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Processo n.º 77/2014. Recurso jurisdicional em matéria cível.
Recorrente: A.
Recorrido: B.
Assunto: Testemunha. Parte. Depoimento de parte. Representante voluntário de parte.
Data do Acórdão: 30 de Julho de 2014.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Song Man Lei e Sam Hou Fai.
SUMÁRIO
O representante voluntário da parte, que não tenha poderes especiais para confessar factos, ainda que possa transigir e desistir do pedido ou da instância na acção, não pode depor como parte. Pode, pois, depor como testemunha.
O Relator,
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
B intentou acção declarativa com processo ordinário contra C, A e D, pedindo a resolução de um contrato-promessa celebrado com a 1.ª ré.
Na audiência de discussão e julgamento a Ex.ma Juíza-Presidente recusou a audição de uma testemunha do autor, com fundamento em ser possuidora de uma procuração passada pelo autor, onde lhe eram conferidos poderes gerais para transigir e desistir da instância ou do pedido.
Recorreu o autor.
O Tribunal de Segunda Instância (TSI), por Acórdão de 23 de Janeiro de 2014, revogou aquele despacho.
Recorre agora a ré A, para o Tribunal de Última Instância, imputando ao acórdão recorrido violação do princípio da justiça.

II – Os factos
Estão provados os seguintes factos:
1 - Consta dos autos uma procuração passada pelo autor a E, através da qual aquele conferiu a este poderes para intervir nas acções respeitantes ao lote XXX, incluindo o de receber citações e notificações, transigir do objecto da acção e desistir do pedido e da instância (fls. 22 e tradução a fls. 15/16 do apenso “traduções”).
2 – A M.ma Juíza Presidente proferiu, em 8 de Junho de 2012, o seguinte despacho:
«Uma vez que da procuração de fls. 22 passada pelo Autor a favor de E consta que foram conferidos poderes gerais a este para transigir e desistir do pedido ou da instância na presente acção, o mesmo não pode depor como testemunha nos termos do artigo 518.º e da segunda parte do artigo 478.º, n.º2, do CPC.
Tendo em conta o expendido e o disposto no artigo 536.º do CPC, decide-se não admitir o depoimento de E como testemunha não sendo atendidas as declarações já prestadas pelo mesmo» (fls. 980).

III – O Direito
1. A questão a resolver
Nos termos do artigo 518.º do Código de Processo Civil, estão impedidos de depor como testemunhas os que na causa possam depor como partes.
O acórdão recorrido entendeu que nada obstava a que um representante voluntário do autor com poderes para transigir e desistir do pedido ou da instância na presente acção pudesse testemunhar.
Segundo a recorrente o acórdão recorrido violou o princípio da justiça, por se dever fazer uma interpretação extensiva do conceito de parte, de modo a abranger qualquer pessoa que tenha interesse directo ou indirecto na causa.
É o que importa resolver.

2. Partes e testemunhas
Em processo civil, quem é parte não pode ser testemunha no processo, como resulta do preceito referido.
E, em princípio, todos os que não são partes podem ser testemunhas. Desapareceu do Código vigente a chamada inabilidade para depor como testemunha por motivo de ordem moral que, no Código de 1961, atingia certas pessoas com ligações matrimoniais, familiares ou de afinidade às partes, como o cônjuge, os ascendentes, descendentes e os sogros das partes.
Prevaleceu o entendimento de que, vigorando no nosso sistema o princípio da livre convicção do juiz, deve ser este que, caso a caso, avalia a credibilidade das pessoas arroladas como testemunhas, ainda que com fortes ligações às partes.
Não se pode, pois, dizer, como alega a recorrente, que exista um princípio jurídico segundo o qual as pessoas com interesse na causa, por qualquer motivo, não podem ser testemunhas.
Assim, todos os que não são partes podem testemunhar. Quer isto dizer que os representantes voluntários das partes não são partes, logo podem testemunhar. A menos que possuam poderes para confessar factos.
Já os representantes de pessoas colectivas podem depor como partes, dada a sua especial posição. Não podem, pois, ser testemunhas.
Como se diz no acórdão recorrido, o depoimento de parte visa a confissão de factos.
Por isso, a parte não pode requerer o seu próprio depoimento.
O representante voluntário da parte não tem poder para confessar factos, a menos que lhe tenham sido conferidos especiais poderes. Logo, não pode depor como parte. Pode, por isso, ser testemunha.
No caso dos autos, a procuração conferida à pessoa arrolada como testemunha não lhe conferia poderes para confessar factos, previstos no artigo 349.º do Código Civil.
Por conseguinte, podia depor como testemunha.
Não merece censura o acórdão recorrido.
Uma última nota. Como parece evidente, a anulação decretada não implica anulação da prova produzida validamente no processo, incluindo a produzida na audiência de discussão e julgamento, desde que seja possível a audição da testemunha pelos mesmos juízes e que estes estejam em condições de julgar a matéria de facto sem repetição da prova produzida.

IV – Decisão
Face ao expendido, nega-se provimento ao recurso.
Custas pela recorrente.
Macau, 30 de Julho de 2014.

Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai

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