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Processo n.º 12/2014
Recurso penal
Recorrentes: A, B, C, D e E
Recorrido: Ministério Público
Data da conferência: 30 de Julho de 2014
Juízes: Song Man Lei (Relatora), Sam Hou Fai e Viriato Manuel Pinheiro de Lima

Assuntos: - Crime de burla
- Ilações do Tribunal de Segunda Instância sobre a matéria de facto provada
- Erro notório na apreciação da prova
- Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada
- Reenvio
- Comparticipação
- Medida concreta da pena

SUMÁRIO
1. É lícito ao Tribunal de Segunda Instância, depois de fixada a matéria de facto, fazer a sua interpretação e esclarecimento, bem como extrair as ilações ou conclusões que operem o desenvolvimento dos factos, desde que não os altere.
2. Nada obsta a que o Tribunal de Última Instância qualifique juridicamente de modo diverso o vício detectado pelo Tribunal de Segunda Instância na decisão de 1.ª instância, pois se trata de uma questão de direito.
3. O vício do erro notório na apreciação da prova existe quando se retira de um facto uma conclusão inaceitável, quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou tarifada, ou quando se violam as regras da experiência ou as legis artis na apreciação da prova. E tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passe despercebido ao comum dos observadores.
4. Para que se verifique o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, é necessário que a matéria de facto provada se apresente insuficiente, incompleta para a decisão proferida, por se verificar lacuna no apuramento da matéria de facto necessária a uma decisão de direito adequada, ou porque impede a decisão de direito ou porque sem ela não é possível chegar-se à conclusão de direito encontrada.
5. Nos termos do n.º 1 do art.º 418.º do Código de Processo Penal, a verificação dos vícios referidos nas alíneas do n.º 2 do art.º 400.º do mesmo diploma não determina, por si só, o reenvio do processo para novo julgamento, só conduzindo ao reenvio se não for possível decidir da causa.
6. Face à comparticipação de todos os arguidos na prática do crime, com intenção comum e divisão de tarefas, e à consumação do crime por parte de alguns arguidos, é de afirmar que existe efectivamente a co-autoria entre todos os arguidos e que o crime foi praticado na forma consumada, desde que a intervenção de cada um deles faça parte integrante de todo o plano criminoso.

A Relatora,
Song Man Lei
  ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
  
1. Relatório
Por Acórdão proferido em 8 de Março de 2013, o Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base decidiu:
- condenar o 1.º arguido A nas penas de 1 anos e 9 meses de prisão e 2 anos e 6 meses de prisão, por 2 crimes de burla p.p. pelo art.º 211.º n.º 3 conjugado com o art.º 196.º, al. a) do Código Penal de Macau, ambos praticados na forma consumada, um em autoria material e outro em co-autoria material (com os 2.º e 6.º arguidos). E em cúmulo jurídico, foi este arguido condenado na pena única de 3 anos e 6 meses de prisão efectiva.
- condenar o 2.º arguido B na pena de 2 anos e 6 meses de prisão efectiva, pela prática em co-autoria material (com os 1.º e 6.º arguidos) e na forma consumada de um crime de burla p.p. pelo art.º 211.º n.º 3 conjugado com o art.º 196.º, al. a) do Código Penal de Macau.
- condenar o 3.º arguido C na pena de 2 anos de prisão efectiva, pela prática em autoria material e na forma consumada de um crime de burla p.p. pelo art.º 211.º n.º 3 conjugado com o art.º 196.º, al. a) do Código Penal de Macau.
- condenar o 6.º arguido E na pena de 2 anos e 3 meses de prisão efectiva, pela prática em co-autoria material (com os 1.º e 2.º arguidos) e na forma consumada de um crime de burla p.p. pelo art.º 211.º n.º 3 conjugado com o art.º 196.º, al. a) do Código Penal de Macau. E
- absolver os 1.º arguido A, 2.º arguido B, 3.º arguido C, 4.º arguido F, 5.º D, 6.º arguido E e 7.º arguido G dos restantes crimes imputados.

Inconformados com a decisão, recorreram o Ministério Público e o arguido A para o Tribunal de Segunda Instância, que por sua vez decidiu julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido e procedente o recurso do Ministério Público, revogando o Acórdão do Tribunal de 1.ª instância e passando a condenar:
- os 1.º e 2.º arguidos A e B pela prática em co-autoria e na forma consumada de 2 crimes de burla p.p. pelo art.º 211.º n.º 4, al. a) do Código Penal de Macau, nas penas de 5 anos de prisão e 6 anos de prisão. Em cúmulo jurídico, foram estes dois arguidos condenados na pena única de 8 anos de prisão.
- o 3.º arguido C pela prática em co-autoria e na forma consumada de 2 crimes de burla p.p. pelo art.º 211.º n.º 4, al. a) do Código Penal de Macau, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão e 5 anos de prisão. Em cúmulo jurídico, foi este arguido condenado na pena única de 7 anos de prisão.
- os 4.º a 7.º arguidos F, D, E e G pela prática em co-autoria e na forma consumada de 1 crime de burla p.p. pelo art.º 211.º n.º 4, al. a) do Código Penal de Macau, na pena de 4 anos de prisão, 4 anos de prisão, 6 anos de prisão e 4 anos de prisão, respectivamente.

Vêm agora os arguidos A, B, C, D e E recorrer para o Tribunal de Última Instância, formulando nas suas motivações do recurso as seguintes conclusões:
- Recurso do arguido A
1. In casu, após o julgamento feito pelo TSI no processo do recurso, o mesmo tribunal convolou o acórdão do TJB.
2. Pelo crime praticado em 27 e 28 de Novembro de 2011, nos termos do art.º 211º, n.º 4, al. a) do Código Penal, o recorrente foi condenado na pena de 5 anos de prisão.
3. Pelo crime praticado em 15 de Dezembro de 2011 (sic), também nos termos do art.º 211º, n.º 4, al. a) do Código Penal, o recorrente foi condenado na pena de 6 anos de prisão.
4. Em cúmulo jurídico das penas aplicadas nos dois crimes, o recorrente foi condenado na pena única de 8 anos de prisão efectiva.
5. Entende o recorrente que o aludido acórdão enferma do erro na aplicação do disposto no art.º 211º, n.º 4, al. a) e no art.º 65º todos do Código Penal.
6. In casu, provou-se que, em 27 e 28 de Novembro de 2011, o recorrente usou, juntamente com cerca de seis indivíduos, 31 fichas falsas no [Casino], causando um prejuízo económico de HKD310.000,00 (trezentos e dez mil Hong Kong Dólares) ao mesmo casino.
7. Ademais, em 15 de Janeiro de 2012, o recorrente usou, juntamente com cerca de sete indivíduos, 14 fichas falsas no [Casino], causando um prejuízo económico de HKD140.000,00 (cento e quarenta mil Hong Kong Dólares) ao mesmo casino.
8. O primeiro crime praticado pelo recorrente causou um prejuízo económico de HKD310.000,00 (trezentos e dez mil Hong Kong Dólares), atingindo efectivamente o nível de valor consideravelmente elevado, porém, o segundo crime praticado pelo mesmo causou meramente um prejuízo económico de HKD140.000,00 (cento e quarenta mil Hong Kong Dólares), sendo apenas valor elevado.
9. Nesta conformidade, face ao segundo crime, ou seja, o crime ocorrido em 15 de Janeiro de 2012, o recorrente apenas deve ser condenado por crime de burla, previsto no art.º 211º, n.º 1 do Código Penal. Segundo a referida disposição, o limite máximo da pena aplicada ao crime supracitado não deve ser superior a 3 anos de prisão.
10. Por conseguinte, verifica-se erro na aplicação da lei, uma vez que, perante o crime ocorrido em 15 de Janeiro de 2012, o TSI ainda condenou o recorrente por crime de burla previsto no art.º 211º, n.º 4, al. a) do Código Penal.
11. Por outro lado, dispõe-se no art.º 65º, n.º 2, al. a) do Código Penal que na determinação da medida da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando nomeadamente: o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente.
12. Certamente, in casu, o recorrente e os demais arguidos causaram sucessivamente nos dois actos de burla os prejuízos económicos de HKD310.000,00 (trezentos e dez mil Hong Kong Dólares) e HKD140.000,00 (cento e quarenta mil Hong Kong Dólares) ao [Casino].
13. Contudo, dado que os prejuízos económicos supramencionados não devem ter causado danificação severa ao casino ofendido, além do mais, o recorrente é delinquente primário e, após ser detido, colaborou sempre com a investigação, bem como teve boa atitude da confissão, pelo que, atendendo aos factores acima expostos, verifica-se excessiva a pena de prisão de 5 anos aplicada pelo TSI ao recorrente por crime praticado em 27 e 28 de Novembro de 2011.
14. Na opinião do recorrente, perante o âmbito de moldura penal previsto no Código Penal, a condenação à pena de prisão de 2 anos e meio pelo crime acima referido é considerada uma decisão que revela a justiça.
15. Quanto ao crime ocorrido em 15 de Janeiro de 2012, tendo em conta que o prejuízo económico causado é mais ligeiro, porém, por outro lado, o recorrente dedicou-se, pela segunda vez, à criminalidade, deste modo, entende o recorrente que, nos termos da moldura penal prevista no art.º 211º, n.º 1 do Código Penal, a condenação à pena de prisão de 2 anos é considerada uma decisão racional.
16. Em cúmulo jurídico das penas aplicadas nos dois crimes, o recorrente considera que é idónea a condenação à pena única de 4 anos de prisão efectiva.
- Recurso do arguido B
1. A falta de fundamento de direito na aplicação da “analogia” no Direito penal:
2. Em primeiro lugar, vamos ver sobre o âmbito do recurso, dispõe-se no art.º 410º, n.º 1 do Código de Processo Penal: “O recurso é rejeitado sempre que faltar a motivação ou for manifesta a improcedência daquele”. Conforme o MM.º Juiz Manuel Leal-Henriques, Manual de Formação de Direito Processual Penal de Macau, Tomo II, p.131: “Conclusões que não retomam e não se referem a questões desenvolvidas no corpo da motivação – como é pacificamente aceite que o âmbito do recurso se define pelas conclusões da respectiva motivação, sem prejuízo de apreciação de questões de conhecimento oficioso, aí tem que se entender que o recorrente pretendeu limitar (tacitamente) o objecto do recurso, pelo que só as questões enunciadas nas conclusões serão nele consideradas;”
3. Sem dúvida, o recurso interposto pelo MºPº foi fundamentado pelo disposto no art.º 400º, n.º 2, al. c) do Código de Processo Penal, no que respeita à existência do vício de erro notório na apreciação da prova. O TSI entendeu que “a questão efectiva é que o Tribunal a quo não concluiu, conforme todos os factos provados, a existência de intenção comum entre todos os arguidos”, sendo esta uma questão jurídica respeitante à interpretação de factos provados e à formação de convicção, mas não uma questão referente ao conhecimento de facto, pelo que é permissível a aplicação directa da lei que seja considerada correcta.
4. Em termo jurídico, trata-se de “Presunções” a confirmação dum facto por meio dum facto dado como provado, cujo seu regime é previsto no art.º 342º e nos artigos subsequentes do Código Civil, constante do Capítulo II do Título IV (sic) do Livro I do Código Civil – “Provas” onde abrange as Disposições gerais, Presunções, Confissão, Prova documental, Prova pericial, Prova por inspecção e Prova testemunhal.
5. Pelo contrário, no Código Penal não existem as disposições mencionadas no parágrafo anterior.
6. A Instrução do processo, prevista no Capítulo III do Título I do Livro III do Código de Processo Civil, refere-se que a instrução tem por objecto os factos relevantes para o exame e a causa que devam considerar-se controvertidos e necessitados de prova, cujos meios de prova são Prova por documentos, Prova por depoimento de parte, Prova pericial, Inspecção judicial e Prova testemunhal.
7. O Título II do Livro III do Código de Processo Penal indicou os seguintes meios de prova: Prova testemunhal, “Declarações do arguido, do assistente e da parte civil”, Prova por acareação, Prova por reconhecimento, Reconstituição do facto e Prova documental.
8. Daí se sabe que tanto o Código Penal quanto o Código de Processo Penal não prevêem a aplicação do regime jurídico de Presunções. Segundo o conhecimento do recorrente, no Código Penal não há nenhuma disposição que preveja a aplicação subsidiária do regime jurídico de “Analogia”, aliás, o art.º 4º do Código de Processo Penal prevê: “Nos casos omissos, quando as disposições deste Código não puderem aplicar-se por analogia, observam-se as normas do processo civil que se harmonizem com o processo penal e, na falta delas, aplicam-se os princípios gerais do processo penal”.
9. Face à aplicação por analogia, dispõe-se expressamente no art.º 1º, n.º 3 do Código Penal: “Não é permitido o recurso à analogia para qualificar um facto como crime ou definir um estado de perigosidade, nem para determinar a pena ou medida de segurança que lhes corresponde”.
10. Face à aplicação subsidiária das normas do processo civil, tal como acima mencionado, o aludido regime jurídico é apenas previsto no Código Civil mas não no Código de Processo Civil.
11. Ademais, conforme o conhecimento do recorrente, não se encontra nos princípios gerais do processo penal aquele que esteja relacionado com o regime jurídico de Presunções.
12. Assim sendo, verifica-se falta de fundamento de direito na aplicação do regime jurídico de presunção ou ilação pelo TSI, causando a falta de fundamentação em uma parte da conclusão constante de página 39 do acórdão recorrido: “Dos 1º a 36º factos objectivos, permite-se dizer que os 1º, 2º e 3º arguidos praticaram no casino, em co-autoria e de forma consumada, juntamente com os outros indivíduos de identidade desconhecida, os actos que estão completamente conformados com o tipo do crime de burla”.
13. Nos parágrafos subsequentes, o acórdão recorrido fundamentou a referida conclusão com vários factos, designadamente: “Obviamente, de acordo com os factos provados, nomeadamente os 7º, 8º, 9º e 10º factos, no início (antes de chegar a Macau), os 1º, 2º e 3º arguidos e os outros parceiros não se conheciam mutuamente. Foram “convocados” através de pessoas e meios diferentes e, encabeçados por H, tomaram voo em conjunto da Malásia a Macau, entraram no Território em conjunto, chegaram em conjunto ao casino in casu, receberam em conjunto as fichas falsificadas na casa de banho do restaurante aproximado e realizaram em conjunto o crime (vide o 11º facto provado) da mesma maneira (apostar ou trocar fichas individualmente). Existiu também a situação de que dois arguidos jogaram com os outros parceiros (vide o 25º facto provado)”.
14. Daí, o recorrente considera que é necessário conhecer, desde logo, o regime jurídico de presunção ou ilação. Conforme o MM.º Juiz do TUI, Dr. Viriato Manuel Pinheiro de Lima, Manual de Direito Processual Civil, p.270: “Presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido (art.º 342º do CC). As presunções são legais e judiciais. (…) As presunções judiciais são precárias. Por isso só são admitidas nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal (art.º 344º do CC).”
15. O conteúdo do parágrafo anterior talvez tenha explicado por que razão o legislador não colocou o regime jurídico de presunções no Código Penal nem no Código de Processo Penal. A razão é porque as presunções judiciais são precárias.
16. Segundo o MM.º Juiz Manuel Leal-Henriques, Manual de Formação de Direito Processual Penal de Macau, Tomo I, pp.128 a 130:
“A noção de prova que acaba de ser dada afasta desde logo a sua confusão com o conceito de indícios. (…), pelo que, até aí, “os meios de prova não têm a dignidade legalmente exigida para que possa considerar-se provado um determinado facto”.”
17. Deste modo, o acórdão recorrido tirou dos artigos 1º a 36º dos factos assentes a ilação de que os 1º, 2º e 3º arguidos praticaram, em co-autoria, juntamente com indivíduos desconhecidos, o crime de burla em casino. Tal ilação violou o disposto no art.º 336º, n.º 1 do Código de Processo Penal: “Não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência”.
18. A aplicação do resultado da ilação causa vício referido no art.º 400º, n.º 2, al. c) do Código de Processo Penal:
19. Se assim não entender, de modo a considerar que, em termo jurídico, o acórdão recorrido poder tirar dos artigos 1º a 36º dos factos assentes a ilação de que os 1º, 2º e 3º arguidos praticaram, em co-autoria, juntamente com indivíduos desconhecidos, o crime de burla em casino, os factos supramencionados são necessariamente contraditórios ao artigo 80º dos factos dados como não provados pelo TJB. Tal como exibido em página 38 do acórdão recorrido, a mesma situação passa-se também com os artigos 81º e 82º dos factos não provados.
20. Tal como mencionado em vários acórdãos de processo penal pelo TUI, os vícios indicados no art.º 400º, n.º 2 do Código de Processo Penal são matérias conhecidas oficiosamente pelo TUI, assim sendo, se se entender que a aludida ilação aplicada pelo acórdão recorrido for juridicamente viável, o TUI deve proceder oficiosamente ao reenvio do acórdão recorrido para novo julgamento no TSI, uma vez que se verifica o vício indicado no art.º 400º, n.º 2, al. c) do Código de Processo Penal, portanto, o erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis. E tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.
21. A teoria de direito penal defende, geralmente, que os elementos constitutivos fundamentais de crime são ilegalidade, imputabilidade e culpabilidade.
22. Pela teoria do direito penal acima exposta, as acusações criminais são geralmente compostas por factos ilícitos objectivos e factos subjectivos que descrevem a culpa. De acordo com a experiência, é extremamente raro que o tribunal apure a prática pelo arguido dos factos ilícitos objectivos e não apure os factos ilícitos subjectivos praticados pelo arguido – a culpa, e, por consequência, profira a decisão absolutória.
23. Daí se mostra que nem sempre é possível fazer dedução dos factos ilícitos subjectivos com base nos factos ilícitos objectivos.
24. In casu, por meio de audiência de julgamento, o TJB deu como provados os artigos 1º a 92º dos factos assentes, enquanto os artigos 11º, 42º, 47º, 50º, 80º, 81º e 82º dos factos foram dados como não provados, nomeadamente o facto respeitante a prática, em determinação comum e repartição de tarefa entre si, do crime de burla.
25. O TSI tirou dos artigos 1º a 36º dos factos assentes a ilação de que os 1º, 2º e 3º arguidos praticaram, em co-autoria, juntamente com indivíduos desconhecidos, o crime de burla em casino.
26. Obviamente, o TSI efectuou rigorosamente a análise dos factos para fundamentar a aludida ilação. O recorrente entende que a ilação tirada pelo TSI é sustentada por experiência e lógica, mas não quer dizer que seja assim a realidade, já que pode haver outras situações, designadamente: Apontam os factos provados que o acto de colocar as fichas falsas na mesa de jogo era concluído individualmente por um arguido, e que vários arguidos praticaram respectivamente o acto em apreço, razão pela qual a prática, em determinação comum e repartição de tarefa entre si, do crime de burla pelos arguidos não é a condição necessária para o cometimento do crime de burla em causa, visto que cada um dos arguidos podia ter a sua intenção criminosa para praticar individualmente o crime de burla sem determinação comum com os demais arguidos. Obviamente, existe necessariamente a intenção do cometimento de crime em determinação comum entre a pessoa que fornece as fichas e aquela que coloca as fichas na mesa de jogo. Estamos convencidos de que o TJB elaborou o acórdão com base nessa opinião.
27. Face aos factos objectivos da presente causa, salvo o devido respeito à opinião defendida pelo TSI perante os factos em apreço, não se pode excluir a opinião defendida pelo TJB perante os mesmos factos, revelando, assim, a instabilidade da ilação.
28. A falta de fundamento de facto na segunda acusação:
29. O prejuízo patrimonial de valor consideravelmente elevado é um dos pressupostos do crime de burla de valor consideravelmente elevado, p. e p. pelo art.º 211º, n.º 4, al. a) do Código Penal. Considera-se valor consideravelmente elevado aquele que exceder 150.000 patacas no momento da prática do facto.
30. Face ao facto ocorrido em 27 e 28 de Novembro de 2011, apontou o artigo 36º dos factos assentes que a conduta dos arguidos provocou um prejuízo de HKD310.000,00 a [Casino, S.A.]
31. Face ao facto ocorrido em 15 de Janeiro de 2012, os factos assentes não referiram a quantia de prejuízo provocado a [Casino, S.A.] pela conduta dos arguidos.
32. A falta do facto no que respeita à quantia de prejuízo provocado a [Casino, S.A.] pela conduta dos arguidos, impossibilita a condenação do recorrente e dos respectivos arguidos pela prática do crime de burla de valor consideravelmente elevado, p. e p. pelo art.º 211º, n.º 4, al. a) do Código Penal, pelo que se deve absolver o recorrente do referido crime.
33. Se se entender que a falta de facto em apreço constituir o pressuposto do art.º 400º, n.º 2, al. a) do Código de Processo Penal, vem requerer ao TUI que proceda oficiosamente ao conhecimento do referido assunto.
- Recurso do arguido C
1. Erro notório na apreciação da prova: Nos termos do art.º 400º, n.º 2, al. c) do Código de Processo Penal, o recurso pode ter também como fundamento o erro notório na apreciação da prova, desde que o vício resulte dos elementos constantes dos autos, por si só ou conjugados com as regras da experiência comum.
2. Face ao vício de “erro notório na apreciação da prova” indicado no art.º 400º, n.º 2, al. c) do Código de Processo Penal, nos termos do art.º 114º do mesmo Código, “salvo disposição legal em contrário, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”.
3. Trata-se de erro notório na apreciação da prova quando se verifique violação das regras da experiência da vida quotidiana das pessoas pelo resultado da convicção final formada por juiz no conhecimento de facto.
4. Dispõe-se no art.º 400º, n.º 2 do Código de Processo Penal que o recurso pode ter como fundamento o “erro notório na apreciação da prova” cometido pelo tribunal a quo, desde que o vício relativo ao conhecimento de facto “resulte dos elementos constantes dos autos, por si só ou conjugados com as regras da experiência comum”.
5. Assim, tendo analisado a seguinte opinião do TSI – “Entendemos que não é uma questão da apreciação de factos, nem da existência de erro na apreciação da prova, mas sim da justificação dos factos, ou seja, da ilação do Tribunal no âmbito permitido pela lei”, o recorrente considera que isso é improcedente, uma vez que o vício relativo ao conhecimento de facto não “resulte dos elementos constantes dos autos, por si só ou conjugados com as regras da experiência comum”.
6. Entende o recorrente que aqui se trata da questão respeitante ao conhecimento de facto, mas não da questão suscitada no processo da ilação extraída pelo tribunal com a observação da lei, já que qualquer pessoa que consiga ler o conteúdo do acórdão a quo, não irá considerar, após a leitura e conforme as regras da experiência da vida quotidiana, que o resultado do conhecimento de facto a quo não seja irrazoável. Tal como a opinião da Declaração de voto, onde se refere manifestamente que o ora acórdão recorrido enferma da contradição insanável da fundamentação, do erro notório na apreciação da prova e do erro de direito não simples.
7. Assim sendo, se se conceder provimento ao recurso interposto pelo MºPº, deve efectuar-se o reenvio do processo para novo julgamento no Tribunal Judicial de Base ao abrigo do art.º 418º do Código de Processo Penal.
8. A falta de fundamento de direito na aplicação da “presunção ou ilação” no Direito penal.
9. In casu, por meio de audiência de julgamento, o TJB deu como provados os artigos 1º a 92º dos factos assentes, enquanto os artigos 11º, 42º, 47º, 50º, 80º, 81º e 82º dos factos foram dados como não provados, nomeadamente o facto respeitante a prática, em determinação comum e repartição de tarefa entre si, do crime de burla.
10. Caso o acórdão recorrido considere que possa tirar, juridicamente, dos artigos 1º a 36º dos factos assentes a ilação de que os 1º, 2º e 3º arguidos praticaram, em co-autoria, juntamente com indivíduos desconhecidos, o crime de burla em casino, os factos supramencionados são necessariamente contraditórios ao artigo 80º dos factos dados como não provados pelo TJB. Tal como exibido em página 38 do acórdão recorrido, a mesma situação passa-se também com os artigos 81º e 82º dos factos não provados.
11. Obviamente, o TSI efectuou rigorosamente a análise dos factos para fundamentar a aludida ilação. O recorrente entende que embora a ilação tirada pelo TSI seja sustentada por experiência e lógica, não quer dizer que seja assim a realidade, já que pode haver outras situações, designadamente: Na ocorrência do segundo caso criminoso em Macau, o recorrente apenas se deslocou a Macau por via aérea, juntamente com os demais arguidos, mas não participou em nenhum assunto.
12. Em termo jurídico, trata-se de “Presunções” a confirmação dum facto por meio dum facto provado, cujo seu regime é previsto no art.º 342º e nos artigos subsequentes do Código Civil. Tanto o Código Penal quanto o Código de Processo Penal não prevêem a aplicação do regime jurídico de Presunções e, também, não se encontra em ambos os Códigos o princípio relacionado com o regime de Presunções.
13. Dispõe-se expressamente no art.º 1º, n.º 3 do Código Penal: “Não é permitido o recurso à analogia para qualificar um facto como crime ou definir um estado de perigosidade, nem para determinar a pena ou medida de segurança que lhes corresponde”.
14. Assim sendo, verifica-se falta de fundamento de direito na aplicação do regime jurídico de presunção ou ilação pelo TSI, causando a falta de fundamentação em uma parte da conclusão constante de página 39 do acórdão recorrido: “Dos 1º a 36º factos objectivos, permite-se dizer que os 1º, 2º e 3º arguidos praticaram no casino, em co-autoria material e de forma consumada, juntamente com os outros indivíduos de identidade desconhecida, os actos que estão completamente conformados com o tipo do crime de burla”.
15. O acórdão recorrido tirou dos artigos 1º a 36º dos factos assentes a ilação de que os 1º, 2º e 3º arguidos praticaram, em co-autoria, juntamente com indivíduos desconhecidos, o crime de burla em casino. Tal ilação violou o disposto no art.º 336º, n.º 1 do Código de Processo Penal: “Não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência”.
16. Ao contrário, a convicção do Colectivo do TJB fundamenta-se na análise crítica e comparação de todos os meios de prova produzidos na audiência de julgamento valorados na sua globalidade.
17. Mormente das declarações prestadas individualmente pelos sete arguidos, dos depoimentos fornecidos pelos trabalhadores do casino como testemunhas, dos depoimentos imparciais fornecidos pelos agentes da PJ como testemunhas e dos vídeos dos discos compactos dados na audiência, bem como se fundamenta no exame de todas as provas documentais constantes dos autos e dos objectos apreendidos, feito na audiência.
18. O Colectivo do TJB deu como provados os seguintes factos: Face ao facto criminoso praticado em 27 a 28 de Novembro de 2011 pelo 1º arguido A, 2º arguido B e 3º arguido C, o Tribunal Colectivo considera que esses arguidos praticaram individualmente, em autoria material e na forma consumada, o referido acto.
19. O 1º arguido A e o 3º arguido C cometeram, consciente, livre, deliberada e individualmente, em autoria material e na forma consumada, um crime de burla, p. e p. pelo art.º 211º, n.º 3 do Código Penal, em conjugação com o art.º 196º, al. a) do mesmo Código (o valor burlado pelos mesmos excedeu as MOP30.000,00).
20. Quanto ao facto ocorrido em 15 de Janeiro de 2012, não se provou que o 3º arguido C tivesse efectuado qualquer aposta com fichas falsas, pelo que entende o Tribunal Colectivo que deve negar provimento à parte da acusação que foi deduzida contra o referido arguido.
21. Assim sendo, o Colectivo do TJB agiu correctamente ao reconhecer que os arguidos praticaram o crime de burla, uma vez que os factos provados não revelaram que os arguidos tivessem conhecimento do conteúdo do acordo de crime, sendo a conduta dos mesmos incompatível com o conceito de co-autoria, razão pela qual deve o TUI sustentar e confirmar o acórdão do Tribunal a quo.
22. A falta de fundamento de facto na qualificação de crime feita pelo TSI em relação ao segundo caso de burla imputado ao recorrente.
23. O prejuízo patrimonial de valor consideravelmente elevado é um dos pressupostos do crime de burla de valor consideravelmente elevado, p. e p. pelo art.º 211º, n.º 4, al. a) do Código Penal. Considera-se valor consideravelmente elevado aquele que exceder 150.000 patacas no momento da prática do facto.
24. Face ao facto ocorrido em 27 e 28 de Novembro de 2011, apontou o artigo 36º dos factos assentes que a conduta dos arguidos provocou um prejuízo de HKD310.000,00 a [Casino, S.A.]
25. Face ao facto ocorrido em 15 de Janeiro de 2012, os factos assentes não referiram a quantia de prejuízo provocado a [Casino, S.A.] pela conduta dos arguidos.
26. A falta do facto no que respeita à quantia de prejuízo provocado a [Casino, S.A.] pela conduta dos arguidos, impossibilita a condenação do recorrente e dos respectivos arguidos pela prática do crime de burla de valor consideravelmente elevado, p. e p. pelo art.º 211º, n.º 4, al. a) do Código Penal, pelo que se deve absolver o recorrente do referido crime.
27. Se se entender que a falta de facto em apreço constituir o pressuposto do art.º 400º, n.º 2, al. a) do Código de Processo Penal, vem requerer ao TUI que proceda oficiosamente ao conhecimento do referido assunto.
28. A falta de fundamentação na determinação de pena feita pelo TSI para o recorrente; e, a incompatibilidade da determinação de pena com as regras da experiência comum e a equidade.
29. Face ao facto ocorrido em 27 e 28 de Novembro de 2011, à luz dos factos dados como provados pelo TJB, o recorrente apostou efectivamente em mesa de jogo com as fichas falsas. No acórdão recorrido, o TSI condenou o recorrente na pena de prisão de 4 anos e 6 meses;
30. Face ao facto ocorrido em 15 de Janeiro de 2012, à luz dos factos dados como provados pelo TJB, o recorrente não recebeu nenhuma ficha falsa nem entrou em casino para vigiar os demais arguidos. No acórdão recorrido, o TSI condenou o recorrente na pena de prisão de 5 anos.
31. Afigura-se que de acordo com o critério da determinação de pena do TSI, o grau de participação do recorrente C no segundo caso de burla é maior do que o no primeiro caso de burla, porém, a verdade não é assim.
32. Na realidade, quanto ao segundo caso de burla, o nome do recorrente só apareceu uma vez no ponto 47 dos factos dados como provados pelo TJB. Ao recorrente C não foram distribuídas as fichas falsas destinadas ao cometimento de burla, não lhe foi atribuída tarefa nem se responsabilizou pela vigilância dos demais arguidos em Macau. Efectivamente, no segundo caso de burla, o recorrente, além de se deslocar juntamente com os demais arguidos, por via aérea, da Malásia para Macau, e ser interceptado pela Polícia ao preparar abandonar Macau juntamente com os arguidos, nunca interveio em Macau qualquer actividade de burla que seja participada por demais arguidos.
33. O TJB entendeu que não havia prova que revelasse a participação do recorrente no segundo caso de burla e, em consequência, absolveu o recorrente do segundo caso de burla e apenas o condenou por um crime de burla (refere-se ao primeiro caso de burla).
34. O TSI não devia condenar o recorrente pelo segundo caso de burla. Ainda assim, perante o segundo caso de burla, o TSI não devia determinar ao recorrente uma pena mais severa (5 anos de prisão) do que a determinada para o primeiro caso de burla (4 anos e 6 meses de prisão).
35. Deste modo, salvo o devido respeito, o recorrente considera que o acórdão recorrido padece de vício notório na determinação de pena.
- Recurso do arguido D
1. Erro notório na apreciação da prova: Nos termos do art.º 400º, n.º 2, al. c) do Código de Processo Penal, o recurso pode ter também como fundamento o erro notório na apreciação da prova, desde que o vício resulte dos elementos constantes dos autos, por si só ou conjugados com as regras da experiência comum.
2. Face ao vício de “erro notório na apreciação da prova” indicado no art.º 400º, n.º 2, al. c) do Código de Processo Penal, nos termos do art.º 114º do mesmo Código, “salvo disposição legal em contrário, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”.
3. Trata-se de erro notório na apreciação da prova quando se verifique violação das regras da experiência da vida quotidiana das pessoas pelo resultado da convicção final formada por juiz no conhecimento de facto.
4. Dispõe-se no art.º 400º, n.º 2 do Código de Processo Penal que o recurso pode ter como fundamento o “erro notório na apreciação da prova” cometido pelo tribunal a quo, desde que o vício relativo ao conhecimento de facto “resulte dos elementos constantes dos autos, por si só ou conjugados com as regras da experiência comum”.
5. Assim, tendo analisado a seguinte opinião do TSI – “Entendemos que não é uma questão da apreciação de factos, nem da existência de erro na apreciação da prova, mas sim da justificação dos factos, ou seja, da ilação do Tribunal no âmbito permitido pela lei”, o recorrente considera que isso é improcedente, uma vez que o vício relativo ao conhecimento de facto não “resulte dos elementos constantes dos autos, por si só ou conjugados com as regras da experiência comum”.
6. Entende o recorrente que aqui se trata da questão respeitante ao conhecimento de facto, mas não da questão suscitada no processo da ilação extraída pelo tribunal com a observação da lei, já que qualquer pessoa que consiga ler o conteúdo do acórdão a quo, não irá considerar, após a leitura e conforme as regras da experiência da vida quotidiana, que o resultado do conhecimento de facto a quo não seja irrazoável. Tal como a opinião da Declaração de voto, onde se refere manifestamente que o ora acórdão recorrido enferma da contradição insanável da fundamentação, do erro notório na apreciação da prova e do erro de direito não simples.
7. Assim sendo, se se conceder provimento ao recurso interposto pelo MºPº, deve efectuar-se o reenvio do processo para novo julgamento no Tribunal Judicial de Base ao abrigo do art.º 418º do Código de Processo Penal.
8. A falta de fundamento de direito na aplicação da “presunção ou ilação” no Direito penal.
9. In casu, por meio de audiência de julgamento, o TJB deu como provados os artigos 1º a 92º dos factos assentes, enquanto os artigos 11º, 42º, 47º, 50º, 80º, 81º e 82º dos factos foram dados como não provados, nomeadamente o facto respeitante a prática, em determinação comum e repartição de tarefa entre si, do crime de burla.
10. Caso o acórdão recorrido tire, juridicamente, dos artigos 37º e subsequentes dos factos assentes a ilação de que o facto criminoso ocorrido em 15 de Janeiro de 2012 é efectivamente a continuação do plano criminoso de 27 e 28 de Novembro de 2011, “…mostram obviamente que existiu um plano global de comparticipação entre os agentes: trocar as fichas falsas o mais possível. Pelos factos apurados suficientes, tais como a maneira de ida a Macau, o modo de prática de crime e a forma de fuga, verifica-se que existiu uma intenção comum entre todos os arguidos e os indivíduos de identidade desconhecida envolvidos no caso de 15 de Janeiro de 2012 e a estes foram distribuídas as respectivas tarefas.”, e, por qual se presume que o Tribunal a quo fez um juízo incorrecto sobre os factos e aplicou erradamente a lei. Assim sendo, em comparticipação, os sete arguidos foram acusados pela prática de um crime de burla de valor elevado, p. e p. pelo art.º 211.º n.º 3 do Código Penal, os factos supramencionados são necessariamente contraditórios ao artigo 81º dos factos dados como não provados pelo TJB. Tal como exibido em página 38 do acórdão recorrido, a mesma situação passa-se também com os artigos 81º e 82º dos factos não provados.
11. Obviamente, o TSI efectuou rigorosamente a análise dos factos para fundamentar a aludida ilação. O recorrente entende que embora a ilação tirada pelo TSI seja sustentada por experiência e lógica, não quer dizer que seja assim a realidade, já que pode haver outras situações, designadamente: Na ocorrência do facto criminoso em Macau, o recorrente apenas se deslocou a Macau por via aérea, juntamente com os demais arguidos, mas não chegou a acordo de crime com todos os arguidos e até decidiu no avião que “não iria participar de forma irracional na burla, a fim de se proteger”.
12. Em termo jurídico, trata-se de “Presunções” a confirmação dum facto por meio dum facto provado, cujo seu regime é previsto no art.º 342º e nos artigos subsequentes do Código Civil. Tanto o Código Penal quanto o Código de Processo Penal não prevêem a aplicação do regime jurídico de Presunções e, também, não se encontra em ambos os Códigos o princípio relacionado com o regime de Presunções.
13. Dispõe-se expressamente no art.º 1º, n.º 3 do Código Penal: “Não é permitido o recurso à analogia para qualificar um facto como crime ou definir um estado de perigosidade, nem para determinar a pena ou medida de segurança que lhes corresponde”.
14. Assim sendo, verifica-se falta de fundamento de direito na aplicação do regime jurídico de presunção ou ilação pelo TSI, causando a falta de fundamentação em uma parte da conclusão constante de página 43 do acórdão recorrido: “Portanto, o Tribunal a quo fez um juízo incorrecto sobre os factos e aplicou erradamente a lei. Assim sendo, em comparticipação, os sete arguidos foram acusados pela prática de um crime de burla de valor elevado, p. e p. pelo art.º 211.º n.º 3 do Código Penal”.
15. O acórdão recorrido tirou dos artigos 37º e subsequentes dos factos assentes a ilação de “…mostram obviamente que existiu um plano global de comparticipação entre os agentes…”. Tal ilação violou o disposto no art.º 336º, n.º 1 do Código de Processo Penal: “Não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência”.
16. Ao contrário, a convicção do Colectivo do TJB fundamenta-se na análise crítica e comparação de todos os meios de prova produzidos na audiência de julgamento valorados na sua globalidade.
17. Mormente das declarações prestadas individualmente pelos sete arguidos, dos depoimentos fornecidos pelos trabalhadores do casino como testemunhas, dos depoimentos imparciais fornecidos pelos agentes da PJ como testemunhas e dos vídeos dos discos compactos dados na audiência, bem como se fundamenta no exame de todas as provas documentais constantes dos autos e dos objectos apreendidos, feito na audiência.
18. O Colectivo do TJB deu como provados os seguintes factos: O Tribunal Colectivo considera que o facto ocorrido em 15 de Janeiro de 2012 foi praticado, em co-autoria material e na forma consumada, pelos 1º e 2º arguidos juntamente com o recorrente e os 4º, 6º e 7º arguidos sob orientação dos primeiros dois arguidos.
19. Os 1º e 2º arguidos e o recorrente, bem como os 1º, 2º e 6º arguidos praticaram, em co-autoria material, respectivamente, um crime de burla, p. e p. pelo art.º 211º do Código Penal.
20. Pelo facto praticado pelo recorrente, não se conseguiu enganar o casino, pelo que esse acto deve ser considerado tentativa e apenas serve para constituir um crime de burla, p. e p. pelo art.º 211º n.º 1 do Código Penal, assim sendo, tal acto ilícito deve ser subsumido a crime semi-público.
21. Nos autos não se mostra o exercício válido e tempestivo da queixa por parte da ofendida [Casino, S.A.], pelo que deve negar-se provimento à parte da acusação que foi deduzida contra o recorrente.
22. Assim sendo, o Colectivo do TJB agiu correctamente ao reconhecer que os arguidos praticaram o crime de burla, uma vez que os factos provados não revelaram que os arguidos tivessem conhecimento do conteúdo do acordo de crime, sendo a conduta dos mesmos incompatível com o conceito de co-autoria, razão pela qual deve o TUI sustentar e confirmar o acórdão do Tribunal a quo.
23. A falta de fundamento de facto na qualificação de crime feita pelo TSI em relação ao segundo caso de burla imputado ao recorrente.
24. O prejuízo patrimonial de valor consideravelmente elevado é um dos pressupostos do crime de burla de valor consideravelmente elevado, p. e p. pelo art.º 211º, n.º 4, al. a) do Código Penal. Considera-se valor consideravelmente elevado aquele que exceder 150.000 patacas no momento da prática do facto.
25. Face ao facto ocorrido em 15 de Janeiro de 2012, os factos assentes não referiram a quantia de prejuízo provocado a [Casino, S.A.] pela conduta dos arguidos.
26. A falta do facto no que respeita à quantia de prejuízo provocado a [Casino, S.A.] pela conduta dos arguidos, impossibilita a condenação do recorrente e dos respectivos arguidos pela prática do crime de burla de valor consideravelmente elevado, p. e p. pelo art.º 211º, n.º 4, al. a) do Código Penal, pelo que se deve absolver o recorrente do referido crime.
27. Se se entender que a falta de facto em apreço constituir o pressuposto do art.º 400º, n.º 2, al. a) do Código de Processo Penal, vem requerer ao TUI que proceda oficiosamente ao conhecimento do referido assunto.
28. Quanto a tentativa e desistência de comparticipação.
29. O tribunal de primeira instância deu como não provado o ponto 81 do facto da acusação, pelo que não reconheceu a comparticipação entre o recorrente e os 3º, 4º, 6º e 7º arguidos.
30. O tribunal recorrido condenou, por convolação, o recorrente pela prática, em co-autoria com os 1º, 2º, 3º, 4º, 6º e 7º arguidos e na forma consumada, de um crime de burla de valor consideravelmente elevado, p. e p. pelo art.º 211º, n.º 4, al. a) do Código Penal, por ter considerado que, devido ao erro na interpretação e no juízo de todos os factos provados, o tribunal de primeira instância deu como não provado o artigo 81º do facto da acusação.
31. Define-se a autoria da comparticipação no art.º 25º do Código Penal: “É punível como autor quem executar o facto, por si ou por intermédio de outrem, ou tomar parte directa na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros…”
32. Tal como foi mencionado por Manuel de Oliveira Leal-Henriques e Manuel José Carrilho de Simas Santos no “Código Penal”: “A comparticipação resulta de conjugação de esforço de várias pessoas. O cometimento de crime torna-se mais fácil mediante a reunião de força e divisão de tarefas entre os agentes. O elemento essencial de co-autoria é a actuação em conjunto dos agentes com acordo mútuo, praticando uma parte ou a totalidade dos actos integrantes dos elementos típicos de crime, com vista ao mesmo objectivo criminoso. “A co-autoria exige, pois, a verificação do elemento subjectivo (uma decisão conjunta, tendo em vista a obtenção de um determinado resultado criminoso) e do elemento objectivo (uma execução igualmente conjunta, não sendo, porém, indispensável que cada um dos agentes intervenha em todos os actos a praticar).” No pressuposto de verificação deste elemento subjectivo, são imputados como autores todos os agentes que praticam actos integrantes dos elementos típicos de crime, seja qual for a parte destes elementos a que a sua actuação respeita”.
33. Daí se vislumbra que o elemento essencial de comparticipação é a actuação em conjunto dos agentes com acordo mútuo, praticando uma parte ou a totalidade dos actos integrantes dos elementos típicos de crime, com vista ao mesmo objectivo criminoso.
34. Pelos factos provados da presente causa, mormente os factos provados que se referem a interacção e relação existentes entre o recorrente e os 3º, 4º, 6º e 7º arguidos (tais como os artigos 42º a 45º, 47º a 49º, 63º, 66º, 69º, 73º, 76º e 77º dos factos provados), não se verifica a existência de qualquer acordo mútuo entre o recorrente e os 3º, 4º, 6º e 7º arguidos.
35. Pelos factos provados desta causa, só se averigua que o recorrente, bem como os 3º, 4º, 6º e 7º arguidos aceitaram deslocar-se a Macau para usarem as fichas falsas, e que os mesmos usavam as fichas falsas fornecidas por A e B sob instruções dos últimos.
36. E, só se apura que o recorrente, bem como os 4º, 6º e 7º arguidos entraram simultaneamente em Macau, foram transportados para [Casino], foram comprar bilhetes de avião no Aeroporto Internacional de Macau e foram conduzidos para a esquadra da PJ.
37. Não obstante o recorrente, bem como os 3º, 4º, 6º e 7º arguidos provocassem, por meio de uso de fichas falsas, prejuízo patrimonial à [Casino, S.A.], conforme os pontos 42, 43 e 44 dos factos provados, verifica-se que isso resultava das indicações dadas pelos 1º e 2º arguidos.
38. A partir daí, vê-se que, tal como foi interpretado pelos juízes do tribunal de primeira instância, apenas se provou que o recorrente só tinha, independentemente, acordo de crime com os 1º e 2º arguidos, mas não o acordo de crime mútuo com todos os arguidos da causa.
39. Por conseguinte, os factos provados da causa não são suficientes para o tribunal recorrido condenar o recorrente, bem como os 1º, 2º, 3º, 4º, 6º e 7º arguidos pela prática, em co-autoria e na forma consumada, de um crime de burla de valor consideravelmente elevado, p. e p. pelo art.º 211º, n.º 4, al. a) do Código Penal, sendo, portanto, uma situação prevista no art.º 400º, n.º 2, al. a) do Código de Processo Penal.
40. Ao abrigo do art.º 21º, n.º 1 do Código Penal: “1. Há tentativa quando o agente praticar actos de execução de um crime que decidiu cometer, sem que este chegue a consumar-se”.
41. In casu, segundo os factos dados como provados pelo Colectivo do Tribunal a quo: “…os 1º, 2º e 5º arguidos, bem como os 1º, 2º e 6º arguidos praticaram, em co-autoria material, respectivamente, um crime de burla, p. e p. pelo art.º 211º do Código Penal,
42. pelo facto praticado pelo recorrente D, ora 5º arguido, não se conseguiu enganar o casino, pelo que esse acto deve ser considerado tentativa e apenas serve para constituir um crime de burla, p. e p. pelo art.º 211º n.º 1 do Código Penal,
43. tal acto ilícito deve ser subsumido a crime semi-público. Como nos autos não se mostra o exercício válido e tempestivo da queixa por parte da ofendida [Casino, S.A.], este Tribunal Colectivo considera que deve negar provimento à parte da acusação que foi deduzida contra o 5º arguido”.
44. O tribunal recorrido, por falta de fundamentos de direito e provas suficientes para apurarem a comparticipação criminosa do recorrente, cometeu erro na formação da convicção, assim como inferiu, por meio do regime jurídico de presunção ou ilação, que o recorrente, bem como os 1º, 2º, 3º, 4º, 6º e 7º arguidos praticaram, em co-autoria e na forma consumada, um crime de burla de valor consideravelmente elevado, p. e p. pelo art.º 211º, n.º 4, al. a) do Código Penal, violando manifestamente as regras sobre o valor da prova vinculada e o princípio de in dubio pro reo, razão pela qual se verifica o vício de erro notório na apreciação da prova, previsto no art.º 400º, n.º 2, al. c) do Código de Processo Penal;
45. Por conseguinte, deve considerar-se como não provado o aludido facto em conformidade com o princípio de in dubio pro reo;
46. Pela insuficiência de apreciação de factos, verifica-se que é improcedente a decisão que condenou, por convolação, o recorrente, bem como os 1º, 2º, 3º, 4º, 6º e 7º arguidos pela prática, em co-autoria e na forma consumada, de um crime de burla de valor consideravelmente elevado, p. e p. pelo art.º 211º, n.º 4, al. a) do Código Penal, devendo o recorrente ser absolvido do crime supramencionado;
- Recurso do arguido E
1. Acordaram os Venerandos Juízes do Colectivo do TSI em condenar o recorrente, pela prática de um crime de burla de valor consideravelmente elevado, p. e p. pelo art.º 211º, n.º 4, al. a) do Código Penal, na pena de 6 anos de prisão (vide fls. 1167-1190 dos autos).
2. Após a audiência de julgamento, o tribunal de primeira instância condenou o recorrente, pela prática, em co-autoria material (com os 1º e 2º arguidos) e na forma consumada, de um crime de burla, p. e p. pelo art.º 211º, n.º 3 do Código Penal, em conjugação com o art.º 196º, al. a) do mesmo Código, na pena de 2 anos e 3 meses de prisão efectiva.
3. O tribunal recorrido convolou a condenação, visto que considerou que o tribunal de primeira instância tinha interpretado e ajuizado erradamente os factos, resultando erro na aplicação da lei.
4. Conforme fls. 1001-1009 dos autos, finda a audiência de julgamento, verifica-se que os pontos 38, 42, 44 a 49, 51 a 56, 58, 61 a 66, 69, 70, 73, 76, 77 e 81 dos factos provados são relacionados com o recorrente.
5. Os pontos 81 e 82 dos factos relacionados com o recorrente foram dados como não provados.
6. O tribunal de primeira instância deu como não provado o ponto 81 do facto da acusação, pelo que não condenou o recorrente e os 3º, 4º, 5º e 7º arguidos por comparticipação.
7. Porém, o tribunal recorrido condenou, por convolação, o recorrente pela prática, em co-autoria com os 1º, 2º, 3º, 4º, 5º e 7º arguidos e na forma consumada, de um crime de burla de valor consideravelmente elevado, p. e p. pelo art.º 211º, n.º 4, al. a) do Código Penal, por ter considerado que, devido ao erro na interpretação e no juízo de todos os factos provados, o tribunal de primeira instância deu como não provado o artigo 81º do facto da acusação.
8. Define-se a autoria da comparticipação no art.º 25º do Código Penal: “É punível como autor quem executar o facto, por si ou por intermédio de outrem, ou tomar parte directa na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros…”
9. Mencionaram Manuel de Oliveira Leal-Henriques e Manuel José Carrilho de Simas Santos no “Código Penal”: “A comparticipação resulta de conjugação de esforço de várias pessoas. O cometimento de crime torna-se mais fácil mediante a reunião de força e divisão de tarefas entre os agentes. O elemento essencial de co-autoria é a actuação em conjunto dos agentes com acordo mútuo, praticando uma parte ou a totalidade dos actos integrantes dos elementos típicos de crime, com vista ao mesmo objectivo criminoso. “A co-autoria exige, pois, a verificação do elemento subjectivo (uma decisão conjunta, tendo em vista a obtenção de um determinado resultado criminoso) e do elemento objectivo (uma execução igualmente conjunta, não sendo, porém, indispensável que cada um dos agentes intervenha em todos os actos a praticar).” No pressuposto de verificação deste elemento subjectivo, são imputados como autores todos os agentes que praticam actos integrantes dos elementos típicos de crime, seja qual for a parte destes elementos a que a sua actuação respeita”.1
10. Mencionou o professor Manuel Cavaleiro de Ferreira nas “Lições de Direito Penal, Parte Geral, I”: “o que é comum na comparticipação é que a actividade de todos os agentes deve dirigir-se objectivamente à realização de um facto previsto como crime, na sua forma, consumada ou tentada; quer dizer, a comparticipação deve produzir, objectivamente, como resultado, um facto que, se fosse cometido por um só agente, seria punível”.
11. Mencionou a professora Teresa P. Beleza no “Direito Penal 2º Vol.”: “Neste âmbito, em princípio, a comparticipação criminosa sob a forma de co-autoria tem como requisitos uma decisão conjunta, ou um plano conjunto, tendo em vista a obtenção de um determinado resultado, e a execução igualmente conjunta”.
12. O elemento essencial de comparticipação é a actuação em conjunto dos agentes com acordo mútuo, praticando uma parte ou a totalidade dos actos integrantes dos elementos típicos de crime, com vista ao mesmo objectivo criminoso.
13. Pelos factos provados da presente causa, mormente os factos provados que se referem a interacção e relação existentes entre o recorrente e os 3º, 4º, 5º e 7º arguidos (tais como os artigos 42º a 45º, 47º a 49º, 63º, 66º, 69º, 73º, 76º e 77º dos factos provados), não se verifica a existência de qualquer acordo mútuo entre o recorrente e os 3º, 4º, 5º e 7º arguidos.
14. Só se averigua que o recorrente, bem como os 3º, 4º, 5º e 7º arguidos aceitaram deslocar-se a Macau para usarem as fichas falsas, e que os mesmos usavam as fichas falsas fornecidas por A e B, de forma igual às instruções dos últimos.
15. Mais se apura que o recorrente, bem como os 4º, 5º e 7º arguidos entraram simultaneamente em Macau, foram transportados para [Casino], foram comprar bilhetes de avião no Aeroporto Internacional de Macau e foram conduzidos para a esquadra da PJ.
16. Não obstante o recorrente, bem como os 3º, 4º, 5º e 7º arguidos provocassem, por meio de uso de fichas falsas, prejuízo patrimonial à [Casino, S.A.], conforme os pontos 42, 43 e 44 dos factos provados, verifica-se que isso resultava das indicações dadas pelos 1º e 2º arguidos.
17. A partir daí, vê-se que, tal como foi interpretado pelos juízes do tribunal de primeira instância, apenas se provou que o recorrente só tinha, independentemente, acordo de crime com os 1º e 2º arguidos, mas não o acordo de crime mútuo com todos os arguidos da causa.
18. Por conseguinte, os factos provados da causa não são suficientes para o tribunal recorrido condenar o recorrente, bem como os 1º, 2º, 3º, 4º, 5º e 7º arguidos pela prática, em co-autoria e na forma consumada, de um crime de burla de valor consideravelmente elevado, p. e p. pelo art.º 211º, n.º 4, al. a) do Código Penal, sendo, portanto, uma situação prevista no art.º 400º, n.º 2, al. a) do Código de Processo Penal.
19. Se os Venerandos Juízes do TUI não se conformarem com a opinião supracitada, em qualquer situação,
20. Pelos factos provados, o recorrente usava as fichas falsas sob instruções dos 1º e 2º arguidos, além disso, no processo de cometimento de crime, o recorrente era apenas executor do crime, mas não autor principal que planeou o crime em causa.
21. O recorrente confessou os respectivos factos criminosos no primeiro interrogatório judicial, especificando que o motivo do crime era obtenção de dinheiro para ser despendido no Ano Novo (vide fls. 288 a 289v. dos autos).
22. O recorrente é delinquente primário, era trabalhador do sector dos transportes antes de ser condenado, auferia o salário mensal de cerca de MYR1.500,00 e tinha a esposa e quatro filhos menores a seu cargo.
23. Daí se manifesta o sentimento de arrependimento do recorrente, assim como o reduzido grau de ilicitude do facto.
24. Nos termos do art.º 211º, n.º 4, al. a) do Código Penal, a moldura penal do crime de burla de valor consideravelmente elevado é de 2 a 10 anos de prisão. Ora, é manifestamente excessiva a pena de prisão de 6 anos aplicada, por convolação, ao recorrente pelo tribunal recorrido.
25. Tendo em consideração as finalidades da punição – “Prevenção geral” e “Prevenção especial”, a pena aplicada deve ser abaixada para pena de prisão inferior a 3 anos, sendo esse resultado exigido pelo princípio da proporcionalidade das penas aos factos concretos, à ilicitude dos factos e às suas consequências, tendo em vista a reintegração do agente na sociedade.

Respondeu o Ministério público, terminou as suas respostas com as seguintes conclusões:
- Sobre os recursos interpostos pelos arguidos A, B, C e E
1. O não reconhecimento da existência do dolo subjectivo de comparticipação é uma questão de vício factual.
2. Porém, o tribunal superior pode, absolutamente, obter reconhecimento de factos subjectivos diferente ao do Tribunal a quo, com base na interpretação dos factos provados e na ilação extraída dos mesmos.
3. De facto, sub judice, a aludida questão foi resolvida com a ilação extraída dos factos provados.
4. In casu, sobretudo quanto ao facto criminoso ocorrido em 15 de Janeiro de 2012, a quantia de prejuízo em causa não atinge o nível de valor consideravelmente elevado, chegando apenas ao nível de valor elevado. Assim sendo, conforme a qualificação de direito do acto supracitado, os arguidos devem ser incriminados pelo art.º 211º, n.º 3, em conjugação com o art.º 196º, al. a) todos do Código Penal.
5. Quanto à parte em que concerne ao 3º arguido C, verifica-se realmente a omissão de julgamento, já que não se efectuou a análise da parte dos factos objectivos dados como não provados, referentes ao 3º arguido.
6. Contudo, não prejudica a análise feita pelo TUI.
7. Daí se resulta o reconhecimento da existência do vício factual de erro notório na apreciação da prova, mormente o dos pontos 11, 42, 47 e 50 da acusação.
8. Tendo em conta a concretude do referido vício, pode realizar-se o julgamento sem reenvio do processo para novo julgamento.
9. Enfim, faz-se a nova qualificação de direito e determinação de pena perante o acto ilícito ocorrido em 15 de Janeiro de 2012.
- Sobre o recurso interposto pelo arguido D
1. O não reconhecimento da existência do dolo subjectivo de comparticipação é uma questão de vício factual.
2. Porém, o tribunal superior pode, absolutamente, obter reconhecimento de factos subjectivos diferente ao do Tribunal a quo, com base na interpretação dos factos provados e na ilação extraída dos mesmos.
3. De facto, sub judice, a aludida questão foi resolvida com a ilação extraída dos factos provados.
4. In casu, sobretudo quanto ao facto criminoso ocorrido em 15 de Janeiro de 2012, a quantia de prejuízo em causa não atinge o nível de valor consideravelmente elevado, chegando apenas ao nível de valor elevado. Assim sendo, conforme a qualificação de direito do acto supracitado, os arguidos devem ser incriminados pelo art.º 211º, n.º 3, em conjugação com o art.º 196º, al. a) todos do Código Penal.
5. Enfim, faz-se a nova qualificação de direito e determinação de pena perante o acto ilícito ocorrido em 15 de Janeiro de 2012.

Nesta instância, o Digno Procurador-Adjunto do Ministério Público emitiu o douto parecer no sentido de não conhecer da questão de atenuação especial da pena suscitada pelo recorrente e julgar manifestamente improcedentes os restantes fundamentos do recurso, rejeitando-o.
Foram corridos os vistos.

2. Os Factos
Foram considerados provados os seguintes factos:
1. Em Março de 2010, o arguido A conheceu um indivíduo masculino “I” quando se divertia numa discoteca da Cidade de Ipoh da Malásia.
2. Em 2011, o arguido C conheceu um indivíduo masculino “H”, com alcunha de “H1”, quando se conversava num bar de chá da Cidade de Ipoh da Malásia.
3. Em Outubro de 2011, I perguntou ao arguido A se gostaria de comprar pelo preço de HKD$5.000,00 para cada uma as fichas falsificadas de valor de HKD$10.000,00 do [Casino] de Macau, que garantiu que poderiam passar o exame do Casino.
4. Como o arguido A não tinha dinheiro suficiente para comprar as fichas falsificadas referidas, chegou a acordo com I de que assistiria o último a usar as fichas falsificadas para levantar dinheiro e receberia uma receita no valor de MYR$10.000,00 após completá-lo. Caberiam a I as custas de transporte a Macau.
5. Em Outubro de 2011, o arguido B conheceu I na Malásia através de apresentação do amigo “J”. I propôs-lhe que usasse fichas falsificadas para jogar no casino de Macau e receberia uma receita no valor de 10% do lucro total obtido após completá-lo. O arguido B concordou.
6. Em princípio de Novembro de 2011, o arguido C disse a H que tinha dificuldade económica porque foi defraudado nos negócios. H propôs-lhe que usasse fichas falsificadas para jogar no casino de Macau e receberia uma receita no valor de 10% do lucro total obtido quando conseguiu trocar ou apostar as fichas. O arguido C concordou.
7. No dia 27 de Novembro de 2011, encabeçados por H, os arguidos A, B, C, K com nome falso de K1 e L com nome falso de L1 tomaram voo em conjunto da Malásia a Macau.
8. No mesmo dia, de 21H19 a 21H23, os arguidos A, B, C, juntamente com H, K e L, titulares respectivamente dos passaportes da Malásia n.º AXXXXXXXX, AXXXXXXXX, AXXXXXXXX, AXXXXXXXX, AXXXXXXXX e AXXXXXXXX, entraram em Macau via Aeroporto Internacional.
9. Após chegarem a Macau, os arguidos A, B, C, juntamente com H, K e L deslocaram-se imediatamente para tomar refeição no [Restaurante] do [Casino].
10. Posteriormente, H e um indivíduo masculino de identidade desconhecida (vide o lado direito da foto constante da fls. 549 dos autos) distribuíram na casa de banho do [Restaurante] várias fichas falsificadas em que tinham a expressão “XXXXXXTM XXXXX, XXXX e HKD10.000,00” (vide a foto contante da fls. 342 dos autos) aos três arguidos e K e L.
11. Em seguida, os sete indivíduos entraram no [Casino] afecto à [Casino, S.A.] e usaram individualmente as fichas falsas de valor de HKD$10.000,00 para jogar nesse Casino ou trocaram-nas por fichas de valor menor para fazer aposta.
12. No dia 27 de Novembro de 2011, pelas 23H27, o indivíduo masculino referido de identidade desconhecida apostou na mesa de Bacará n.º MDXXXX do [Casino] duas fichas falsas de valor de HKD$10.000,00. O pagador achava por erro que essas fichas de valor de HKD$10.000,00 eram autênticas e aceitou a aposta do indivíduo. Por conseguinte, o indivíduo perdeu as duas fichas falsificadas de valor de HK$10.000,00.
13. No mesmo dia, pelas 23H28, o indivíduo masculino referido apostou por outra vez na mesma mesa duas fichas falsas de valor de HKD$10.000,00. O pagador achava por erro de novo que essas fichas de valor de HKD$10.000,00 eram autênticas e aceitou a aposta do indivíduo. Por conseguinte, o indivíduo perdeu as duas fichas falsificadas de valor de HK$10.000,00 (vide a parte inferior da fls. 403 e as fotos constantes da fls. 404 dos autos).
14. No dia 27 de Novembro de 2011, de 23H32 a 23H55, no [Casino], K mostrou respectivamente uma ficha falsa de valor de HKD$10.000,00 na mesa de Bacará n.º NBXXXX, duas fichas falsas de valor de HKD$10.000,00 na mesa de Bacará n.º MDXXXX e duas fichas falsas de valor de HKD$10.000,00 na mesa de Bacará n.º MDXXXX, pediu trocá-las por fichas de valor de HKD$1.000,00. Os pagadores das três mesas achavam por erro que foram autênticas essas fichas de valor de HKD$10.000,00 e deram-lhe as fichas de valor de HKD$1.000,00 pelo montante correspondente. Para evitar a suspeição dos pagadores, todas as vezes K apostou imediatamente na mesa umas fichas de valor de HKD$1.000,00.
15. De 23H35 de 27 de Novembro de 2011 a 00H08 de 28 de Novembro de 2011, o arguido C mostrou aos pagadores respectivamente duas fichas falsas de valor de HKD$10.000,00 nas mesas de Bacará n.º NBXXXX, NBXXXX e NBXXXX do [Casino], pediu trocá-las por fichas de valor de HKD$1.000,00. Os pagadores das três mesas achavam por erro que foram autênticas essas fichas de valor de HKD$10.000,00 e deram-lhe as fichas de valor de HKD$1.000,00 pelo montante correspondente. Para evitar a suspeição dos pagadores, todas as vezes C apostou imediatamente na mesa umas fichas de valor de HKD$1.000,00.
16. No dia 27 de Novembro de 2011, pelas 23H38, L mostrou ao pagador três fichas falsas de valor de HKD$10.000,00 na mesa de Bacará n.º NBXXXX do [Casino], pediu trocá-las por fichas de valor de HKD$1.000,00. O pagador dessa mesa achava por erro que foram autênticas essas fichas de valor de HKD$10.000,00 e deu-lhe 30 fichas de valor de HKD$1.000,00. Para evitar a suspeição do pagador, L apostou imediatamente na mesa umas fichas de valor de HKD$1.000,00.
17. No dia 27 de Novembro de 2011, pelas 23H47, H encontrou-se com o arguido A na mesa de Bacará n.º MDXXXX do [Casino]. No mesmo dia, pelas 23H55, H levantou dinheiro com 26 fichas de valor de HKD$1.000,00 na contadoria e recebeu um montante de HKD$26.000,00.
18. No dia 28 de Novembro de 2011, pelas 00H02, K mostrou à pagadora M na mesa de Bacará n.º NBXXXX duas fichas falsificadas de valor de HKD$10.000,00, pediu trocá-las por fichas de valor de HKD$1.000,00. M achava por erro que foram autênticas essas fichas de valor de HKD$10.000,00 e deu-lhe 20 fichas de valor de HKD$1.000,00. Para evitar a suspeição da pagadora, K apostou imediatamente na mesa umas fichas de valor de HKD$1.000,00.
19. Na altura, M constatou que K estava com um aspecto anormal e, portanto, comunicou-se com o superior para examinar as fichas referidas de valor de HKD$10.000,00 na contadoria.
20. No mesmo dia, pelas 00H05, H levantou dinheiro com 36 fichas de valor de HKD$1.000,00 na contadoria e recebeu um montante de HKD$36.000,00.
21. No mesmo dia, de 00H11 a 00H16, o arguido A mostrou ao pagador, por duas vezes, respectivamente uma e duas fichas falsas de HKD$10.000,00 na mesa de Bacará n.º MDXXXX do [Casino], pediu trocá-las por fichas de valor de HKD$1.000,00. O pagador dessa mesa achava por erro que foram autênticas essas três fichas de valor de HKD$10.000,00 e deu-lhe no total 30 fichas de valor de HKD$1.000,00. Para evitar a suspeição do pagador, A apostou imediatamente na mesa umas fichas de valor de HKD$1.000,00.
22. No mesmo dia, pelas 00H26, L mostrou ao pagador três fichas falsas de valor de HKD$10.000,00 na mesa de Roleta n.º XXXX do [Casino], pediu trocá-las por fichas de valor de HKD$1.000,00. O pagador dessa mesa achava por erro que foram autênticas essas fichas de valor de HKD$10.000,00 e deu-lhe 30 fichas de valor de HKD$1.000,00. Para evitar a suspeição do pagador, L apostou imediatamente na mesa umas fichas de valor de HKD$1.000,00.
23. No mesmo dia, pelas 00H28, o arguido C mostrou de novo ao pagador duas fichas falsas de valor de HKD$10.000,00 na mesa de Bacará n.º NBXXXX do [Casino], pediu trocá-las por fichas de valor de HKD$1.000,00. O pagador dessa mesa achava por erro que foram autênticas essas fichas de valor de HKD$10.000,00 e deu-lhe 20 fichas de valor de HKD$1.000,00. Para evitar a suspeição do pagador, o arguido C apostou imediatamente na mesa umas fichas de valor de HKD$1.000,00.
24. Após entrar no [Casino], o arguido B jogou no primeiro com numerários autênticos. Em seguida, no dia 28 de Novembro de 2011, pelas 00H29, o arguido B mostrou ao pagador duas fichas falsas de valor de HKD$10.000,00 na mesa de Bacará n.º MDXXXX do [Casino], pediu trocá-las por fichas de valor de HKD$1.000,00. O pagador dessa mesa achava por erro que foram autênticas essas fichas de valor de HKD$10.000,00 e deu-lhe 20 fichas de valor de HKD$1.000,00. Para evitar a suspeição do pagador, o arguido B apostou imediatamente na mesa umas fichas de valor de HKD$1.000,00. Na altura, o arguido A foi fazer a mesma aposta do arguido B nessa mesa com umas fichas de valor de HKD$1.000,00.
25. No mesmo dia, pelas 00H36, o arguido A foi à mesa de Bacará n.º NBXXXX em que o arguido C estava a jogar e fez a mesma aposta deste. Na altura, o pagador pagou o prémio aos dois arguidos quando venceram, no qual, porém, havia uma ficha de valor de HKD$10.000,00. O arguido C sabia que foi provavelmente uma ficha falsa usada por eles, portanto, pediu trocá-la por 10 fichas de valor de HKD$1.000,00.
26. No mesmo dia, pelas 00H41, K levantou dinheiro com 39 fichas de valor de HKD$1.000,00 na contadoria do [Casino] e recebeu um montante de HKD$39.000,00.
27. No mesmo dia, pelas 00H42, o arguido C levantou dinheiro com 64 fichas de valor de HKD$1.000,00 na contadoria do [Casino] e recebeu um montante de HKD$64.000,00.
28. No mesmo dia, pelas 00H45, o arguido A levantou dinheiro com 14 fichas de valor de HKD$1.000,00 na contadoria do [Casino] e recebeu um montante de HKD$14.000,00.
29. Por conseguinte, o arguido A e os outros devolveram as fichas falsas não usadas de valor de HKD$10.000,00 a H e indivíduo masculino de identidade desconhecida. Eles saíram imediatamente do [Casino] e foram descansar-se num estabelecimento de Spa que ficou perto do Hotel Lisboa.
30. No mesmo dia, pelas 01H50, após a examinação, a Gerente da contadoria do [Casino], N, constatou que foi grosseira a impressão da palavra “XXXXXX” de cor branca nas duas ficha de valor de HKD$10.000,00, trocadas por K na mesa de Bacará n.º NBXXXX, não apareceu uma imagem de “sino” no meio das fichas quando as tremeram, sendo diferentes das fichas autênticas; sob a luz laser, apareceram reflexos brancos e várias linhas horizontais nas fichas, sendo também diferentes das fichas autênticas; as duas fichas não tinham chips, portanto, foram falsificadas. Assim sendo, o Departamento de Segurança do [Casino] informou os agentes da PJ no mesmo dia, pelas 04H30.
31. No mesmo dia, de 10H39 a 10H42, os arguidos A, B e C, juntamente com H, K saíram de Macau via Aeroporto Internacional.
32. Posteriormente, o [Casino] encontrou mais 29 fichas de valor de HKD$10.000,00 que tinham as mesmas características das duas fichas falsas referidas. De 10H00 de 27 de Novembro de 2011 a 01H00 de 28 de Novembro de 2011, excepto os arguidos A, B e C, bem como K, L e o indivíduo masculino de identidade desconhecido, não havia outro jogador que apostou ou trocou ficha de valor de HKD$10.000,00 por ficha de valor menor nas respectivas mesas de jogo do [Casino].
33. No dia 1 de Dezembro de 2011, pelas 21H41, L saiu de Macau via Aeroporto Internacional.
34. Regressando à Malásia, o arguido B recebeu de I uma receita de cerca de HKD$3.000,00, enquanto que, pois, o arguido A levantou dinheiro no montante de HKD$14.000,00, que era aproximado ao valor de receita de MYR$10.000,00 que I lhe comprometeu, deste modo, I deu esse montante de HKD$14.000,00 ao arguido A como remuneração.
35. Após a examinação, verificou-se que as 31 fichas em que tinham a expressão “XXXXXXTM XXXXX, XXXX e HKD10.000,00” foram falsificadas.
36. Os actos dos arguidos A, B e C, bem como H, K e L, originaram danos no valor de HKD$310.000,00 para a [Casino, S.A.].
37. Em Dezembro de 2011, O, amigo malaio do arguido F, propôs-lhe que usasse fichas falsificadas para jogar no casino de Macau e receberia uma receita no montante de 10% do valor total das fichas falsas usadas após completá-lo. O arguido F concordou.
38. Em Dezembro de 2011, o arguido A disse a um amigo dele, ora arguido E, que havia uma oportunidade de ganhar dinheiro rápido e fácil, era pequena a possibilidade de falha, precisava somente de usar fichas falsificadas no casino de Macau. O arguido E concordou.
39. O arguido A persuadiu também o ex-empregado dele, ora arguido D, a usar fichas falsas no casino de Macau, afirmando que receberia uma receita no valor de 10% do lucro total obtido quando conseguiu trocar ou apostar as fichas. O arguido D concordou.
40. Em Janeiro de 2012, I pediu ao arguido B arranjar uns malaios para ir de novo usar fichas falsificadas em Macau e a remuneração seria mesma. O arguido B disse-o aos arguidos A, C e um indivíduo masculino, P.
41. No mesmo mês, O pediu a um amigo dele, ora arguido G, usar fichas falsas no casino de Macau, afirmando que receberia uma receita no valor de 10% do lucro total obtido após completá-lo. O arguido G concordou.
42. Em seguida, os arguidos F, D, E, G e um indivíduo masculino Q concordaram que foram usar fichas falsificadas em Macau. I pediu aos arguidos A e B e um indivíduo masculino R encabeçá-los para ir a Macau.
43. No dia 15 de Janeiro de 2012, pelas 04H00, quando esperavam no Aeroporto de Kuala Lumpur da Malásia, o arguido B disse aos outros que, para garantir a segurança, iriam apostar directamente as fichas falsificadas nos jogos em Macau, a fim de evitar a suspeição dos pagadores.
44. Ao mesmo tempo, os arguidos A e B ensinaram aos arguidos F, D, E, G e Q como fazer aposta e lhes entregar as fichas autênticas ganhas e os numerários levantados. O arguido A disse ao arguido E que receberia uma receita no valor de 5% do lucro total obtido após completá-lo.
45. No mesmo dia, de 10H38 a 10H44, entraram em Macau via Aeroporto Internacional os arguidos A, B, C, F, D, E e G, titulares respectivamente dos passaportes da Malásia n.º AXXXXXXXX, AXXXXXXXX, AXXXXXXXX, AXXXXXXXX, AXXXXXXXX, AXXXXXXXX e AXXXXXXXX.
46. Após chegarem a Macau, os sete arguidos acima aludidos bem como R e Q foram tomar refeição no [Restaurante] do [Casino], em seguida, uns deles passearam-se no [Casino].
47. No mesmo dia, pelas 14H30, R e um outro indivíduo masculino de identidade desconhecida deram na casa de banho aproximada do [Restaurante] 50 fichas falsas em que tinham a expressão “XXXXXXTM XXXXX, XXXX e HKD10.000,00” ao arguido B e disseram-no que, como os arguidos B, A e C tinham usado fichas falsificadas no [Casino], esta vez cabiam aos arguidos F, D, E, G e Q utilizar as fichas falsas e aos arguidos B e A supervisioná-los. Afirmaram ainda que precisavam de ir buscar fichas falsificadas noutro lugar e pediram aos arguidos B e A esperar por eles no restaurante chinês aproximado do [Restaurante].
48. No mesmo dia, pelas 15H00, nas proximidades da estação de transporte de ida e volta do Hotel [Casino], o arguido B distribuiu respectivamente 15 fichas falsas de valor de HKD$10.000,00 aos arguidos E e D; o arguido Chan distribuiu 4 fichas falsas de valor de HKD$10.000,00 ao arguido F, 13 ao arguido G e 10 a Q.
49. A seguir, os arguidos B e A ficavam esperando pelos outros no restaurante chinês aproximado do [Restaurante], e os arguidos F, D, E, G e Q entraram individualmente no [Casino] e estavam dispostos a usar as fichas falsas para fazer aposta, a fim de obter fichas autênticas.
50. Na altura, o arguido A telefonou ao arguido G, solicitando-lhe fazer aposta o mais rapidamente possível. Todavia, os arguidos F e G nunca usaram essas fichas falsificadas.
51. No mesmo dia, pelas 15H16, o arguido E apostou na mesa de Bacará n.º NBXXXX do [Casino] uma ficha falsa de valor de HKD$10.000,00. O pagador achava por erro que essa ficha de valor de HKD$10.000,00 era autêntica e aceitou a aposta dele. Por conseguinte, o arguido E perdeu a ficha falsificada de valor de HK$10.000,00.
52. No mesmo dia, pelas 15H18, o arguido E apostou na mesa de Bacará n.º MDXXXX do [Casino] duas fichas falsas de valor de HKD$10.000,00. O pagador achava por erro que essas fichas de valor de HKD$10.000,00 eram autênticas e aceitou a aposta dele. Por conseguinte, o arguido E ganhou duas fichas autênticas de valor de HKD$10.000,00 e colocou-as noutra bolsa da roupa para não as confundir com as fichas falsificadas.
53. No mesmo dia, pelas 15H20, o arguido E apostou na mesa referida cinco fichas falsas de valor de HKD$10.000,00. O pagador achava por erro que essas fichas de valor de HKD$10.000,00 eram autênticas e aceitou a aposta dele. Por conseguinte, o arguido E perdeu essas cinco fichas falsificadas de valor de HK$10.000,00.
54. Em seguida, o pagador da mesa referida inconscientemente pagou o prémio com essas cinco fichas falsificadas de valor de HKD$10.000,00 a S, que estava a jogar na mesma mesa.
55. No mesmo dia, pelas 15H22, o arguido E apostou na mesa de Bacará n.º NBXXXX do [Casino] duas fichas falsas de valor de HKD$10.000,00. O pagador achava por erro que essas fichas de valor de HKD$10.000,00 eram autênticas e aceitou a aposta dele. Por conseguinte, o arguido E perdeu essas duas fichas falsificadas de valor de HK$10.000,00.
56. No mesmo dia, pelas 15H24, o arguido E apostou na mesa de Bacará n.º MDXXXX do [Casino] duas fichas falsas de valor de HKD$10.000,00. O pagador achava por erro que essas fichas de valor de HKD$10.000,00 eram autênticas e aceitou a aposta dele. Por conseguinte, o arguido E perdeu essas duas fichas falsificadas de valor de HK$10.000,00.
57. Ao mesmo tempo, o arguido D apostou na mesa de Bacará n.º NBXXXX do [Casino] uma ficha falsa de valor de HKD$10.000,00, que inspirou a suspeição do pagador, em face disso, o arguido D saiu imediatamente do [Casino].
58. No mesmo dia, pelas 15H25, o arguido E apostou na mesa de Bacará n.º NBXXXX do [Casino] uma ficha falsa de valor de HKD$10.000,00, que inspirou a suspeição do pagador. Portanto, informou o seu superior para inspeccionar em conjunto essa ficha. Por conseguinte, eles devolveram a ficha ao arguido E.
59. Em seguida, R informou o arguido B via telefone de que o [Casino] já detectou a utilização de fichas falsas e solicitou-lhes reunir-se imediatamente no Aeroporto Internacional de Macau. O arguido telefonou logo aos arguidos F e G para os mandar sair do [Casino], enquanto que o arguido A tentou procurar os parceiros no Casino.
60. Posteriormente, os arguidos B, C, F e G reuniram-se na zona de táxis do Hotel [Casino] e foram juntos de táxi ao Aeroporto Internacional de Macau.
61. No mesmo dia, pelas 15H29, o arguido E levantou dinheiro na contadoria do [Casino] com as duas fichas autênticas ganhas de valor de HKD$10.000,00 e obteve o montante de HKD$20.000,00. E depois, disse ao arguido A que perdeu as dez fichas falsas referidas de valor de HKD$10.000,00 e pediu-lhe trazer mais fichas falsas para fazer aposta.
62. Nesse momento, o arguido A disse ao arguido E que havia problema sobre as fichas. Deste modo, o último encontrou-se logo com o primeiro e deu-lhe os numerários referidos no montante de HKD$20.000,00.
63. O arguido A afirmou que, entre os numerários, daria um montante de HKD$10.000,00 ao arguido B, um montante de HKD$2.000,00 ao arguido D como remuneração e seria dividido na proporção igual entre os arguidos A e E o montante restante de HKD$8.000,00.
64. Por conseguinte, os arguidos A e E saíram do [Casino] e foram de táxi juntamente com o arguido D ao Aeroporto Internacional de Macau.
65. No táxi, o argudio A mandou o arguido E dar as cinco fichas falsas restantes de valor de HKD$10.000,00 ao arguido D para que este pudesse as abandonar na casa de banho do Aeroporto.
66. Em seguida, o arguido A deu respectivamente um montante de HKD$4.000,00 ao arguido E e um montante de HKD$2.000,00 ao arguido D, guardou em si próprio o montante restante de HKD$14.000,00.
67. No mesmo dia, pelas 15H40, S apostou 4 fichas de valor de HKD$10.000,00 na mesa de Bacará n.º MDXXXX, a pagadora T constatou que havia uma ficha falsa (ora se encontra apreendida no processo) acima referida de valor de HKD$10.000,00 entre as outras. S submeteu logo as outras cem fichas dele de valor de HKD$10.000,00 à examinação do [Casino].
68. No mesmo dia, pelas 15H45, N foi notificada pelo gerente de mesa de jogo de que, das mesas de Bacará n.º NBXXXX, NBXXXX, MDXXXX e NBXXXX do [Casino], se encontraram respectivamente uma, uma, duas e duas fichas falsas referidas de valor de HKD$10.000,00, portanto, informou os agentes de PJ.
69. Os arguidos A, B, C, F, D, E, G, R e Q reuniram-se no Aeroporto Internacional de Macau e iriam tomar voo de regresso à Malásia.
70. No mesmo dia, pelas 16H01, acompanhado pelo arguido E, o arguido D entrou numa casa de banho masculina do 2º andar do Aeroporto Internacional de Macau e abandonou numa caixa de lixo ali as cinco fichas falsas de valor de HKD$10.000,00 dadas pelo arguido E e as catorze fichas falsas restantes dele de valor de HKD$10.000,00.
71. No mesmo dia, pelas 16H30, após a examinação pelo [Casino], verificou-se que havia quatro fichas falsas (ora se encontram apreendidas no processo) de valor de HKD$10.000,00 entre as cem fichas de valor de HKD$10.000,00 de S.
72. Após a examinação, verificou-se que foi grosseira a impressão da palavra “XXXXXX” de cor branca nas seis ficha de valor de HKD$10.000,00, encontradas das mesas de Bacará n.º NBXXXX, NBXXXX, MDXXXX e NBXXXX, e nas cinco fichas de valor de HKD$10.000,00, encontradas de S. Não apareceu uma imagem de “sino” no meio das fichas quando as tremeram, sendo diferentes das fichas autênticas; sob a luz laser, apareceram reflexos brancos e várias linhas horizontais nas fichas, sendo também diferentes das fichas autênticas; as onze fichas não tinham chips, que, todavia, as fichas autênticas deviam conter. Além disso, essas onze fichas de valor de HKD$10.000,00, tinham as mesmas características das trinta e uma fichas falsificadas de valor de HKD$10.000,00, encontradas no [Casino] de 27 a 28 de Novembro de 2011.
73. No mesmo dia, pelas 16H38, foram interceptados pelos agentes da PJ os arguidos A, F, D, E, G quando estavam a comprar bilhetes de voo de regresso à Malásia no balcão da Companhia Asia Airline no Aeroporto Internacional de Macau.
74. Vendo esta cena, R, Q e os arguidos B e C deslocaram-se imediatamente do Aeroporto Internacional de Macau ao Terminal Marítimo do Porto Exterior e iriam tomar barco a Hong Kong.
75. Na altura, os arguidos B e C foram interceptados pelos agentes do CPSP e remetidos à PJ, enquanto que R e Q conseguiram furtar-se de Macau.
76. Por conseguinte, os agentes levaram os arguidos B, C, A, F, D, E e G à PJ para investigação.
77. Os agentes da PJ encontraram respectivamente dos arguidos F e G 4 e 13 fichas falsas de valor de HKD$10.000,00 (ora se encontram apreendidas no processo); do arguido E o montante referido de HKD$4.000,00, do arguido D o montante referido de HKD$2.000,00 e do arguido A um montante de HKD$19.000,00, entre o qual o valor de HKD$14.000,00 foi obtido através do crime (os numerários encontram-se apreendidos no processo).
78. No mesmo dia, pelas 18H50, os agentes da PJ encontraram dum saco preto na zona de recolha de lixos do Aeroporto Internacional de Macau as 19 fichas falsas de valor de HKD$10.000,00 (ora se encontram apreendidas no processo) abandonadas pelo arguido D.
79. Após a examinação, verificou-se que foram falsificadas as 47 fichas referidas em que tinham a expressão “XXXXXXTM XXXXX, XXXX e HKD10.000,00” (vide o auto de exame constante das fls. 626 a 633 dos autos).
80. Os arguidos A, B, C, H, K e L agiram da forma livre, voluntária e consciente, trocaram as fichas falsificadas por fichas autênticas de valor menor a fim de obter interesses ilegítimos, fizeram os empregados do casino incorrerem em erro ao trocarem as fichas e originaram danos patrimoniais para a [Casino, S.A.].
81. Conjugando respectivamente com A e B, o arguido E, R e Q agiram da forma livre, voluntária e consciente, com intenção comum e mediante a distribuição de tarefas e a colaboração, apostaram as fichas falsificadas a fim de obter interesses ilegítimos, fizeram os empregados do casino incorrerem em erro ao aceitarem as apostas deles e pagarem-lhes prémios quando venceram e originaram danos patrimoniais para a [Casino, S.A.].
82. Os arguidos D, A e B agiram da forma livre, voluntária e consciente, com intenção comum e mediante a distribuição de tarefas e a colaboração, pretenderam apostar as fichas falsificadas a fim de obter interesses ilegítimos, fazer os empregados do casino incorrerem em erro ao aceitarem as apostas deles e pagarem-lhes prémios quando eles vencessem e originar danos patrimoniais para a [Casino, S.A.], só que não o conseguiram realizar completamente por motivo da vontade alheia deles.
83. Conjugando respectivamente com A e B, os arguidos F e G agiram da forma livre, voluntária e consciente, com intenção comum e mediante a distribuição de tarefas e a colaboração, pretenderam apostar as fichas falsificadas a fim de obter interesses ilegítimos, fazer os empregados do casino incorrerem em erro ao aceitarem as apostas deles e pagarem-lhes prémios quando eles vencessem e originar danos patrimoniais para a [Casino, S.A.], mas não se realizou a intenção porque os arguidos F e G desistiram voluntariamente de praticar os actos criminosos.
84. Os arguidos sabiam bem que os seus actos eram proibidos e punidos pela lei.

Mais se provou:
85. O 1º arguido é barista, auferindo mensalmente um montante de MYR$2.000,00. Tem como habilitação literária o 1º ano do ensino secundário e tem 3 filhos, a mulher e os pais a seu cargo.
86. O 2º arguido é intermediário, auferindo mensalmente um montante de MYR$2.000,00 a MYR$3.000,00. Tem como habilitação literária o ensino primário e tem uma filha e os pais a seu cargo.
87. O 3º arguido é comerciante, auferindo mensalmente um montante de MYR$15.000,00. Tem como habilitação literária o 2º ano do ensino secundário e tem os pais a seu cargo.
88. O 4º arguido é técnico de carro, auferindo mensalmente um montante de MYR$7.000,00 a MYR$8.000,00. Tem como habilitação literária o 1º ano do ensino secundário e não tem ninguém a seu cargo.
89. O 5º arguido é trabalhador de propaganda, auferindo mensalmente um montante de MYR$2.000,00 a MYR$3.000,00. Tem como habilitação literária o ensino do Instituto Politécnico e tem a madrinha a seu cargo.
90. O 6º arguido é trabalhador de transporte, auferindo mensalmente um montante de MYR$1.500,00. Tem como habilitação literária o 5º ano do ensino secundário e tem a mulher e 4 filhos a seu cargo.
91. O 7º arguido é camponês, auferindo mensalmente um montante de MYR$1.000,00 a MYR$2.000,00. Tem como habilitação literária o 5º ano do ensino secundário e tem a mãe a seu cargo.
92. Conforme o CRC, os sete arguidos são primários.

São os seguintes factos não provados:
11. Em seguida, os sete indivíduos entraram no [Casino] afecto à [Casino, S.A.] e usaram individualmente ou em grupo de 2 a 3 pessoas as fichas falsas de valor de HKD$10.000,00 para jogar nesse Casino ou trocaram-nas por fichas de valor menor para fazer aposta.
42. I pediu aos arguidos C, A e B e um indivíduo masculino R encabeçar F, D, E e G para ir a Macau.
47. Cabiam aos arguidos F, D, E, G e Q utilizar as fichas falsas. Afirmaram ainda que precisavam de ir buscar fichas falsificadas noutro lugar e pediram aos arguidos B e A esperar por eles no restaurante chinês aproximado do [Restaurante].
50. Na altura, o arguido C seguiu o arguido F ao entrar no [Casino], supervisionou-o e solicitou-lhe fazer aposta o mais rapidamente possível com as fichas falsificadas referidas.
80. Conjugando com H, K e L, os arguidos A, B, C, agiram da forma livre, voluntária e consciente, com intenção comum e mediante a distribuição de tarefas e a colaboração, trocaram as fichas falsificadas por fichas autênticas de valor menor a fim de obter interesses ilegítimos, fizeram os empregados do casino incorrerem em erro ao trocarem as fichas e originaram danos patrimoniais de valor elevado para a [Casino, S.A.].
81. Conjugando com R e Q, os arguidos A, B, C, F, D, E e G agiram da forma livre, voluntária e consciente, com intenção comum e mediante a distribuição de tarefas e colaboração, apostaram as fichas falsificadas a fim de obter interesses ilegítimos, fizeram os empregados do casino incorrerem em erro ao aceitarem as apostas deles e pagarem-lhes prémios quando venceram e originaram danos patrimoniais de valor elevado para a [Casino, S.A.].
82. Conjugando com R e Q, os arguidos A, B, C, F, D, E e G agiram da forma livre, voluntária e consciente, com intenção comum e mediante a distribuição de tarefas e colaboração, pretenderam apostar as fichas falsificadas a fim de obter interesses ilegítimos, fazer os empregados do casino incorrerem em erro ao aceitarem as apostas deles e pagarem-lhes prémios quando eles vencessem e originar danos patrimoniais para a [Casino, S.A.], só que não o conseguiram realizar completamente por motivo alheia da vontade deles.

3. O direito
Foram suscitadas as seguintes questões:
- Falta de fundamento de direito na aplicação da “analogia” ou da “presunção ou ilação” no Direito Penal;
- Erro notório na apreciação da prova;
- Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e erro na aplicação de direito;
- Tentativa e desistência; e
- Medida concreta da pena.

3.1. Vamos analisar, em primeiro lugar, o vício assacado pelos recorrentes, referente à falta de fundamento de direito na aplicação da “analogia” ou da “presunção ou ilação” no Direito Penal.
Ora, constata-se nos autos que, em relação aos 80.º, 81.º e 82.º factos imputados aos arguidos, o Tribunal Colectivo de 1.ª instância deu apenas como parcialmente provado, afastando nomeadamente que os respectivamente arguidos agiram com intenção comum e mediante a distribuição de tarefas e a colaboração de outrem, pelo que convolou o crime pronunciado de burla p.p. pelo art.º 211.º n.º 4, al. a) do Código Penal para o p.p. pelo n.º 3 do mesmo artigo e absolveu os 4.º, 5.º e 7.º arguidos.
Insurgindo-se contra a não provação de tal intenção comum entre os arguidos e indivíduos não identificados, recorreu o Ministério Público para o Tribunal de Segunda Instância, entendendo que, em todo o contexto da matéria de facto assente, o Tribunal de 1ª instância incorreu em erro notório na apreciação da prova ao não dar como provada a existência da intenção comum.
A este propósito, considera o Tribunal de Segunda Instância que o problema que está em causa não se refere ao julgamento de facto nem ao erro na apreciação da prova, mas sim à interpretação dos factos, ou seja, trata-se duma questão desenvolvida no processo da ilação tirada pelo tribunal no âmbito permitido por lei.
Por outras palavras, entende o Tribunal de Segunda Instância que dos factos provados pode o tribunal tirar ilação em determinado sentido, com base na qual se procede à aplicação da lei, sem necessidade da renovação da prova nem do reenvio para novo julgamento.
Partindo deste pressuposto e tendo em conta os factos provados que revelam as actuações concretas de cada um dos arguidos e indivíduos não identificados, considera o Tribunal de Segunda Instância que todos estes factos apontam para um plano criminoso de comparticipação entre os agentes, daí que conclui pela existência de uma intenção comum entre os arguidos e indivíduos não identificados.
Inconformados com tal entendimento, os arguidos B, C e D alegam que no Direito Penal é proibida a aplicação da “analogia”, “presunção” ou “ilação”.
Desde logo, é de salientar que na decisão ora recorrida não está em causa a aplicação da “analogia” nem da “presunção”, limitando-se o Tribunal de Segunda Instância a interpretar os factos provados nos autos, tirando as suas ilações.
Evidentemente, tratam-se dos conceitos completamente distintos.
De facto, no Direito Penal é expressamente proibido o recurso à analogia para qualificar um facto como crime, para definir um estado de perigosidade ou determinar a pena ou medida de segurança, ao abrigo do n.º 3 do art.º 1.º do Código Penal de Macau.
Ao abrigo do art.º 9.º n.ºs 1 e 2 do Código Civil de Macau, há analogia, que é a forma de integração das lacunas da lei, sempre que no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei. E as lacunas são casos que a lei não preveja.
E nos termos do art.º 4.º do Código de Processo penal de Macau, é permitida, para efeito da integração de lacunas, a aplicação por analogia das disposições do processo penal, das normas do processo civil e até dos princípios gerais do processo penal.
Evidentemente, no presente caso não está em causa nenhuma lacuna, pelo que não há lugar à aplicação por analogia.
Por sua vez, chamam-se presunções as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido, nos temos do art.º 342.º do Código Civil de Macau.
Ora, não obstante a utilização da mesma expressão “ilações”, certo é que, sendo uma das provas previstas no direito civil, as presunções distinguem-se das ilações extraídas no processo penal, que se referem a conclusões tiradas de determinados factos dados como provados pelo Tribunal.
Quanto ao recurso às ilações no processo penal, é de entendimento uniforme deste Tribunal de Última Instância no sentido de considerar que “é lícito ao Tribunal de Segunda Instância, depois de fixada a matéria de facto, fazer a sua interpretação e esclarecimento, bem como extrair as ilações ou conclusões que operem o desenvolvimento dos factos, desde que não os altere”.2
Assim, ao Tribunal de Segunda Instância não é proibido extrair ilações da matéria de facto provada, interpretando-a e desenvolvendo-a.

Expostas tais considerações, voltamos ao caso ora em apreciação.
O Tribunal de Segunda Instância considerou, a partir dos factos provados, ter havido comparticipação dos arguidos na prática dos crimes.
E qualificou tal conclusão como ilação extraída da matéria de facto assente.
Mas parece não ter sido o caso, já que o Tribunal Colectivo de 1.ª instância tinha considerado tal comparticipação como não provada.
Na realidade, o que o Tribunal de Segunda Instância considerou foi o seguinte: do exame do texto da decisão recorrida, conjugado com as regras da experiência, o Tribunal Colectivo de 1.ª instância chegou a uma conclusão inaceitável, ao dar como não provada a comparticipação dos arguidos. E o Tribunal de Segunda Instância julgou então esse facto como provado.
Ora, tal situação integra-se, a nosso ver, no vício do erro notório na apreciação da prova, pois este existe “quando se retira de um facto uma conclusão inaceitável, quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou tarifada, ou quando se violam as regras da experiência ou as legis artis na apreciação da prova. E tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passe despercebido ao comum dos observadores”.3
No presente caso, e no que concerne à questão de comparticipação, uma vez que o Tribunal de Segunda Instância entendeu inaceitável a conclusão tirada pelo Tribunal de 1.ª instância, face à matéria de facto provada, deveria ter considerado existir o erro notório na apreciação da prova, tal como decorre do conceito dado pela jurisprudência dos tribunais de Macau.
E nada obsta a que este Tribunal de Última Instância qualifique juridicamente de modo diverso o vício detectado pelo Tribunal de Segunda Instância na decisão de 1.ª instância, já que se trata de uma questão de direito.

Uma vez concluído pela verificação do vício, há que ver se há necessidade de reenviar o processo para novo julgamento.
Repare-se que, nos termos do n.º 1 do art.º 418.º do Código de Processo Penal, a verificação dos vícios referidos nas alíneas do n.º 2 do art.º 400.º do mesmo diploma não determina, por si só, o reenvio do processo para novo julgamento, sendo ainda necessário que “não for possível decidir da causa”.
Por outras palavras, a existência daqueles vícios só conduz ao reenvio se não for possível decidir da causa.4
No caso, é possível este Tribunal decidir da causa, pelo que o erro na apreciação da prova não conduz ao reenvio do processo para novo julgamento, porque os factos relevantes estão já apurados.
Na realidade, face à factualidade considerada assente pelo Tribunal de 1.ª instância, nomeadamente os factos provados n.ºs 1 a 79, conjugada com as regras da experiência, é de concluir forçosamente pela comparticipação dos arguidos na prática dos respectivos crimes, tal como foi imputada no despacho de pronúncia, já que decorre dos mesmos factos a actuação em comum dos arguidos, mediante a distribuição das tarefas e com a colaboração de outrem.
Resulta dos factos apurados que, nos dias 27 e 28 de Novembro de 2011, os arguidos A, B e C agiram conjugando com os indivíduos identificados como H, K e L, com intenção comum e mediante a distribuição de tarefas e a colaboração de todos, trocando no casino as fichas falsificadas por fichas autênticas, a fim de obter interesses ilegítimos.
E todos os arguidos, com excepção de C, participaram nas actividades ilícitas ocorridas no dia 15 de Janeiro de 2011, agindo conjuntamente com os indivíduos R e Q, com intenção comum e mediante a distribuição de tarefas e colaboração, apostando as fichas falsificadas no casino a fim de obter interesses ilegítimos.
É de julgar improcedentes os recursos interpostos, nesta parte.

3.2. Sobre o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, é de lembrar que a jurisprudência de Macau tem entendido que, para que se verifique tal vício, “é necessário que a matéria de facto provada se apresente insuficiente, incompleta para a decisão proferida, por se verificar lacuna no apuramento da matéria de facto necessária a uma decisão de direito adequada, ou porque impede a decisão de direito ou porque sem ela não é possível chegar-se à conclusão de direito encontrada”.5
Na óptica dos recorrentes B, C e D, em relação aos factos praticados em 15 de Janeiro de 2012, não se consta da matéria de facto provada o valor concreto de prejuízo causado ao casino, enquanto o recorrente A afirma que tal valor é apenas de HK$140,000.00.
Por seu lado, alegam os recorrentes E e D que não ficou provado que eles agiram conjuntamente com os restantes arguidos, não havendo intenção comum entre todos, pelo que não se deve condená-lo pela prática, em co-autoria com todos aqueles, do crime de burla p.p. pelo art.º 211.º n.º 4 do Código Penal.
Ora, os factos provados demonstram a actuação conjunta dos recorrentes E e D com os outros arguidos, tendo participação directa nas actividades ilícitas, sob instruções de A e B, na medida em que receberam do arguido B as fichas falsificadas, utilizaram-nas no casino para apostar, tendo E até ganhado dinheiro que foi depois entregue ao arguido A, pelo que não há dúvida quanto à sua condenação pelo crime de burla.
E em relação ao valor de prejuízo causado ao casino, decorre da factualidade provada que todos os arguidos, com excepção de C, tiveram participação nas actividades ilícitas ocorridas no dia 15 de Janeiro de 2011 e agiram conjuntamente com os indivíduos R e Q, com intenção comum e mediante a distribuição de tarefas e colaboração, e chegaram a apostar com 14 fichas falsificadas, no valor facial de HK$10,000.00 cada, entre as quais 12 foram aceites como verdadeiras, tendo ganhando duas fichas autênticas no valor de HK$10,000.00 cada.
Daí o prejuízo causado à ofendida se totaliza no montante de HK$140,000.00.
Uma vez que o prejuízo patrimonial resultante da burla não atinge o valor consideravelmente elevado, i. é., 150000 patacas, previsto na al. b) do art.º 196.º do Código penal, não se pode punir os arguidos pelo crime de burla p.p. pelo art.º 211.º n.º 4 do Código Penal, sendo que a conduta ilícita integra apenas o crime de burla p.p. pelo art.º 211.º n.º 3 do mesmo diploma.
A procedência dos recursos, nesta parte, aproveita aos arguidos não recorrentes F e G.
Faz-se assim a convolação devida, passando todos os arguidos, com excepção de C, a serem condenados pelo crime de burla p.p. pelo art.º 211.º n.º 3 do Código Penal.

Alega ainda o recorrente C que, não obstante a deslocação em conjunto com os demais arguidos a Macau, ele não interveio nos factos ilícitos ocorridos no dia 15 de Janeiro de 2012, não lhe tendo sido distribuída nenhuma tarefa nem se responsabilizado pela vigilância dos outros arguidos, pelo que não se deve puni-lo pela prática do crime de burla.
Tem razão o recorrente.
Efectivamente, não decorre da factualidade considerada assente nenhuma intervenção concreta por parte do recorrente C no evento sucedido a 15 de Janeiro de 2012, dentro e fora do casino: não lhe foram distribuídas fichas falsificadas para jogar no casino nem outras tarefas que fizessem parte de todo o plano de burla.
Assim, é de julgar procedente o recurso interposto pelo arguido C, nesta parte, absolvendo-o do crime de burla praticado no dia 15 de Janeiro de 2012.

3.3. Quanto à questão de tentativa e de desistência suscitada pelo recorrente D, não se nos afigura merecer censura a decisão ora recorrida que considera consumado o crime de burla praticado em 15 de Janeiro de 2015, não se verificando a figura de tentativa nem de desistência.
Na realidade, não obstante a ficha falsificada por si utilizada para fazer aposta ter sido detectada pelo trabalhador do casino, facto este que o levou a sair imediatamente do local, a intervenção de D no caso enquadra-se completamente em todo o plano de burla desencadeado pelos arguidos, sendo uma parte integrante dele.
Face à comparticipação de todos os arguidos, ressalvando C, com intenção comum e divisão de tarefas, e à consumação de burla por parte dos restantes arguidos, é de afirmar que existe efectivamente a co-autoria entre estes e D na prática do crime de burla, não sendo a circunstância de ser detectada a falsidade da ficha utilizada susceptível de obstar à conclusão sobre a consumação do crime.
Daí que não se admite falar nas figuras de tentativa, muito menos de desistência, previstas nos art.ºs 21.º e 24.º do Código Penal.
Improcede o recurso, nesta parte.

3.4. Medida concreta da pena
Nos termos do art.º 40.º n.ºs 1 e 2 do Código Penal de Macau, a aplicação de penas visa não só a reintegração do agente na sociedade mas também a protecção de bens jurídicos. E a pena não pode ultrapassar, em caso algum, a medida da culpa.
E ao abrigo do art.º 65.º do Código Penal de Macau, a determinação da medida da pena é feita “dentro dos limites definidos na lei” e “em função da culpa do agente e das exigências de prevenção criminal”, tanto de prevenção geral como de prevenção especial, atendendo a todos os elementos pertinentes apurados nos autos, nomeadamente os elencados no n.º 2 do artigo.
No caso ora em apreciação, não se afiguram exageradas as penas aplicadas pelo Tribunal de Segunda Instância aos recorrentes A, B e C pela prática, em 27 e 28 de Novembro de 2011, do crime de burla p.p. pelo art.º 211.º n.º 4 do Código Penal, de 5 anos de prisão para os dois primeiros e 4 anos e 6 meses de prisão para o último, face à moldura penal aplicável e a todo o circunstancialismo apurado nos autos.
Em relação ao crime de burla p.p. pelo art.º 211.º n.º 3 do Código Penal, cometido em 15 de Janeiro de 2012, a pena aplicável é a pena de prisão até 5 anos ou a pena de multa até 600dias.
Não é de escolher a pena de multa por se entender que a aplicação da multa não realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (art.º 64.º do Código Penal), atenta nomeadamente a conduta anterior dos arguidos e as exigências de presunção criminal.
A factualidade apurada nos autos revela que são muito graves os factos ilícitos e o dolo dos recorrentes é muito intenso, nomeadamente o de A e B, na medida em que, depois de obterem primeiro sucesso na prática de burla no casino, voltaram a cometer o mesmo crime, com o mesmo modo de execução, alargando aos outros arguidos o seu plano criminoso.
No que tange às finalidades da pena, são prementes, sem nenhuma dúvida, as exigências de prevenção criminal, tanto especial como geral, impondo-se prevenir a prática do crime em causa.
Ponderado todo o circunstancialismo do caso concreto, as circunstâncias referidas no art.º 65.º do Código Penal de Macau, a intervenção de cada um dos arguidos, o valor de prejuízo causado à ofendida e as finalidades da pena, afigura-se adequado aplicar as seguintes penas:
- 1.º arguido A, 3 anos e 6 meses de prisão;
- 2.º arguido B, 3 anos e 6 meses de prisão;
- 4.º arguido F, 1 ano e 6 meses de prisão;
- 5.º arguido D, 2 anos de prisão;
- 6.º arguido E, 2 anos e 6 meses de prisão;
- 7.º arguido G, 1 ano e 6 meses de prisão.
Em cúmulo jurídico, condena-se os 1.º e 2.º arguidos A e B na pena de 6 anos e 9 meses de prisão.

Nos termos do art.º 48.º do Código Penal, não se suspende a execução das penas aplicadas aos 4.º a 7.º arguidos F, D, E e G, uma vez que, tendo em conta as circunstâncias do crime, nomeadamente a deslocação dos arguidos, todos não residentes de Macau e que se formaram num grupo, ao território com a finalidade única de praticar o crime de burla, e as necessidades de prevenção geral, se entende que a simples censura do facto e a ameaça da prisão não realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

4. Decisão
Face ao expendido, acordam em julgar parcialmente procedentes os recursos, revogando parcialmente o Acórdão recorrido, passando a condenar:
- 1.º arguido A, na pena de 6 anos e 9 meses de prisão efectiva;
- 2.º arguido B, na pena de 6 anos e 9 meses de prisão efectiva;
- 3.º arguido C, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão efectiva;
- 4.º arguido F, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão efectiva;
- 5.º arguido D, na pena de 2 anos de prisão efectiva;
- 6.º arguido E, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão efectiva;
- 7.º arguido G, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão efectiva.

Sem custas.
Fixa-se os honorários no montante de 3000 patacas para o Ilustre Defensor dos recorrentes C e D, por cada, e no montante de 2000 patacas para os Ilustres Defensores dos recorrentes A e E, por cada.

Macau, 30 de Julho de 2014

   Juízes: Song Man Lei (Relatora) – Sam Hou Fai –
Viriato Manuel Pinheiro de Lima



1 Manuel de Oliveira Leal-Henriques, Manuel José Carrilho de Simas Santos, Código Penal, Vol. I, 2ª ed., Rei dos Livros, Lisboa, 1995, p. 259; e Acórdão do recurso n.º 13/2005 do TUI da RAEM.
2 Cfr. Ac.s do TUI, nos processos n.º 13/2001, de 31-10-2001, n.º 8/2003, de 28-5-2003, n.º 40/2006, de 15-12-2006 e n.º 20/2012, de 16-5-2012.
3 Acórdãos do TUI, de 30 de Janeiro de 2003, 15 de Outubro de 2003 e 11 de Fevereiro de 2004, nos Processos nºs 18/2002, 16/2003 e 3/2004, respectivamente.
4 Sobre esta questão, cfr. PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do Código de Processo Penal À Luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Lisboa, Universidade Católica Editora, 5.ª edição, 2011, p. 1172. E neste sentido, cfr. também o Ac. do Tribunal de última Instância, proc. n.º 51/2013, de 6 de Novembro de 2013.
5 Ac.s do TUI, de 22-11-2000, Proc. n.º 17/2000, de 7-2- 2001, Proc. n.º 14/2000, de 16-3-2001, Proc. n.º 16/2000 e de 20-3-2002, Proc. n.º 3/2002.
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1
Processo n.º 12/2014