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Processo nº 605/2013
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 03 de Julho de 2014
Descritores:
-Revisão de sentença
-Divórcio

SUMÁRIO:

I- Não se conhecendo do fundo ou do mérito da causa, na revisão formal, o Tribunal limita-se a verificar se a decisão do exterior de Macau satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade, pelo que não há que proceder a novo julgamento tanto da questão de facto como de direito.

II- Quanto aos requisitos relativos ao trânsito em julgado, competência do tribunal do exterior, ausência de litispendência ou de caso julgado, citação e garantia do contraditório, o tribunal verifica oficiosamente se concorrem as condições indicadas nas alíneas a) e f) do artigo 1200º, negando também oficiosamente a confirmação quando, pelo exame do processo ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções, apure que falta algum dos requisitos exigidos nas alíneas b), c), d) e e) do mesmo preceito.

III- É de confirmar a decisão do Tribunal competente segundo a lei de Hong Kong que decreta o divórcio entre os cônjuges, desde que não se vislumbre qualquer violação ou incompatibilidade com a ordem pública da RAEM ou qualquer obstáculo à sua revisão.















Proc. nº 605/2013

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.

I – Relatório
A, do sexo masculino, titular do BIRPM n.º XXXXX (cfr. documento n.º 1), residente no XXXX, Macau, doravante simplesmente designado por requerente, veio requerer a revisão e confirmação de sentença civil proferida pelo Tribunal do Distrito da RAEHK contra:
B, com nome anterior C, do sexo feminino, titular do BIRPHK n.º XXXXX (cfr. documento n.º 2), residente em XXXX, Kowloon (九龍XXXX), doravante simplesmente designado por requerida.
Fê-lo nos seguintes termos:
1.
O requerente e a requerida casaram-se civilmente e sob registo na RAEHK em 11 de Dezembro de 1984.
2.
Após casamento, o requerente e a requerida têm um filho. (cfr. documento n. º 3)
3.
O requerente e a requerida pediram conjuntamente divórcio junto do Tribunal do Distrito da RAEHK (processo de requerimento conjunto n.º FCXXXX).
4.
O Tribunal do Distrito da RAEHK conheceu do requerimento de divórcio supracitado e decretou temporariamente o divórcio das partes em 22 de Maio de 2002, doravante simplesmente designado por decreto temporário. (cfr. documento n.º 4)
5.
O decreto supracitado transitou em definitivo em 26 de Abril de 2013, doravante simplesmente designado por decreto absoluto. (cfr. documento n.º 5)
6.
O decreto temporário e o absoluto, ambos são emitidos pelo Tribunal do Distrito da RAEHK e com carimbo deste Tribunal, cuja autenticidade não se suscita dúvida.
7.
No processo de divórcio em apreço, não há indício mostrando que violou o princípio do contraditório ou o da igualdade das partes.
8.
Nem há indício mostrando que a competência foi conferida ao Tribunal do Distrito da RAEHK, que emitiu o decreto, na situação de “fraude à lei”, ou existe litispendência ou caso julgado nos tribunais de Macau.
9.
Não têm competência exclusiva os tribunais de Macau sobre o aludido requerimento de divórcio.
10.
O decreto supra referido não ofendeu manifestamente o regime público da RAEM.
11.
Nestes termos, por estar conforme ao disposto no art.º 1200.º do Código de Processo Civil de Macau, deve-se confirmar o aludido decreto, de modo que o mesmo produza efeitos na RAEM.
*
Não houve contestação.
*
Cumpre decidir.
***
II - Pressupostos processuais
O tribunal é competente internacionalmente, em razão da matéria e da hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito.
***
III - Os factos
1- No Tribunal de Distrito da RAEK foi proferida sentença de divórcio entre requerente e requerida, nos seguintes termos:
Região Administrativa Especial de Hong Kong
Tribunal do Distrito
Acção de Divórcio
Processo de Requerimento Conjunto n.º FCXXXX
A 1º requerente
E
B 2a requerente
(nome anterior: C )

Perante o MM.º Juiz substituto do 4º Juízo do Tribunal do Distrito, Sr.
D
Decreto temporário de divórcio
Em 22 de Maio de 2002, o MM.o Juiz confirmou que as duas partes viviam em separação por, pelo menos, um ano antes de requerem divórcio; e
A 1º requerente
E
B 2a requerente
(nome anterior:C)
Em 11 de Dezembro de 1984, o casamento, cuja cerimónia realizada no Escritório de Registo de Casamento (CH XXXX) no Hong Kong City Hall, já foi rompido de forma insanável e consequentemente, foi decretado o divórcio, salvo motivo justificativo de impedimento de trânsito em definitivo do presente decreto, interposto dentro de seis semanas a contar da data da emissão do presente decreto.
Data: 22 de Maio de 2002.
O Deputy Registrar
Ass.: vide o original
2 - Esta decisão transitou no dia 26 de Abril de 2013 (doc. fls. 11 a 13 dos autos e 13 a 16 do apenso “traduções”).
***
IV – O Direito
Neste tipo de processos não se conhece do fundo ou do mérito da causa, uma vez que o Tribunal se limita a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade, pelo que não há que proceder a novo julgamento, nem da questão de facto, nem de direito.
Vejamos então os requisitos previstos no artigo 1200º do CPC.
Ora, os documentos constantes dos autos reportam e certificam a situação invocada pelo autor. Revelam, além da autenticidade, a inteligibilidade da decisão que decretou o divórcio litigioso com observância dos preceitos legais em vigor aplicáveis à situação.
Por outro lado, a decisão em apreço não conduz a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública (cfr. art. 20º e 273º do C.C.). Com efeito, também o direito substantivo de Macau prevê a dissolução do casamento, igualmente com fundamento na cessação dos laços e convivência conjugal.
Reunidos estão, pois, os requisitos de verificação oficiosa do art. 1200º, n.º 1, als. a) e f), do CPC.
Além destes, não se detecta que os restantes (alíneas b) a e)) constituam aqui qualquer obstáculo ao objectivo a que tendem os autos.
Na verdade, resulta dos documentos de fls. 11 a 13 dos autos e 13 a 16 do apenso “traduções” que a sentença já transitou.
Por outro lado, a decisão foi proferida por entidade competente face à lei em vigor na RAEHK e não versa sobre matéria exclusiva da competência dos tribunais de Macau, face ao que consta do art. 20º do Cod. Civil.
Também não se vê que tivesse havido violação das regras de litispendência e caso julgado ou que tivessem sido violadas as regras da citação no âmbito daquele processo ou que não tivessem sido observados os princípios do contraditório ou da igualdade das partes.
Posto isto, tudo se conjuga para a procedência do pedido (cfr. art. 1204º do CPC).
***
V - Decidindo
Face ao exposto, acordam em conceder a revisão e confirmar a decisão proferida pelo Tribunal de Distrito da RAEHK, datada de 22/05/2002, já transitada, que decretou o divórcio entre A e B, nos exactos e precisos termos acima transcritos.
Custas pelo requerente, sem prejuízo do apoio judiciário concedido.
TSI, 03 de Julho de 2014
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong