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Processo n.º 68/2014. Recurso jurisdicional em matéria penal.
Recorrente: A.
Recorrido: Ministério Público.
Assunto: Droga. Tráfico de estupefacientes. Tribunal de Última Instância. Medida da pena.
Data do Acórdão: 30 de Julho de 2014.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Song Man Lei e Sam Hou Fai.
SUMÁRIO:
Qualquer oferta, cedência, transporte ou detenção de estupefaciente, ainda que gratuita, que não se destine, na totalidade, a consumo próprio, é considerado acto de tráfico de estupefacientes, punido, consoante os casos, pelos artigos 8.º ou 11.º da Lei n.º 17/2009.
O Relator
Viriato Manuel Pinheiro de Lima



ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
  
I – Relatório
O Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base, por Acórdão de 5 de Março de 2014, condenou a arguida A, pela prática em autoria material, na forma consumada e em concurso, de:
- Um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 8.º, n.º 1, da Lei n.º 17/2009, de 10 de Agosto, na pena de 7 (sete) anos e 9 (nove) meses de prisão;
  - Um crime de consumo ilícito de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 14.º da mesma Lei, na pena de 2 (dois) meses de prisão;
   - Um crime de detenção indevida de utensílio para consumo ilícito de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 15.º da mesma Lei, na pena de 2 (dois) meses de prisão;
  Em cúmulo jurídico, foi condenada na pena única de 8 (oito) anos de prisão.
O Tribunal de Segunda Instância (TSI), por Acórdão de 29 de Maio de 2014, oficiosamente, absolveu a arguida da prática do crime de detenção indevida de utensílio para consumo ilícito de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 15.º da Lei n.º 17/2009 e negou provimento ao recurso, fixando a pena única do cúmulo jurídico em 7 (sete) anos e 10 (dez) meses de prisão.
Recorre, novamente, a arguida, para este Tribunal de Última Instância (TUI), suscitando as seguintes questões:
- A violação das regras da experiência comum e o princípio da livre apreciação da prova pelo acórdão recorrido;
- A violação do princípio in dubio pro reo pelo acórdão recorrido, na medida em que devia ter sido punida pelo crime de tráfico de quantidades diminutas (deveria querer dizer tráfico de menor gravidade, que é o tipo da lei actual, sendo o tráfico de quantidades diminutas o tipo da lei anterior);
- O excesso da medida da pena pelo crime de tráfico de estupefacientes.
O Ex.mo Procurador-Adjunto pronunciou-se pela improcedência do recurso.
  
II – Os factos
Estão provados os seguintes factos:
  - Em 18 de Março de 2013, pelas 16h14, no posto alfandegário do vestíbulo da imigração das Portas do Cerco, os agentes dos Serviços Alfandegários interceptaram a arguida A que acabou de entrar em Macau, levando-a à sala para a realização de revista.
  - Os agentes alfandegários encontraram no soutien vestido pela arguida A um papel de estanho, contendo 15 pacotes de objectos cristalizados transparentes embalados em saquinhos plásticos transparentes e 1 pacote de objectos cristalizados transparentes embalados num saco plástico transparente; e na sua bolsa de toucador um saco plástico transparente, contendo 55 saquinhos plásticos transparentes, 1 recipiente de vidro e 2 tubos plásticos.
  - Submetidos a exame laboratorial, revelou-se que os referidos 15 pacotes de objectos cristalizados transparentes embalados em saquinhos plásticos transparentes continham “Metanfetamina”, substância abrangida pela Tabela II-B anexa à Lei n.º 17/2009, com o peso líquido de 5,844 gramas, e após a análise quantitativa, a percentagem de “Metanfetamina” foi verificada em 80,60%, num peso de 4,710 gramas; o pacote de objectos cristalizados transparentes embalados num saco plástico transparente continha “Metanfetamina”, substância abrangida pela Tabela II-B anexa à Lei n.º 17/2009, com o peso líquido de 6,454 gramas, e após a análise quantitativa, a percentagem de “Metanfetamina” foi verificada em 84,12%, num peso de 5,429 gramas; os dois tubos plásticos também padeceram de vestígios de “Metanfetamina”.
  - As supracitadas drogas foram adquiridas pela arguida A no Interior da China, junto dum homem de identidade desconhecida a preço de RMB¥3.000,00. A arguida adquiriu, deteve e trouxe as drogas para Macau, destinando uma parte de “Metanfetamina” no peso líquido de cerca de 1,4 gramas ao consumo pessoal durante a sua permanência em Macau por 1 semana (7 dias) (Cfr. o n.º 14 do mapa da quantidade de referência de uso diário, referido no art.º 24.º, n.º 1 da Lei n.º 17/2009), e a restante parte a fornecimento ou venda a outrem em alturas oportunas.
  - O recipiente de vidro, os tubos plásticos e o papel de estanho acima referidos eram instrumentos detidos e utilizados pela arguida A para o consumo das drogas; e os saquinhos plásticos transparentes eram instrumentos utilizados pela arguida A para a embalagem das drogas.
  - Posteriormente, na PJ, os agentes da PJ encontraram na posse da arguida A HKD$1.500,00 e RMB¥800 em numerário, além de dois telemóveis de marca “SAMSUNG”.
  - O dinheiro e os telemóveis acima mencionados eram os capitais e instrumentos de comunicação para a prática dos actos criminosos da arguida A.
  - A arguida A agiu de forma livre, consciente e voluntária ao praticar dolosamente as supracitadas condutas.
  - A arguida conhecia bem a natureza e as características das drogas.
  - As condutas da arguida não eram legalmente autorizadas, e ela sabia bem que tais condutas eram proibidas e punidas por lei.
  Mais se provou:
  - De acordo com o CRC, a arguida não tem registo criminal.
  - A arguida alegou que antes de ser presa preventivamente, era dona do restaurante de que era sócia, e que só abriu depois da entrada na prisão da arguida, pelo que esta ainda não recebeu os dividendos, e não tem de suportar a economia familiar ou qualquer encargo; a arguida tem como habilitações literárias o 1.º ano da escola secundária complementar.
  Factos não provados:
  Não há factos relevantes para a decisão a provar.
  Juízo dos factos:
  - A arguida prestou declarações na audiência de julgamento, confessando, de forma livre e fora de qualquer coacção, o consumo das drogas e a detenção ilícita de utensílio para consumir drogas, mas negando a detenção das drogas para fornecer a outrem, e alegando que todas as drogas eram destinadas ao seu consumo de 7 dias.
  - De acordo com o peso da substância “Metanfetamina” detida pela arguida (superior à quantidade legal de referência de uso de 50 dias), não é credível a versão da arguida de que as drogas detidas eram destinadas ao seu consumo de 7 dias.
  - Os agentes dos Serviços Alfandegários prestaram declarações na audiência de julgamento, contando, de forma clara e objectiva, o decurso de interceptarem a arguida e de encontrarem drogas na posse desta, e confirmando que interceptaram, de forma aleatória, a arguida.
  - Os agentes da PJ prestaram declarações na audiência de julgamento, contando, de forma clara e objectiva, o decurso da investigação.
  - A mãe da arguida prestou depoimentos sobre a personalidade da arguida.
  - Segundo os dados constantes dos autos e as declarações prestadas pelos investigadores da PJ, não se verifica qualquer registo de entrada e saída anormal da arguida.
  - O relatório social da arguida descreveu e analisou as condições da sua vida e as suas características de personalidade.
  - O relatório do exame laboratorial constante dos autos comprovou a natureza e o peso das drogas contidas nas substâncias apreendidas.
  - Analisando objectiva e sinteticamente as declarações prestadas pela arguida e pelas testemunhas na audiência de julgamento, conjugado com as provas documentais, objectos apreendidos e outras provas examinados na audiência, o Colectivo pode provar os factos acima referidos.
  
III - O Direito
1. As questões a resolver
Apreciar-se-ão as questões suscitadas pela arguida.

2. Regras da experiência comum e princípios da livre apreciação da prova e in dubio pro reo
A tese da arguida é a de que o acórdão recorrido e o acórdão do Tribunal de 1.ª Instância violaram as regras da experiência comum e o princípio da livre apreciação da prova na sua condenação pelo crime de tráfico de estupefacientes, na medida em que todo o produto apreendido era destinado ao seu consumo.
E que, a não se entender assim, então teria havido violação do princípio in dubio pro reo, na medida em que devia ter sido punida pelo crime de tráfico de quantidades diminutas (deveria querer dizer tráfico de menor gravidade, que é o tipo da lei actual, sendo o tráfico de quantidades diminutas o tipo da lei anterior).
Como é sabido, há dois tipos criminais de tráfico de estupefacientes.
O do artigo 8.º da Lei n.º 17/2009, punido com pena de 3 a 15 anos de prisão, para a espécie de droga dos autos.
E o do artigo 11.º da mesma Lei, punido com pena de 1 a 5 anos de prisão, para a espécie de droga dos autos, para casos considerados como tráfico de menor gravidade, em que a ilicitude dos factos se mostrar consideravelmente diminuída, sendo que a lei considera uma destas situações o facto de a quantidade das plantas, das substâncias ou dos preparados encontrados na disponibilidade do agente não exceder cinco vezes a quantidade constante do mapa da quantidade de referência de uso diário anexo à lei.
Para a metanfetamina a quantidade constante do mapa da quantidade de referência de uso diário é 0, 2 g, sendo, portanto, cinco vezes esta quantidade 1 g.
Qualquer oferta, cedência, transporte ou detenção de estupefaciente, ainda que gratuita, que não se destine, na totalidade, a consumo próprio, é considerado acto de tráfico de estupefacientes, punido, consoante os casos, pelos artigos 8.º ou 11.º da Lei n.º 17/2009.
A arguida transportava metanfetamina com o peso total de 12,298 gramas, sendo o peso líquido do produto de 10,139.
A arguida alegou que todo o produto de se destinava ao seu consumo durante 7 dias.
O Tribunal entendeu que o consumo normal de um consumidor de metanfetamina seria de 1,4 gramas, atento o valor de referência de uso diário constante da lei, pelo que o restante (8,730 gramas) seria destinado a não consumo e, portanto, punível como crime de tráfico de estupefacientes.
Mas tais valores não foram os únicos dados levados em conta pelo Tribunal, para não acreditar na versão da arguida, de que era uma mera consumidora e que não oferecia, cedia, transportava ou detinha estupefaciente para outro fim que não o seu consumo. O Tribunal ainda considerou que a arguida transportava, igualmente, além dos saquinhos de plástico transparente em que transportava a droga, outros 55 saquinhos de plástico transparente vazio, tirando, naturalmente, a conclusão de que se destinavam a actividade de tráfico.
Não se vislumbra violação das regras da experiência comum, nem do princípio da livre apreciação da prova, pelos acórdãos do Tribunal de 1.ª Instância e do TSI, na medida em que não é crível que a arguida transportasse uma quantidade de droga para consumo próprio mais de sete vezes superior à que um consumidor, normalmente, consome, acrescendo que trazia manifestos sinais de materiais utilizados, não para consumo de drogas, mas para tráfico.
Por outro lado, sendo a quantidade limite de metanfetamina, para efeitos da incriminação pelo tipo do artigo 11.º da Lei n.º 17/2009, de 1 grama, também não se verifica violação do princípio in dubio pro reo, pelos mesmos acórdãos, na não punição pelo crime de tráfico de menor gravidade.

3. Medida da pena
Pretende a arguida beneficiar de uma pena de 4 anos de prisão, em vez de 7 (sete) anos e 9 (nove) meses de prisão, que lhe foi aplicada.
Em relação à medida da pena é jurisprudência deste Tribunal que só deve intervir nesta matéria quando estejam em causa violações do direito, na medida em que o Tribunal só conhece de matéria de direito, dado que a fixação de pena concreta entre os limites máximo e mínimo da penalidade releva de alguma discricionariedade, que se deve reservar para os tribunais mais perto da situação de facto.
A arguida não alega qualquer específica violação legal e não se vislumbra que a haja.
Este TUI tem, ainda, entendido que deve alterar a medida da pena quando na fixação desta se tenham violado regras da experiência e quando a medida da pena se revele completamente desproporcionada.
Ora, atendendo à moldura penal, de 3 a 15 anos de prisão, à quantidade de estupefaciente transportado ilicitamente, à falta de circunstâncias que atenuem ou agravem a culpa da arguida, não pode dizer-se que a pena mencionada seja completamente desproporcionada, não se mostrando, por outro lado, que tenha havido violações de regras da experiência.
Improcede o recurso.

IV – Decisão
Face ao expendido, negam provimento ao recurso.
Custas pela arguida, com taxa de justiça fixada em 4 UC.
Macau, 30 de Julho de 2014.

Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai




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