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Processo n.º 93/2014. Recurso jurisdicional em matéria cível.
Recorrente: A.
Recorrido: B.
Assunto: Condomínio resultante da propriedade horizontal. Representação. Artigos 55.º e 56.º do Código de Processo Civil.
Data do Acórdão: 30 de Julho de 2014.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Song Man Lei e Sam Hou Fai.
SUMÁRIO
I – O tribunal deve dar prevalência ao fundo sobre a forma, de privilegiar a decisão de mérito, limitando tanto quanto possível as decisões de forma, que não resolvem o conflito de interesses que constitui a causa.
II – A irregularidade de representação do condomínio resultante da propriedade horizontal enquanto autor é ratificada, nos termos dos artigos 55.º e 56.º do Código de Processo Civil, por quem deva representar o autor, ou seja pela administração e não pelo condomínio.
O Relator,
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
A A intentou acção declarativa com processo ordinário contra B, pedindo que esta fosse condenada a entregar-lhe a gestão do condomínio [Endereço (1)], o fundo de gestão que tem à sua guarda, o fundo de reserva e juros e a condenação à retirada do prédio.
Nos autos, o Ex.mo Juiz decidiu estar a autora bem representada judicialmente.
Interposto recurso deste despacho pela ré, o Tribunal de Segunda Instância (TSI), por Acórdão de 27 de Março de 2014, considerou que a autora perdeu os poderes de representação orgânica do condomínio, por anulação das deliberações que a elegeram, revogou aquele despacho e absolveu a ré da instância.
Recorre agora a autora, alegando:
- Apesar de as deliberações que a elegeram terem sido anuladas, os actos que executou não foram anulados;
- A administração actual pode confirmar os actos feitos nos autos;
- Se o acórdão recorrido se mantiver a administração actual vai deduzir nova acção, o que viola o princípio da economia processual.

II – Os factos
Estão provados os seguintes factos:
  A decisão concernente ao recurso interlocutório interposto a fls. 214 e alegado a fls. 249, na parte relevante, é a seguinte:
  «Vem a R. na sua contestação invocar a ilegitimidade da A. porquanto foram deduzidas acções impugnando as deliberações em que os representantes da A. foram eleitos.
  A A. respondeu sustentando a sua legitimidade para estar em juízo.
  Vejamos então.
  A questão suscitada não se prende com a legitimidade da A. mas se aqueles que aqui actuam como seus legais representantes têm poderes para actuar como tal.
  Destarte, não se trata de uma questão de legitimidade, mas da legal representação da A. em juízo.
  Invoca a R. que foram instauradas acções de anulação das deliberações de 28.08.2005 e 08.01.2006 nas quais foram eleitos aqueles que aqui actuam como legais representantes da Autora.
  Como resulta do despacho de folhas 88 em 08.03.2007 foi realizada uma assembleia geral dos condóminos na qual se deliberou eleger uma nova administração incumbindo a aqui R. de administrar o condomínio até que uma nova companhia fosse escolhida para o fazer.
  Relativamente a essa deliberação foi instaurada uma acção ordinária de impugnação que correu termos sob o número CV3-07-0031-CAO.
  Por sentença transitada em julgado em 14.02.2011, foi homologada a desistência do pedido da A. nos autos CV3-07-0031-CAO - cf. fls. 165 -
  A folhas 168 vem a A. invocar que em 30.05.2010 foi eleita nova administração da A. e pedir o prosseguimento destes autos.
  A R. respondeu que a Administração do condomínio que instaurou esta acção foi eleita por assembleia-geral de 28.08.2005 e 08.01.2006 cujas deliberações foram julgadas inválidas por sentenças transitadas em julgado e proferidas nos processos CV3-05-0063-CAO e CV3-06-0017-CAO. Pelo que, a A. não tem legitimidade substantiva ou se assim não se entender, face á desistência do pedido na acção CV3-07-0031-CAO deve a presente acção ser julgado inútil.
  A A. A vem pedir nestes autos o seguinte.
  - Seja a R. condenada a entregar a gestão e todos os documentos respeitantes ao condomínio [Endereço (1)] à A. e retirar-se do mesmo Edifício;
  - Entregar o fundo de gestão que os condóminos entregaram á guarda da R. na quantia de MOP$775.680,00;
  - Entregar o fundo comum de reserva obrigatório no montante de MOP$2.327.040,00;
  A presente acção foi instaurada com base em procuração outorgada por C, D, E, F, G, H, I, J, K, na qualidade de membros da A por deliberação tomada no dia 28.08.2005 - cf. fls. 399/402 do procedimento cautelar apenso -.
  Nos autos de acção ordinária que correram termos sob o nº CV3-05-0063-CAO foi proferida decisão transitada em julgado na qual a deliberação de 28.08.2005 referida no parágrafo anterior foi declarada “anulada” – cf. fls. 180/188 -.
  Seja a nulidade, seja a anulabilidade têm efeito retroactivo – artº 282º do C.Civ.-.
  Destarte, tendo a representação da A. Administração do Condomínio sido assegurada por pessoas eleitas em deliberação que veio a ser anulada, verifica-se agora não serem válidos os poderes forenses conferidos por aquelas enquanto tal.
  Contudo, a anulabilidade é sanável mediante confirmação nos termos do artº 281º do C.Civ., cabendo a confirmação á pessoas a quem pertence o direito de anulação.
  De notar que neste momento o que está em apreciação é a validade dos poderes de representação/forenses conferidos por alguém que por força da declaração de anulação da deliberação se vem a verificar não ter competência para os conferir – os poderes de representação/forenses-.
  Actualmente a A. – administração do condomínio – é representada pelas pessoas nomeadas na deliberação de 30.05.2010 – cf. fls. 169/172-.
  Ora, em 16.08.2010 as pessoas ali nomeadas deliberaram prosseguir com a presente acção, nomeando pessoas para representar a A. para o efeito a qual em representação daquela constituiu mandatário um dois já constituídos a folhas 400.
  Assim sendo, é evidente a manifestação de vontade dos actuais legais representantes da A. em prosseguirem com a presente acção, ratificando tacitamente todo o processado.
  Ou seja, os actuais legais representantes da A. ao manifestaram expressamente a vontade em prosseguir com a presente acção, vêm confirmar todos os actos praticados, pelo que, nos termos do artº 281º do C.Civ. se tem por sanada a anulabilidade dos poderes conferidos por aqueles que foram nomeados na dita deliberação que veio a ser anulada.
  Nestes termos e pelos fundamentos expostos impõe-se concluir que a A. está legalmente representada nestes autos.
  Notifique.».


III – O Direito
1. A questão a resolver
Trata-se de saber se o condomínio do prédio [Endereço (1)] está devidamente representado pela Administração que intentou a presente acção.

2. Personalidade judiciária do condomínio resultante da propriedade horizontal. Irregularidade de representação.
É pacífico que o condomínio resultante da propriedade horizontal, embora destituído de personalidade jurídica, tem personalidade judiciária, activa e passiva, constituindo um dos patrimónios autónomos semelhantes, a que se refere o artigo 40.º do Código de Processo Civil1. Isto é, pode demandar e ser demandado.
É à administração do condomínio que cabe a sua representação judiciária (artigos 1352.º, n.º 2, 1357.º, n.º, alínea i) e 1359.º do Código Civil).
No caso dos autos, a eleição da administração que propôs a presente acção, para tanto constituindo advogados, veio a ser anulada judicialmente, mais tarde. Ou seja, aquando da propositura da acção, a representação judiciária do condomínio e a sua representação forense estavam regulares. Mas, com a anulação judicial da deliberação que elegeu a administração, deixou de o estar. “Quid Juris”.
Ao contrário do que entendeu o Ex.mo Juiz de 1.ª Instância e como bem refere o acórdão recorrido, a anulação judicial não pode ser confirmada, nos termos do n.º 1 do artigo 281.º do Código Civil, designadamente pela actual administração do condomínio, pela singela razão de que não estamos perante qualquer anulação de negócio jurídico.
O nosso caso é, antes, de irregularidade de representação, mencionada no n.º 1 do artigo 55.º do Código de Processo Civil.
Esta norma aplica-se a qualquer irregularidade de representação, incluindo a de pessoas colectivas2 ou de entes com mera personalidade judiciária, como é o caso.

3. Suprimento da falta de pressupostos processuais
Como se sabe, uma das características do Código de Processo Civil vigente, de 1999, inspirado na reforma portuguesa de 1995/96, é a da prevalência do fundo sobre a forma, de privilegiar a decisão de mérito, limitando tanto quanto possível as decisões de forma, que não resolvem o conflito de interesses que constitui a causa.
Para tal, entre outros institutos, o artigo 6.º, n.º 2, do Código de Processo Civil impõe deveres precisos ao juiz, que “… providencia oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais, sempre que essa falta seja susceptível de suprimento, determinando a realização dos actos necessários à regularização da instância …”.
Especificamente, no que tange à irregularidade de representação, esta é sanada pela intervenção do representante legítimo, nos termos dos n.os 1 e 2 do artigo 55.º do Código de Processo Civil, devendo o juiz, a todo o tempo, oficiosamente, providenciar pela regularização da instância.
També a falta de autorização ou de deliberação a que se refere o artigo 57.º do Código de Processo Civil, de que se socorreu o acórdão recorrido, é sempre sanável.
Desde que o Ex.mo Juiz de 1.ª Instância julgou válida a representação da autora e o acórdão recorrido revogou tal decisão, cabia-lhe determinar que fosse regularizada a representação, já que as sanações podem ter lugar a todo o tempo e em qualquer instância. Só se a parte não cumprisse, então haveria lugar a absolvição da ré da instância. Independentemente de se tratar de irregularidade de representação ou de falta de deliberação.
A irregularidade de representação do autor é ratificada por quem deva representar o autor e não por este. Ou seja, pela administração do condomínio e não pelo condomínio.
Na decisão de 1.ª instância diz-se que em 16.08.2010 as novas pessoas nomeadas para a administração deliberaram prosseguir com a presente acção, e nomeando como mandatário um dos já constituídos nos autos.
Não é exacto. No documento de 16 de Agosto de 2010 a nova administração nomeada limita-se a dizer que vai tratar das questões judiciais relativas ao condomínio, mas nunca se refere à presente acção, nem fala em ratificar os actos da anterior administração, nem se refere à constituição de mandatário.
Afigura-se-nos que este acto não constitui a ratificação a que alude o artigo 55.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
Impõe-se a revogação do acórdão recorrido para que o Ex.mo Juiz de 1.ª Instância cumpra o disposto nos artigos 55.º, n.os 1 e 2 e 56.º, n.º 2, parte final, do Código de Processo Civil, notificando a actual legítima administração do condomínio para, em prazo a fixar, ratificar ou retirar, no todo ou em parte, o processado na acção, concedendo poderes forenses a advogado para a continuar a representar na causa.
Sem prejuízo de a mesma administração praticar tais actos mesmo sem qualquer notificação.
Se houver ratificação deve o Ex.mo Juiz de 1.ª Instância decidir estar regularizada a representação do autor e devolver o processo ao TSI para apreciar os restantes recursos.
Se não houver ratificação, deve o Ex.mo Juiz de 1.ª Instância absolver a ré da instância.

IV – Decisão
Face ao expendido, concede-se parcial provimento ao recurso, revoga-se o acórdão recorrido, para que o Ex.mo Juiz de 1.ª Instância proceda como se refere atrás.
Custas no TUI e no TSI, por autora e ré em partes iguais.
Macau, 30 de Julho de 2014.

Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai

1 Para o Direito de Macau, cfr. Viriato Manuel Pinheiro de Lima, Manual de Direito Processual Civil, Macau, Centro de Formação Jurídica e Judiciária, 2.ª edição, 2008, p. 206 e, Cândida da Silva Antunes Pires e Viriato Manuel Pinheiro de Lima, Código de Processo Civil de Macau, Anotado e Comentado, Faculdade de Direito da Universidade de Macau, 1.º vol., 2006, p. 141 e 142.
     2 JACINTO RODRIGUES BASTOS, Notas ao Código de Processo Civil, Lisboa, 1999, Vol. I, 3.ª edição, p . 71.
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