打印全文
Processo n.º 98/2014
Habeas corpus
Recorrente: A
Data do acórdão: 31 de Julho de 2014
Juízes: Song Man Lei (Relatora), Sam Hou Fai e Lai Kin Hong

Assuntos: - Pedido de habeas corpus por prisão ilegal
- Exequibilidade imediata de sentença condenatória

SUMÁRIO
O art.° 449.°, n.° 1 do Código de Processo Penal deve ser interpretado restritivamente, de forma a permitir a exequibilidade imediata das decisões condenatórias em pena de prisão efectiva, antes do seu trânsito em julgado, ainda que o crime não admita prisão preventiva, desde que não seja interposto recurso por arguido ou pelo Ministério Público no exclusivo interesse daquele, ou não haja arguição de nulidade de sentença no caso de ser inadmissível recurso ordinário.
A Relatora,
Song Man Lei
  ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
  
1 – Relatório
A, ora preso no Estabelecimento Prisional de Macau, vem apresentar o requerimento de habeas corpus, requerendo que se declare ilegal a prisão a que foi submetido e consequentemente seja ordenada a sua libertação imediata, alegando em síntese que a prisão é manifestamente ilegal, pois o Acórdão proferido em 24 de Julho de 2014 pelo Tribunal de Segunda Instância, que decidiu confirmar a decisão do Tribunal Judicial de Base que o tinha condenado na pena de um ano de prisão efectiva, não transitou ainda em julgado, pelo que não pode, de harmonia com as disposições dos art.°s 449.° e 459.° do Código de Processo Penal, ser executado.
O Meritíssimo Juiz Relator do processo do Tribunal de Segunda Instância emitiu a informação a que alude o art.° 207.° n.° 1 do CPP, entendendo que se deve manter a prisão do requerente, já que, no caso concreto, já não pode haver terceiro grau de jurisdição quanto à causa penal e a eventual arguição de nulidade ou o pedido de aclaração do Acórdão não comporta o efeito suspensivo da decisão penal do Tribunal de Segunda Instância.

2. Factos provados
Conforme os elementos constantes dos autos, consideram-se provados os seguintes factos com interesse para a decisão da causa:
- Por decisão proferida pelo Tribunal Judicial de Base nos autos n.° CR1-13-0009-PCC, foi o ora requerente condenado, pela prática na autoria material e na forma consumada de um crime de resistência e coacção p.p. pelo art.° 311.° do Código Penal, na pena de um ano de prisão efectiva.
- Inconformado com a decisão, o ora requerente interpôs recurso para o Tribunal de Segunda Instância, que decidiu, por Acórdão proferido em 24 de Julho de 2014, julgar improcedente o recurso, confirmando a decisão recorrida.
- Por despacho proferido no mesmo dia 24 de Julho, o Meritíssimo Juiz Relator do processo ordenou a passagem de mandatos de detenção do requerente para efeitos de cumprimento da pena de prisão, a fim de evitar o perigo de mora na sua detenção.
- Os mandatos foram cumpridos no dia 29 de Julho de 2014 e o requerente foi imediatamente conduzido ao Estabelecimento Prisional de Macau.
- Até à presente data, não foi arguida a nulidade do Acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância nem apresentado o pedido de aclaração do mesmo.

3. Direito
Ora, o requerente está preso no Estabelecimento Prisional de Macau para cumprimento da pena a que foi condenado pela prática do crime de resistência e coacção p.p. pelo art.° 311.° do Código Penal, punível com pena de prisão até 5 anos.
Nos termos da al. f) do n.° 1 do art.° 390.° do Código de Processo Penal, do Acórdão proferido em 24 de Julho de 2014 pelo Tribunal de Segunda Instância não cabe recurso para o Tribunal de Última Instância.
Mesmo assim, o Acórdão não transitou, porém, ainda em julgado, pois não passou o prazo legal para a arguição de nulidade do Acórdão ou a aclaração do mesmo, para as quais tem direito o ora requerente.
A questão a resolver reside em saber se pode ser executado o Acórdão em causa e se é ilegal a prisão do requerente.

No que respeita à questão ora em causa, é de relembrar o seguinte entendimento consignado por este Tribunal de Última Instância no Acórdão proferido no Processo n.° 9/2005, de 20 de Abril de 2005, em que está em causa uma situação semelhante ao presente caso:
《Pode-se discutir a legalidade da decisão de mandar conduzir o arguido a prisão logo depois da leitura da sentença que o condena em pena de prisão efectiva.
Posta a questão doutra forma, trata-se de saber se pode ser executada a sentença condenatória no prazo de interposição do recurso ou de arguição de nulidade de acórdão no caso de não ser admissível recurso ordinário.
Prescreve assim o n.° 1 do art.° 449.° do Código de Processo Penal (CPP): “1. As decisões penais condenatórias transitadas em julgado têm força executiva ...”.
Das letras da norma parece significar que as sentenças condenatórias só podem ser executadas após o seu trânsito em julgado.
No entanto, esta norma deve sofrer uma interpretação restritiva, de forma a permitir a exequibilidade imediata das decisões condenatórias em pena de prisão efectiva, antes do seu trânsito em julgado, ainda que o crime não admita prisão preventiva, desde que não seja interposto recurso por arguido ou pelo Ministério Público no exclusivo interesse daquele, ou não haja arguição de nulidade de sentença no caso de ser inadmissível recurso ordinário.
Na verdade, nesta norma o legislador disse mais do que queria. Não faria sentido o juiz mandar o arguido aguardar em liberdade o trânsito em julgado da decisão, quando lhe imponha na sentença a pena de prisão efectiva, se o próprio arguido ou o Ministério Público no interesse deste não pretendem recorrer ou arguir nulidades.
A pena de prisão deve ser executada logo que a lei admita a sua execução. Tal princípio da execução imediata é justificada pela necessidade de assegurar a exemplaridade da condenação, satisfazendo-se assim as necessidades de prevenção especial e geral das penas, e porque seria desumano retardar um castigo que o condenado sabe ser inelutável.1
Nenhum interesse milita no sentido de libertação imediata de arguido condenado, porque, nestes casos, o trânsito em julgado é inelutável após o prazo para aqueles efeitos.
Perante uma decisão condenatória, o arguido ou o Ministério Público no interesse deste podem interpor recurso que é susceptível de obstar a execução imediata da pena de prisão, quando seja legalmente admitido a recorrer. No caso de a decisão ser proferida em audiência, o recurso pode ser interposto até por simples declaração na acta, apresentando a motivação posteriormente (art.° 401.°, n.° 3 do CPP).
Nestes casos, o arguido não pode ficar privado de liberdade por causa do efeito suspensivo do recurso, a menos que seja aplicada a prisão preventiva. Se não houver recurso nestes dois casos ou a arguição de nulidade da sentença, conforme a situação, o arguido deve ser conduzido para o cumprimento da pena de prisão.》
Afigura-se-nos que não é de alterar esta posição.

No caso ora em apreciação, não é admissível o recurso ordinário do Acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância.
E não resulta dos autos que foi arguida a nulidade do Acórdão.
Assim sendo, e em concordância com o entendimento supra transcrito, é de indeferir o pedido de habeas corpus.

4. Decisão
Pelo exposto, acordam em indeferir o pedido de habeas corpus.
Custas pelo requerente, com a taxa de justiça fixada em 2 UC.
  
   Macau, 31 de Julho de 2014
  
Juízes: Song Man Lei (Relatora) – Sam Hou Fai
  
Votei a decisão apenas com fundamento na legalidade da execução imediata da pena de prisão efectiva por a decisão condenatória não ser mais legalmente recorrível, e não também na falta da arguição da nulidade da decisão condenatória, pois a este incidente ou meio de reacção, a lei nunca atribuiu efeito suspensivo.
Lai Kin Hong
1 Cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. III, 2ª ed., Editorial Verbo, 2000, p. 400; Manuel Lopes Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado e Comentado, 12ª ed., Almedina, 2001, p. 867.
---------------

------------------------------------------------------------

---------------

------------------------------------------------------------

Processo n.º 98/2014 6