe do Comissariado de Trabalhadores Não-Residentes
Comissário, Iao Vai Lam (丘威琳)
Ass.: vide o original


Elaborado por
Choi Un Ieng n.º 090890
Ass.: vide o original (徐婉瑩)



É do seguinte teor o despacho recorrido:
    
“ASSUNTO: Recurso hierárquico necessário
RECORRENTE: A
    Atento o teor do Despacho do Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública (CPSP), de 19/10/2012, que se apropriou dos fundamentos de facto e de direito do parecer e informação suplementar n.º MIG.758/2012/TNR, de 18/10/2012, que aqui se dão por reproduzidos, que revogou a autorização de permanência na qualidade de trabalhador não residente (TNR) ao recorrente, nos termos do artigo 11º, n.º 1, alínea 3), da Lei n.º 6/2004 conjugado com o artigo 15.º, n.º 1, do R. A. n.º 8/2010 e do recurso hierárquico do recorrente, de 30/11/2012, que aqui também se dá por reproduzido;
    O recorrente por sentença do Tribunal Judicial de Base, l.º Juízo Criminal, transitado em julgado, em 31/08/2012, foi condenado na pena de dois meses de prisão substituída pela pena de multa no valor total de 6,000.00 patacas e na pena acessória de inibição de condução pelo período de um ano;
    Destarte, considero a decisão proferida legal, adequada e mostra-se devidamente fundamentada de facto e de direito, pelo que ao abrigo do artigo 161.º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo, confirmo a decisão recorrida, negando provimento ao presente recurso
    
    Gabinete do Secretário para a Segurança da Região Administrativa Especial de Macau, aos 18 de Março de 2013.

O Secretário par a Segurança
Cheong Kuoc Vá”
    
    
Despacho que se louvou na seguinte informação:

“INFORMAÇÃO

ASSUNTO: Recurso hierárquico. Revogação de autorização de permanência para trabalhador não residente
RECORRENTE: A
TERMOS LEGISLATIVOS: ARTº 159º do CPA
    
    1. O recorrente, vem impugnar o despacho que revogou a sua autorização de permanência para trabalhador não residente - TITNR, invocando, em síntese, o seguinte:
    2. Que admite a sua falta, e está arrependido; Que precisa de trabalhar para sustentar a sua mãe que é idosa, e que se não puder trabalhar já não poderá tomar conta dela; Que considera que o acto que praticou não foi muito grave; Que não considera ser uma pessoa capaz de pôr a segurança da RAEM, em perigo; Que foi a primeira vez que fez isso, e que foi uma coisa acidental,
    3. pedindo a revogação da decisão.
---xxx---
    4. O recorrente foi interceptado a conduzir em estado de embriaguez, tendo registado 1.69 g alcool no sangue, acabando por ser punido pelas autoridades judiciais na pena de 2 meses de prisão, que, entretanto, foi substituída por multa.
    5. A observação das leis da RAEM, é uma das condições de autorização permanência aos não residentes, quer para os visitantes normais, quer para os detentores de autorização para trabalho, como também daqueles que se encontrem em situação de residência temporária, fundamento que se manifesta numa não renovação ou revogação.
    6. A referida não observação das leis da RAEM, neste caso a LTR, art. 90º nº 1, por via da Lei nº 6/2004, motiva a decisão de revogação da autorização de permanência para trabalho, uma vez que se deixa de ter confiança no recorrente porque se receia que este volte a praticar actos semelhantes, e assim a pôr em perigo os cidadãos que utilizam as vias públicas da RAEM.
    7. Assim, pelo exposto e por se considerar que o acto que revogou a autorização de trabalho ao recorrente, não está ferido de qualquer vício que possa levar à sua anulabilidade, não deve ser concedido provimento ao presente recurso.
    8. À superior consideração de V. Exa..
    
CPSP, aos 15 de Fevereiro de 2013
    
O Comandante,
Lei Siu Peng
Superintendente Geral”

    IV - FUNDAMENTOS
    1. No fundo, pretende o recorrente imputar ao acto recorrido vício de erro nos pressupostos de facto, na medida em que lhe foi revogada a autorização de permanência, porquanto um dos fundamentos da decisão terá sido o facto de ele ter sido condenado em prisão privativa de liberdade quando foi condenado em pena de multa, ainda que em substituição da pena de prisão.
    Não se nos afigura que lhe assista razão.
    
    2. Atentemos nas normas pertinentes.
Dispõe o artigo 15º do Regulamento Administrativo n.º 8/2010:
“1. A autorização de permanência na qualidade de trabalhador é recusada ou revogada quando se verifiquem os pressupostos previstos na lei, respectivamente, para a recusa ou interdição de entrada a quaisquer não residentes, ou para a revogação da respectiva autorização de permanência.
(…)”
    Dispõe o artigo 11º da Lei n.º 6/2004:
    “1. A autorização de permanência na RAEM pode ser revogada, sem prejuízo da responsabilidade criminal e das demais sanções previstas na lei, por despacho do Chefe do Executivo, quando a pessoa não residente:
    1) Trabalhar na RAEM sem estar autorizada para tal
    2) Manifestamente se desvie dos fins que justificam a autorização de permanência, pela prática reiterada de actos que violem leis ou regulamentos, nomeadamente prejudiciais para a saúde ou o bem-estar da população;
    3) Constitua perigo para a segurança ou ordem públicas, nomeadamente pela prática de crimes, ou sua preparação, na RAEM.
    2. A pessoa a quem tenha sido revogada a autorização de permanência tem de abandonar a RAEM no mais curto prazo possível, não superior a 2 dias, excepto se:
    1) Permanecer legalmente na RAEM por mais de 6 meses, caso em que dispõe de um prazo para abandoná-la não inferior a 8 dias, sem prejuízo do disposto na alínea seguinte;
    2) Constituir grave ameaça para a segurança ou ordem públicas, caso em que pode ser decretado o abandono imediato.
    3. O despacho de revogação da autorização de permanência fixa a data até à qual a pessoa tem de abandonar a RAEM.
    4. A competência prevista no n.º 1 é delegável. “
    
    Dispõe o artigo 4º da Lei n.º4/2003:
    “1. É recusada a entrada dos não-residentes na RAEM em virtude de:
    1) Terem sido expulsos, nos termos legais;
    2) A sua entrada, permanência ou trânsito estar proibida por virtude de instrumento de direito internacional aplicável na RAEM;
    3) Estarem interditos de entrar na RAEM, nos termos legais.
    2. Pode ser recusada a entrada dos não-residentes na RAEM em virtude de:
    1) Tentarem iludir as disposições sobre a permanência e a residência, mediante entradas e saídas da RAEM próximas entre si e não adequadamente justificadas;
    2) Terem sido condenados em pena privativa de liberdade, na RAEM ou no exterior;
    3) Existirem fortes indícios de terem praticado ou de se prepararem para a prática de quaisquer crimes;
    4) Não se encontrar garantido o seu regresso à proveniência, existirem fundadas dúvidas sobre a autenticidade do seu documento de viagem ou não possuírem os meios de subsistência adequados ao período de permanência pretendido ou o título de transporte necessário ao seu regresso.
    3. A competência para a recusa de entrada é do Chefe do Executivo, sendo delegável.”
    
    
    3. Somos a acompanhar a douta posição do MP, enquanto diz:
    “Propondo a invocação, como motivação do decidido, além do mais, do disposto no art. 15°, n.º do R.A. 8/2010, projecta ao recorrente a sua argumentação em duas vertentes essenciais :
    - por um lado, decorrerá daquele dispositivo a aplicabilidade do art. 4° da Lei 4/2003, o qual, contemplando como fundamento a condenação do visado em pena de prisão, não terá, no caso, acolhimento, uma vez que a pena aplicada foi substituída por multa, adquirindo, consequentemente, esta característica, não coadunável com aquele dispositivo legal;
    - por outra banda, sendo certo reportar-se expressamente a motivação do acto ao disposto na a1. 3) do n° 1 do art. 11 ° da Lei 6/2004, a verdade é que, no seu critério, inexistirá matéria bastante para a conclusão de que a sua permanência na Região constitua perigo para a segurança ou ordem públicas.
    Pois bem:
    Não aceitamos, desde logo, a pretensão do recorrente, no sentido de o acto em crise se encontrar (também) estribado na al. 2) d n° 2 do art. 4° da Lei 4/2003, por força da invocação do n.° 1 do art. 15° do R.A. 8/2010.
    Atentando devidamente neste último dispositivo, verificar-se-á que o termo "respectivamente" ali ínsito não poderá deixar de significar que "A autorização de permanência na qualidade de trabalhador é recusada ... quando se verifiquem os pressupostos previstos na lei para a recusa ou interdição de entrada a quaisquer não residentes", do mesmo passo que terá que se entender que aquela autorização é revogada quando se verifiquem os pressupostos "... para a revogação da respectiva autorização de residência".
    O que significa, no caso, a aplicabilidade (de resto, claramente expressa no acto) apenas do disposto na al. 3) do n° 1 do art. 11° da Lei 6/2004, fundando-se, pois, a revogação registada no facto de a entidade recorrida entender que, por força da condenação sofrida, a permanência do recorrente constitui perigo para a segurança ou ordem públicas da RAEM, que não por ter, pura e simplesmente sido condenado criminalmente. “
    
    4. Da concatenação do conteúdo do despacho proferido com os pareceres e informações por ele absorvidos, diremos que não resulta do mesmo despacho ter sido por se considerar que o recorrente fora condenado numa pena privativa de liberdade que lhe foi revogada a autorização de permanência como TNR (trabalhador não residente).
    Se o tivesse sido, claramente motivada a decisão nesse sentido, então não teríamos dúvidas em considerar viciado o acto, na esteira do entendimento vertido no nosso recente acórdão, Proc. n.º 158/2013, de 5 de Junho, nos termos e fundamentos ali expostos, na esteira, aliás do que já fora decidido no Proc. 644/2011.
    Sempre seríamos a considerar que a pena que concretamente lhe foi aplicada - 2 meses de prisão substituída por multa, no valor de MOP 6.000,00 e pena acessória de inibição de condução pelo período de um ano - não reveste a característica de "pena privativa de liberdade" para os efeitos da al. 2) do n° 2 do art. 4° da Lei 4/2003.
    
    5. O fundamento utilizado baseou-se no facto vertido na previsão da norma que estatui:
    “Constitua perigo para a segurança ou ordem públicas, nomeadamente pela prática de crimes, ou sua preparação, na RAEM.”
    
    6. É aqui que passamos a divergir da douta posição do MP.
    Ainda que nos fosse mais simpático e, porventura, mais fácil aderir à tese de que a factualidade pressuposto da decisão tomada não preenche a factualidade típica vertida em tal norma, estamos em crer que a real motivação do acto foi a de considerar que a permanência do recorrente na Região constituiria perigo para a segurança ou ordem públicas, asserção decorrente da condenação criminal pelo mesmo sofrida.
    Podemos nós, pode este Tribunal substituir-se àquela avaliação da Administração, de forma a aferir da perigosidade imanente a uma condenação criminal?
    Mesmo que entendamos que um crime de natureza estradal, isolado e com um dado enquadramento sócio- psicológico, explicativo do seu cometimento, que não justificativo do mesmo, pudesse em abstracto neutralizar a perigosidade que daí se pudesse extrair, pensamos que o Tribunal não se pode imiscuir nesse juízo cometido primacialmente à Administração, caracterizando-se o exercício desse acto no âmbito de uma actividade discricionária que só em caso de violação grave e manifesta dos princípios de justiça, equilíbrio e deproporcionalidade pode ser sindicada.
    É apenas aqui que reside o nosso apartamento em relação à posição do Digno Magistrado do MP, enquanto afirma que “Não se ignora que a medida em crise foi tomada em sede de estratégia de prevenção da segurança e estabilidade públicas, necessidade que se continua a sentir, cada vez com maior acuidade, tomando-se, pois, matéria do máximo interesse público: porém, o escrutínio do que possa constituir aquele perigo para a segurança e ordem públicas não poderá deixar de passar por um sensato juízo de valor acerca da matéria, o qual há-de conter, além do mais, reflexão sobre o tipo de crime praticado, contornos e circunstancialismos do mesmo bem como a pena aplicada.”
    Ao invés, nestes parâmetros, será à Administração que cabe aferir se alguém que foi condenado pela prática de condução em estado de embriaguez, na pena de 2 meses de prisão substituída por multa e em pena acessória de inibição de condução por 1 ano, pode incorrer em efectivo perigo para a segurança e ordem públicas.
    
    Nesta conformidade o recurso não deixará de improceder.
V - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao presente recurso contencioso.
    Custas pelo recorrente, com 5 UC de taxa de justiça
                 Macau, 3 de Julho de 2014,
                 João A. G. Gil de Oliveira
                 Ho Wai Neng
                 José Cândido de Pinho
Presente
Vitor Coelho
1 Vide Ac. do TSI de 18/10/2012, Proc. n.º 127/2012, p. 25.

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258/2013 27/27