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Processo nº 446/2013
(Recurso Contencioso)

Relator: João Gil de Oliveira
Data: 24/Julho/2014



Assuntos:
- Autorização de residência
- Antecedentes criminais
- Poderes discricionários
- Princípios da razoabilidade, proporcionalidade justiça


SUMÁRIO :
    1. A previsão normativa do artigo 9º, n.º 1, 1, da Lei 4/2003 contempla que na ponderação se atente nos antecedentes criminais e ao cumprimento das leis da RAEM, deixando uma margem de discricionariedade na ponderação desses elementos que não cabe ao Tribunal sindicar na medida em que extravase aquela margem de liberdade que a lei confere à Administração em ponderar ou deixar de ponderar um determinado requisito.
2. Os tribunais superiores de Macau têm-se pronunciado em casos em que se poderia pôr em causa a decisão administrativa de não concessão de autorização de residência por contender com institutos que, à primeira vista, teriam um alcance mais profundo do que o da suspensão da execução da pena, tal como tem acontecido com os casos em que sobreveio mesmo a reabilitação e, mesmo assim, tem-se entendido que as razões ínsitas às decisões administrativas pautam-se por outros critérios e a Administração pode até relevar autónoma e negativamente uma conduta criminal nesses casos.
3. Não há desrazoabilidade se se descortina a prossecução do interesse público, a adequação do comportamento à prossecução desse interesse público e compreende-se ainda o sacrifício dos interesses privados em função da importância do interesse público que se procura salvaguardar.
4. Também não ocorre violação do princípio da proporcionalidade, consagrado no artigo 5º do CPA, entendido este como uma ideia de variação correlativa de duas grandezas conexionadas, se são ponderados os benefícios decorrentes da decisão administrativa para o interesse público prosseguido pelo órgão decisor e os respectivos custos, medidos pelo inerente sacrifício de interesses dos particulares, seja na sua vertente de exigibilidade e adequação na prossecução do interesse público, seja na relação custos-benefícios.
5. Se o interessado pede autorização de residência em Macau para si e toda a sua família, composta pelo marido e dois filhos estudantes, aqui procura estabelecer-se e aqui investiu, tal não é fundamento para a apreciação e concessão da autorização de residência e não pode afastar o obstáculo que a Administração invoca de aquela possuir antecedentes criminais, se esta considerar que esse factor é relevantemente impeditivo da concessão da autorização de residência.

O Relator,

























Processo n.º 446/2013
(Recurso Contencioso)

Data: 24 de Julho de 2014

Recorrentes:
- A
- B
- C
- D (menor, representado pelos seus pais A e B) (D - 未成年人, 由父母A及B代表)

Entidade Recorrida: Secretário para a Economia e Finanças

    
    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
    
    1. A, e o seu cônjuge
    B, bem como os seus dois filhos,
    C, de sexo masculino, solteiro, maior, titular do Bilhete de Identidade de Residente Não Permanente da RAEM n.º 1XXXXX5(2), emitido em XX de XX de 20XX, com validade até XX de XX de 20XX, e do Passaporte da RPC n.º G5XXXXX57; e
     D, todos eles mais bem identificados nos autos, vêm recorrer do despacho do Exmo Senhor Secretário para a Economia e Finanças que não lhes concedeu a renovação da autorização de residência temporária,
    alegando para tanto em síntese conclusiva:
    (1) Por despacho de 22 de Maio de 2013, o Secretário para a Economia e Finanças, atendendo a que a 1ª recorrente tem três registos criminais em Hong Kong, nos termos do art.º 9.º, n.º 2, al. 1) da Lei n.º 4/2003, aplicável ex vi o art.º 23.º do Decreto-Lei n.º 3/2005, decidiu indeferir o pedido de renovação da autorização de residência temporária formulado pelos referidos recorrentes.
    (2) Os recorrentes, pela primeira vez, em 14 de Dezembro de 2009, foram autorizados a fixar residência no território. E em cumprimento do art.º 19.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005 que se reporta à renovação da autorização de residência temporária, vieram requerer, em 11 Julho de 2012 e junto do Chefe do Executivo, a renovação da autorização de residência temporária, mantendo-se inalterados os pressupostos que fundamentaram o deferimento do seu pedido inicial.
    (3) A família dos recorrentes tem tido, desde há muito tempo, Macau como o seu local de residência permanente, a sua única casa, e aqui residem, vivem, trabalham ou estudam a longo prazo, sendo-lhes impossível abandonar os seus laços com Macau.
    (4) Em relação aos registos criminais entre 1995 e 2000 que a 1ª recorrente tem em Hong Kong, partindo do ordenamento jurídico de Macau, ao abrigo do disposto no art.º 55.º, n.º 1 do Código Penal, conjugado com o art.º 24.º, n.º 1, al. b) do Decreto-Lei n.º 27/96/M, a reabilitação de direito deveria ter lugar até ao início de 2007.
    (5) Acresce que, a pedido da 1ª recorrente, em Abril de 2012, o governo de Hong Kong já autorizou que lhe fosse emitido o BIRHK, o que demonstra que a autoridade pública de Hong Kong já deu por extintos os registos criminais anteriores da 1ª recorrente -- foi reabilitado o seu direito -- e autorizou a mesma a residir em Hong Kong para cuidar do seu filho que aí estava a estudar. Aliás, a Administração Pública de Macau, inesperadamente, invocou os antecedentes criminais que ocorreram em Hong Kong há mais de dez anos para indeferir o pedido de renovação da autorização de residência temporária da 1ª recorrente, acto esse que se mostra desrazoável.
    (6) Foi devido às necessidades de segurança e de saúde do 4º recorrente que a 1ª recorrente, em 1995 e em Hong Kong, “violou as condições de permanência” e “forneceu informações falsas no intuito de induzir em erro o director do Departamento de Imigração”.
    (7) Quanto à condenação da 1ª recorrente em 2000 pelo acusado “uso de documento de viagem ilegalmente obtido”, estava na sua origem a controvérsia na então sociedade de Hong Kong sobre o Immigration Ordinance. Foi o facto de que, nessa altura, o Interior da China e Hong Kong não tinham previsão sobre tal situação especial que conduziu a que a 1ª recorrente, sem outro remédio, tivesse violado a lei.
    (8) Nos vários anos vividos em Macau, a família dos recorrentes tem sido cumpridora da lei e nunca violou a lei da RAEM.
    (9) A família dos recorrentes já está enraizada em Macau, onde se encontram todos os meios de subsistência de que dispõe.
    (10) A família dos recorrentes está a adorar Macau e acredita profundamente que Macau é uma cidade democrática e livre, com um sistema jurídico perfeito, podendo fornecer à próxima geração um bom ambiente para estudar, por isso, os recorrentes esperam que possam continuar a ter Macau como a sua casa e continuar a viver aqui.
    (11) A maior parte dos parentes e amigos dos recorrentes já deixou o Interior da China e imigrou para Macau, daí que seja Macau a única casa dos recorrentes. Por isso, os recorrentes participam em diversas associações sociais e no trabalho voluntário de Macau, procurando que, ao mesmo tempo que aqui vivem, contribuam para o bem-estar social.
    (12) Face ao exposto, o despacho do Secretário ora posto em causa pelo presente recurso contencioso violou, manifestamente, o princípio da proporcionalidade e as leis (o art.º 9.º da Lei n.º 4/2003, o art.º 19 do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, o art.º 55.º, n.º 1 do Código Penal de Macau, conjugado com o art.º 24.º, n.º 1, al. b) do Decreto-Lei n.º 27/96/M), e enferma do vício de erro nos pressupostos de facto e do vício de erro manifesto ou total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários, devendo, assim, ser anulado.

   2. O Exmo Senhor Secretário para a Economia e Finanças contesta, dizendo:

1. Perante o facto de a recorrente ter sido condenada a pena de prisão, a Administração só permite decidir um dos dois extremos que é autorizar ou indeferir o seu pedido de renovação de residência, por isso não existe a questão de presença ou não de proporcionalidade, este princípio não é aplicável na apreciação da legalidade do despacho recorrido.

2. A recorrente alega que o despacho recorrido é ilegal, então devia apresentar provas, indicando concretamente o facto ilícito e explicar porque razão, o despacho recorrido constitui facto ilícito.

3.Mas na petição inicial, maior parte do teor descrevia sobre o carácter positivo da recorrente e por estar desamparada é que cometeu crimes em Hong Kong, pois não explicou concretamente os fundamentos de facto e de direito que constituíram o vício de ilegalidade constante no despacho recorrido.

4. Foi com base de que a recorrente tinha sido condenada a pena de privação da liberdade fora do local, é que no despacho recorrido indeferiu-lhe o pedido de renovação de residência nos termos do artº 9º, nº 1 da Lei nº 4/2003 com remissão do RA nº 3/2005.

5. No despacho recorrido não existe quaisquer erros nos pressupostos de facto ou de direito, então muito menos existe erro notório ou absolutamente irracional no exercício do poder discricionário.

6. As pessoas condenadas criminalmente, mesmo reabilitadas, não impedem que, durante o procedimento administrativo de aprovação da autorização de residência, seja indeferido o pedido de renovação por motivo de cometimento de crimes.

Pelo exposto, pede se julgue improcedente o recurso.


3. O Exmo Senhor Secretário para a Economia e Finanças ofereceu ainda alegações facultativas:
    Ao apreciar e conceder a autorização de residência fundada por investimento, incluindo a sua renovação, um dos elementos que a autoridade administrativa tem primeiro em consideração é a consciência de observação à lei, uma vez que não traz nenhum benefício a Macau se autorize a fixação de residência em Macau ao indivíduo que falta a consciência de observação à lei.
    É descoberto no pedido de renovação de residência dos recorrentes que há três antecedências no registo criminal de Hong Kong, um das quais o recorrente foi condenado na pena de prisão de 3 meses, não obstante, aplicada com suspensão de execução.
    Isto manifesta que falta ao recorrente a consciência de observação à lei. 10. Recusar a concessão de renovação ao requerente, que pediu a renovação de autorização de residência, por falta de consciência de observação à lei, é o poder discricionário que a lei concede à autoridade administrativa.
    O exercício do poder discricionário só pode ser duvidado por tribunal no caso do desvio de poder, do erro manifesto ou da total desrazoabilidadc, enquanto no despacho recorrido não haja situação deste tipo.
    O despacho recorrido deve ser mantido, desde que não haja o vício no exercício do poder discricionário, nem erro no reconhecimento de factos e na aplicação de lei.
    
    4. O Exmo Senhor Procurador Adjunto emitiu o seguinte douto parecer:
    O acto em causa - despacho do Secretário para a Economia e Finanças de 22/5/13, que indeferiu pedido de renovação de autorização de residência na RAEM do recorrente e seu agregado - fundou-se no disposto na al. 1) do n.º 2 do art. 9° da Lei 4/2003, subsidiariamente aplicável por força do art. 23° do R.A. 3/2005, que, para efeitos da almejada concessão, manda atender, além do mais, à existência de antecedentes criminais do peticionante, sendo que este as saca a tal decisão vícios de erro nos pressupostos de facto, atropelo da proporcionalidade e total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários.
    Mas, cremos, sem qualquer razão.
    Desde logo, é inequívoca (nem sequer a própria contesta) a existência de condenações criminais da recorrente em Hong Kong.
    O facto de os ilícitos a que se reportam tais condenações não revestirem, porventura, especial gravidade e terem ocorrido há bastante tempo, não invalida a existência efectiva das mesmas, sendo também certo que, atenta a distância temporal das condenações, mesmo que pudesse haver lugar a reabilitação de direito (segundo o ordenamento jurídico de Macau), ainda assim, para os efeitos que ora nos ocupam, não deixariam de persistir aqueles pressupostos, já que, como consistentemente se vem afirmando neste tribunal e no TUI, são diferentes os interesses e valores subjacentes, aos domínios administrativo e penal, relevando neste a ressocialização dos delinquentes e naquele preocupações de salvaguarda da tranquilidade pública e estabilidade social.
    É, pois, inequívoco o registo dos pressupostos factuais subjacentes à decisão.
    Gasta, depois, compreensivelmente, a recorrente "parte de leão" da sua argumentação relativamente aos interesses que quer a própria, quer o seu agregado constituíram em Macau e que verão irremediavelmente afectados com a denegação registada, apelando, designadamente, à casa de residência, aos negócios, depósitos bancários, trabalho voluntário social, apoio nos cuidados de saúde, afazeres profissionais, estudos e actividades escolares e circum-escolares dos filhos, pondo, pois em causa a proporcionalidade e razoabilidade do decidido, isto também face à pouca gravidade e distância temporal das condenações criminais em questão.
    Pois bem : é um facto que as diversas alíneas do n.º 2 do art. 9° da Lei 4/2003 não constituem, qualquer listagem dos requisitos de cujo preenchimento dependa a concessão de autorização de residência, que haja que escrutinar "pari passu", tratando-se, antes, de mera referência a aspectos relevantes a levar em conta nessa concessão, alguns com carácter de denegação, como é o caso presente, relativo à existência de antecedentes criminais por parte do interessado, sendo que na apreciação do requerimento do recorrente, os normativos aplicáveis deixam, como é evidente, ao órgão decisor certa liberdade de apreciação acerca da conveniência e da oportunidade sobre o respectivo deferimento, encontrando-nos, pois, face a acto produzido no exercício de poderes discricionários que, constituindo embora uma peculiar maneira de aplicar as normas jurídicas se encontram, todavia, sempre vinculados a regras de competência, ao fim do poder concedido, a alguns princípios jurídicos como a igualdade, proporcionalidade, justiça e imparcialidade, a regras processuais e ao dever de fundamentação, não existindo, como é óbvio, qualquer excepção ao princípio da legalidade, mesmo na vertente da reserva de lei, sendo certo, porém, que, por norma, nesta área, a intervenção do julgador ficará reservada apenas para casos de erro grosseiro ou injustiça manifesta.
    Posto isto, é um facto que as decisões da Administração que, como é o caso, colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares, só podem afectar essas posições em termos necessários, adequados e equilibrados, o mesmo é dizer proporcionais aos objectivos a alcançar, proibindo-se, assim, o excesso, devendo existir uma relação de adequação entre o fim a alcançar e o meio utilizado para o efeito, impondo-se, pois, que o meio utilizado seja idóneo à prossecução do objectivo da decisão, que entre todos os meios alternativos deva ser escolhido o que implique lesão menos grave para os interesses sacrificados, devendo existir justa medida entre os interesses presentes na ponderação, não se podendo impor aos particulares um sacrifício de direitos infundado ou desnecessário, sob pena de a decisão administrativa se revelar injusta.
    Ora, no caso, encontrando-nos face a simples decisão de não renovação de autorização de residência na RAEM, não se vê que outra ou outras medidas pudessem ser tomadas : ou era a denegação do pretendido, ou o seu oposto, pelo que mal se compreende a "esgrima" relativamente à proporcionalidade do decidido.
    Por outra banda, revelando-se perfeitamente compreensíveis e estimáveis os interesses pessoais, familiares, profissionais e outros que a recorrente e seu agregado detenham na renovação almejada, a verdade é que não se alcança que na "cedência" dos mesmos face ao interesse público na salvaguarda da tranquilidade e paz social da Região, que certamente conformaram a decisão, tenha ocorrido qualquer erro grosseiro ou manifesto ou injustiça gritante, a justificar a intervenção do julgador, conforme acima deixámos sublinhado.
    Donde, por não ocorrência de qualquer dos vícios assacados, ou de qualquer outro de que cumpra conhecer, sermos a entender não merecer provimento o presente recurso.
    
    5. Foram colhidos os vistos legais.

II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito.
    
    III - FACTOS
    Com pertinência, têm-se por assentes os factos seguintes:
    1. A 1ª recorrente foi notificada do despacho ora posto em crise e do parecer que lhe serviu de fundamento nos seguintes termos:

   “Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau
   
    Vossa referência N.º:
    ________________
    Data de emissão:
    ________________
    Nossa referência N.º:
     0XXX1/GJFR/2013
    Data:
     31/05/2013
    
Assunto: Pedido de renovação da autorização de residência temporária -- notificação do indeferimento (PXXX5/2008/02R)
   Exm.ª Senhora,
    Nos termos do artigo 68.º, alínea a) do Código do Procedimento Administrativo, vem por este meio informar V. Exª. de que, consoante o despacho de 22 de Maio de 2013, proferido pelo Exm.º Sr. Secretário para a Economia e Finanças no uso do poder delegado pelo Exm.º Sr. Chefe do Executivo da RAEM, foi indeferido o pedido de renovação da autorização de residência temporária formulado pelas pessoas a seguir indicadas. O despacho foi proferido com base no teor do parecer sobre o processo de V. Exª. (tendo no total 4 páginas, cuja fotocópia se anexa) que explica o motivo do indeferimento.
   
    N.º
Nome
Documento de identificação e número
Prazo de validade da autorização de residência temporária até
    1
A
Documento de Identificação para Vistos de Hong Kong n.º TXXXX08
14/12/2012
    2
B
Passaporte chinês
n.º G2XXXXX35
14/12/2012
    3
C
Passaporte chinês
n.º G5XXXXX57
14/12/2012
    4
D
BIRPHK
n.º Y4XXXX7(7)
14/12/2012
   
De acordo com o Código do Procedimento Administrativo, da decisão acima referida, pode deduzir por escrito reclamação para o Exm.º Sr. Secretário para a Economia e Finanças no prazo de 15 dias ou interpor recurso contencioso nos termos legais para o Tribunal de Segunda Instância no prazo de 30 dias, ambos a contar da notificação do mesmo despacho.
    Com os melhores cumprimentos.
   O Presidente do IPIM, E
   (Ass.: vide o original)
    AL/j1
    e-mail: ipim@ipim.gov.mo
    website: www.ipim.gov.mo
    Tel: (853)2871 0300
    Av. da Amizade, n.º 918, Ed. World Trade Centre, 1º a 4º andares, Macau
   
   
INSTITUTO DE PROMOÇÃO DO COMÉRCIO E DO INVESTIMENTO DE MACAU

Parecer n.º XXX5/Fixação de residência/2008/02R
Requerente - A
Pedido de fixação de residência por investimento em bens imóveis - Renovação
Aplicável: Regulamento Administrativo n.º XX/2005
   Despacho do Exm.º Sr. Secretário para a Economia e Finanças
   Autorizo a proposta.
   (Ass.: vide o original)
   Aos 22/5/13
   
   Parecer do Presidente da Comissão Executiva do IPIM
   
   Exm.º Sr. Secretário para a Economia e Finanças,
   Após a análise do presente parecer, dado que a requerente tem, em Hong Kong, vários antecedentes criminais, foi proposto o indeferimento do pedido de renovação da autorização de residência temporária dos seguintes interessados. Assim sendo, proponho que seja indeferido o respectivo pedido.
    N.º
    Nome
    Relação
    1
    A
    Requerente
    2
    B
    Cônjuge
    3
    C
    Descendente
    4
    D
    Descendente
   Submete-se o assunto à consideração de V. Exª.
   O Presidente E
   Aos 16 de Abril de 2013
   (Assinatura e carimbo: vide o original)
   
   Parecer do Chefe do Gabinete Jurídico e de Fixação Residência
   Concordo com a proposta.
   F
   Director-Adjunto
   Aos 16 de Abril de 2013
   (Ass.: vide o original)
   
   
   
   
   
   
   
   
   
   
   
   
    INSTITUTO DE PROMOÇÃO DO COMÉRCIO E DO INVESTIMENTO DE MACAU
Parecer n.º XXX5/Fixação de residência/2008/02R
Requerente - A
Pedido de fixação de residência por investimento em bens imóveis - Renovação
Aplicável: Regulamento Administrativo n.º XX/2005
   Assunto: Apreciação do pedido de fixação de residência por investimento
   À Comissão Executiva:
   1. Seguem-se os dados de identificação dos interessados:
     Nn.º
Nome
Relação
Documento
/número
Prazo de validade do documento
Prazo de validade da autorização de residência temporária até
     1
A
Requerente
BIRHK n.º M0XXXXX2(A)
16/09/2019
     14/12/2012
     
     
     
Documento de Identificação para Vistos de Hong Kong
10/04/2019
     
     2
B
Cônjuge
Passaporte chinês n.º G2XXXXX35
18/01/2017
     14/12/2012
     3
C
Descendente
Passaporte chinês n.º G5XXXXX57
7/7/2021
     14/12/2012
     4
D
Descendente
BIRPHK n.º Y4XXXX7(7)
     
     14/12/2012
   2. A requerente foi autorizada a fixar residência temporária em Macau, pela primeira vez, em 14 de Dezembro de 2009.
   3. Para efeitos de renovação, a requerente apresentou o seguinte documento de bem imóvel, no sentido de provar que ela detém ainda o investimento em bens imóveis conforme exigido na lei:
   (1) N.º da descrição na Conservatória do Registo Predial: 2XXX6-II
    Rua XX, n.º XX, Edf. XX Garden, Bl. XX, XXº andar, XX, Macau
    Valor: MOP$1.052.130,00
    Data de registo: 11 de Abril de 2007 (141)
   Aquando do pedido inicial, a requerente tinha como fundamentos do pedido os factos de possuir diploma de ensino secundário-complementar e de ter criado empresa em Macau. Através dos documentos apresentados, ficou provado que a requerente detinha ainda a empresa que tinha criado, estando em conformidade com as disposições legais relativas à fixação de residência por investimento (cfr. fls. 76 a 77).
   4. Nos termos do art.º 3.º, n.º 1, al. 2) do Regulamento Administrativo n.º XX/2005, a requerente apresentou um certificado de depósito a prazo emitido por instituição de crédito de Macau, de forma a comprovar que tinha fundos de valor não inferior a quinhentas mil patacas depositados em Macau.
    Certificado de depósito a prazo da requerente:
    Instituição de crédito emissora: Banco da China, Sucursal de Macau
    N.º: 04-88-30-0XXXX7
    Valor: HKD$500.000,00, equivalente a MOP$515.000,00
    Natureza: Livre de qualquer ónus
    Período do depósito: Desde 20 de Maio de 2008 até 21 de Maio de 2013 (No vencimento do depósito, o capital será renovado e os juros serão creditados na conta)
    Data de emissão: 4 de Julho de 2012
   No presente pedido de renovação, a requerente A apresentou o seu BIRHK (n.º M0XXXX2(A)) e o documento comprovativo de permanência, que, em substituição do documento de autorização de entrada na Guiné-Bissau, servem para provar a sua identidade. Este Instituto entregou os documentos ao CPSP para efeitos de verificação. E o CPSP, à luz do despacho n.º 120-I/GM/97 proferido pelo antigo Governador de Macau, emitiu parecer sobre os documentos de viagem da interessada e comunicou a este Instituto que a interessada reunia o requisito da identidade para requerer a fixação de residência por investimento.
   5. Não obstante, do CRC de Hong Kong (cfr. fls. 32 a 33) apresentado pela requerente no presente pedido de renovação, resulta que a mesma tem os seguintes antecedentes criminais:
   1). Excesso de permanência, pelo qual foi condenada, em 18 de Setembro de 1995, na multa de HKD$750,00.
   2). Fornecimento intencional de informações falsas, pelo qual foi condenada, em 6 de Dezembro de 1995, na multa de HKD$2.000,00.
   3). Utilização de documento de viagem ilegalmente obtido com o propósito de imigração, pela qual foi condenada, em 24 de Fevereiro de 2000, na pena de 3 meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 anos, e na multa de HKD$2.000,00.
   6. A requerente apresentou declaração em 15 de Janeiro de 2013, prestando esclarecimentos sobre os registos criminais. Em síntese, ela deu à luz o filho D em 1995 em Hong Kong, tendo, assim, violado as disposições legais sobre a permanência em Hong Kong. Nessa altura, para que o filho obtivesse o direito de residência em Hong Kong, forneceu informações falsas ao governo de Hong Kong. Mas depois, entregou-se, vindo a ser condenada pelo tribunal na pena de 3 meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 anos, e na multa de HKD$2.000,00. Praticou os actos errados para um melhor futuro do filho, dos quais, aliás, já está profundamente arrependida, esperando que possa continuar a residir em Macau (cfr. fls. 75).
   7. A fim de acompanhar o caso, em 22 de Janeiro de 2013, através do ofício n.º XXX6/GJFR/2013, este Instituto notificou a requerente para interpor parecer, por escrito, acerca dos seus registos criminais supracitados no prazo de 10 dias (cfr. fls. 81). A requerente, em 12 de Março de 2013, apresentou declaração a este Instituto, vindo a esclarecer os aludidos registos criminais (cfr. fls. 69 a 71).
   8. Conforme o disposto no art.º 9.º, n.º 2, al. 1) da Lei n.º 4/2003 da RAEM, para efeitos de concessão da autorização de residência, deve atender-se, nomeadamente, aos seguintes aspectos: Antecedentes criminais, comprovado incumprimento das leis da RAEM ou qualquer das circunstâncias referidas no artigo 4.º da presente lei. Enquanto o art.º 4.º, n.º 2, al. 2) do mesmo diploma legal se reporta à situação de “terem sido condenados em pena privativa de liberdade, na RAEM ou no exterior”.
   9. Conforme se revela pelo CRC de Hong Kong da requerente, ela tem vários registos criminais, não é delinquente primária, já que violou reiteradamente as leis. A requerente explicou que foi para o seu filho poder obter o direito de residência em Hong Kong que forneceu informações falsas ao governo de Hong Kong e violou as disposições legais, mas tal não constitui um motivo razoável. Importa salientar também que, é de certa gravidade a conduta ilícita da requerente, pela qual ainda foi condenada na pena de prisão. Portanto, acerca do seu pedido de renovação ora em apreço, é realmente difícil emitir-se parecer favorável.
   10. Nos termos acima expostos, tendo em consideração que a requerente tem vários antecedentes criminais em Hong Kong, além de que pela respectiva infracção penal de certa gravidade, foi a mesma condenada na pena de prisão, ao abrigo do disposto no art.º 9.º, n.º 2, al. 1) da Lei n.º 4/2003, aplicável ex vi o art.º 23.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, propõe-se que seja indeferido o pedido de renovação da autorização de residência temporária da requerente e do seu agregado familiar.
   
   Submete-se o assunto à consideração superior.
   O Técnico Superior G
   Aos 14 de Março de 2013
   (Ass.: vide o original)”
2. Tendo a 1ª recorrente e o seu agregado familiar obtido a autorização de residência temporária em 14 de Dezembro de 2009, o 2º recorrente cessou a exploração da fábrica de fechos-éclair no Interior da China e o 3º recorrente também desistiu do seu estudo no Interior da China para a família inteira, incluindo o 4º recorrente, mudando-se toda a família para Macau, aqui fixando residência, aqui desenvolvendo os seus negócios, pagando os impostos, estudando e trabalhando.
Ademais, a 1ª recorrente abriu contas de depósito em diferentes bancos de Macau
Durante a sua permanência em Macau, a 1ª recorrente dedicou-se activamente ao trabalho voluntário social.
Depois de vir para Macau, a 1ª recorrente participou nos programas dirigidos à saúde do adulto e da mulher
Sofre de doença do foro ginecológico.
O 2º recorrente assume o papel de pilar económico da família, começou a trabalhar como croupier no casino XX desde Abril de 2012, sendo a sua empregadora a XX Casino, S.A..
O 2º recorrente também abriu contas de depósito no Banco da China, Sucursal de Macau.
Quando a família veio fixar residência para Macau, o 2º recorrente vendeu todos os imóveis que a família possuía no Interior da China, incluindo uma fábrica de fechos-éclair que foi explorando. O património da família também foi transmitido para Macau, a fim de comprar a actual residência de família, situada na Rua XX, n.º XX, Edf. XX Garden, Bl. XX, XXº andar, XX, Macau (澳門XX街XX號XX花園第XX座XX樓XX座).
O 3º recorrente frequentou a Escola XX (Secção secundária).
Tendo passado 3 anos na escola de ensino secundário-complementar, o 3º recorrente terminou o curso neste ano , sendo estudioso e diligente, com o desejo de progredir. Dá-se bem com os seus colegas, gostando muito da sua vida de estudo em Macau. Também participou em diversas actividades fora do horário lectivo e em provas fora da escola.
Ademais, fora do horário lectivo, o 3º recorrente tem-se dedicado activamente a actividades para jovens e ao trabalho voluntário, tendo sido premiado pela XX Association (XX協會) como excelente membro.
O 3º recorrente está a frequentar as Aulas Complementares de Verão proporcionadas pela Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau. Se concluir as Aulas com aproveitamento, ingressará formalmente nesta Universidade no semestre lectivo que vem.
O 4º recorrente estuda em Hong Kong e regressa a Macau nas férias para se reunir com a família.

    IV - FUNDAMENTOS

1. O objecto do presente recurso passa pela análise dos seguintes vícios:
     - Violação do princípio da proporcionalidade;
     - Violação do artigo 9º da Lei nº 4/2003, artº 19º do RA nº 3/2005, artº 55º, nº 1 do CP, em conjugação com o artº 24º, nº 1, al. b) do DL nº 27/96/M;
     - Erro nos pressupostos de facto;
     - Erro notório ou absolutamente irracional no exercício do poder discricionário.


2. O caso
A recorrente veio a Macau, em 2009, a fim de aqui se estabelecer e aqui procurar residência com toda a sua família, composta de marido e dois filhos estudantes.
Fechou o seu negócio na China Interior e montou negócio têxtil em Macau, aqui investindo o seu trabalho e capital.
Os filhos aqui estudaram e estudam.
A família abraçou esta terra como sua, adquiriram casa, aqui depositam as suas poupanças.
A recorrente, de 41 anos, de idade, sofre de doença do foro ginecológico.
É pessoa que se dedica ao trabalho no âmbito do voluntariado social, ajudando o próximo.
Tendo requerido a renovação residência provisória foi-lhe indeferido o seu pedido, apenas em virtude dos antecedentes criminais em Hong Kong, sendo que uma das condenações o foi em pena de prisão suspensa e multa, todas elas relacionadas com a imigração ilegal, justificando o facto por pretender vir a Hong Kong para aí dar à luz.
I
3. A recorrente refere que o despacho recorrido violou uma série de normas jurídicas, mas não esclareceu exactamente como o referido despacho violou tais normas.
Quanto muito terá violado princípios fundamentais do Direito Administrativo, mas disso adiante curaremos.
Na sua petição de recurso descreve a sua personalidade, as suas qualidades e a sua entrega às acções de bem-fazer, explicando que a sua motivação se ficou a dever ao facto de estar desamparada.

4. Do registo criminal de Hong Kong resulta que chegou a cometer crimes em Hong Kong.
São factos que vêm demonstrados e podem justificar o despacho proferido de indeferimento do pedido de renovação de residência, nos termos do artº 9º, nº 1 da Lei nº 4/2003 com remissão do RA nº 3/2005.

4. No despacho recorrido não existem quaisquer erros nos pressupostos de facto ou de direito, muito menos existe erro notório ou absolutamente irracional no exercício do poder discricionário.

O facto de as pessoas condenadas criminalmente, mesmo tendo sido reabilitadas, não impede que tal possa conduzir ao indeferimento do pedido de renovação por motivo de cometimento de crimes.
    
Nos termos do art.º 9.º, n.º 1 e 2 da Lei n.º 4/2003:
“1. O Chefe do Executivo pode conceder autorização de residência na RAEM.
   2. Para efeitos de concessão da autorização referida no número anterior deve atender-se, nomeadamente, aos seguintes aspectos:
   1) Antecedentes criminais, comprovado incumprimento das leis da RAEM ou qualquer das circunstâncias referidas no artigo 4.º da presente lei;
   2) Meios de subsistência de que o interessado dispõe;
   3) Finalidades pretendidas com a residência na RAEM e respectiva viabilidade;
   4) Actividade que o interessado exerce ou se propõe exercer na RAEM;
   5) Laços familiares do interessado com residentes da RAEM;
   6) Razões humanitárias, nomeadamente a falta de condições de vida ou de apoio familiar em outro país ou território.”
    A previsão normativa do artigo 9º, n.º 1, da Lei 4/2003 prevê que na ponderação se atente nos antecedentes criminais e ao cumprimento das leis da RAEM, deixando uma margem de discricionariedade na ponderação desses elementos que não cabe ao Tribunal sindicar na medida em que extravase aquela margem de liberdade que a lei confere à Administração em ponderar ou deixar de ponderar um determinado requisito.
    
5. Os Tribunais superiores de Macau têm-se pronunciado em casos em que se poderia pôr em causa a decisão administrativa de não concessão de autorização de residência por contender com institutos que, à primeira vista, teriam um outro alcance mais profundo do que o da suspensão da execução da pena, tal como tem acontecido com os casos em que sobreveio mesmo a reabilitação e mesmo assim tem-se entendido que as razões ínsitas às decisões administrativas pautam-se por outros critérios e a Administração pode até relevar autónoma e negativamente uma conduta criminal nesses casos.1
     Esta sensibilidade à diversidade das diferentes situações e dos fins visados nas diferentes ponderações em função de um determinado passado acaba por legitimar o recurso a tal elemento do passado do indivíduo. Não em termos de conditio sine qua non, mas em termos aferidores de uma personalidade que se quer conformada com o ordenamento em que se vai integrar.
    
     Esse o sentido da Jurisprudência que vem sendo firmada neste Tribunal 2, alguma já citada e que não deixou de ter eco, ao mais alto nível, na Jurisprudência do TUI, no processo n.º 36/2006, de 13/12/2007, aí se proclamando não ser possível aplicar pura e simplesmente as disposições de reabilitação de direito ao regime de entrada, permanência e autorização de residência.
     Podem-se configurar diferentes níveis em termos dos efeitos penais de uma condenação e que podemos desenhar como diversos círculos que se vão alargando dentro de um dado ordenamento.
    Assim, um círculo mais restrito respeitante às consequências penais no âmbito penal, um outro mais alargado respeitante às consequências penais no âmbito não penal, seja em termos de interdições, inabilitações, exercício profissional, quando o cadastro limpo seja um requisito de integração numa dada situação jurídica. E podemos ainda configurar, intra-ordenamento, um círculo de situações em que aquele factor, não sendo requisito legal de ponderação, jogue efectivamente ao nível da tomada de decisão, seja em função da vontade e liberdade que dominam as relações jurídicas privadas, seja em função de uma margem de liberdade e discricionariedade em certos níveis da actividade administrativa.
    Tudo isto em termos de conformação e readaptação social à vivência no seio de um dado ordenamento.
    Mas sempre se poderá sustentar que se reforce um nível de exigência e de adequação com o ordenamento para quem não seja residente e aqui se pretenda integrar, não sendo difícil aceitar que a Administração possa ponderar uma condenação, mesmo que extinta, para esses efeitos.
     
     6. Este é o ponto de partida. Mas cada caso é um caso. Importa referir, descendo ao caso concreto, analisando o acervo fáctico acima transcrito, que não foi apenas uma condenação que constituiu fundamento da negação do pedido, mas a recorrente cometeu várias infracções.
     Ou seja, não foi apenas uma conduta criminógena, mas várias. Basta o cometimento no passado de crimes, mesmo com a dilação decorrida, para a Administração poder deferir ou indeferir o pedido de autorização de residência.
     Na verdade, a razão principal e única - isso resulta bem claro do despacho proferido - foram os antecedentes criminais, entrando-se aí num domínio caracterizado pela discricionariedade da Administração que não está impedida de valorar em nome dos superiores interesses da Segurança esse passado para o projectar em termos de uma prognose comportamental do indivíduo em causa de forma a avaliar das vantagens e inconvenientes em autorizar a sua residência.
    Acresce que, no recurso contencioso, se o acto impugnado for praticado no âmbito de poderes discricionários, o tribunal só pode sindicar o mérito deste tipo de acto quando se verifica o erro manifesto ou a total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários, ou a violação, de forma intolerável, dos princípios fundamentais do Direito Administrativo.
    “Para a lei não é particularmente relevante o tempo decorrido desde a prática de crimes e as condenações. Na óptica do legislador, as condenações criminais anteriores, bem como os fortes indícios de terem praticado ou de se prepararem para a prática de quaisquer crimes susceptíveis de ser motivo de recusa da entrada dos não residentes na RAEM (art.º 4.º, n.º 2, al. d) da Lei n.º 4/2003), constituem sempre motivo de alarme para a ordem e segurança públicas da Região.
Em princípio, os interesses públicos de tranquilidade prevalecem sobre os interesses individuais de interessados de entrar e residir na Região.
Ou seja, os antecedentes criminais, seja qual for o período já decorrido depois da condenação, são sempre o factor a considerar na apreciação do pedido de autorização de residência.” 3
    No recurso contencioso, se o acto impugnado for praticado no âmbito de poderes discricionários, o tribunal só pode sindicar o mérito deste tipo de acto quando se verifica o erro manifesto ou a total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários, ou a violação, de forma intolerável, dos princípios fundamentais do Direito Administrativo.

7. É verdade que, exceptuado esse passado, a recorrente apresenta-se com uma conduta invejável e meritória, seja em termos de apego a esta terra, aqui investindo, desenvolvendo negócios, actividade de bem-fazer a favor do próximo e da comunidade.
Se nos perguntarem se isso nos afigura muito positivo e muito relevante, diremos, sem dúvida que sim. Se nos perguntarem se ela merece, por isso, aqui permanecer, já não podemos manifestar a nossa opinião, pela razão simples de que as nossas opiniões pessoais, enquanto órgão da Justiça não vêm ao caso, por se tratar de matéria que não é da competência dos tribunais.
Só o seria, se estivéssemos perante uma situação de erro, injustiça manifesta ou violação de princípios fundamentais e estivessem em causa superiores interesses tutelados pela lei.
Ainda que a recorrente possa discordar, afigura-se não estarmos perante uma situação dessa natureza.

8. Ainda que desnecessário, face ao que ficou dito acima, bem pode a recorrente fazer as interpretações que entender da citada norma que manda atender aos antecedentes criminais, no sentido de que não é uma mancha isolada que vai inquinar a personalidade nem fazer perigar a segurança, pode-se até concordar com o que afirma, em termos abstractos, só que não é a sua interpretação que vale, nem sequer os Tribunais têm o poder de impor a sua visão das coisas no âmbito do poder discricionário da Administração, sob pena de se substituírem àquela, o que, de todo, não se mostra legítimo em nome da separação dos poderes executivo e judicial.

9. A recorrente fala ainda de proporcionalidade e desrazoabilidade no acto impugnado.
Não se aceita que o despacho recorrido tenha violado o princípio da proporcionalidade.
Este princípio se pode ser perspectivado em função de uma variação entre duas grandezas, também pode deixar de ser observado, na vertente de uma decisão inadequada em função dos interesses em vista, mesmo no caso das alternativas em presença poderem ter a carga máxima correspondente ao deferimento ou ao seu reverso, o indeferimento – cfr. art. 5º, n.º 2 do CPA.

É verdade que os actos administrativos discricionários são atacáveis por desrazoabilidade, todavia não se trata de uma qualquer desrazoabilidade apreciada em termos de subjectividade aferida de acordo com os interesses de quem a invoca.
Por norma, esta afronta pressupõe a violação dos princípios de adequação e proporcionalidade na decisão proferida. E quanto a isto, dir-se-á tão somente que, ao entender-se que foi feita correcta aplicação da lei, constituindo tais princípios índices aferidores do controle da discricionariedade, em vista da conformação da decisão com a prossecução do interesse público, afastada estará a desrazoabilidade no exercício dos poderes discricionários conferidos à Administração no caso concreto.
No caso em apreço, descortina-se a prossecução do interesse público, a adequação do comportamento à prossecução desse interesse público e compreende-se ainda o sacrifício dos interesses privados em função da importância daqueles superiores valores que se procura salvaguardar.4
Na verdade, os interesses económicos, familiares e emocionais invocados pela recorrente serão estimáveis, mas haverão sempre que ceder face ao manifesto interesse público na salvaguarda da segurança e estabilidade social da Região.
Importa ponderar os benefícios decorrentes da decisão administrativa para o interesse público prosseguido pelo órgão decisor e os respectivos custos, medidos pelo inerente sacrifício de interesses dos particulares, seja na sua vertente de exigibilidade e adequação na prossecução do interesse público, por um lado, e na relação custos-benefícios, por outro.5

Quanto à violação do princípio de Justiça, ainda que não taxativamente designada como tal, se a prossecução do interesse público terá estado na mira da decisão proferida, se não se deixa de compreender a sua prevalência sobre interesses particulares, estando imbuída de imparcialidade, de racionalidade, de adequação, de proporção, será de configurar ainda como materialmente justa.

O quadro delineado apontaria para uma situação de injustiça e sacrifício de interesses em termos desmesurados e este Tribunal seria até sensível à situação pessoal e familiar concreta, em nome de uma manifesta desrazoabilidade, não fora o caso de a recorrente ter omitido no impresso que preencheu, aquando dos pedidos de fixação de residência, esses antecedentes criminais. Não se pode dizer que só agora é que a Administração acordou e que pactuou ao longo dos anos com uma situação que ora pretende inverter, pois o facto em que a Administração se louvou para tal indeferimento só agora veio ao seu conhecimento, porque omitido anteriormente pela recorrente, quando o não devia ter sido.
   
Em face do exposto o recurso não deixará de improceder.

    V - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao presente recurso contencioso.
    Custas pelos recorrentes, com 2 UC de taxa de justiça por cada um.
    
               Macau, 24 de Julho de 2014
               

_________________________ _________________________
João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira Vitor Manuel Carvalho Coelho
(Relator) (Presente)
(Magistrado do M.oP.o)

_________________________
Ho Wai Neng
(Primeiro Juiz-Adjunto)

_________________________
José Cândido de Pinho
(Segundo Juiz-Adjunto)
               
1 - Ac. do TUI 36/2005, do TSI 234/2011, 163/2012, 360/2012, 766/2011, 238(2013, 356/2013, entre outros.
2 - Vd. Jurisprudência acima citada
3 - Acs do TUI de 3 de Maio de 2000, 6 de Dezembro de 2002, 21 de Junho de 2006, processos n.ºs 9/2000, 14/2002, 1/2006.
4 - João Caupers, in Int. ao Dto. Administ., 2001, 80
5 - Int. ao Dto Adm., João Caupers, 6ª ed., 80
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446/2013 34/34