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Processo nº 73/2013
Data do Acórdão: 17JUL2014

Assuntos:

Posse
Usucapião


SUMÁRIO

Pressupondo a posse a existência física da coisa sobre a qual a posse é exercida, não são susceptíveis de aquisição por usucapião as fracções autónomas de um edifício já demolido.



O relator


Lai Kin Hong


Processo nº 73/2013


Acordam em conferência na Secção Cível e Administrativa no Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I

No âmbito dos autos da acção ordinária, registada sob o nº CV3-02-0010-CAO, do 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base, foi afinal proferida a seguinte sentença:

I – Relatório:
  A, natural de Macau e residente na XX n.º XX,
  veio intentar a presente
  Acção Ordinária
  contra
1. B, Limitada, sociedade comercial, com ultima sede conhecida na Av. XX, nºs XX, Edifício XX, XXº andar “XX”, Macau, registada sob o nº 726 (SO);
2. Ministério Público (檢察院) representado pelo Digníssimo Delegado junto do Tribunal Judicial de Base da R.A.E.M. e;
3. Interessados Incertos (不確定利害關係人);
  com os fundamentos apresentados constantes da p.i., de fls. 2 a 8,
  concluiu pedindo que seja julgada procedente a presente acção e, em consequência;
a. Declarada a Autora como única proprietária das fracções autónomas designadas por “E2” e F2” do 2º andar do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau, sob o nº 2XXX3, a fls XX do Livro XX, por as ter adquirido por usucapião;
b. Ou “ad cautelam”, pelo menos, como detentora por mera posse sobre as fracções;
c. E, assim, determinado que na Conservatória do Registo Predial e quanto às mesmas fracções, se proceda ao respectivo averbamento da aquisição desses direitos por parte da Autora.
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  A 1ª Ré contestou a acção com os fundamentos constantes de fls. 215 a 223 dos autos pedindo que sejam julgados improcedentes os pedidos da Autora.
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  O Ministério Público, em representação de si e dos interessados incertos, contestou a acção com os fundamentos constantes de fls. 76 e 77 dos autos.
  Concluiu pedindo que sejam julgados improcedentes os pedidos da Autora e os Réus absolvidos dos pedidos.
*
  Este Tribunal é o competente em razão da matéria e da hierarquia.
  As partes são dotadas de personalidade judiciária e capacidade judiciária.
  O processo é o próprio.
  Inexistem nulidades, excepções ou outras questões prévias que obstem à apreciação "de meritis".
*
  Procedeu-se a julgamento com observância do devido formalismo.
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II – Factos:
  Dos autos resulta assente a seguinte factualidade com interesse para a decisão da causa:
  Da Base Instrutória:
- Ocorreu na dia 16 de Março de 1978, um incêndio que queimou por completo o edifício, para indústria, situado na Estrada XX (resposta ao quesito da 1º da base instrutória).
- O edifício designava-se por “XX Tai Hai” com nº X da Estrada XX, em Macau, em regime de propriedade horizontal, e encontra-se construído sobre o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau, sob nº 2XXX3, a fls. XX do Livro XX, com a constituição da propriedade horizontal inscrita sob o nº 7XX0 a fls. XX do Livro XX (resposta ao quesito da 2º da base instrutória).
- Depois do incêndio, parte dos donos das fracções autónomas do edifício “XX Tai Hai” reuniram-se por várias vezes, uma das quais em 14 de Abril de 1987, a fim de encontrar uma solução para reconstrução do prédio destruído pelo referido incêndio (resposta ao quesito da 3º da base instrutória).
- Em duas dessas reuniões, inclusivamente na de 14 de Abril de 1987, esteve presente a C, em representação da Fábrica de Vestuário D, que operava nas fracções autónomas “E2” e “F2” do edifício “XX Tai Hai” (resposta ao quesito da 4º da base instrutória).
- Desde data não apurada até à data do incêndio referido na resposta do quesito 1.º, a Fábrica D encontrava-se instalada nas fracções autónomas “E2” e “F2” do edifício “XX Tai Hai” porque a Ré lhe havia cedido o gozo das mesmas (resposta ao quesito da 5º da base instrutória).
- Nas reuniões referidas na resposta ao quesito 3º, acabou por ser acordado que o edifício seria vendido na sua totalidade (resposta ao quesito da 6º da base instrutória).
- Em 29 de Julho de 1987 foi assinado um contrato-promessa em que a Autora prometeu comprar todo o edifício “XX Tai Hai”, e a própria Autora e E, estes arrogando-se da qualidade de representantes da “Associação de Condóminos do Estabelecimento Industrial F” e com base no estipulado na reunião de 14 de Abril de 1987, prometeram vender o mesmo à Autora (resposta ao quesito da 8º da base instrutória).
- Nunca a R. mandatou a “Associação de Condóminos do Estabelecimento Industrial F” para outorgar o contrato referido em 8º em seu nome (resposta ao quesito da 9º da base instrutória).
- No dia 28 de Julho de 1987, ou seja, um dia antes do aludido contrato-promessa, um dos sócios da Ré, G ou H, foi informado por fax de que a Autora pretende adquirir as fracções autónomas “E2” e “F2” (resposta ao quesito da 10º da base instrutória).
- A Ré nunca anuiu na venda, pelo que não celebrou com a Autora qualquer contrato (resposta ao quesito da 11º da base instrutória).
- No dia 28 de Julho de 1987, a Ré teve diversas conversas e trocas de correspondência internas, uma das quais com o seguinte teor “Já contactei o I, ele disse para não decidir o assunto de imediato. Por favor falar com os respectivos indivíduos que não podemos tomar a decisão neste momento por H se encontrar ausente de Hong Kong” (resposta aos quesitos das 12º e 13º da base instrutória).
- A 1ª Ré não assinou o contrato da respectiva venda com a Autora (resposta ao quesito da 16º da base instrutória).
- Pelo menos, desde Março de 1988, a Autora contratou uma empresa para assumir a vigilância do edifício “XX Tai Hai” (resposta ao quesito da 17º da base instrutória).
- A partir de 1990, foi a Autora quem tratou de todos os problemas das fracções autónomas “E2” e “F2” e atendeu às necessidades de reparação ou substituição do que quer que acontecesse no edifício (resposta ao quesito da 20º da base instrutória).
- A 1ª Ré jamais reclamou junto da Autora para que esta abdicasse de usar e dispor das fracções autónomas “E2” e “F2” (resposta ao quesito da 21º da base instrutória).
- A Autora era conhecida como dona das fracções autónomas “E2” e “F2” (resposta ao quesito da 22º da base instrutória).
- A partir de 1990, a Autora decidiu qualquer problema como se fosse a única dona de todo o edifício “XX Tai Hai” (resposta ao quesito da 23º da base instrutória).
- A partir de 1990, os encargos referentes às fracções autónomas “E2” e “F2”, quer junto da Entidades Públicas quer junto dos vigilantes do edifício, foram sendo liquidados pela Autora, sem qualquer hesitação porque estava plenamente convencida que contribuía para “coisa sua” e era uma contrapartida do facto de ser dona do edifício (resposta ao quesito da 24º da base instrutória).
- O edifício “XX Tai Hai” onde se situavam as fracções autónomas “E2” e “F2” foi demolido, demolição essa que foi concluída em 29 de Outubro de 2002 (resposta ao quesito da 25º da base instrutória).
- A Ré pagou em 1988 e 1989 a renda respeitante às fracções autónomas “E2” e “F2”, devida pelo arrendamento de terrenos conquistados ao mar onde se encontrava o edifício “XX Tai Hai” (resposta ao quesito da 26º da base instrutória).
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III – Fundamentos:
  Cumpre analisar a matéria que vem alegada, os factos provados e aplicar o direito.
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  Legitimidade processual do Ministério Público e dos Interessados Incertos
  Nos termos do artigo 58º do CPC, “Na falta de indicação da lei em contrário, possuem legitimidade os sujeitos da relação material controvertida, tal como é configurado pelo autor.”
  Na presente acção, pretende a Autora que seja declarada proprietária das facções autónomas “E2” e “F2” do prédio “XX Tai Hai, sito na Estrada XX, nº XX, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o nº 2XXX3 a fls. XX do Livro XX com a constituição da propriedade horizontal inscrita sob o nº 7XX0 a fls. XX do Livro XX, inscrito em nome B, Limitada.
  Assim, a relação material controvertida só pode estabelecer-se entre a Autora e a 1ª Ré, B, Limitada.
  É, portanto, manifesto que o Ministério Público e os Interessados Incertos não são partes legítimas porque nada consta dos autos que permita qualificá-los como sujeitos da relação material controvertida.
  Assim, é de julgar os interessados incertos e o Ministério Público partes ilegítimas.
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  Pedidos formulados pela Autora
  Pede a Autora que lhe seja reconhecida a posse que detém sobre as duas fracções autónomas acima referidas a fim de ser declarada a sua aquisição por meio de usucapião ou ser reconhecida a sua qualidade de possuidora das mesmas e ordenada o averbamento da aquisição.
  Para fundamentar o seu pedido, alega a posse do domínio útil das duas fracções autónomas acima referidas, objecto da presente acção, desde data anterior a 29 de Julho de 1987, data em que prometeu comprar à 1ª Ré.
  “Posse é o poder que se manifesta quando alguém actual por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real.” – artigo 1175º do CC.
  Conforme Álvaro Moreira e Carlos Fraga, in Direitos Reais, Livraria Almedina, Coimbra, pgs 181, 189 a 190, “Dos artºs 1251º e 1253º do CC (a que correspondem aos artigos 1175º e 1177º do CC de Macau), verifica-se que a posse exige o “corpus” e o “animus” identificando-se o corpus “... como os actos materiais praticados sobre a coisa, com o exercício de certos poderes sobre a coisa” e traduzindo o animus “... na intenção de se comportar como titular do direito real correspondente aos actos praticados.” – sublinhado nosso.
  Dessas passagens resulta inequívoco que a posse pressupõe a existência da coisa sobre a qual se exercem os actos possessórios e relativamente à qual se revela o intenção possessória.
  Dos factos provados, aliás, alegados pela própria Autora, vê-se que, o incêndio ocorrido em Março de 1978 queimou por completo o edifício de que faziam parte as duas fracções autónomas pretendidas usucapir pela Autora.
  À data desse incêndio estava em vigor o Código Civil de 1966 cujo artigo 1414º reza o seguinte: “As fracções de que um edifício se compõem, em condições de constituírem unidades independentes, podem pertencer a proprietários diversos em regime de propriedade horizontal.”
  Nas sucessivas alterações que o regime da propriedade horizontal sofreu, a exigência de independência ou individualização das fracções autónomas manteve-se inalterada (cfr. artigo 1º da Lei nº 25/96/M, de 9 de Setembro e artigo 1313º do CC de 1999).
  Uma vez que o edifício de que as fracções autónomas faziam parte ficou completamente queimado, é manifesto que deixou de haver a exigida independência ou individualização dessas fracções autónomas para poderem ser objecto autónomo de direitos reais ou de posse. Assim, nunca por nunca a Autora podia ter adquirido e tido a posse sobre as mesmas depois do incêndio.
  Nem se diga que está provado que a Autora tratou de todos os problemas das fracções autónomas pagando os encargos e as rendas das mesmas e era reconhecida como dona das mesmas factos estes que demonstram a posse da Autora. É que, esses actos e esse reconhecimento não dependem necessariamente da existência física e individualização das fracções como pressupõe o direito real ou posse sobre imóveis em regime da propriedade horizontal. Aliás, o facto de continuar a constar do registo predial o registo autónomo dessas fracções autónomas e o de os Serviços de Finanças terem continuado a cobrar a renda sobre as mesmas depois do incêndio apontam claramente para essa possibilidade. De facto, apesar de no plano dos factos, jamais existirem essas fracções, o registo predial continuou a reflectir o estado anterior em que as mesmas reuniam as condições para serem qualificadas como coisas autónomas sendo toda a configuração feita quer pelas entidades públicas quer pelos particulares baseada nessa realidade jurídica sem correspondência com a realidade dos factos.
  Assim, afastada a posse em que se fundam os pedidos de usucapião ou de declaração da posse, é manifesto que os mesmos não podem proceder.
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  Mesmo que assim não se entenda, defendendo que o facto de o edifício em análise estar complemente queimado em 1978 não implica necessariamente a destruição total das fracções autónomas e a perda da sua individualização, ainda assim, os pedidos em questão continuam a não poder proceder.
  Senão, vejamos.
  Sem ter que entrar na análise pormenorizada sobre se os actos praticados pela Autora constantes dos factos provados constituem actos possessórios e se está verificado o animus possidendi, por desnecessário, a almejada posse que pressupõe a existência física das fracções autónomas como foi já referido, a ter existido, terá perdurado, no máximo, 14 anos e 8 meses tendo em conta que está provado que pelo menos, desde Março de 1988, a Autora contratou uma empresa para assumir a vigilância do edifício “XX Tai Hai” (resposta ao quesito da 17º da base instrutória) e o edifício foi demolido em 29 de Outubro de 2002 (resposta ao quesito da 25º da base instrutória) .
  Nos termos do artigo 1221º, do CC, “Não havendo registo do título nem da mera posse, a usucapião só pode dar-se no termo de 15 anos, se a posse for de boa fé, e de 20 anos, se for de má fé, independentemente do carácter titulado ou não da posse.”
  Assim, mesmo que se considere que houve posse de boa fé por parte da Autora e se admita ser possível declarar a aquisição de uma coisa fazendo referência a uma data em que a coisa ainda existia, ainda assim, a pretensão de usucapir não pode proceder visto que a posse em questão tinha duração inferior à duração mínima de 15 anos.
  No que se refere ao pedido de declaração da posse da Autora, por a posse, a ter existido, terá cessado no momento em que o edifício foi demolido, também não se pode declarar a Autora possuidora das fracções autónomas que actualmente não existem.
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  Julgado improcedente o pedido de usucapião, segue-se necessariamente a improcedência do pedido de averbamento da respectiva aquisição.
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  Litigância de má fé
  Pede a 1ª Ré que a Autora seja condenada como litigante de má fé nos termos do artigo 385º do CPC por esta ter alegado falsamente que aquela lhe prometera vender as fracções autónomas a que os presentes autos dizem respeito, que esta recebera o preço e incumprira a promessa de venda e por ter omitido factos relativos à reunião em que os restantes proprietários acordaram prometer vender as suas fracções autónomas à Autora e à atitude da 1ª Ré de não decidir imediatamente sobre a promessa de compra proposta pela Autora.
  Nos termos do artigo 385º, nº 2, b), do CPC, “Diz-se litigante de má fé que, com dolo ou negligência grave tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa.”
  Compulsados os autos, verifica-se que a Autora efectivamente alegou que a 1ª Ré lhe tinha prometido vender as fracções autónomas e tinha recebido o respectivo preço. Além disso, constata-se que o tribunal deu como provado que a 1ª Ré nunca acordou vender as fracções autónomas à Autora nem assinou qualquer contrato de compra e venda com esta.
  Daí vê-se que o alegado pela Autora de que a 1ª Ré lhe prometera vender as fracções não corresponde à verdade.
  Será que isso torna a Autora litigante de má-fé?
  Julga-se que não.
  Apesar do acima expendido, não se pode deixar de apreciar os factos no contexto em que a alegada promessa de compra e venda ocorreu. Está provado que, depois do incêndio, houve reuniões em que parte dos condóminos do edifício de que as fracções autónomas faziam parte participaram tendo nestas reuniões decidido prometer vender a totalidade do edifício. Essa promessa venda foi concretizada pela entidade designada por associação dos condóminos do edifício na qualidade de representantes dos condóminos sendo a Autora a promitente compradora. Além disso, está assente que em duas dessas reuniões compareceu C que representava a fábrica instalada nas fracções autónomas pertencentes à 1ª Ré por as ter tomado de arrendamento.
  Por força desse último facto, não se julga infundado para a Autora concluir que a 1ª Ré, na qualidade de proprietária das fracções autónomas, estava a ser representada e consultada nessas reuniões. Com efeito, se essa fábrica instalada nas fracções autónomas fosse mera inquilina como alega a 1ª Ré, não teria feito representar em reuniões que apenas interessavam aos condóminos.
  Ademais, não se deve olvidar que está também provado que, em 28 de Julho de 1987, um dia antes da celebração do referido contrato-promessa, a 1ª Ré foi informada de que a Autora pretendia adquirir as suas fracções autónomas. Apesar de estar provado que a 1ª Ré deu ordens para dizer à Autora que não podia decidir imediatamente, o certo é que nada consta dos factos assentes sobre a transmissão disto à Autora. Ora, neste contexto, perante o silêncio da 1ª Ré e a não expressa oposição durante as duas reuniões em que participou a referida C quanto à promessa de compra e venda, é razoável à Autora concluir que a 1ª Ré estava a ser representada pela referida associação dos condóminos quando esta prometeu vender todas as fracções autónomas do edifício.
  Pelo que, apesar de estar provado que não corresponde à verdade que a 1ª Ré tenha prometido vender as suas fracções autónomas à Autora, não se julga que esta tenha voluntariamente alterado a verdade dos factos.
  Improcede, pois, o pedido de condenação da Autora como litigante de má fé.
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IV – Decisão (裁 決):
  Em face de todo o que fica exposto e justificado, o Tribunal julga improcedente a acção e, em consequência,
1. Absolver o Ministério Público e os Interessados Incertos da instância; e
2. Absolver os Réus B, Limitada, dos pedidos formulados pela Autora, A.
Custas pela Autora.
Notifique e Registe.
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  據上論結,本法庭裁定訴訟理由不成立,裁決如下:
1. 駁回原告A針對檢察院及不確定利害關係人提起之起訴,開釋此等被告;
2. 駁回原告A提出之請求,開釋被告B, Limitada。
  訴訟費用由原告承擔。
  依法作出通知及登錄本判決。



Não se conformando com o decidido, veio o Autor A recorrer da mesma concluindo e pedindo que:

I. Vem o presente Recurso interposto da Sentença do Tribunal Judicial de Base nos termos da qual foi julgada improcedente a acção e, em consequência, absolvido o Ministério Público e os Interessados Incertos da instância e absolveu a Ré B, Limitada absolvida dos pedidos formulados pela Autora.
II. O Tribunal a quo considerou não se encontrarem preenchidos os requisitos legais de que dependem o reconhecimento da aquisição originária da propriedade das fracções em causa por via da usucapião.
III. Para indeferir a pretensão da Recorrente, a decisão em crise sustentou que uma vez que o edifício de que as fracções autónomas faziam parte ficou completamente queimado, é manifesto que deixou de haver a exigida independência ou individualização dessas fracções autónomas para poderem ser objecto autónomo de direitos reais ou de posse, pelo que nunca por nunca a Autora podia ter adquirido e tido a posse sobre as mesmas depois do incêndio.
IV. o Mm.º Juiz a quo entendeu que ainda que se entendesse que o facto de o edifício em análise estar complemente queimado em 1978 não implica necessariamente a destruição total das fracções autónomas e a perda da sua individualização, os pedidos em questão continuam a não poder proceder pelo facto de a posse ter perdurado, no máximo, 14 anos e 8 meses tendo em conta que esta provado que pelo menos, desde Março de 1988, a Autora contratou uma empresa para assumir a vigilância do edifício "XX Tai Hai" e o edifício foi demolido em 29 de Outubro de 2002 (resposta ao quesito da 25° da base instrutória).
V. Conforme unanimente entendido pela doutrina e jurisprudência o corpus traduz-seno exercício actual ou potencial, de poderes de facto relativamente à coisa.
VI. O incêndio em causa, tal como provado, ocorreu no dia 16 de Março de 1978, e queimou por completo o edifício, para indústria, situado na Estrada XX.
VII. Partindo de tal facto entendeu o Tribunal que, em virtude do incêndio deixou de haver independência ou individualização das fracções autónomas para poderem ser objecto autónomo de direitos reais ou de posse.
VIII. É incorrecto pensar-se que não haverá corpus no caso concreto.
IX. Como é sabido, o corpus da posse traduz-se no "poder de facto" manifestado pela actividade exercida por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real (art.os 1175° e 1176°, n.º2 do Código Civil).
X. Essa actividade não carece de ser sempre efectiva, pois uma vez adquirida a posse, o corpus permanece enquanto o possuidor tiver a possibilidade de a exercer (artigo.º 1181º, n.º 1 do Código Civil).
XI. Uma vez entregue todo o edifício constituído em propriedade horizontal à ora Recorrente por parte dos resententantes dos condóminos do prédio, o poder de facto sobre o imóvel imediatamente foi transmitido a favor da Recorrente.
XII. Do regime jurídico estabelecido pelo Código Civil em vigor, resulta claramente que na propriedade horizontal se congregam dois direitos reais distintos: um de propriedade singular, no que respeita às fracções autónomas do edifício (andares, apartamentos, etc.); e outro de compropriedade, cujo objecto é constituído pelas partes comuns.
XIII. Deve entender-se, pois, que o núcleo da propriedade horizontal, é constituído por direitos privativos de domínio, direitos estes a que estão associados, com função instrumental (mas de modo incindível), direitos de compropriedade sobre as partes do prédio não abrangidas por uma relação exclusiva."
XIV. O condomínio é uma figura definidora da situação em que uma coisa materialmente indivisa ou com estrutura unitária pertence a vários contitulares, mas tendo cada um deles direitos privativos ou exclusivos de natureza dominial.
XV. ln casu, a questão invocada pela meritíssima juiz a quo é elementar: desapareceu o corpus uma vez que o edifício ficou destruído. Daí parece resultar da própria decisão que uma vez destruído o edifício, o direito real subjacente desapareceria como mera consequência de direito.
XVI. A consequência retirada pelo Tribunal a quo não ocorre no nosso sistema jurídico sendo a Lei manifestamente clara a esse respeito. Dispõe o actual artigo 1337º do Código Civil (correspondente ao artigo 1428º do Código de 1966), sobre a epígrafe Destruição do Edifício que estatui que: «1. No caso de destruição dos edifícios ou de uma parte que represente, pelo menos, três quartos do valor total do condomínio, qualquer dos condóminos tem o direito de .exigir a venda dos direitos que tenha sobre o terreno e sobre os materiais, pela forma que a assembleia geral do condomínio vier a designar.»
XVII. O direito do condómino de edifício destruído não corresponde ao mesmo direito que resultaria do regime da compropriedade.
XVIII. Da mesma forma, o Tribunal a quo não podia olvidar a exitência física do prédio (incendiado, é certo) e a possibilidade transmissão da sua posse a favor da Recorrente por parte que quem tinha esse poder: os representantes dos condóminos.
XIX. O direito correspondente a cada um dos condóminos, ao contrário do que resultaria da decisão em crise, continua por isso regularmente registado.
XX. Deveria ainda o Tribunal recorrido atender às certidões juntas aos autos e que demonstram que os demais condóminos procederam à alienação do respectivo direito em idênticos termos.
XXI. A posse é uma situação jurídica e não uma situação de facto, que subsiste mesmo que dissociada da situação de facto que está na sua origem.
XXII. Com a entrega, aquando da celebração do contrato promessa entretanto celebrado do referido edifício para a Recorrente; esta passou a exercer esse poder de facto (o corpus) sobre esses direitos dos respectivos condóminos, que têm natureza jurídica própria, por referência às fracções em causa.
XXIII. As duas fracções em causa estavam registadas a favor do único condómino que, apenas depois de volvidos mais de 20 anos veio ora pôr em causa a sua representatibilidade no referido contrato e a posse de um edifício de cuja entrega efectiva e definitiva tomou efectivo conhecimento, como resultou provado.
XXIV. Ao contrário do que pressupõe a sentença recorrida, pode ainda haver corpus sem possibilidade de exercício ou sem gozo efectivo, bastando uma relação de pessoa e coisa que exprima a subordinação da coisa à vontade da pessoa para que o corpus exista.
XXV. A Requerente foi investida na detenção do terreno e da edificação nele existente e tal detenção mantém-se mesmo que não se encontre a executar trabalhos no local e mesmo que tenha dado por concluídos os trabalhos, pelo que nada mais necessitava de alegar ou provar a este respeito, apesar de o ter feito, com sucesso, nesta mesma acção.
XXVI. Pelo exposto e sempre ressalvando o devido respeito por opinião diversa, não poderá deixar de se entender que a sentença recorrida incorre num manifesto erro de julgamento, quer na apreciação da prova, quer nas regras jurídicas ao mesmo aplicáveis, porquanto não ocorreu, nem poderia ter ocorrido, perda de corpus com o referido incêndio, e ainda que em relação ao direito real correspondente às fracções do edifício XX Tai Hai.
XXVII. Tendo ficado provado que pela Recorrente foi celebrado um contrato tendo por objecto todo o edifício, mesmo que incendiado, o corpus corrspondente aos direitos dos respectivos condóminos existiu era susceptível de transmissão.
XXVIII. Pelo que sobre essa coisa poderia sempre incidir um poder de facto (corpus) o que ocorrerá necessariamente com as fracções em causa, cuja realidade registral ainda permaneceu e permanece, para todos os efeitos legais.
XXIX. Bem entendido o pedido, a posse em causa refere-se à parcela correspondente às referidas fracções do edifício, cuja realidade registral ainda continua a figurar (e bem) nas certidões juntas aos autos.
XXX. E assim deverá ser por forma a não se prejudicarem (ex oficio) os direitos reais entretanto registados e que continuarão a reflectir os interesses dos titulares inscritos ou dos possuidores desses direitos e ainda dos direitos e deveres que se lhe aplicam decorrentes dos artigos 1428 do Código Civil de 1966 ou ainda do artigo 1377º do Código Civil de 1999.
XXXI. Nestes termos, a posse da Recorrente continua e continuaria sempre a existir até que a mesma procedesse à alienação do direito correspondente, o que aconteceu, como adiante se irá demonstrar.
XXXII. Da matéria provada pode também concluir-se que a Recorrente se predispôs comprar o imóvel com o fim de promover um processo de recuperação/reconstrução do edifício para o que encetou uma série de negociações com vista à aquisição integral do imóvel.
XXXIII. Neste particular, é inegável o interesse manifesto da Recorrente na referida aquisição que decorreu das negociações havidas com os representantes dos condóminos do edifício ardido.
XXXIV. Com a assinatura do um contrato-promessa a Recorrente em 29 de Julho de 1987, prometeu comprar todo o edifício "XX Tai Hai", e a própria Autora e E, estes arrogando-se da qualidade de representantes da "Associação de Condóminos do Estabelecimento Industrial F" e com base no estipulado na reunião de 14 de Abril de 1987.
XXXV. Independentemente da eventual falta de instrumento de representação válido, certo é que a ora Recorrente agiu e negociou com os representantes dos proprietários de todo o edifício, com o propósito de adquirir todo o edifício, legitimidade essa que lhes advém do artigo 1428°, n.º 1, in fine, do código Civil de 1966.
XXXVI. Como resulta da própria decisão em crise, o próprio Tribunal veio a entender que a Recorrida não quiz participar nas reuniões em causa tendo afirmado que não podia decidir imediatamente, como resulta a ls. 13 da sentença,
XXXVII. Neste particular, o Tribunal a quo, salvo melhor opinião, apreciou mal as consequências jurídicas tendo em consideração o já referido artigo 1428° do Código Civil entao em vigor.
XXXVIII.Apesar da Recorrida ter tomado conhecimento dos factos em causa, a mesma excluiu-se do processo decisório a que a mesma estava obrigada a cumprir por força do referido preceito legal.
XXXIX. A Recorrente, com a entrega do imóvel nestas especiais circunstâncias, estava investida de de animus rem sibi habendi.
XL. Em consequência do referido contrato promessa a Recorrente assumiu a posse efectiva do terreno e respectivo imóvel e agiu com a intenção de ter a coisa para si, o que se mostra ser um elemento indispensável para a existência de uma posse ad usucapionem.
XLI. Foi na sequência das reuniões de condóminos havidas no ano de 1987 - nomeadamente em 14 de Abril de 1987 - e da assinatura do aludido contrato de promessa que teve por objecto a totalidade do edifício- em Julho de 1987 - que a Recorrente entrou na posse do mesmo e não apenas em Março de 1988 como parece ter sido o entendimento do douto Tribunal a quo.
XLII. A posse pode ser transmitida por inversão do título perpretada por acto de terceiro.
XLIII. No caso dos autos o terceiro que transmitiu a posse representava os condóminos, pelo que estava em condições de transmitir a posse.
XLIV. A entrega à Recorrente, por parte dos representantes dos referidos condóminos, de todo o edifício em causa, para que a Recorrente tomassem os destinos do mesmo teve, pelo menos um efeito indesmentível: a transmissão da posse formal de todo o edifício incluindo das fracções em causa.
XLV. Resultando assim claro que a posse da Recorrente se iniciou pelo menos em Junho de 1987 e não Março de 1988 como entendeu o Tribunal.
XLVI. Ainda que, na tese do Tribunal a quo se viesse a concluir pela perda da existência jurídica das facções enquanto tais, então a coisa, e o direito correspondente que sempre deveriam subistir: a construção, ainda que danificada, e os direitos decorrentes do contrato de concessão em causa.
XLVII. Se foi esse o entendimento do Tribunal a quo, o mesmo deveria ter retirado daí as respectivas conclusões: a maioria dos comproprietários decidiu entregar a posse exclusiva do imóvel à Recorrente.
XLVIII. Na esteira do raciocínio do Tribunal a quo plasmado na decisão em crise, a ser qualificada como compropriedade (o que não se concede) ter-se-ía de aplicar o estatuído no artigo 1302º do Código Civil, in fine, ou seja: 2. O uso da coisa comum por um dos comproprietários não constitui posse exclusiva ou posse de quota superior à dele, salvo se tiver havido inversão do título.
XLIX. Ora, tendo todos os demais condóminos, ou ex-condóminos, e os representantes da recorrida (ainda que sem título de representação válido) decidido entregar o referido imóvel (diga-se: todo o edifício e respectivo terreno) entrega essa a título definitivo, não poderia o Tribunal a quo ter retirado outra opinião que não fosse que a Recorrente recebeu a posse desses mesmos comproprietários.
L. Resulta dos factos provado que a posse então investida sobre todo o edifício não teve qualquer oposição da Recorrida apesar de ser do seu conhecimento, como resulta, aliás da resposta ao quesito da 21º da base instrutória, tendo-se provado que a Ré jamais reclamou junto da Autora para que esta abdicasse de usar e dispor das fracções autónomas "E2" e "F2".
LI. Sendo que o corpus se refere aos direitos do condóminos que mantêm a sua realidade jurídica, como resulta do artigo 1337º do Código Civil, a entrega de todo o edifício e o animus que o Tribunal a quo reconheceu em relação ao mesmo, deverá reflectir-se a todos os direitos inerentes, ou seja, a todos os direitos de todos os condóminos que, representados (bem ou mal) transmitiram a posse do edifício.
LII. Ficou provado que a Recorrida jamais reclamou da Recorrente o seu pretenso direito real, sendo que o primeiro momento em que a Recorrida manifestou a sua oposição foi com a apresentação do recurso de revisão, entretanto decidido, ou seja: em 26 de Outubro de 2007!!
LIII. Só volvidos mais de 20 (vinte) anos desde a assinatura do contrato promessa e consequente entrega do imóvel em 29 de Julho de 1987 é que a Recorrida surge, facto que tem manifesta relevância substantiva.
LN. Já depois da aquisição definitiva do imóvel em causa, e como resulta da certidão predial junta aos autos, a Recorrente continuou a exercer a sua posse sobre o imóvel (incluindo o de todas as fracções até à sua alienação).
LV. Como é sabido, os prazos a que se referem os Artigo 1221.º do Código Civil são prazos substantivos.
LVI. A boa fé da autora, ora Recorrente, foi por demais demonstrada e dada como provada tendo o Tribunal a quo entendido, bem, que "[...] perante o silêncio da 1ª Ré e a não expressa oposição durante as duas reuniões em que participou a referida C quanto à promessa de compra e venda, era razoàvel à Autora concluir que a 1ª Ré estava a ser representada pela referida associação dos condóminos quando esta prometeu vender todas as frações autónomas do edifício. "
LVII. Com a assinatura desse contrato promessa, em 29 de Julho de 1987, a Recorrente ficou na posse do referido imóvel tendo desde aquela altura exercido todos os poderes de facto e e jurídicos sobre o mesmo, sem qualquer oposição da Recorrida! ! !
LVIII. Oposição essa que só ocorreu com o recurso extraordinário em 2007, pelo que a posse efectiva do imóvel, e das fracções em causa mantevese por mais de 20 anos atendendo que o prazo previsto no referido artigo Artigo 1221.° do Código Civil se trata de um prazo substantivo!
LIX. Pelo que a sentença ora recorrida violou o referido preceito legal, na medida em que a Recorrente se manteve efectivamente na posse, com corpus e animus possidente por mais de 15 anos, estando em condições de usucapir as referidas fracções como inicialmente peticionado.
LX. O Tribunal a quo deveria ter observado o teor das certidões juntas aos autos e que demonstram que as escrituras respectivas foram devidamente celebradas, a favor de uma mesma terceira entidade que veio a ser subadquirente das fracções em causa, ou seja a J, LIMITADA.
LXI. Pelo exposto terá necessariamente de ser julgado procedente o Recurso e em consequência ser declarado que a Recorrente adquiriu por usucapião as fracções objecto dos presente autos.
LXII. Nos presentes autos, o Tribunal a quo tomou conhecimento de um facto que determinantemente impunha a declaração da inutilidade superveniente da lide e que impedia a prolação de decisão contrária à anteriormente proferida e que reconheceu a aquisição originária da propriedade das fracções por parte da Recorrente.
LXIII. Encontram-se juntas aos autos certidões que demonstram que as escrituras relativas às demais fracções foram devidamente celebradas, a favor de uma mesma terceira entidade que veio a ser subadquirente das fracções em causa, ou seja a J, LIMITADA.
LXIV. Por sentença datada de 8 de Abril de 2005, proferida a fls. 186 a 197 dos autos principais e cujo teor aqui se dá por reproduzido, veio a acção interposta pela ora Recorrente a ser julgada procedente e, em consequência, foi a Autora declarada, para todos os efeitos, nomeadamente de registo, como única proprietária das fracções autónomas "E2" e "F2" do prédio "XX Tai Hai", sito na Estrada XX, n.ºs XX, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau, sob o n. ° 2XXX3.
LXV. A referida sentença transitou em julgado no dia 25 de Abril de 2005.
LXVI. Consequentemente, a ora Recorrente procedeu ao registo da referida sentença e respectiva aquisição, e vendeu as referidas fracções em causa nos presentes autos à mesma sociedade comercial J, LIMITADA, por escritura pública celebrada em 04/06/2005, a FLS.150 DO LIVRO 34 do notário privado Adelino Correia.
LXVII. Aquando interposição do recurso de revisão por parte da Recorrida em 26 de Outubro de 2007, já as fracções em causa nos presentes autos haviam sido vendidas conforme resulta da certidão de registo predial junta aos autos pela Recorrida.
LXVIII. Como é sabido, o recurso extraordinário de revisão destina-se a ser uma válvula de escape para certo tipo de situações em que a posteriori se descortina existir algum facto demonstrativo de um vício decisivo que, na substância, atinge a decisão consolidada no caso julgado.
LXIX. Tratando-se de recurso extraordinário visando destruir os efeitos de sentença - destruição inexistente e impossível pelas razões ditas - sempre se diga que “os efeitos que ela haja produzido medio tempori em relação a terceiros de boa fé, subsistem. Que o recurso já estivesse pendente à data em que o efeito se produziu, pouco importa, desde que o adquirente não foi prevenido, nos termos do § único do artigo 887° ou do §2° do artigo 890°” (Código de Processo Civil Anotado, Vol VI, Alberto dos Reis, pág. 406)
LXX. Ora, a decisão ora em crise não poderá conflituar com a realidade material e registal já entretanto ocorrida.
LXXI. Essa impossibilidade ficou ainda consagrada no próprio Código de Registo Predial, na medida em que o conservador está obrigado a proceder à recusa de qualquer registo da mesma porque a mesma conflitua necessariamente com direitos de terceiros que já registaram o seu direito em consequência da decisão entretanto proferida e do seu registo.
LXXII. Nos termos do artigo 60°, n.º 2 do Código do Registo Predial, a contrario, deverá ser recusado o registo que seja titulado por decisão judicial transitada em julgado e que tenha sido notificada ao Ministério Público quando dele resultar manifesta desarmonia com a situação jurídica do prédio resultante de registos anteriores.
LXXIII. Com todo o devido respeito, a decisão em crise, a manter-se nos seus termos e em violação dos efeitos do caso julgado face a terceiros já entretanto produzidos, ofende os princípios da estabilidade social e segurança do comércio jurídico, facto que é de conhecimento oficioso.
LXXIV. Tanto mais que a Recorrida aguardou, in casu, mais de 20 anos para finalmente mostrar uma pretensão que, como será bom de notar, continua por explicar, já que os direitos reais em causa ficarão necessariamente indefinidos quanto à sua plenitude e eficácia.
LXXV. Pelo que não poderia nenhuma decisão contender com a decisão proferida em 16/05/2005, porquanto colide com direitos de terceiros de boa fé entretanto registados.
LXXVI. Estes factos são do conhecimento oficioso do Tribunal, pelo que a sua não pronúncia resulta na nulidade da sentença nos termos da al d) do n. ° 1 do Artigo 571 ° do Código de Processo Civil.
DO ELENCO DAS DISPOSIÇÕES VIOLADAS NA DECISÃO RECORRIDA:
  Em suma, pelas razões que vêm de ser referidas e nos termos das conclusões antes enunciadas, a decisão recorrida incorre na violação das seguintes disposições legais:
  do Código Civil de 1999: artigos 1221.°, 1175°, 1176°, n.º2, 1181°, n.º 1 e 1337°
  do Código Civil de 1966: artigo 1428°
  do Código do Registo Predial: artigo 60°, n.º 2
  Do Código de Processo Civil: al d) do n.º 1 do Artigo 571 °
  Nestes termos, e nos mais em Direito consentidos que Vós, Excelentíssimos Juízes, muito doutamente suprireis, se requer seja a douta sentença recorrida revogada nos termos supra aduzidos,
  Para que, pela vossa douta palavra, se cumpra a consueta
  Justiça!


Respondeu a Ré B, Limitada pugnando pela improcedência do recurso – vide as fls. 478 a 497 dos p. autos.

II

Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.

Antes de mais, é de salientar a doutrina do saudoso PROFESSOR JOSÉ ALBERTO DOS REIS de que “quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume V – Artigos 658.º a 720.º (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, pág. 143).

Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.

Em face das conclusões tecidas na petição do recurso, a única questão que constitui objecto da nossa apreciação consiste em saber se a Autora pode adquirir por usucapião as fracções autónomas, designadas por E2 e F2 do 2º andar do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau, sob o nº 2XXX3, a fls. XX do Livro XX.

Para facilitar a apreciação dessa questão de natureza jurídica, segue-se a transcrição da matéria de facto assente na primeira instância:

- Ocorreu na dia 16 de Março de 1978, um incêndio que queimou por completo o edifício, para indústria, situado na Estrada XX (resposta ao quesito da 1º da base instrutória).
- O edifício designava-se por “XX Tai Hai” com nº XX da Estrada XX, em Macau, em regime de propriedade horizontal, e encontra-se construído sobre o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau, sob nº 2XXX3, a fls. XX do Livro XX, com a constituição da propriedade horizontal inscrita sob o nº 7XX0 a fls. XX do Livro XX (resposta ao quesito da 2º da base instrutória).
- Depois do incêndio, parte dos donos das fracções autónomas do edifício “XX Tai Hai” reuniram-se por várias vezes, uma das quais em 14 de Abril de 1987, a fim de encontrar uma solução para reconstrução do prédio destruído pelo referido incêndio (resposta ao quesito da 3º da base instrutória).
- Em duas dessas reuniões, inclusivamente na de 14 de Abril de 1987, esteve presente a C, em representação da Fábrica de Vestuário D, que operava nas fracções autónomas “E2” e “F2” do edifício “XX Tai Hai” (resposta ao quesito da 4º da base instrutória).
- Desde data não apurada até à data do incêndio referido na resposta do quesito 1.º, a Fábrica D encontrava-se instalada nas fracções autónomas “E2” e “F2” do edifício “XX Tai Hai” porque a Ré lhe havia cedido o gozo das mesmas (resposta ao quesito da 5º da base instrutória).
- Nas reuniões referidas na resposta ao quesito 3º, acabou por ser acordado que o edifício seria vendido na sua totalidade (resposta ao quesito da 6º da base instrutória).
- Em 29 de Julho de 1987 foi assinado um contrato-promessa em que a Autora prometeu comprar todo o edifício “XX Tai Hai”, e a própria Autora e E, estes arrogando-se da qualidade de representantes da “Associação de Condóminos do Estabelecimento Industrial F” e com base no estipulado na reunião de 14 de Abril de 1987, prometeram vender o mesmo à Autora (resposta ao quesito da 8º da base instrutória).
- Nunca a R. mandatou a “Associação de Condóminos do Estabelecimento Industrial F” para outorgar o contrato referido em 8º em seu nome (resposta ao quesito da 9º da base instrutória).
- No dia 28 de Julho de 1987, ou seja, um dia antes do aludido contrato-promessa, um dos sócios da Ré, G ou H, foi informado por fax de que a Autora pretende adquirir as fracções autónomas “E2” e “F2” (resposta ao quesito da 10º da base instrutória).
- A Ré nunca anuiu na venda, pelo que não celebrou com a Autora qualquer contrato (resposta ao quesito da 11º da base instrutória).
- No dia 28 de Julho de 1987, a Ré teve diversas conversas e trocas de correspondência internas, uma das quais com o seguinte teor “Já contactei o I, ele disse para não decidir o assunto de imediato. Por favor falar com os respectivos indivíduos que não podemos tomar a decisão neste momento por H se encontrar ausente de Hong Kong” (resposta aos quesitos das 12º e 13º da base instrutória).
- A 1ª Ré não assinou o contrato da respectiva venda com a Autora (resposta ao quesito da 16º da base instrutória).
- Pelo menos, desde Março de 1988, a Autora contratou uma empresa para assumir a vigilância do edifício “XX Tai Hai” (resposta ao quesito da 17º da base instrutória).
- A partir de 1990, foi a Autora quem tratou de todos os problemas das fracções autónomas “E2” e “F2” e atendeu às necessidades de reparação ou substituição do que quer que acontecesse no edifício (resposta ao quesito da 20º da base instrutória).
- A 1ª Ré jamais reclamou junto da Autora para que esta abdicasse de usar e dispor das fracções autónomas “E2” e “F2” (resposta ao quesito da 21º da base instrutória).
- A Autora era conhecida como dona das fracções autónomas “E2” e “F2” (resposta ao quesito da 22º da base instrutória).
- A partir de 1990, a Autora decidiu qualquer problema como se fosse a única dona de todo o edifício “XX Tai Hai” (resposta ao quesito da 23º da base instrutória).
- A partir de 1990, os encargos referentes às fracções autónomas “E2” e “F2”, quer junto da Entidades Públicas quer junto dos vigilantes do edifício, foram sendo liquidados pela Autora, sem qualquer hesitação porque estava plenamente convencida que contribuía para “coisa sua” e era uma contrapartida do facto de ser dona do edifício (resposta ao quesito da 24º da base instrutória).
- O edifício “XX Tai Hai” onde se situavam as fracções autónomas “E2” e “F2” foi demolido, demolição essa que foi concluída em 29 de Outubro de 2002 (resposta ao quesito da 25º da base instrutória).
- A Ré pagou em 1988 e 1989 a renda respeitante às fracções autónomas “E2” e “F2”, devida pelo arrendamento de terrenos conquistados ao mar onde se encontrava o edifício “XX Tai Hai” (resposta ao quesito da 26º da base instrutória).

E resulta ainda dos autos que:

* No âmbito dos presentes autos, foi proferida a sentença em 08ABR2005 que julgou procedente a acção declarando a Autora A como proprietária das fracções autónomas em causa;

* Após o trânsito em julgado dessa sentença, em 26OUT2007, a ora recorrida B interpôs recurso extraordinário de revisão dessa sentença, com fundamento na falta de citação pessoal;

* Por sentença proferida em 28FEV2008 no âmbito desse recurso extraordinário, o TJB julgou procedente o recurso extraordinário, determinando a anulação dos termos do processo posteriores à citação indevida da Ré, ora recorrida, mantendo-se as citações dos Réus incertos e do Ministério Público;

* Sentença essa que veio a ser confirmada pelo TSI no seu Acórdão proferido em 22JAN2009 no processo nº 447/2008;

* Retomada a sua tramitação da primeira instância no TJB, foi citada a Ré PIBA, ora recorrida para contestar; e

* Afinal foi proferida a sentença ora recorrida, julgando improcedente a acção, absolvendo os Réus do pedido.

Então apreciemos.

Sinteticamente falando, foi com fundamento na invocada posse que alegadamente exerceu sobre as fracções autónomas, designadas por E2 e F2 do 2º andar do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau, sob o nº 2XXX3, a fls. XX do Livro XX, que a Autora pretende ser judicialmente declarada proprietária das mesmas fracções por aquisição por via de usucapião.

A tal pretensão não foi atendida pela sentença recorrida, com um dos dois fundamentos, aduzidos na relação da subsidiariedade, pela Exmº Juiz a quo.

Como fundamento principal, o Tribunal a quo julgou improcedente o pedido por entender que tendo o edifício de que as fracções autónomas faziam parte ficado completamente queimado no incêndio ocorrido em 1978, manifestamente deixou de haver a exigida independência ou individualização dessas fracções autónomas para poderem ser objecto autónomo de direitos reais ou de posse com vista à aquisição por usucapião.

Como fundamento subsidiário, o Tribunal a quo entende que mesmo na hipótese de o edifício completamente queimado no incêndio não implicar necessariamente a destruição total das fracções autónomas e a perda da sua individualização, a alegada posse, mesmo de boa fé, só durou 14 anos e 8 meses antes da demolição do edifício em 29OUT2002, o que não preenche o requisito sobre a duração da posse prescrito no artº 1221º do CC, à luz do qual “não havendo registo do título nem da mera posse, a usucapião só pode dar-se no termo de 15 anos, se a posse for de boa fé, e de 20 anos, se for de má fé, independentemente do carácter titulado ou não da posse.”.

Para reagir contra esses dois fundamentos, a recorrente avançou com os muitos argumentos, só que a maior parte deles são impertinentes, inócuos ou desnecessários à boa decisão da causa.

Estamos perante uma questão sobre a posse de um bem durante o certo intervalo de tempo com vista à aquisição por via de usucapião.

De acordo com o Douto ensinamento do Prof. Orlando de Carvalho, posse é o exercício de poderes de facto sobre uma coisa em termos de um direito real (rectius: do direito real correspondente a esse exercício). Evolve, portanto, um elemento empírico – exercício de poderes de facto – e um elemento psicológico-jurídico – em termos de um direito real. Ao primeiro é que se chama corpus e ao segundo animus. Elementos, como se disse, interdepedentemente ou em relação biunívoca. – cf. Introdução à posse, in RLJ nº 3780, pág. 69.

Na esteira desse Douto entendimento, independentemente dos demais requisitos, a posse pressupõe a existência física da coisa, sobre a qual a posse é exercida.

Assim, in casu, importa averiguar se as fracções autónomas existiam fisicamente no período de tempo em que a posse invocada pela Autora durou, e em caso afirmativo, se o tempo é suficiente longo para operar o efeito aquisitivo do direito em termos do qual foi exercida a posse.

Ora, ficou provado que “ocorreu na dia 16 de Março de 1978, um incêndio que queimou por completo o edifício, para indústria, situado na Estrada XX (resposta ao quesito da 1º da base instrutória)”.

Sendo a expressão “queimou por completo o edifício” algo conclusiva, de per si e na falta de outros elementos meramente descritivos, não nos ilustre bem o que fisicamente ficou após o incêndio, nomeadamente se a tal queima implica, como entendeu a Exmª Juiz a quo, o desaparecimento da independência ou individualização física dessas fracções autónomas.

Assim, convém entrar logo na apreciação da bondade do fundamento subsidiário da sentença recorrida, que para nós está bem alicerçada sobre elementos de facto puramente descritivos.

Ai, a Exmª Juiz a quo diz que até à demolição do edifício de que faziam parte as duas fracções autónomas em causa, a posse alegada pela Autora, mesmo de boa fé, só durou 14 anos e 8 meses, não tendo atingido os 15 anos que a lei exige como um dos requisitos da verificação cumulativa para efeitos de usucapião.

Para a Exmª Juiz a quo, ante a matéria de facto provada na primeira instância, quanto muito, a Autora só começou a agir como se fosse proprietária de todo o edifício de que faziam parte as fracções autónomas em causa, quando, pelo menos, desde Março de 1988, a Autora contratou uma empresa para assumir a vigilância do edifício “XX Tai Hai” (resposta ao quesito da 17º da base instrutória)

O entendimento do Tribunal a quo é-nos muito generoso para com a Autora, pois o simples facto de ter contratado alguém para assumir a vigilância de um edifício, de per si, não é demonstrativo do exercício da posse sobre o mesmo edifício, pois se tratar de um acto que o simples detentor, v.g. um arrendatário, pode praticar.

Por sua vez, a Autora é muito mais agressiva.

Agressiva porque defende que com a entrega efectuada aquando da assinatura do contrato-promessa de compra e venda em 29JUL1987, celebrado entre a Recorrente e os representantes de todos os condóminos, ela passou a assumir a posse efectiva do terreno e respectivo imóvel e agiu com a intenção de ter a coisa para si.

Ficou provado o seguinte:

- Depois do incêndio, parte dos donos das fracções autónomas do edifício “XX Tai Hai” reuniram-se por várias vezes, uma das quais em 14 de Abril de 1987, a fim de encontrar uma solução para reconstrução do prédio destruído pelo referido incêndio (resposta ao quesito da 3º da base instrutória).
- Em duas dessas reuniões, inclusivamente na de 14 de Abril de 1987, esteve presente a C, em representação da Fábrica de Vestuário D, que operava nas fracções autónomas “E2” e “F2” do edifício “XX Tai Hai” (resposta ao quesito da 4º da base instrutória).
- Desde data não apurada até à data do incêndio referido na resposta do quesito 1.º, a Fábrica D encontrava-se instalada nas fracções autónomas “E2” e “F2” do edifício “XX Tai Hai” porque a Ré lhe havia cedido o gozo das mesmas (resposta ao quesito da 5º da base instrutória).
- Nas reuniões referidas na resposta ao quesito 3º, acabou por ser acordado que o edifício seria vendido na sua totalidade (resposta ao quesito da 6º da base instrutória).
- Em 29 de Julho de 1987 foi assinado um contrato-promessa em que a Autora prometeu comprar todo o edifício “XX Tai Hai”, e a própria Autora e E, estes arrogando-se da qualidade de representantes da “Associação de Condóminos do Estabelecimento Industrial F” e com base no estipulado na reunião de 14 de Abril de 1987, prometeram vender o mesmo à Autora (resposta ao quesito da 8º da base instrutória).
- Nunca a R. mandatou a “Associação de Condóminos do Estabelecimento Industrial F” para outorgar o contrato referido em 8º em seu nome (resposta ao quesito da 9º da base instrutória).
- No dia 28 de Julho de 1987, ou seja, um dia antes do aludido contrato-promessa, um dos sócios da Ré, G ou H, foi informado por fax de que a Autora pretende adquirir as fracções autónomas “E2” e “F2” (resposta ao quesito da 10º da base instrutória).
- A Ré nunca anuiu na venda, pelo que não celebrou com a Autora qualquer contrato (resposta ao quesito da 11º da base instrutória).
- No dia 28 de Julho de 1987, a Ré teve diversas conversas e trocas de correspondência internas, uma das quais com o seguinte teor “Já contactei o I, ele disse para não decidir o assunto de imediato. Por favor falar com os respectivos indivíduos que não podemos tomar a decisão neste momento por H se encontrar ausente de Hong Kong” (resposta aos quesitos das 12º e 13º da base instrutória).
- A 1ª Ré não assinou o contrato da respectiva venda com a Autora (resposta ao quesito da 16º da base instrutória).

Confrontando este segmento da matéria de facto provada com os factos sobre os quais a Autora fez alicerçar as suas afirmações sobre a preconizada posse efectiva que ela alegadamente exercia, verificamos que há uma grande discrepância.

Pois, é verdade que ficou provada a assinatura de um contrato-promessa em 29JUL1987.

Mas também ficou provado que a recorrida não participou na reunião nem assinou, o tal contrato-promessa, nem mandatou alguém para o fazer.

Não ficou provada a entrega do edifício ou das fracções autónomas em causa à Autora.

E como se sabe, a simples assinatura de um contrato promessa de compra e venda de um imóvel, se não acompanhada de outros elementos fácticos, não tem efeito translativo da posse sobre o imóvel.

Assim, mesmo que reconheçamos que a Autora chegou a exercer posse sobre as fracções autónomas em causa, num determinado período de tempo antes da sua demolição, essa posse, hipotética, nunca pode ser considerada já iniciada em 29JUL1987.

Adoptando o entendimento “muito generoso” do Tribunal a quo e tomando como verificados os restantes requisitos para a aquisição por usucapião das fracções autónomas, a pretensão da Autora fracassa sempre, pura e simplesmente por não ter exercido a posse por 15 anos sobre as mesmas fracções antes da sua demolição.

Quod abundat non nocet, para nós, a citação do artº 1337º/1 do CC é totalmente inócua e impertinente.

Reza o artº 1337º/1 do CC que “no caso de destruição dos edifícios ou de uma parte que represente, pelo menos, três quartos do valor total do condomínio, qualquer dos condóminos tem o direito de exigir a venda dos direitos que tenha sobre o terreno e sobre os materiais, pela forma que a assembleia geral do condomínio vier a designar.”.

Aqui, na hipótese da destruição do edifício, para além de faculdade de reconstituir o condomínio, a lei permite a qualquer dos condóminos a faculdade de exigir a venda do terreno e dos materiais resultantes da destruição do edifício.

Não vemos em que termos esse normativo serve para sustentar a tese da Autora com vista à aquisição das fracções autónomas em causa.

Talvez a Autora esteja a dizer que ante a matéria de facto provada, mesmo destruído o edifício, é possível a venda do edifício destruído a favor dela por parte dos representantes dos condóminos que tinham esse poder ao abrigo do disposto no citado artº 1337º/1 do CC, e como em 29 de Julho de 1987 foi assinado um contrato-promessa em que a Autora prometeu comprar e os representantes da “Associação de Condóminos do Estabelecimento Industrial F” prometeram vender todo o edifício “XX Tai Hai” com base no acordado na reunião de 14 de Abril de 1987, a Autora já passou a exercer a posse sobre as duas fracções autónomas com a celebração do tal contrato-promessa.

Mas, uma coisa é o edifício implantado sobre o terreno, outra coisa é materiais resultantes da destruição do edifício de faziam parte as fracções autónomas.

Não se pode portanto confundir com a transmissão da propriedade ou a posse sobre os materiais resultantes da destruição do edifício com a transmissão da propriedade ou da posse sobre determinadas fracções autónomas do edifício.

Quanto ao terreno, é impensável a venda pelos representantes da “Associação de Condóminos do Estabelecimento Industrial F”, pois face ao teor do registo predial que se juntou aos autos a fls. 6 dos p. autos, o terreno em que foi implantado o edifício foi concedido por arrendamento, portanto nenhum dos condóminos é possuidor, proprietário ou comproprietário do terreno, mas sim mero proprietário de uma fracção autónoma ou comproprietário da parte comum do edifício nele implantado.

Finalmente, a recorrente imputou à sentença recorrida a omissão de pronúncia a que se refere o artº 571º/1-d) do CPC.

Para a recorrente, como aquando da interposição do recurso de revisão por parte da recorrida em 26OUT2007, já as fracções em causa nos presentes autos haviam sido vendidas a J, Lda., conforme resulta da certidão de registo predial junta aos autos pela recorrida.

E citou a doutrina de Alberto dos Reis, in CPC Anotado VI, p.406. dizendo que “…… se a sentença é destruída pelo recurso extraordinário de revisão, os efeitos que ela haja produzido medio tempore, em relação a terceiros de boa fé, subsistem”.

Assim, para a recorrente, como não tratou esta questão de conhecimento oficioso, a sentença padece da nulidade por omissão.

Ora, independentemente de ser ou não do conhecimento oficioso esta “questão”, a presente acção nunca é sede própria para o seu tratamento.

Pois de acordo com a doutrina citada, só subsistem os efeitos que uma sentença revogada pelo recurso extraordinário de revisão entretanto haja produzido em relação a terceiros de boa-fé.

Tal como disse e bem a recorrida nas suas contra-alegações, fica ainda por demonstrar nos presentes autos a alegada boa-fé da J, Lda., a quem a Autora vendeu as fracções autónomas.

Sendo a boa-fé um objecto que só pode ser tratado em outra sede, não vemos em que termos ocorre a invocada omissão da pronúncia.

De qualquer maneira, isso será uma falsa questão, pois de acordo com a matéria de facto provada nesta acção, todo o edifício, de que faziam parte as fracções autónomas em causa, já foi demolido em 29OUT2002 e portanto, a alegada venda posterior a esta data não pode deixar de ser julgada nula em sede própria, por inexistência física na sequência da demolição, necessariamente conducente à impossibilidade física e legal do seu objecto – artº 273º do CC.


Pelo exposto, é de improceder o recurso.

III

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam julgar improcedente o recurso interposto pela Autora.

Custas em ambas as instâncias pela Autora.

Registe e notifique.

RAEM, 17JUL2014


_________________________
Lai Kin Hong
(Relator)

_________________________
João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
(Primeiro Juiz-Adjunto)

_________________________
Ho Wai Neng
(Segundo Juiz-Adjunto)


Ac. 73/2013-1