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Processo nº 503/2013
(Recurso Cível)

Relator: João Gil de Oliveira

Data: 3/Julho/2014
   
   
   Assuntos:
- Limites da condenação; condenação para além do pedido ou fora do objecto do pedido
- Artigos 564, n.º 1 e 571º, n.º 1, e) do Código de Processo Civil

    SUMÁRIO :
    
1. Se o autor numa acção diz que foi enganado pelo réu que lhe vendeu uma quota de sociedade inexistente e que só desse engano mais tarde se apercebeu e vem pedir com base no enriquecimento sem causa a restituição do que foi por si pago;
Se o réu sustenta e configura o negócio de outra forma, como um contrato de investimento, segundo o qual ofereceu aos gerentes de nível superior das suas empresas a participação numa sociedade “holding” a constituir e participada das suas sociedades, ficando ele até lá a gerir essas participações e assumindo os adquirentes os lucros e as perdas dessa gestão;
Se não se comprovou nem a versão do A., nem o negócio configurado pelo R;
Não pode a sentença configurar um tertium genus, um outro negócio, qual fosse o de uma promessa de aquisição de uma quota de uma sociedade a constituir e por falta do interesse do A., vista a demora na constituição dessa sociedade, rescindir o contrato, por incumprimento do R. e ordenar a restituição do que foi entregue.

2. Só é permitido proferir condenação com base em causa de pedir não expressamente invocada, desde que implicitamente admitida pelo autor. Não basta que haja coincidência entre o pedido e o julgado, além disso, que haja identidade entre a causa petendi e a causa judicandi.


O Relator,















Processo n.º 503/2013
(Recurso Cível)
Data : 3/Julho/2014

Recorrente : A

Recorrido : B

    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
  
   1. A, Réu nos autos acima referidos (em diante designado por Réu) e neles mais bem identificado, vem recorrer da sentença proferida no TJB que o condenou a pagar ao Autor B no reembolso da quantia de HKD$837.410,05, ou MOP$862.532,35 (oitocentas e sessentas e duas mil, quinhentas e trinta e duas patacas e trinta e cinco avos), valor esse acrescido de juros de mora à taxa legal de 9,75% contados desde a data de citação até integral pagamento, alegando em síntese conclusiva:
    
     I- Fundamento de factos
     1) Segundo os factos assentes C) e D), e os quesitos 1.º, 10.º e 11.º, 2.º, 3.º, 4.º e 5.º, 6.º, 14.º e 15.º, 24.º tidos como provados, o Autor concordou com investir HKD$844.460,00 nas 10 empresas do Réu em Hong Kong e Macau para adquirir uma quota substancial de 3%, também concordou com a recepção da quota através duma sociedade “holding” a constituir.
     2) De acordo com o quesito 18.º que se provou na audiência, foi acordado entre o Autor e o Réu que o primeiro podia pagar as despesas da compra da quota em 60 prestações.
     3) Além disso, do requisito 24.º dado como provado resulta que até agora o Autor ainda não pagou ao Réu o remanescente no valor de HKD$7.049,95.
     4) Nestes termos, de acordo com o princípio da liberdade contratual e o princípio do pontual cumprimento contratual, o Réu goza do benefício do prazo e não está obrigado a constituir a sociedade “holding” antes do pagamento integral das prestações (cumprimento integral) pelo Autor.
     5) Nestes termos, os factos dados como provados não são suficientes para suportar o acórdão recorrido. Nos termos do artigo 571, n.º 1, al. b) do CPC, o acórdão recorrido é nulo por “não especificar os fundamentos de facto que justificam a decisão”.
     6) Por outro lado, o valor das acções de qualquer sociedade pode ser alterado sob a influência da situação da exploração da respectiva sociedade e do mercado (situação semelhante aos diferentes preços constantemente propostos por empresas registadas na bolsa perante às alterações dos valores das duas acções), pelo que o Autor e os outros gerentes superiores que adquiriram a quota do Réu nas 10 empresas devem confirmar a data do início da vigência das acções adquiridas para conhecer as alterações dos seus valores bem como o risco.
     7) Em 1 de Março de 2006, o Autor, junto com outros dois subscritores de quotas, o senhor C (retornou as quotas) e o senhor D, detiverem tempestivamente, na qualidade de “trustees” da sociedade “E LIMITADA”, uma quota de 75% das acções da companhia F, LIMITADA, sendo eles sócios da segunda companhia; isso mostra uma relação muito estreita e de confiança entre o Réu e os quadros superiores que adquirirem as quotas (vd. o anexo 2 apresentado pelo Réu em 18 de Junho de 2012).
     8) Segundo os quesitos 25º e 26º provados na audiência, em Julho de 2008, o Réu readquiriu a quota de 3% a C a um preço que, segundo os dados dos autos, equivaleu ao valor do marcado das acções da respectiva companhia naquele tempo (vd. os documentos 20, 21-1 a 21-19 da contestação e os documento 3 a 5 apresentados pelo Réu em 18 de Junho de 2012)
     9) Isso revela que C ainda não efectuou o pagamento integral, nem estava a quota materialmente registada sob o seu nome, entretanto, o Réu calculou o valor da quota segundo o acordo, fixando a data de compra e de vigência em “Effective 1st January 2003”.
     10) A testemunha do Réu G prestou o depoimento, alegando que naquele dia eles concordaram na reunião com que as quotas seriam tempestivamente detidas pelo Sr. A porque eles tinham confiança na sua capacidade de gestão e no seu modo de funcionamento do capital; esta confiança baseou-se no facto que a companhia “E”, criada em 1975 com 3 a 4 pessoas, tornou-se a companhia com mais de 400 trabalhadores, e que a companhia “H” iniciou-se com 1 contentor e trata agora mais de 20.000 contentores por mês; tudo isso vêm dos esforços do Sr. A durante os 10 anos. (registo de disco n.º Translator 2 (0Q)CY)$107911270) de 02:00:40 a 02:02:13)
     11) A testemunha do Réu G continuou a depor, alegando que independentemente do crescimento ou diminuição do número das companhias do Sr. A dada as alterações do mercado, aquelas seriam transferidas para a sociedade “holding”. (registo de disco n.º Translator 2 (0Q)CY)$107911270) de 02:02:34 a 02:02:48)
     12) Por isso, as quantias parcialmente pagas pelo Autor visaram a compra das quotas do valor equivalente nas 10 companhias do Réu, e o Autor tinha que assumir a correspondente risco.
     13) O acórdão recorrido não considerou tal facto, e condenou o Réu a repor ao Autor a quantia de HKD$837.410,05 sem ter aplicado o desconto segundo o princípio da equidade, sendo os factos provados insuficientes para suportar tal acórdão.
     14) De acordo com o artigo 571, n.º 1, al. b) do CPC, o acórdão recorrido é nulo por “não especificar os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”.
     15) De acordo com o teor da petição inicial do Autor, da contestação do Réu, os factos assentes C) e D) no acórdão recorrido bem como os quesitos 1.º, 10.º e 11.º, 2.º, 3.º, 4.º e 5.º, 6.º, 18.º dados como provados, o processo da transacção das quotas neste caso é: o pagamento integral, a divisão das quotas, e a constituição de sociedade “holding” a fim de possuir e controlar as quotas das companhias (quer dizer integrar o Autor e os outros subscritores na nova sociedade como sócios desta)
     16) Tendo em conta as regras da experiência e o senso comum, se não é que naquela altura os subscritores e o Autor concordaram unanimemente com o processo de transacção acima referido, ou que no fim de 2008 ou antes da ocorrência da crise financeira os mesmos ainda podiam beneficiar-se, eles nunca concordariam com o pagamento das quantias sem a data fixada da criação da sociedade “holding”.
     17) O acórdão recorrido não conheceu do processo de transacção acordado entre o Réu e os subscritores tais como o Autor, pelo que decidiu que o Autor tem o direito de exigir ao Réu a constituição da sociedade em causa apesar da falta do cumprimento do pagamento integral. Nos termos do artigo 571, n.º 1, al. b) do CPC, o acórdão recorrido é nulo por “não especificar os fundamentos de facto que justificam a decisão”.
     18) Segundo o acórdão recorrido, o Réu não cumpriu o contrato, por ter protelado a constituição da respectiva sociedade “holding” após a recepção do pagamento parcial efectuado pelo Autor (fls. 7 do acórdão). Na verdade, foi o Autor que incumpriu o contrato em primeiro lugar.
     19) O quesito 18.º dado como provado indicou que “O Autor e o Réu acordaram ainda que a quota subscrita poderia ser paga em prestações de 60 meses.”
     20) Do facto assente 24º resulta que até agora o Autor ainda não pagou o remanescente no valor de HKD$7.049,95.
     21) Entre 2002 e Novembro de 2007, o Autor efectuou o pagamento parcial no valor de HKD$837.410,05 (factos assentes C) e D) – fls. 2 do acórdão recorrido), e este começou a exigir que o Réu repusesse a quantia desde que as companhias do segundo perderam dinheiro por causa da crise financeira (quesitos 9º e 29º dados como provados). Durante o período o Autor estava obrigado a pagar o remanescente de HKD$7.049,95 e a continuar o cumprimento do contrato (o artigo 400 do Código Civil prevê que o contrato deve ser pontualmente cumprido), mas ele não o fez nem explicou porque tinha deixado de pagar antes da crise financeira.
     22) As 10 companhias do Réu tinham em geral lucros consideráveis desde 2003 até a ocorrência da crise financeira em 2008 (vd. o documento 20 da contestação). Tendo recebido lucros, o Autor não se opôs nem exigiu a constituição da sociedade “holding” ou a transferência da quota. Até o fim de 2008, altura em que o valor da quota adquirida pelo Autor sofreu gravemente perdas sob influência da crise financeira, ele negou o acordo por não querer quinhoar nas perdas (vd. os documentos 24 a 29 da contestação).
     23) Por isso, a verdade é que o Autor protelou o pagamento integral das quantias, fazendo com que o prazo da obrigação do Réu de transferência da quota e de constituição da sociedade fosse prolongado.
     24) Em caso de incumprimento da obrigação contratual pelo Autor (devedor), o Réu não está obrigado a constituir uma nova sociedade ou a transferir para o Réu (sic) a quota das companhias por ele possuídas. Assim sendo, a causa de pedir na petição inicial do Autor não é o incumprimento contratual por parte do Réu, mas sim o seu enriquecimento sem causa de acordo com o artigo 467 do Código Civil.
     25) A par disso, dos factos provados ou dos quesitos provados na audiência não se pode formar a seguinte conclusão:
     - “Dada a ocorrência da crise financeira, o Autor começou a exigir activamente ao Réu a honra do seu compromisso, isto é, a constituição, com a maior brevidade possível, da sociedade “holding”, mas o Autor continuou a protelar o estabelecimento da mesma”; e
     - “O Autor exigiu ao Réu a constituição da nova sociedade há muito tempo, mas este não o fez, até vendeu parte das suas quotas nas sociedades na sequência de crise financeira, conduta essa que causou que o Autor e os outros trabalhadores que já lhe tinham pago dinheiro perderam a confiança nele, e exigiram-lhe o devolução do dinheiro pago.”
     26) Nos autos não há qualquer facto que prove que o Autor exigiu ao Réu a honra do seu compromisso, ou seja, a constituição da sociedade “holding” ou que o Réu protelou a criação desta; além disso, também não há facto de o Réu ter vendido parte das suas quotas e de o Autor ter exigido ao Réu a constituição da sociedade “holding” ou a transferência da quota. Os quesitos 9.º e 29.º provados na audiência só provam que o Autor só começou a exigir que o Réu repusesse a quantia desde que as companhias do segundo perderam dinheiro por causa da crise financeira.
     27) Por outras palavras, os factos provados no acórdão recorrido indicaram a falta do cumprimento integral da obrigação do pagamento por parte do Autor, mas o acórdão julgou que o Réu incumpriu o contrato. Nos termos do artigo 571, n.º 1, al. c) do CPC, o acórdão é nulo por os fundamentos estarem em oposição com a decisão.
     II- Fundamentos de direito
     Âmbito de julgamento
     28) Tal como se referiu anteriormente, o Autor tinha reclamado do Réu a respectiva quantia com o fundamento do enriquecimento sem causa. No entanto, no seu acórdão, o Tribunal Colectivo decidiu que “nos termos do artigo 790, n.º 2 do CCM, este Tribunal julga procedentes os fundamentos do Autor, declara resolver o contrato celebrado entre o Autor e o Réu em 2002 e exige a este a devolução àquele do dinheiro cobrado no valor de HKD$837.410,05.” (fls. 9 a 10 do acórdão)
     29) Apesar de o artigo 567 do CPC prever que o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação das regras de direito, nos termos do artigo 564, n.º 1 do mesmo Código, a sentença não pode condenar em objecto diverso do que se pedir.
     30) O Autor só pediu na sua petição inicial que o Réu fosse condenado a repor-lhe a quantia de HKD$837.410,05 acrescida de juros, mas nunca requereu a rescisão do contrato. (nos termos do artigo 790, n.º 2 do Código Civil, a resolução do contrato só pode ser feita a pedido do credor).
     31) Nestes termos, o acórdão recorrido viola o artigo 564, n.º 1 do CPC. Nos termos do artigo 571, n.º 1, al. e) do CPC, o acórdão recorrido é nulo por condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.
     Natureza do contrato
     32) Nos termos do artigo 197, n.º 1 e n.º 2 do Código Comercial, os lucros de valorização e os riscos de perda da quota acima referida serão transferidos para os gerentes superiores que a adquiriram.
     33) As 10 companhias do Réu tinham lucros entre 2003 e 2008 (antes da crise financeira). A fim da expansão contínua das actividades das companhias, os subscritores da quota e o Réu consentiram unanimemente em colocar os lucros nos investimentos e no desenvolvimento sustentável das empresas. Tendo apenas uma quota de 3%, o Autor também recebeu certos lucros. Assim sendo, as quantias pagas pelo Autor já fizeram lucros. Caso contrário, porque é que o Autor só exigiu a devolução das quantias pagas após a ocorrência da crise financeira?
     34) Ressalvado o devido respeito pelo acórdão recorrido, este condenou o Réu a repor ao Autor todas as quantias pagas por ter ignorado que a influência global (crise financeira) tinha afectado as 10 companhias no fim de 2008, causando graves perdas tanto ao capital com que o Autor tinha adquirido a quota como aos lucros nos quais ele quinhoou entre 2003 e 2008 (antes da crise).
     35) Por isso, o Réu não está obrigado a repor ao Autor as quantias pagas, mas só a transferir para ele uma quota de 3% das 10 companhias e a constituir uma sociedade “holding”.
     36) Pelo que o acórdão recorrido que condenou o Réu a repor ao Autor a respectiva verba é nulo pela violação do Código Comercial.
     
     
     Alteração de circunstâncias
     37) Mesmo que assim não se entendam, o incumprimento do Réu não é por causa lhe imputável, mas sim por causa da impossibilidade objectiva do cumprimento. Além disso, a exigência de continuação do cumprimento viola os princípios da boa fé.
     38) De acordo com o artigo 431 do Código Civil e o acórdão n.º 187/10.4TVLSB.L2.S1 de 10 de Janeiro de 2013 do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal: “III- Muito embora a crise económico-financeira possa criar desequilíbrios económicos susceptíveis de provocarem alterações anormais das circunstâncias, nem todos os incumprimentos – em tempos de crise, se ficam a dever a essa alteração das circunstâncias. IV- É necessário que haja uma correlação directa e demonstrada factualmente entre a crise económica geral e a actividade económica concreta de determinado agente para que se possa falar de uma alteração anormal das circunstâncias.”
     39) Pelo que o incumprimento do respectivo contrato não é imputável ao Réu. A falha de investimento do Réu e do Autor foi causada pela crise financeira global no fim de 2008 que se trata dum factor objectivo.
     40) Nos termos do artigo 779, n.º 1 do Código Civil, a obrigação extingue-se quando a prestação se torna impossível por causa não imputável ao devedor.
     41) Assim sendo, o acórdão recorrido é nulo pela violação dos artigos 431 e 779 do Código Civil, não tendo o Réu que repor ao Autor as respectivas quantias.
     
     III- Litigância de má fé
     42) Dos factos dados como provados no acórdão recorrido e dos quesitos 1.º, 10.º e 11.º, 2.º, 3.º, 4.º e 5.º, 9.º e 29.º, 14.º e 15.º, 18.º, 24.º, 25.º e 26.º que se provaram na audiência resulta que na sua petição inicial o Autor dolosamente omitiu o facto de que as quotas subscritas por ele nas 10 companhias tinham sido possuídas pelo Réu e, alegou que o Réu vendeu-lhe uma quota de 3% duma companhia inexistente que se chamou “I Limited”; pelo que o Autor exigiu, fundamentando-se no enriquecimento sem causa do Réu, que este repusesse-lhe as quantias pagas para adquirir a quota.
     43) Do quesito 18.º que se provou no acórdão recorrido resulta que o Autor dolosamente omitiu a verdade de que segundo o acordo, os subscritores (incluindo o Autor) deviam completar todas as prestações antes de o Réu estar obrigado a constituir a sociedade “holding” para receber as quotas por ele possuídas nas suas companhias para que as quotas fossem atribuídas ao Autor.
     44) Pelo que dos factos dados como provados resulta que o Autor, a fim de esconder a sua falha de investimento, deduziu dolosamente pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar, alterou e omitiu factos relevantes para a decisão da causa, induzindo terceiros em erro de que o Réu dolosamente burlou o Autor.
     45) Nos termos do artigo 385, n.º 2, al.b) do CPC, a conduta do Autor deve ser considerada litigância de má fé. Nos termos do artigo 386, n.º 2 do CPC, o Autor deve indemnizar o Réu pelos danos lhe causados.
     46) Nestes termos, o acórdão recorrido é nulo pela violação dos artigos 385, n.º 2, al. b) e 386, n.º 2 do CPC.

Face ao exposto, pede que se julgue procedente o recurso e declare nula a sentença ou, revogue a decisão do Tribunal a quo e julgue que o Autor é litigante de má fé, condenando-o no reembolso ao Réu de todas as despesas a que a má fé tem obrigado e dos honorários do seu mandatário.
    
    2. B, A. nos autos acima e à margem cotados, contra-alega, em síntese:
    
    1 - A sentença recorrida não padece de qualquer vício, não existindo, assim, qualquer motivo para que a mesma seja total ou parcialmente revogada.
    2 - O recorrente inicia as suas alegações de recurso misturando um conjunto de factos, alguns deles dados como provados pelo douto Colectivo e outros consubstanciados meramente na sua própria contestação e na sua versão, muito própria e pessoal dos acontecimentos, omitindo que estes últimos factos não obtiveram aceitação do Colectivo.
    3 - O recorrente menciona ainda alguns documentos particulares por si exclusivamente elaborados e apresentados, (onde não consta sequer qualquer assinatura do A., ora recorrido), pretendendo com os mesmos fazer prova plena dos factos por si alegados e da sua versão dos acontecimentos.
    4 - Ora, esses documentos particulares não foram aceites pelo douto colectivo, pelo que não tem qualquer sentido vir agora, em sede de alegações de recurso tentar utilizar o que deles consta, ou melhor o que neles foi escrito pelo R., ora recorrente em defesa do mesmo recorrente.
    5 - O que o recorrente está a tentar colocar em causa é, pura e simplesmente, o princípio da livre apreciação das provas pelo tribunal, a que alude o artigo 558º do C.P.C.
    6 - O recorrente está a sindicar a livre convicção dos Meritíssimos Juízes a qual é, insindicável, pelo que não merece qualquer colhimento o alegado neste ponto das suas alegações de recurso.
    7 - Acrescenta o recorrente que, em virtude do A. não ter pago a totalidade do valor acordado para a quota o R., ora recorrente, não tem a obrigação de criar a companhia holding.
    8 - Ora, em lado nenhum ficou provado que a constituição da sociedade "holding" dependeria do pagamento total do montante da quota ou até, como alega o recorrente, que seria efectuada no prazo de 5 anos a partir da data do inicio do pagamento da quota.
    9 - O que ficou provado é que o pagamento dessa quota poderia ser efectuado em prestações e que, "após a cessão de quotas ser formalizada, constituir-se-ia uma empresa "holding".
    10 - A transferência da quota e a constituição da sociedade "holding" não ficou dependente do pagamento total do preço como parece fazer crer o recorrente
    11 - Esta suposta "condição" que teria de ser cumprida para que se efectuasse a constituição da "holding" não foi sequer alegada e muito menos provada!
    12 - A compra e venda da quota pelo recorrido foi imediatamente efectuada, tendo, porém, sido acordado que o pagamento da mesma seria efectuado por prestações.
    13 - A cessão de quotas deveria ter sido imediatamente formalizada para, em seguida, se ter constituído a sociedade holding, situação que não ocorreu até hoje.
    14 - Pois, como ficou provado "até Dezembro de 2010, a sociedade "I Limited" nunca foi constituída",
    15 - Na verdade, o incumprimento do recorrente foi DUPLO: por um lado nunca formalizou a cessão de quotas a favor do recorrido e, por outro lado, também nunca chegou a constituir qualquer empresa “holding”.
    16 - Face à não transmissão das quotas para o recorrido (apesar de interpelado para tal), aliada às sucessivas dilações do recorrente na constituição da prometida sociedade "holding", (o recorrido esperou mais de 7 anos), fez com que o A., ora recorrido, perdesse o interesse no negócio. (art. 797° do Código Civil)
    17 - Perca de interesse que levou o recorrido a pedir a devolução do montante por si entregue.
    18 - Não corresponde à verdade que a douta sentença não especifique os fundamentos de direito e de facto que levaram o Meritíssimo Juiz a chegar à decisão final.
    19 - O recorrente até pode não concordar com estes fundamentos mas não pode é negar que os mesmos existem.
    20 - Tal como não existe qualquer contradição entre a fundamentação da sentença e a decisão final.
    21 - A douta sentença recorrida também não violou o disposto no artigo 571° n.º alínea e) do C.P.C. pois não condenou em objecto diverso do pedido.
    22 - Na verdade, de acordo com o disposto no art. 567° do C.P.C. "o Juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direi to, mas tão só pode servir-se dos factos articulados pelas partes, sem prejuízo do disposto no artigo 5°."
    23 - Situação que ocorreu no caso vertente pois, apesar do recorrido não ter, expressamente, requerido a resolução do contrato celebrado com o recorrente, esta declaração decorre da condenação do recorrente na devolução ao recorrido do montante por este entregue.
    24 - Nem de outra forma faria sentido, isto é, como poderia a sentença condenar o recorrente a devolver o montante entregue pelo recorrido e manter a validade do contrato celebrado entre ambos, contrato este que se provou impossível de ser cumprido?
    25 - Por outro lado, sempre se dirá que não tem qualquer cabimento a alegação de má fé por parte do recorrido uma vez que este não omitiu qualquer facto nem distorceu qualquer aspecto da realidade.
    Nestes termos, entende, deve, pelas apontadas razões, ser mantida, na íntegra, a sentença recorrida.
    
    3. Foram colhidos os vistos legais.
    
    II - FACTOS
    Vêm provados os factos seguintes:

“O AUTOR trabalhou entre meados de 1983 e até Março de 2009 nas sociedades comerciais denominadas A投資的澳門貨運公司及香港H船務有限公司, exercendo as funções de gerente. (A)
Desde a altura em que iniciou funções nessas sociedades e até meados de 2009, o Autor trabalhou sob as ordens e direcção do Réu que foi, até meados de 2009, o sócio maioritário das empresas aludidas em A). (B)
Em 2 de Setembro de 2002, o Autor entregou ao Réu a quantia de HKD$180.000,00. (C)
A partir de Maio de 2003 e até Novembro de 2007, o Autor entregou ao Réu a quantia mensal de HKD$11.952,91. (D)
O RÉU é titular de uma quota de MOP$820.000,00, na sociedade “E有限公司”, “E, LIMITADA”, sede da pessoa colectiva em Macau, Rua de XX n.º XX, Edf. XX, XX.º andar XX, com capital registado de MOP$1.000.000,00, registada na Conservatória do Registo Comercial e de Bens Móveis de Macau sob n.º SO1XXX4 (certidão de registo comercial junta a fls. 52 a 56, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido). (E)
“J海路運輸(集團)有限公司” (J TRANSPORTE MARÍTIMO E TRESSESTRE (GRUPO) LIMITADA), é uma sociedade de responsabilidade limitada de “joint venture” de capital misto de Tai Wan, Hong Kong e Macau e da China interior, sede da pessoa colectiva na China, Província de Guang Dong, Cidade de Zhu Hai, Ji Da, Estrada Leste de Shi Hua, Terminal Marítimo Jiu Zhou, Edf. de Inspecção de Transporte Marítimo, Quarto 205, registado no Departamento de Administração Comercial da Cidade de Zhu Hai da Província de Guang Dong sob n.º 44XXXXX44, com o capital registado de HKD$20.000.000,00, sendo representante da pessoa colectiva K, possuindo em representação do réu, uma quota de 31,25%. (F)
“J海運(香港)有限公司” , “J MARITIME (HK) LIMITED”, registado sob n.º 72XXX6, sede da pessoa colectiva em ROOM XX, XX, XX, XX ROAD, WANCHAI, HONG KONG, com o capital registado de HKD$100.000,00 sendo a sociedade “E LIMITADA” titular da quota de HKD$34.000,00. (G)
“L有限公司”, “L, LIMITADA”, sede da pessoa colectiva em Macau, Rua de XX n.º XX, Edf. XX, XXº andar XX, com o capital registado de MOP$300.000,00, sendo o réu titular de uma quota de MOP$100.000,00, (certidão de registo comercial junta a fls. 76 a 78, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido). (H)
“M有限公司”, nome em português “M, LIMITADA”, sede da pessoa colectivo em Macau, Porto Exterior, Rua de XX n.º XX, Edf. XX, XXº andar XX, com o capital registado de MOP$300.000,00, sendo o réu titular de uma quota de MOP$143.000,00 (certidão de registo comercial junta a fls. 79 a 83 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido). (I)
“N有限公司” (N, Limitada), sede da pessoa colectiva na Província de Guang Dong, Cidade de Zhong Shan, Distrito de Dong Sheng, Bairro de XX, Zona Industrial, registado no Departamento da Administração Comercial da Cidade de Zhong Shan sob n.º 44XXXXX15, com o capital registado de HKD$40.000.000,00, sendo o representante da pessoa colectiva XX, possuindo, em nome do réu, uma quota de 32,5%. (J)
“O有限公司”, nome em português “O, LIMITADA”, sede da pessoa colectiva em Macau, Rua do XX n.º XX, Terminal Marítimo, XX andar, com o capital registado de MOP$300.000,00; registado na Conservatória do Registo Comercial e de Bens Móveis sob n.º SO6XX7; sendo que, no momento da constituição da sociedade no ano de 1992, o réu era titular duma quota de MOP$34.950,00 e de uma quota de MOP$17.400,00 (certidão de registo comercial junta a fls. 93 a 119, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido). (L)
“H船務有限公司”, nome em inglês “H SHIPPING LIMITED”, registado sob n.º 3XXX26, sede da pessoa colectiva em ROOM XX, XX, XX, XX ROAD, WANCHAI, HONG KONG, com o capital registado de HKD$1.000.000,00; “P LIMITED” é titular duma quota de HKD$530.000,00 (documentos juntos a fls. 120 a 131, cujo teor aqui se dá por integramente reproduzido). (M)
“P有限公司”, nome em inglês “P LIMITED”, registado sob n.º 7XXX89, sede da pessoa colectiva em XX, XX BUILDING, XX ROAD, WANCHAI, HONG KONG, com o capital registado de HKD$10.000,00, o réu foi titular duma quota de HKD$7.000,00 antes de 25 de Junho de 2003 (ou seja, 70% do capital da sociedade) (documentos juntos a fls. 133 a 139, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido). (N)
Em data indeterminada de 2002, o Autor e o Réu acordaram, no futuro, constituir em Macau, uma sociedade para servir de “holding company” das sociedades de que o segundo era sócio. (1º, 10º e 11º)
O RÉU informou o Autor que era dono de várias sociedades comerciais de responsabilidade limitada. (2º)
O RÉU disse ao Autor que a sua ideia era que cada um dos seus funcionários adquirisse quotas numa sociedade a constituir, e, depois de formalizada a constituição, formaria uma sociedade “holding”. (3º)
No caso do Autor, este aceitou investir uma futura quota correspondente a 3% do valor do capital desta alegada sociedade. (4º e 5º)
A pedido do Réu o cheque destinado ao pagamento aludido em C), foi emitido em nome da sociedade “Q Shopping Limited” (sic.), sociedade comercial onde o Réu era sócio maioritário. (6)
Em Dezembro de 2010, a sociedade “R (Macau) Limited” nunca foi constituída. (7º)
O AUTOR solicitou ao Réu a devolução das quantias aludidas em C) e D) na sequência da crise financeira que afectou as sociedades do segundo. (9º e 29º)
O AUTOR e o Réu acordaram que, após o estabelecimento de “Holding Company”, o segundo seria titular de um quota de 54%, e que a quota de 46% seria distribuída aos seguintes indivíduos, na seguinte proporção:
a) S = 10%
b) G = 6%
c) T = 6%
d) D = 6%
e) U = 3%
f) V = 3%
g) W = 3%
h) C = 3%
i) B = 3%
j) X = 3% (14º e 15º)
O AUTOR e o Réu acordaram ainda que a quota subscrita poderia ser paga em prestações de 60 meses. (18º)
Em Dezembro de 2007, o Autor faltava de pagar o remanescente das prestações no montante de HKD$7.049,95. (24º)
Em Julho de 2008, um dos subscritores das quotas, C, manifestou ao Réu que pretendia ceder a sua parte no negócio. (25.)
O RÉU adquiriu a quota do Sr. C. (26º).”
    III - FUNDAMENTOS
    1. O objecto do presente recurso passa pela análise das seguintes questões:
    - Insuficiência da matéria de facto para a decisão. Desconsideração de factos relevantes para a decisão da causa;
    - Da alegada natureza do contrato como investimento comercial
    - O Réu só estaria obrigado a constituir a sociedade após o pagamento integral efectuado pelos gerentes superiores que adquirirem as quotas tais como o Autor
    - Incumprimento contratual por parte do Autor
    - Fundamentos de direito. Âmbito de julgamento
    - Nulidade da sentença
    - Alteração de circunstâncias
    - Litigância de má-fé
    
    
    2. Insuficiência da matéria de facto para a decisão. Desconsideração de factos relevantes para a decisão da causa
    
    2.1. O conteúdo do acordo entre o Réu e o Autor sobre a compra de quotas e a constituição duma nova sociedade
    
    Alega o recorrente que segundo as provas documentais nos autos e os depoimentos das testemunhas, o Réu promoveu uma reunião para propor a oferta de “Y Holding Company”, a fim de vender as suas quotas em 10 sociedades em Hong Kong e Macau. O Réu sugeriu que os gerentes superiores presentes na reunião considerassem livremente a aquisição das quotas, enquanto estes não se opuseram ao valor total das quotas calculadas pelo Réu. (vd. o anexo 16 da contestação).
     Foi assim que Z, testemunha do Autor, declarou na audiência que entre 2002 e 2003, o Réu sugeriu que os quadros superiores adquirissem as suas quotas, e Z foi convidado no último período para participar na reunião de 1 de Janeiro de 2003, junto com o Autor e outras pessoas. (registo de disco n.º Translator 2 (0Q)CY)$107911270) de 25:45 a 26:19)
     Z continuou a depor, alegando que na reunião de 2003, o Réu usou “Power Point” para mostrar os relatórios de diversas empresas. (registo de disco n.º Translator 2 (0Q)CY)$107911270) de 39:36 a 40:06).
     D, testemunha do Réu, prestou depoimento na audiência, alegando que ninguém na reunião opôs-se a quaisquer dados, e que o valor das acções de mais de 81 milhões foi acordado e aprovado. Segundo a testemunha, o Sr. A deu ao Autor, no mapa de “E”, acções bonificadas como “AA”, e o Autor podia, aquando da compra das acções, subtrair o valor das acções bonificadas, e ter um desconto de 20 por cento para o balanço, a pagar em 60 prestações mensais. Em 1 de Janeiro de 2003, data da vigência, o capital total das três principais empresas de navegação “E”, “O” e “H SHIPPING” era mais de oitenta e um milhões (vd. o documento 16 na contestação) e (registo de disco n.º Translator 2 (0Q)QKH8G07911270) de 06:00 a 08:22) .
     G (黃應坤), testemunha do Réu, prestou depoimento na audiência, alegando que no fim de 2002, o Réu respectivamente conferenciou com os colegas, elaborou e ofereceu um mapa de dados mostrando as quotas possuídas pelo Réu em cada uma das 10 empresas e os seus valores, bem como o valor total destes, para que os respectivos colegas conhecessem o plano de subscrição de quotas e decidissem a participação ou não. (registo de disco n.º Translator 2 (0Q)CY)$107911270) de 01:47:50 a 01:48:27)
     Dos depoimentos das testemunhas acima referidas e dos quesitos 1.º, 10.º e 11.º, 2.º, 3.º, 4.º e 5.º, 14.º e 15.º, 18.º, 25.º e 26.º que se provaram na audiência resulta que o Réu ofereceu a proposta de oferta, explicou-a, e que todos os subscritores adquiriram de forma voluntária as quotas do Réu nas 10 empresas do ano 2002 e concordaram com a constituição mais tarde duma sociedade “holding” para receber as quotas daquelas empresas, sendo o Autor, o Réu e os outros subscritores sócios da sociedade “holding”.
     Segundo os factos assentes C) e D), e os quesitos 1.º, 10.º e 11.º, 2.º, 3.º, 4.º e 5.º, 6.º, 14.º e 15.º, 24.º tidos como provados, o Autor concordou em investir HKD$844.460,00 nas 10 empresas do Réu em Hong Kong e Macau para adquirir uma quota substancial de 3%, também concordou com a recepção da quota através duma sociedade “holding” a constituir.
     De acordo com o quesito 18.º que se provou na audiência, foi acordado entre o Autor e o Réu que o primeiro podia pagar as despesas da compra da quota em 60 prestações.
     Além disso, do requisito 24.º dado como provado resulta que até agora o Autor ainda não pagou ao Réu o remanescente no valor de HKD$7.049,95.
    
    2.2. Vamos dar por assente que as coisas assim se passaram, mas perguntamo-nos nós, qual o facto que foi desconsiderado na sentença recorrida?
     Qual é o facto ou factos que ficaram por provar ou que deviam ter sido provados diferentemente?
     É verdade que o recorrente nos diz que de acordo com o princípio da liberdade contratual e o princípio do pontual cumprimento contratual, o Réu goza do benefício do prazo e não está obrigado a constituir a sociedade “holding” antes do pagamento integral das prestações (cumprimento integral) pelo Autor.
     Por isso, o acórdão padece do seguinte vício: não conheceu do teor da proposta de oferta, nem provou que o Autor, o Réu e os subscritores de acções concordaram com a constituição da sociedade “holding” após o pagamento de todas as prestações.
    Podemos então descortinar, com alguma dificuldade, diga-se, - o que estava em causa era a cessão de quotas das diversas sociedades, era a promessa de aquisição dessas quotas, a promessa ou cessão de uma quota a formar? -, que o facto relevante a apurar e que terá sido desconsiderado era o de que a tal Sociedade holding só seria constituída a partir do pagamento integral de todas as prestações.
    2.3. Esse facto pode considerar-se incluído na formulação do quesito 18º, onde se perguntava:
    “O Autor e o Réu acordaram ainda nas seguintes condições:
    (a) Calcular a quota subscrita, oferecer as acções bonificadas, conceder o desconto conforme o valor discriminado no mapa de cálculo, constante de flas 145?
    (b) A quota subscrita poderia ser paga em prestações de 60 meses?
    (c) Uma vez que o valor da quota é flutuante, o lucro e os prejuízos da quota subscrita seriam contados a partir da data de subscrição da quota ou seja, desde 1 de Janeiro de 2003?
    (d) Antes da liquidação das prestações e do estabelecimento da “Y Holding Company”, caberia ao réu ser titular provisório de todas as quotas subscritas e ter o pleno poder de administrar as actividades de investimento, com vista a facilitar ao réu transferências e investimentos no fundo de maneio das sociedades em seu nome?
    (e) Quando fossem liquidadas todas as prestações, seria estabelecida o mais rápido possível a “Y Holding Company”, para evitar o estabelecimento prematuro de uma “holding company” com despesas de administração e os impostos de mais 5 anos?”
    Tal quesito mereceu a seguinte resposta:
    “Provado apenas que o A. e o R. acordaram ainda que a quota subscrita poderia ser paga em prestações de 60 meses.”
    
    2.4. Perante isto, têm os elementos probatórios avançados pela recorrente a virtualidade de infirmar esta resposta?
    Manifestamente que não. De nenhum desses elementos resulta que a dita sociedade só seria constituída quando estivessem realizadas integralmente todas as prestações.
    Importa não esquecer que o Colectivo que procedeu ao julgamento de facto baseou a sua convicção na prova documental junta aos autos, complementada pelo depoimento das testemunhas inquiridas na audiência, dando-se boa nota da sua convicção e de como as coisas se terão passado, tudo como resulta da explicitação de fls 316 e v.
    As provas e o detalhes das mesmas evidenciados pelo recorrente não são de molde a abalar aquela convicção vertida na formulação descritiva de todo o processo negocial havido entre A. e R e a parte não pode impor a sua discordância ou a sua visão das coisas, face ao que dispõe o artigo 558º do Código de Processo Civil que consagra o princípio da livre apreciação das provas pelo tribunal.
     Não foi combinada a condição do prévio pagamento integral das prestações para a constituição da sociedade "holding" das restantes sociedades comerciais de que o R. ora recorrente era um dos sócios. O que ficou provado foi que "o R. disse ao A. que a sua ideia era que cada um dos seus funcionários adquirisse quotas numa sociedade a constituir, e, depois de formalizada a constituição, formaria uma sociedade “Holding”.
    A constituição da sociedade "holding" e a formalização da aquisição da quota nessa sociedade pelo recorrido nunca ficou dependente do pagamento total do preço como parece fazer crer o recorrente.
    2.5. É bem elucidativa a passagem do Colectivo de juízes ao dizerem, ainda a propósito da sua convicção:
    “Bem analisada toda a prova, o Colectivo ficou convencido do seguinte: foi o R. quem propôs ao A. e também aos outros seus colegas de trabalho a compra de quotas numa sociedade a constituir, alegando aquele que, depois de ser formalizada a constituição, formaria uma sociedade “holding”.
    Não obstante o que foi dito pelas testemunhas (do A.) que ele foi enganado pelo R. por este lhe ter vendido a quota duma sociedade não existente, mas não cremos ser essa a verdade.
    Era pouco provável que o A. bem como seus colegas, pessoas com tanta experiência profissional, tivessem sido enganados para comprar uma sociedade denominada por “R (Macau) Limited”, pois de acordo com a prova produzida, o objecto da compra seria apenas quotas duma futura sociedade (“holding”) e que só se constituiria em momento posterior.
    Todavia, não é menos verdade que, nunca o R. chegou a formalizar a constituição da alegada sociedade “holding” e registando a quota subscrita pelo A., apesar de instado pelo mesmo para se proceder à respectiva formalização”
    2.6. O que se provou foi, assim, que o A., ora recorrido, comprou (?), prometeu comprar(?), por que forma (?) uma quota das sociedades comerciais de que o R. era sócio, correspondente a 3% do valor do capital da alegada empresa holding a constituir "I Limited" tendo pago ao recorrente o montante total de HK$837.410,00.
    A constituição da sociedade "holding" deveria ter sido formalizada tal como a transmissão da quota para o nome do recorrido, situação que não ocorreu até hoje.
    Nem faz sentido, não se deixa de anotar, que o A., depois de pagar aquele montante, deixasse de cumprir a sua parte, por cerca de HKD 7.000,00, fazendo arruinar todo o negócio. O que faz sentido é que essa pequena parte não foi paga quando o A. viu que não ia ser constituída sociedade alguma.
    Interpretação esta que se colhe da seguinte factualidade:
    “ - Provado que em data indeterminada de 2002, o A. e o R. acordaram, no futuro, constituir em Macau, uma sociedade para servir de "holding company" das sociedades de que o segundo era sócio.
    - Provado que o R. disse ao A. que a sua ideia era que cada um dos seus funcionários adquirisse quotas numa sociedade a constituir, e, depois de formalizada a constituição, formaria uma sociedade "holding".
    - Provado que até em Dezembro de 2010, a sociedade "R (Macau) Limited" nunca foi constituída.
    - Provado que o A. solicitou ao R. a devolução das quantias aludidas em C) e D) na sequência da crise financeira que afectou as sociedades do segundo.”
    O que se observa é que o R. não só não chegou a formalizar a constituição da alegada sociedade "holding" registando a quota subscrita pelo A., como não formalizou a cessão de quotas a favor do recorrido.
    A partir do momento em que o A. verificou que o recorrente não tinha cumprido com a sua obrigação de constituição da sociedade “holding” e com a transferência de uma quota para o seu nome e na sequência da crise financeira que afectou as sociedades do recorrente o A., ora recorrido interpelou o recorrente para que este lhe devolvesse as quantias por si entregues. Todavia, o recorrente continuou a adiar o cumprimento da sua obrigação.
    O tempo foi decorrendo e em Dezembro de 2010 passados já mais de 7 anos após a realização do dito negócio, não tendo sido formalizada a cessão de quotas e sem ter sido constituída a sociedade "holding", perante a passividade do R., o A. passou a pedir ao recorrente a devolução do dinheiro que lhe tinha entregue.
    No caso em análise, ficou provado que o recorrido pediu ao recorrente a devolução das quantias por si entregues na sequência da crise financeira que afectou a sociedades do segundo.
    Nada mais de relevo para a configuração da relação negocial em causa.
    
    
    3. Da alegada natureza do contrato como investimento comercial
    
    3.1. Alega o recorrente que, tendo chegado ao acordo de aquisição, o Réu e os gerentes superiores (incluindo o Autor, ora recorrido) que adquiriram as quotas consentiram em fixar “Effective 1st January 2003” (encontra-se no canto superior esquerdo da proposta de oferta) como a data do início da vigência da transacção das quotas e de seus lucros e perdas. Mais tarde, todas as quotas possuídas pelo Réu nas 10 empresas foram administradas seguindo o conceito de “grupo”, a fim duma transferência flexível de recursos humanos, equipamentos, capital e investimentos entre as 10 empresas. (vd. o documento 16 da contestação e o documento 2 apresentado pelo Réu em 18 de Junho de 2012).
     … G, testemunha do Réu, diz que o plano foi que eles adquiririam as quotas do Réu nas 10 empresas e pagariam em prestações, durante o período das prestações as quotas seriam tempestivamente detidas pelo Réu; entretanto, segundo a testemunha, era notado no documento que a data do início da vigência foi 1 de Janeiro de 2003, data desde que os subscritores começaram a quinhoar, proporcionalmente à medida da quota adquirida, nos ganhos ou nas perdas das quotas nas 10 empresas até integral pagamento, depois criar-se-ia duas sociedades “holding” em Macau e Hong Kong, respectivamente I Ltd. que se responsabilizaria pelas empresas em Macau e R Investmente Ltd. que se responsabilizaria pelas empresas em Hong Kong. Tais duas sociedades seriam constituídas mais tarde e só se tratariam de sociedades “holding” que não teriam qualquer funcionamento material. (registo de disco n.º Translator 2 (0Q)CY)$107911270) de 01:54:48 a 01:55:59)
     … D, testemunha do Réu, alegando que depois da vigência da transacção das quotas em 1 de Janeiro de 2003, o Sr. A queria que os subscritores aumentassem, através do trabalho, as suas capacidades de gestão num período de 5 anos, porque há outros sócios que cooperaram principalmente com o Sr. A, se a cooperação tornasse-se de repente entre eles e os accionistas minoritários, provocar-se-ia possivelmente agitações. Pelo que o Sr. A só iria aposentar-se 5 anos mais tarde, quando as capacidades de gestão dos subscritores seriam reconhecidas pelos outros accionistas e estes estariam dispostas a continuar a cooperação. (registo de disco n.º Translator 2 (0Q)QKH8G07911270) de 53:23 a 55:25)
    
     Por isso, mesmo que os subscritores, por uma razão de confiança, concordassem que o Réu deteve as quotas por eles, os lucros ou perdas resultantes das alterações do valor das acções seriam por conta daqueles que realmente possuíam as quotas (o Autor).
     Além disso, em 1 de Março de 2006, o Autor, junto com outros dois subscritores de quotas, o senhor C (retornou as quotas) e o senhor D, detiverem tempestivamente, na qualidade de “trustees” da sociedade “E LIMITADA (E有限公司)”, uma quota de 75% das acções da companhia F, LIMITADA (F有限公司), sendo eles sócios da segunda companhia; isso mostra uma relação muito estreita e de confiança entre o Réu e os quadros superiores que adquiriram as quotas (vd. o anexo 2 apresentado pelo Réu em 18 de Junho de 2012).
    … AA, testemunha do Réu, indicando que um dos subscritores C se demitiu e retornou a quota por causa de doença em 2008, a testemunha responsabilizou-se pelo pagamento em prestações do reporte da quota. Em 2007, o reporte da quota entre o Sr. A e o Sr. C chegou a um valor de mais de 850 mil, incluindo os lucros provenientes de investimentos. (vd. os documentos 20, 21-1 a 21-19 da contestação, os documentos 3 a 5 apresentados pelo Réu em 18 de Junho de 2012 e registo de disco n.º Translator 2 (0Q)QKH8G07911270) de 01:25:42 a 01:26:49)
    Isso revela que C, um dos gerentes superiores que adquiriu a quota de 3% em 1 de Janeiro de 2003, vendeu-a de volta em 5 de Agosto de 2008; na altura C ainda não efectuou o pagamento integral, nem estava a quota materialmente registada sob o seu nome, entretanto, o Réu calculou o valor da quota segundo o acordo, fixando a data de compra e de vigência em “Effective 1st January 2003”; segundo o cálculo, C ganhou HKD$142.138,52 (vd. os documentos 20, 21-1 a 21-19 da contestação e os documento 3 a 5 apresentados pelo Réu em 18 de Junho de 2012)
    Segundo os quesitos 25º e 26º provados na audiência, em Julho de 2008, o Réu readquiriu a quota de 3% a C a um preço que, segundo os dados dos autos, equivaleu ao valor do marcado das acções da respectiva companhia naquele tempo(vd. os documentos 20, 21-1 a 21-19 da contestação e os documento 3 a 5 apresentados pelo Réu em 18 de Junho de 2012)
    … AB, testemunha do Autor, perguntado na audiência, respondeu que o Réu tinha dito que o Autor ainda não tinha efectuado o pagamento integral; mas que a respectiva quota tinha entrado em vigência desde 1 de Janeiro de 2003, altura em que os subscritores começaram a quinhoar nos lucros e perdas (registo de disco n.º Translator 2 (0Q)CY)$107911270) de 01:25:33 a 01:25:45)
     … A testemunha do Réu, G prestou o depoimento, alegando que naquele dia eles concordaram na reunião com que as quotas seriam tempestivamente detidas pelo Sr. A porque eles tinham confiança na sua capacidade de gestão e no seu modo de funcionamento do capital; esta confiança baseou-se no facto que a companhia “E”, criada em 1975 com 3 a 4 pessoas, tornou-se a companhia com mais de 400 trabalhadores, e que a companhia “H” iniciou-se com 1 contentor e trata agora mais de 20.000 contentores por mês; tudo isso vêm dos esforços do Sr. A durante os 10 anos. (registo de disco n.º Translator 2 (0Q)CY)$107911270) de 02:00:40 a 02:02:13)
     … A mesma testemunha continuou a depor, alegando que independentemente do crescimento ou diminuição do número das companhias do Sr. A dada as alterações do mercado, aquelas seriam transferidas para a sociedade “holding”. (registo de disco n.º Translator 2 (0Q)CY)$107911270) de 02:02:34 a 02:02:48)
    
     3.2. O que pretende o recorrente com a invocação destes depoimentos?
    Pretende demonstrar que houve um acordo de investimento entre o A. e o R., assumindo deste logo os lucros e as perdas desde 2003, que ambas partes consentiram unanimemente que, após a venda das quotas, os lucros ou perdas provenientes das alterações do direito de propriedade das quotas ou do seu valor seriam por conta dos subscritores desde 1 de Janeiro de 2003.
    Na sequência disso pretende mostrar que todas as 10 companhias do Réu ganharam entre os anos 2003 e 2008.
    Por isso, as quantias parcialmente pagas pelo Autor visaram a compra das quotas do valor equivalente nas 10 companhias do Réu e o Autor tinha que assumir a correspondente risco.
    A sentença recorrida não considerou tal facto, e condenou o Réu a repor ao Autor a quantia de HKD$837.410,05 sem ter aplicado o desconto segundo o princípio da equidade, sendo os factos provados insuficientes para suportar tal sentença.
    
     3.3. Mas não tem razão o recorrente pela razão simples de que invoca agora uma série de factos que não foram quesitados, por um lado, por outro, não se mostram provados.
     Lendo e relendo a base instrutória e os factos assentes, verifica-se que a configuração do negócio, tal como delineado pelas partes nos seus articulados, não corresponde exactamente àquilo que algumas das testemunhas referem.
     O certo é que o recorrente não concretiza quais os factos concretos, em função dos respectivos quesitos que deveriam ter sido julgados diferentemente, pelo que cai por terra toda a sua argumentação no sentido de que houve um contrato de investimento na configuração por ele avançada.
    3.4. Aliás, se assim era, se o A. desde logo assumia as perdas e os lucros das sociedades participadas e geridas pelo R., se era em função dessa participação que se ia definir a participação previamente estipulada de 3% na “holding” a constituir cai completamente por terra a tese do recorrente de que aquela participação estava dependente do pagamento integral das prestações acordadas, pois, como refere, se a gestão por si assumida até teve grande sucesso, é natural que os ganhos fossem imputados na contraprestação do A. relativamente à quota que devia encabeçar na sociedade a constituir.
    Essa era a tese do R., plasmada na base instrutória - cfr. quesitos 18º, 23º e 24º, nomeadamente -, mas que não ficou provada dessa maneira.
    É assim que o recorrente continua a introduzir factos que não foram equacionados, quesitados, nem deles sobreveio reclamação, justificando o facto de o recorrido nunca ter recebido qualquer importância a título de lucros ou dividendos, por o A. e os outros investidores terem concordado em os não receberem, alegação que, mesmo nesses termos, não vem cabalmente explicada.
    
     4. O Réu só estaria obrigado a constituir a sociedade após o pagamento integral efectuado pelos gerentes superiores que adquirirem as quotas tais como o Autor
    
     Sustenta o recorrente que de acordo com o teor da petição inicial do Autor, da contestação do Réu, os factos assentes C) e D) no acórdão recorrido bem como os quesitos 1.º, 10.º e 11.º, 2.º, 3.º, 4.º e 5.º, 6.º, 18.º dados como provados, o processo da transacção das quotas neste caso passava pelo pagamento integral, a divisão das quotas, e a constituição de sociedade “holding” a fim de possuir e controlar as quotas das companhias (quer dizer, passava-se a integrar o Autor e os outros subscritores na nova sociedade como sócios desta).
    
     Para além de que, tendo em conta as regras da experiência e o senso comum, se não é que naquela altura os subscritores e o Autor daquele acordo nunca concordariam com o processo de transacção acima referido, que no fim de 2008 ou antes da ocorrência da crise financeira os mesmos ainda dele pudessem beneficiar, anuindo com o pagamento das quantias sem a data fixada da criação da sociedade “holding”.
    
     Sinceramente que não se percebe bem o que pretende o recorrente, já que esta alegação vem ao arrepio daquilo que alega. Só faz sentido o que diz se as partes se tivessem comprometido à participação de uma sociedade a constituir, sendo importante nessa altura saber quando, e só quando o preço das quotas de cada um dos sócios estivesse realizado se constituiria a tal sociedade “holding”. Só que esta alegação vem ao arrepio daquilo que, noutro passo, sustenta, como resulta do ponto antecedente, em que defende um acordo de investimento com assunção desde 2003 nas perdas e lucros de uma gestão que seria desenvolvida pelo R.
    
     5. Incumprimento contratual por parte do Autor
    
     5.1. Insistindo no anteriormente afirmado, o recorrente enfatiza o facto de ter sido o A., recorrido, que incumpriu em primeiro lugar. Os factos provados na sentença recorrida indicaram a falta do cumprimento integral da obrigação do pagamento por parte do Autor, mas a sentença julgou que o Réu incumpriu o contrato.
     Daí não se poder conformar com a seguinte conclusão expressa na sentença:
    - “Dada a ocorrência da crise financeira, o Autor começou a exigir activamente ao Réu a honra do seu compromisso, isto é, a constituição, com a maior brevidade possível, da sociedade “holding”, mas o Autor continuou a protelar o estabelecimento da mesma”; e
    - “O Autor exigiu ao Réu a constituição da nova sociedade há muito tempo, mas este não o fez, até vendeu parte das suas quotas nas sociedades na sequência de crise financeira, conduta essa que causou que o Autor e os outros trabalhadores que já lhe tinham pago dinheiro perderam a confiança nele, e exigiram-lhe o devolução do dinheiro pago.”
    
     Mas essa conclusão é realmente uma conclusão a lógica e coerente para a compreensão da factualidade que vem apurada.
    Já se disse acima e repete-se: a alegação, nesta sede, de que o R. incumpriu porque o A. deixou de pagar o remanescente de HKD 7.049,95 não é compatível com a posição que o recorrente manifesta nos autos, desde logo, com o que foi por si sustentado nos artigos 42º, 43º e 44º da contestação, ou seja, vistos os lucros dos exercícios, suspendia-se o cumprimento do pagamento remanescente.
    
    5.2. A alegação de que inexiste qualquer facto que prove que o Autor exigiu ao Réu a honra do seu compromisso, ou seja, a constituição da sociedade “holding” ou que o Réu protelou a criação desta é uma ilação factual implícita que o Mmo Juiz retira dos factos dados como assentes; ou seja, embora se admita que no bom rigor do circunstancialismo provado esse facto, como tal, não resulte exactamente com essa formulação, não se deixa de considerar que a promessa de constituição da sociedade “holding” e o pedido de devolução das quantias avançadas fosse motivada exactamente porque o negócio forjado não fora por diante.
    Deve-se entender essa alusão factual à explicação encontrada na douta sentença para concluir pelo incumprimento do R., o que não significa que a sufraguemos.
    É assim que também será de entender a referência às vendas das quotas – manifestamente matéria não provada -, o que resultaria de uma posição de fragilidade com a crise financeira a que se alude e levou à negociação das posições sociais do R. nas suas empresas, ainda que se não tivessem materializado, na decorrência do que o próprio R. alega na sua contestação.
    São, no entanto, duas questões que não deixarão de ter alguma relevância, tanto mais que, ainda que se tenham como conclusões de facto, elas não deixaram de servir para o Mmo Juiz configurar a existência de um contrato que não foi configurado pelo A. nem por ninguém nos autos.
    5.3. Ou seja, o A. fundou a sua causa de pedir num negócio de aquisição de quotas de uma sociedade que não existia e que terá sido ardilosamente inventada pelo R, por isso, tendo pago o preço das quotas cedidas e invoca enriquecimento sem causa para fundar a restituição do que foi por si pago.
    O Mmo Juiz configura os factos provados como um negócio de promessa (?), sem forma escrita, de aquisição de quotas de uma sociedade “holding” a constituir e, porque não constituída, pronuncia-se pela rescisão e restituição do que foi pago pelo A.
    Nessa medida esta questão relativa a uma factualidade não comprovada exactamente nos termos em que serviu à configuração jurídica do contrato não deixará de ter alguma relevância, análise, contudo que se transfere para a análise a que adiante se procederá sobre uma condenação diferente do objecto do pedido.
    
    6. Fundamentos de direito. Âmbito de julgamento
    6.1. Alega o recorrente que o Autor tinha reclamado do Réu a respectiva quantia com o fundamento no enriquecimento sem causa. No entanto, na sentença proferida, o Tribunal Colectivo decidiu que “nos termos do artigo 790º, n.º 2 do CCM, este Tribunal julga procedentes os fundamentos do Autor, declara resolver o contrato celebrado entre o Autor e o Réu em 2002 e exige a este a devolução àquele do dinheiro cobrado no valor de HKD$837.410,05.” (fls. 9 a 10 do acórdão).
     Nos termos do artigo 564, n.º 1 do mesmo Código, a sentença não poderia condenar em objecto diverso do pedido, pelo que seria nula face ao disposto no art. 571º, n.º 1, al. e) do CPC.
     O Autor só pediu na sua petição inicial que o Réu fosse condenado a repor-lhe a quantia de HKD$837.410,05 acrescida de juros, mas nunca requereu a rescisão do contrato. Nos termos do artigo 790º, n.º 2 do Código Civil, o credor, independentemente do direito à indemnização, pode resolver o contrato. Pelo que a resolução do contrato não é a consequência necessária, mas só pode ser feita a pedido do credor.
     Mais sustenta que naquela altura, o Autor concordou com o respectivo investimento, ou seja, adquirir a quota nas 10 companhias do Réu, com base na experiência dele de mais de 28 anos na actividade de transportes marítimos e na prosperidade desta actividade.
    
    6.2. Tudo isto, no fundo, para se focar numa diferente natureza do contrato, que seria um contrato de investimento, de natureza comercial, em que o A. terá desde logo assumido uma participação social nas dez empresas do R., invocando até em suporte da sua tese o disposto no artigo 197º, n.º 1 do Código Comercial, os sócios quinhoam nos lucros e perdas da sociedade segundo a proporção dos valores nominais das respectivas participações no capital. Nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, É nula a cláusula que prive um sócio de quinhoar nos lucros ou que o isente de quinhoar nas perdas da sociedade. Assim sendo, os lucros de valorização e os riscos de perda da quota acima referida seriam transferidos para os gerentes de nível superior que a adquiriram.
    O Autor terá adquirido a respectiva quota visando, não meramente ser o sócio da nova sociedade, mas obter lucros antes da sua constituição, pelo que haveria necessariamente riscos de perda.
    As 10 companhias do Réu tinham lucros entre 2003 e 2008 (antes da crise financeira). A fim da expansão contínua das actividades das companhias, os subscritores da quota e o Réu consentiram unanimemente em colocar os lucros nos investimentos e no desenvolvimento sustentável das empresas. Tendo apenas uma quota de 3%, o Autor também recebeu certos lucros. Assim sendo, as quantias pagas pelo Autor já fizeram lucros. Caso contrário, porque é que o Autor só exigiu a devolução das quantias pagas após a ocorrência da crise financeira?
    
    6.3. Vamos responder a estas objecções que não deixam de ter alguma aparente consistência, seja na vertente da configuração jurídica do negócio celebrado, seja na vertente processual da condenação extra vel ultra petitum.
    Todas as dúvidas do R. podem ser muito pertinentes, mas assentam numa factualidade que não vem comprovada. Essa argumentação pressupõe que se configure a relação negocial em presença, como um contrato de investimento, com os contornos avançados pela descrição do R.
    A sua tese não tem a mínima sustentabilidade na matéria provada e damos aqui por reproduzida toda a análise acima efectuada em relação ao suporte probatório por si avançado na tentativa de demonstrar o erro e insuficiência do julgamento da matéria de facto.
    
    6.4. Por outro lado, atentemos na tese do A. que defende a bondade da sentença, mas esquecendo que aí se configura algo completamente diferente daquilo que invoca nos autos. Diz o A., na sua petição, em traços largos, que adquiriu - sem forma escrita? - ao R. uma quota de 3% de uma sociedade inexistente, que foi enganado por este porque essa sociedade não existia, por essa transacção despendeu HKD 837.410,05 e, por isso, invocando um enriquecimento sem causa por parte do vendedor, pede a restituição do que pagou.
    
    6.5. Ora, na acção e na sentença não foi isso que se provou. Como já se frisou o Colectivo de juízes foi muito claro ao dizer que não acreditava na versão do A., na possibilidade de uma pessoa tão experiente ser enganado daquela forma e comprar uma quota de uma sociedade que não existia.
    Então, face aos factos provados o Mmo Juiz elaborou a seguinte construção:
    “Relação contratual; o incumprimento do contrato
    Prova-se que o Réu sugeriu em 2002 a parte dos seus funcionários que estes adquirissem quotas numa das suas sociedades, para o qual estes funcionários, incluindo o Autor, deveram pagar-lhe um valor determinado. O Réu também disse que iria formar uma sociedade “holding”, da qual seriam sócios os funcionários incluindo o Autor.
    No entanto, depois de o Autor ter pago ao Réu a maioria das quantias, este tem protelado a constituição da respectiva sociedade “holding”. O Autor não se importava com isso até 2009, altura desde que ele activamente exigia ao Réu a constituição da sociedade “holding” dada a ocorrência da crise financeira, mas o Autor (sic.) continuou a protelar a constituição.
    Até Dezembro de 2010, o Réu ainda não formou a nova sociedade em que ele prometeu integrar o Autor, juntamente com os trabalhadores que já tinham adquirido quotas, como sócios.
    Segundo o artigo 752, n.º 1 do Código Civil de Macau, o devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado.
    Nos termos do artigo 787 do mesmo Código, o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor.
    Em relação à impossibilidade culposa do cumprimento, o artigo 790 prevê que:
    “1. Tornando-se impossível a prestação por causa imputável ao devedor, é este responsável como se faltasse culposamente ao cumprimento da obrigação.
    2. Tendo a obrigação por fonte um contrato bilateral, o credor, independentemente do direito à indemnização, pode resolver o contrato e, se já tiver realizado a sua prestação, exigir a restituição dela por inteiro.”
    Nos termos do artigo 797 do CCM,
    “1. Considera-se para os efeitos constantes do artigo 790.º como não cumprida a obrigação se, em consequência da mora:
    a) O credor perder o interesse que tinha na prestação; ou
    b) A prestação não for realizada dentro do prazo que, por interpelação, for razoavelmente fixado pelo credor.
    2. A perda do interesse na prestação é apreciada objectivamente.”
    Disso resulta que o interessante tem direito à resolução do contrato em caso de incumprimento da obrigação pelo devedor.
    No entanto, o incumprimento aqui referido deve ser definitivo, mas não a mera mora. Quando o cumprimento do contrato ainda ser possível, deve o credor primeiro exigir a realização da devida prestação ao devedor e, se este persistisse na não realização, constituir-se-ia o incumprimento definitivo.
    Cita-se, para apenas servir de referência, o acórdão de 13 de Julho de 2004 do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal:
    “De qualquer modo, a resolução do contrato fundada na lei pressupõe que uma das partes falte culposamente ao seu cumprimento e a outra o tenha cumprido ou diligenciado pelo seu cumprimento.
    Assim, pode incluir-se na falta de cumprimento ou inexecução obrigacional lato sensu, para além da impossibilidade de cumprimento, o incumprimento definitivo propriamente dito, o incumprimento definitivo oriundo da conversão da situação de mora e a recusa categórica de cumprir.”
    Além disso, o Tribunal de Segunda Instância de Macau também referiu num processo de recurso que, se considera como não cumprida a obrigação se o credor perder o interesse que tinha na prestação. Cita-se parte do teor no processo n.º 56/2005 de 17 de Novembro de 2005 do TSI:
    “Também a prestação que já não interessa ao credor em consequência do atraso vale para o Direito como prestação tornada impossível. Pode acontecer que, não realizando o devedor a prestação no momento devido, ela ainda continue materialmente possível mas perca interesse para o credor. A prestação, conquanto fisicamente realizável, deixou de ter oportunidade. Juridicamente não existe então simples atraso mas verdadeira inexecução definitiva e o facto é imputável ao devedor; este não incorre em simples mora mas em não cumprimento definitivo (art. 808, n.º 1). A perda do interesse na prestação é apreciada objectivamente (art. 808, n.º 2). Não basta que o credor diga, mesmo convictamente, que a prestação já não lhe interessa; há que ver, em face das circunstâncias, se a perda de interesse ou de utilidade corresponde à realidade das coisas.”
    Segundo os dados nesta causa, o Réu não cumpriu o compromisso de constituir uma nova sociedade “holding”.
    O Autor exigiu ao Réu a constituição da nova sociedade há muito tempo, mas este não o fez, até vendeu parte das suas quotas nas sociedades na sequência da crise financeira, conduta essa que causou que o Autor e os outros trabalhadores que já lhe tinham pago dinheiro perderam a confiança nele, e exigiram-lhe a devolução do dinheiro pago.
    Isso revela que, apesar de a recusa do Réu de formar sociedade “holding” só constituir mora, dado que ele vendeu mais tarde quotas de algumas sociedades e que a crise financeira aconteceu, o capital da sociedade já perdeu o valor original, pelo que é preenchido o disposto no artigo 797, n.º 1, al. a) e n.º 2 do CCM, quer dizer “o credor perder o interesse que tinha na prestação”. De acordo com o artigo 790 do mesmo Código, o Autor tem direito à resolução do contrato por causa do seu não cumprimento.
    Nos termos do artigo 790, n.º 2 do CCM, este Tribunal julga procedentes os fundamentos do Autor, declara resolver o contrato celebrado entre o Autor e o Réu em 2002 e exige ao segundo a devolução ao primeiro do dinheiro cobrado no valor de HKD$837.410,05 ($180.000 +$11.952,91x55 meses).”
    
    6.6. Sem o referir expressamente, pressupõe-se que se tenha configurado um contrato-promessa de cessão de quota sobre sociedade a constituir e, laborando, sobre uma conjecturada impossibilidade de cumprimento imputável ao devedor, a partir do tempo de demora na constituição da tal sociedade “holding”, deu-se por assente a falta de interesse do credor, no caso seria o A., promitente adquirente da referida quota, e, nessa conformidade, o contrato por resolvido, com consequente restituição do que fora entregue.
    Estamos manifestamente perante uma outra relação negocial jamais querida ou configurada pelas partes até àquele momento. Claro, é uma solução que serve os interesses do A., ora recorrido, pois que no fundo, por essa via logra obter o mesmo resultado.
    
    6.7. Afigura-se-nos que se antepõem alguns escolhos a tal construção, seja de natureza substantiva, seja de natureza processual.
    Dá-se por incumprido um contrato - por falta de constituição da referida sociedade “holding”- sem que se tenha apurado o prazo em que era devida tal constituição.
    Sem que se tenha atentado na forma escrita que se impunha para a validade de tal contrato.
    Dá-se por incumprido o contrato, presumindo-se uma falta de interesse, apenas com base no facto de o A. ter pedido a restituição do que fora por si entregue, do cumprimento da sua prestação ainda que não na totalidade, invocando-se o artigo 797º do CPC.
     Ressalta dessa construção e da matéria de facto fixada uma insuficiência no preenchimento dos respectivos pressupostos para objectivamente se poder ter como verificada a perda de interesse em termos objectivos, na medida em que para além do pedido da restituição do que fora pago ficamos sem saber porque é que esse pedido foi feito. Na verdade, não havia prazo para a constituição da sociedade e não houve uma interpelação admonitória para o cumprimento, bem se podendo considerar que tal pedido de restituição, correspondesse tão-somente a uma desistência do negócio, por variadíssimas razões, estando-se, então, perante uma perda subjectiva de interesse no negócio, irrelevante para se poder concluir como se concluiu.
    
    6.8. Por outro lado, ao nível adjectivo, o que ressalta é que se proferiu uma condenação com objecto diferente do pedido, configurando-se uma causa de pedir completamente diferente, nem sequer delineada pelo A.
    Sobre esta questão, diz este, sustentando o decidido que " de acordo com o disposto no art. 567° do C.P.C., o Juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, mas só pode servir-se dos factos articulados pelas partes, sem prejuízo do disposto no artigo 5°. Decorre da condenação do recorrente a devolver ao recorrido o montante que recebeu acrescido dos respectivos juros, em virtude de o contrato se ter tornado impossível de cumprimento, que o mesmo contrato se considere resolvido.
    O Juiz, no caso presente, apenas está a interpretar e a aplicar as regras de direito com base nos factos dados como provados e não a condenar em objecto diverso do pedido.
    Nem de outra forma faria sentido, isto é, como poderia a sentença condenar o recorrente a devolver o montante entregue pelo recorrido e manter a validade do contrato celebrado entre ambos, contrato este que se provou impossível de ser cumprido? “
    
     6.9. A questão está em que não foi isso que ele pediu. Diz que foi enganado e pede a restituição com base no enriquecimento sem causa. Tudo estaria bem se essa factualidade tivesse sido provada e o juiz enquadrasse juridicamente de forma diferente esses factos, radicando até a condenação com base numa anulação por erro negocial ou dolo (240º, 247º do CC), até porque o enriquecimento sem causa só subsidiariamente constitui fonte de obrigações – 468º do CC.
     Para além de que na sentença se rescinde um contrato - reconhece-se que essa decisão não foi levada ao dispositivo - mas não deixou de ser factor condicionante expresso da restituição ordenada, rescisão de um contrato alguma vez configurado pelas partes
    
    6.10. Dispõe o n.º 1 do artigo 564º do CPC que “a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir”.
    
     Sobre o tema ensina-nos Vaz Serra:
    ”É certo não ser permitido ao tribunal alterar ou substituir a causa de pedir, isto é, o facto jurídico que o Autor invocara como base da sua pretensão, de modo a decidir a questão submetida ao veredicto judicial, com fundamento numa causa que o autor não pôs á sua consideração e decisão.
    Mas pode bem acontecer que a causa de pedir invocada expressamente pelo autor não exclua uma outra que, por interpretação da petição, possa julgar-se compreendida naquela. Em casos deste género, a indicação feita, pelo autor, da causa de pedir tem de ser entendida de modo a corresponder ao sentido que ele quis atribuir a essa indicação, desde que tal sentido possa valer nos termos gerais da interpretação das declarações de vontade”.1
     Nesta mesma linha, de que é permitido proferir condenação com base em causa de pedir não expressamente invocada, desde que implicitamente admitida pelo autor, a Jurisprudência Comparada.2
     Em boa verdade não basta que haja coincidência entre o pedido e o julgado, além disso, que haja identidade entre a causa petendi e a causa judicandi.3
    Ora, o que acontece no presente caso é que o contrato configurado na sentença não está contido, nem sequer implicitamente na alegação do A., e se bem que parte do decidido se contenha naquele pedido que foi formulado, o certo é que este radica numa causa completamente diferente.
    
    6.11. Posto isto, pelas apontadas razões, carência de comprovação dos factos alegados e condenação fora do objecto do pedido, entende-se ser de anular a sentença, face ao disposto nos artigos 564º, n.º1, 571º, n.º 1, e), passando este Tribunal a decidir, em face dos factos que se mostram insuficientes para se poder julgar procedente a acção.
    6.12. Uma vez que a sentença é nula nos termos acima apontados, e sabido que os factos não permitem a condenação do réu com base no seu incumprimento ou, até mesmo, na falta de interesse do autor, importa averiguar se a procedência da acção se mostra possível, atentos os factos provados, com base no enriquecimento sem causa invocado na petição inicial.
    Seguimos aqui a linha de fundamentação vertida no processo n.º 466/2013, deste tribunal numa acção paralela a esta.
Como é sabido, o enriquecimento sem causa é uma fonte de obrigações e dá-se quando o património de certa pessoa se valoriza ou deixa de desvalorizar, à custa de outra pessoa, e sem que para isso exista uma causa justificativa. O instituto pressupõe assim: 1º- um enriquecimento; 2º - que esse enriquecimento não tenha causa justificativa; 3º - que esse enriquecimento seja obtido à custa alheia (há quem defenda que este outrem deve ser o empobrecido; mas, para outros, não tem que existir sempre uma necessária relação entre o enriquecido e o empobrecido; ou seja, se tem que haver um enriquecimento à custa de outrem, não significa isso que este outrem fique necessariamente empobrecido).
Dito por palavras que não são nossas, mas que aqui transcrevemos com o devido respeito, o enriquecimento sem causa pressupõe a verificação cumulativa dos seguintes requisitos: «- “primo”, que haja um enriquecimento que consiste na obtenção de uma vantagem de carácter patrimonial (aumento do activo patrimonial, diminuição do passivo, uso ou consumo de um coisa alheia ou no exercício de direito alheio, poupança de despesas); - “secundo”, que o enriquecimento, contra o qual se reage, careça de causa justificativa, ou porque nunca a tenha tido, ou porque, tendo-a inicialmente, entretanto a haja perdido; e, - “tertio”, que o enriquecimento tenha sido obtido imediatamente à custa de quem requer a restituição»4.
Ora, o raciocínio que o autor expôs, tanto quanto se colhe da petição inicial, é este: Se o réu não formalizou atempadamente a cessão de quotas, o dinheiro que de si recebeu deve ser devolvido por não haver razão legal para o reter.
Só que, para tanto concluir, partiu de um pressuposto fáctico: o de que tinham (ele, autor, e os colegas) sido enganados, na medida em que o Réu os tinha convencido de que viriam a ser sócios de uma sociedade que nunca existiu e que foi ardilosamente inventada apenas com a intenção de lhes extorquir dinheiro.
Todavia, a aquisição factual obtida em sede de julgamento encaminhou-nos noutro sentido. O que se provou foi que os pagamentos parcelares feitos pelo autor se destinavam, não a pagar o valor de uma cessão de quota daquela sociedade (que, efectivamente, não existia), mas pagar uma quota do capital de uma das várias sociedades comerciais de que o R. alegava ser sócio maioritário, montante que iria corresponder a 3% do valor do capital de uma futura empresa a criar, uma “holding” que controlaria todas aquelas de que o Réu era sócio juntamente com os pretensos adquirentes sociais (incluindo o autor).
Ora, ao autor cabe demonstrar os requisitos da figura do enriquecimento sem causa.
Com efeito, é sabido que para que o tribunal conheça desse instituto, é necessário que o autor alegue e prove os factos que constituem os respectivos requisitos, nos termos do art. 335º do CC, não podendo o tribunal substituir-se ao impetrante nesse plano, em razão do princípio do dispositivo e da substanciação5. Princípio da substanciação, segundo o qual não basta a indicação genérica do direito que se pretende fazer valer, sendo antes necessária a indicação especificada dos factos constitutivos desse mesmo direito6. Ora, isso não o fez de forma cabal e evidente o ora recorrido. Na verdade, os factos não ilustram uma apropriação indevida da importância que o autor entregou ao réu, ora recorrente. Apesar de tudo quanto acima foi dito, teria havido um contrato e foi com base no seu alegado cumprimento (não se discute se ele mesmo o cumpriu, tese do recorrente, ou se o incumprimento se deve ao recorrente) que o autor fez entrega de prestações em dinheiro ao réu da acção. Ou seja, não se pode dizer ter sido indevido e injustificado o recebimento daquela importância em dinheiro e, consequentemente, não é claro que o réu se tenha indiscutivelmente locupletado à custa do recorrido ao tê-la recebido.
Por outro lado, como já se assinalou, o enriquecimento sem causa é um instituto que apresenta um carácter subsidiário (artigo 468º, do CC), isto é, só é possível no caso de inexistir um meio alternativo para ressarcimento dos prejuízos, tal como, por exemplo, a declaração de nulidade, de anulação, de cumprimento.
O autor avançou directamente para a acção com este fundamento, sem referir qualquer impossibilidade de obter o ressarcimento pedido com base noutro fundamento, nesta ou noutra acção. Todavia, não está provado que o autor da acção não consiga pela força de outra acção que possa vir a intentar contra o mesmo réu obter a condenação deste por incumprimento contratual (recorde-se que esta tese só não colhe o nosso aplauso nos presentes autos, por o fundamento da acção não ter sido esse e por os factos trazidos pelo impetrante não ilustrarem nem um incumprimento definitivo do réu, nem sequer uma perda de interesse da sua parte em manter o negócio).
Sendo assim, isto equivale a dizer que a acção não pode proceder com este fundamento jurídico e com esta causa de pedir.

    7. Alteração de circunstâncias
    7.1 Vem ainda o recorrente com um fundamento subsidiário que é o do incumprimento do Réu não lhe poder ser imputável, pois havia uma causa de impossibilidade objectiva do cumprimento, para além de que a exigência de continuação do cumprimento viola os princípios da boa fé.
     Para tanto invoca o artigo 431º do Código Civil.
     A falha de investimento do Réu e do Autor foi causada pela crise financeira global no fim de 2008, tratando-se de um factor objectivo. Qualquer investimento tem risco. Sendo o sócio maioritário, o Réu quinhoou na maior perda económica, pelo que também o Autor deve assumir a devida responsabilidade pela falha de investimento.
    7.2. Trata-se de matéria prejudicada pelo conhecimento e decisão quanto às restantes, não sem que se diga, na esteira do já afirmado, que ainda aqui não se comprovou o que o Réu pretende.
    
     8. Litigância de má-fé.
    8.1. Alega o recorrente que dos factos dados como provados no acórdão recorrido e dos quesitos 1.º, 10.º e 11.º, 2.º, 3.º, 4.º e 5.º, 9.º e 29.º, 14.º e 15.º, 18.º, 24.º, 25.º e 26.º, que se provaram na audiência, resulta que, na sua petição inicial, o Autor omitiu dolosamente o facto de que as quotas subscritas por ele nas 10 companhias tinham sido possuídas pelo Réu e alegou que o Réu lhe vendeu uma quota de 3% duma companhia inexistente que se chamou “I Limited”; pelo que o Autor exigiu, fundamentando-se no enriquecimento sem causa do Réu, que este repusesse as quantias pagas para adquirir a quota.
    Do quesito 18.º que se provou no acórdão recorrido resulta que o Autor dolosamente omitiu a verdade de que segundo o acordo, os subscritores (incluindo o Autor) deviam completar todas as prestações antes de o Réu estar obrigado a constituir a sociedade “holding” para receber as quotas por ele possuídas nas suas companhias para que as quotas fossem atribuídas ao Autor.
    Pelo que dos factos dados como provados resulta que o Autor, a fim de esconder a sua falha de investimento, deduziu dolosamente pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar, alterou e omitiu factos relevantes para a decisão da causa, induzindo terceiros em erro de que o Réu dolosamente burlou o Autor.
    
    8.2. Pretende desta forma o recorrente a condenação do A. por se ter comprovado uma realidade contrariamente à por si alegada e que ele não podia desconhecer.
    Não tem razão, na exacta medida em que, embora não se tendo provado a tese da A., nomeadamente o engano, também não se provou o contrário.
    Estaremos ainda, porventura, no domínio de uma menos acertada configuração dos factos e não menos infeliz enquadramento jurídico.
    Pelo que não há lugar à condenação por má-fé.
    
    IV - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, nos termos e fundamentos expostos, declaram nula a sentença proferida e, em consequência, face aos elementos disponíveis e falta de comprovação dos fundamentos da acção, julgam improcedente a acção, absolvendo o Réu do pedido.
    Custas pelo A., ora recorrido, em ambas as instâncias.
Macau, 3 de Julho de 2014,

_________________________
João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
(Relator)

_________________________
Ho Wai Neng
(Primeiro Juiz-Adjunto)

_________________________
José Cândido de Pinho
(Segundo Juiz-Adjunto)

1 - RLJ, 105º, 233
2 - Ac. STJ, de 17/6/92, BMJ418º, 710; de 472/93, BMJ424º, 669; de 18/4/96, BMJ 456º, 426; RC, de 3/2/81, CJ, 1981, 1º, 32
3 - Alberto dos Reis, CPC Anot., 3º, 353
4 - Ac. TSI, de 25/04/2002, Proc. nº 36/2002.
5 - Ac. do TSI, de 11/10/2011, Proc. nº 761/2009
6 - A. Reis, CPC Anotado, vol. II, p. 356, Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, p. 297 e Castro Mendes, Manual de Processo Civil, p. 299; Tb. Ac. do STJ de 2/07/2009, Proc. nº 123/07.5TJVNF.S1
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503/2013 55/55