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Processo n.º 676/2013
(Recurso Cível)

Relator: João Gil de Oliveira
Data: 24/Julho/2014


ASSUNTOS:

- Incumprimento do contrato; culpa e impossibilidade
- Cláusula resolutiva e resolução
- Interpelação
- Resolução dependente de um prazo
- Prazo essencial; objectivo e subjectivo; absoluto e relativo
- Incumprimento definitivo
- Nulidade de contrato-promessa por objecto legalmente impossível
- Artigos 779º, 784º, 788º, n.º 1 e 790º do Código Civil


   SUMÁRIO:
    1. A fixação de uma data limite para o cumprimento de obrigações estipuladas num contrato-promessa e o reconhecimento expresso ao credor promitente-comprador do direito de recusar a celebração da escritura depois dessa data, bem como o estabelecimento de uma cláusula sancionatória como contrapartida da resolução estipulada evidenciam o estabelecimento de uma cláusula resolutiva expressa.
    2. Se as partes convencionam que o cumprimento de um contrato-promessa deverá verificar-se até certo momento, hipótese, em que, referido o prazo ao cumprimento das obrigações, não é de duvidar que se trata de um prazo destas (das obrigações), desencadeador do respectivo vencimento; em dúvida pode ficar, isso sim, se o prazo convencionalmente estabelecido é ou não essencial, isto é, se o seu esgotamento, sem que tenha havido cumprimento, basta ou não para constituir o devedor numa situação de definitivo não cumprimento.
    3. Se a promessa bilateral tiver um prazo de cumprimento das respectivas obrigações que seja essencial, o não cumprimento de qualquer delas por causa não imputável ao devedor, sendo definitivo, rege-se pelas normas aplicáveis à impossibilidade não culposa de cumprimento, desencadeando, assim, nos termos do art. 779º do CC, a extinção da obrigação não cumprida; e porque o contrato é bilateral extingue-se também a respectiva obrigação que ao credor daquela cabia por força do art. 784º do CC. Se o não cumprimento for imputável ao devedor, porque ele é definitivo, aplica-se-lhe o regime do artigo 790º do CC, que confere ao credor da obrigação incumprida o direito de resolver o contrato bilateral, com fundamento nesse incumprimento.
    4. Se se tratar de prazo essencial subjectivo, expresso ou tácito, depende da interpretação da convenção da atribuição de carácter essencial ao prazo a determinação dos efeitos do seu esgotamento sem que tenha havido incumprimento: pode ele significar o automático incumprimento definitivo da obrigação, caso em que se qualifica de absoluto, ou pode, constituindo para o credor o direito de resolução e de recusa da prestação, ser compatível com uma exigência de cumprimento tardia pelo credor, caso em que será qualificado como relativo.
    5. Segundo os usos da vida, o termo essencial subjectivo tem o sentido de uma simples cláusula resolutiva e o termo subjectivo absoluto essencial tem carácter excepcional.
    6. Encontrando-se estabelecido um termo para as duas obrigações assumidas pelo promitente-vendedor, num determinado contrato-promessa, em que se prometia a venda de um determinado prédio, podendo o promitente comprador recusar a celebração da escritura prometida, se até uma determinada data esse prédio não estivesse em propriedade perfeita ou não fosse entregue a documentação habilitante à realização do negócio, relativa a um processo sucessório da falecida que, por sua vez, prometera vender ao réu, também ele promitente vendedor nos autos, não se dispensará a comunicação do autor, promitente-comprador para operar o vencimento da obrigação, na medida em que, não obstante sendo o termo certo, não se encontra fixado com precisão, por um lado, que o promitente quer recusar o contrato prometido, por outro, importando conhecer o momento, data, dia e hora em que ele deve ser celebrado.
    7. Mas será de ter o contrato por resolvido, se se prova que o promitente-vendedor já pagou ao promitente-comprador HKD 40.000.000,00 a título de pagamento da indemnização correspondente ao dobro do sinal (HKD60.000.000,00), devida pelo seu incumprimento.
    8. Para efeitos de resolução não é absolutamente essencial proceder a um juízo de responsabilidade: basta um juízo de inadimplemento. Significa isto que a resolução, em si mesma, não tem, como a indemnização, o carácter de uma sanção dirigida contra o inadimplente, mas, antes, o carácter de um remédio ou expediente facultado ao credor que, em último termo, tem a sua raiz no carácter sinalagmático da relação contratual em causa.
    9. Se as próprias partes previnem a eventualidade de o negócio se vir a tornar impossível, por o seu objecto desaparecer do mundo físico ou legal, não se vê razão para não tutelar a vontade negocial de se vincularem às prestações que livremente assumiram. O que é diferente da impossibilidade originária, quando exista no momento da conclusão do contrato e for comum a ambas as partes, requisito que não é líquido observar-se no caso sub-judice, ainda que a nulidade tenha lugar independentemente de as partes conhecerem ou deverem conhecer o vício de que padece o objecto negocial.
    10. Não é por um determinado prédio estar omisso na matriz e não estar registado que daí resulta necessariamente que não possa integrar a propriedade perfeita, podendo haver um título anterior que justifique essa propriedade.

              O Relator,







Processo n.º 676/2013
(Recurso Cível)
Data : 24/Julhol/2014

Recorrente : A

Recorrida : B

    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
    1. A, 1.° R., inconformado com a douta sentença que julgou procedentes os pedidos do autor, declarando resolvido o contrato-promessa celebrado entre o A. e o 1° R. e condenando este a pagar ao A. a quantia de HKD20.000.000,00 acrescida dos juros de mora à taxa legal, veio da mesma interpor recurso, uma vez que a decisão proferida não teria apreciado correctamente todos os elementos de facto nos autos, tendo falhado ao não aplicar aos factos o direito em vigor, concluindo erradamente pela condenação do réu nos termos expostos.
    Para tanto alega em síntese conclusiva:
    A. A cláusula terceira do contrato-promessa de 21 de Julho de 1992 não consubstancia uma cláusula resolutiva que da mesma apenas resulta que o 1.° Réu e promitente vendedor teria que agendar a escritura de compra e venda do imóvel objecto do litígio para o Autor e promitente comprador ter o direito de se recusar a celebrar a mesma caso não se verificassem determinados pressupostos - ou seja os referidos "eventos" não operariam de forma automática e independentemente da conduta das partes mas estava condicionada a uma posterior declaração de vontade do promitente-vendedor ou do promitente-comprador, declaração de vontade essa que nunca foi emitida;
    B. Da redacção da cláusula consta o direito potestativo do promitente-comprador a obstar ao cumprimento do contrato caso não se verificassem determinados pressupostos (i.e., a conclusão do processo de herança e ou a natureza de propriedade perfeita do terreno), pelo que nada no texto da referida claúsula que a mesma deveria operar automaticamente;
    C. Mesmo que se seguisse a teoria defendida na decisão a quo [de que estariamos perante uma cláusula resolutiva], sempre se dirá que a mesma nunca operaria de forma automática, sendo sempre necessário que o Autor exercesse o direito potestativo a recusar a celebração da escritura e a manifestar a intenção de resolver o contrato - o Tribunal a quo não conseguiu dar como provado, não conseguindo sequer concluir em que data é que o contrato teria sido resolvido pelo Autor;
    D. O Autor não só nunca manifestou a sua intenção de resolver o contrato como ainda sempre insistiu pelo cumprimento do contrato promessa ao longo de todos estes anos, mesmo após ter aceite o pagamento no montante de H KD40.000.000,00;
    E. A decisão recorrida não deliberou sobre o cerne da questão, a verificação (ou não) do incumprimento do contrato promessa por parte do 1.° Réu, sendo que no ordenamento jurídico de Macau, é condição sine qua non para podermos falar em incumprimento do contrato promessa a existência de uma interpelação ou notificação da parte contrária para o cumprimento devido pela parte faltosa. Só com esta - mesmo para os contratos com prazo certo, como o contrato "sub judiee" - se converte a mora em incumprimento definitivo;
    F. A existência de um termo certo na cláusula terceira apenas releva para se aferir da mora das partes - não sendo sinónimo de cláusula resolutiva;
    G. Da matéria dada como assente quer da matéria dada como provada pelo Tribunal não consta qualquer referência à interpelação ou notificação quer para o cumprimento do contrato quer para o agendamento da correspondente escritura de compra e venda, conforme estabelecido no artigo 794° do Código Civil e concretizado pelo jurisprudência;
    H. O facto de a cláusula do contrato promessa conter um prazo certo só releva para efeitos de eventual constituição do 1.° Réu em mora (nos termos do disposto no artigo 794°, número 2, alínea a) do Código Civil), não se compreendendo que ª mora passe a incumprimento definitivo sem interpelação ou notificação para o cumprimento, ao contrário do previsto no artigo 797°, número 1, alínea b) do Código Civil;
    I. O prédio rústico objecto do contrato promessa nunca entrou na esfera jurídica do Réu - sendo que o objecto final do contrato prometido seria um bem futuro, nos termos da definição do número 2 do artigo 202° do Código Civil;
    J. Quer à data da celebração do contrato promessa, quer à data da interposição da presente acção quer mesmo na data da audiência de discussão e julgamento, o prédio prometido nunca foi registado, quer na matriz quer no registo predial, o que demonstra a impossibilidade legal do contrato - se o referido prédio nunca foi reconhecido como propriedade privada, também não o poderia vir a ser com a aprovação e a entrada em vigor da Lei Básica da R.A.E.M., nomeadamente com o estabelecido no seu artigo 7.° como concretizado pela jurisprudência;
    K. Face à factualidade assente e provada nos autos e atendendo aos dispositivos legais e à sua interpretação pela jurisprudência, devemos concluir que o bem futuro objecto do negócio jurídico prometido nunca se poderia converter em bem presente, como tal o objecto do negócio jurídico prometido é legalmente impossível e como tal, ao negócio jurídico deve ser aplicado o regime previsto no artigo 273° do Código Civil, ou seja, o regime da nulidade dos negócios jurídicos;
    L. O Tribunal a quo não apreciou esta matéria, não obstante a mesma ter sido arguida pelo então Réu que rogou a sua apreciação pelo Tribunal (ainda que o conhecimento de nulidades seja de conhecimento oficioso), pelo que estamos clara e definitivamente perante uma omissão de pronúncia - nos termos do artigo 571°, número 1, alínea d) do Código de Processo Civil;
    M. Se o objecto do negócio jurídico prometido se tem por nulo, o próprio contrato promessa deve-se ter igualmente por nulo nos termos do disposto no artigo 404º do Código Civil (que ao contrato promessa nos manda aplicar as disposições legais relativas ao contrato prometido) nos termos do disposto no artigo 282° do Código Civil, sendo o contrato promessa declarado nulo e considerando que a referida declaração têm efeito retroactivo, deverá ser restituído tudo o que tiver sido prestado, o que no caso sub judice, significa que o Réu era obrigado a devolver o montante recebido do Autor (o que, como consta da alínea G), já foi feito pelo Réu), cessando deste modo todas as suas obrigações ao abrigo do contrato promessa;
    N. Nos termos do disposto no artigo 436° do Código Civil, o direito de exigir o dobro do que houver prestado pressupõe o incumprimento da obrigação pela outra parte o que não ficou provado nos presentes autos e para além disso, o accionamento do regime do sinal pressupõe que o mesmo tenha sido prestado o que deixou de ser uma realidade a partir de 14 de Agosto de 1994 (alínea G) da Matéria Assente) e a devolução de HKD40.000.000,00 ao Autor ... ;
    O. A cláusula penal só pode ser accionada em caso de culpa do devedor - e tal não ficou demonstrado na presente acção - pois o regime do sinal, previsto no artigo 436° do Código Civil, apenas opera em situações de incumprimento definitivo e não em situações em que uma das partes se constitui em mora quanto ao cumprimento da obrigação, como foi o caso;
    P. A interpelação para cumprimento teria sido essencial para determinar a culpa do Réu devedor mas a mesma nunca foi efectuada - da mesma forma que não ficou provado nos autos a conversão da mora em incumprimento definitivo, também nada ficou dito, provado ou assente sobre a eventual culpa do A. numa ou em ambas;
    Q. Nada ficou provado sobre a data em que o A. teria alegadamente exercido o seu direito potestativo a resolver o contrato, ao abrigo da cláusula terceira do mesmo - da acção resulta que essa resolução teria sido invocada apenas com a interposição da acção a 29 de Outubro de 2007 (ou seja, 13 anos depois de 14 de Agosto de 1994) quando já não existia qualquer sinal ou montante detido pelo Réu digno dessa qualificação, precisamente porque a 14 de Agosto de 1994 o mesmo foi integralmente devolvido ao A.;
    R. Dado que o Autor credor foi reembolsado a 13 de Agosto de 1994 (conforme alínea F dos Factos Assentes), pouco mais de um ano após o prazo convencionado para a celebração da escritura da venda prometida pelo Réu, foi nessa mesma altura ressarcido pela eventual mora no cumprimento em que o Réu incorreu durante esse período de tempo - não tendo o Autor interpelado o Réu para o cumprimento do contrato promessa e tendo antes aceite a devolução do montante do sinal, é necessário concluir que a conduta de ambas as partes atesta a intenção de rescindir o contrato-promessa;
    S. E deste modo se explica a devolução dos HKD40.000.000,00 por parte do Réu, montante esse que inclui a devolução do sinal pago pelo Autor, concluindo-se assim que o Réu não tinha na sua titularidade qualquer montante entregue pelo Autor a título de sinal (porque o tinha devolvido), e como tal, tornou-se impossível accionar a cláusula penal;
    T. O Réu devolveu o sinal há muito tempo (em 1994) assim como compensou o Autor pelos danos causados a título de mora, pelo que tendo sido devolvido o sinal e paga a indemnização pela mora, devemos concluir que o contrato se extinguiu por impossibilidade objectiva por causa não imputável ao devedor, o Réu, nos termos do artigo 779º do Código Civil.
    Nestes termos, entende, deve o presente recurso ser julgado procedente, e em consequência determinada a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que determine a absolvição do 1.° Réu dos pedidos do A.
    
    2. B, recorrido nos autos acima referenciados, contra-alega, em suma:
     A estipulação de uma verdadeira cláusula resolutiva no contrato promessa em causa é facto incontestável, nomeadamente nos termos em que foi levado às alíneas D) e E) da matéria de facto.
     O evento previsto para o operar da cláusula resolutiva convencionada verificou-se e foi dado como provado na alínea F) da matéria de facto assente.
    Com a verificação do evento resolutivo, o promitente comprador, ora Recorrido, ficou constituído no direito potestativo de resolver unilateralmente o contrato - "o direito de se recusar a celebrar a escritura" - , e o promitente vendedor, ora Recorrente, ficou constituído na obrigação "de indemnizar o 2.º outorgante do dobro do montante ora pago a título de sinal e de princípio de pagamento".
    Perante um evento resolutivo tão taxativo como o convencionado, não tem cabimento averiguar, como não se averiguou nos autos, se o incumprimento foi ou não devido a culpa do promitente vendedor.
    Nem na petição inicial, nem na contestação se poderá encontrar qualquer facto alusivo à alegação, feita na conclusão D) das doutas alegações, de que "O Autor não só nunca manifestou a sua intenção de resolver o contrato como ainda sempre insistiu pelo cumprimento do contrato promessa ao longo de todos estes anos, mesmo após ter aceite o pagamento no montante de HKD40,000,000,00".
    Além da completa irrelevância de tal alegação, face à realidade insofismável da cláusula resolutiva provada no julgamento da matéria de facto e do exercício, agora, através desta acção, do direito potestativo dela resultante, sempre se dirá que não é legítimo invocar nas alegações de recurso um facto de todo ausente dos autos, porque ninguém o alegou nem pôde ser presumido pelo tribunal.
    Por dois modos pode vir a ocorrer a resolução de um contrato, um é a resolução legal como consequência de condicionalismos previstos na lei, outro é a resolução voluntária decorrente de uma cláusula resolutiva convencionada pelas partes.
    Talvez por a cláusula resolutiva não ser muito frequente no conteúdo convencionado dos contratos, o Recorrente confunde-a com a resolução legal ao trazer à colação condicionalismos do cumprimento ou incumprimento próprios desta (interpelação, mora, culpa, etc.). São realidades distintas.
    Na verdade, não faz sentido falar de interpelação, mora, incumprimento de um contrato com ou sem culpa, condicionalismos da resolução legal, quando o credor tem na mão, por força de cláusula resolutiva acordada no mesmo contrato, o direito potestativo de pôr termo a este quando muito bem entender, logo que se verifique, como aconteceu no caso, a falta de cumprimento, não importa se com culpa ou ausência dela, na data limite acordada na cláusula resolutiva.
    É este direito potestativo que o Recorrido se encontra a exercer com nesta acção ao exigir o pagamento da contrapartida indemnizatória da resolução concomitantemente estipulada.
    Em suma, se de interpelação, mora, incumprimento ou culpa foi pertinente falar nesta acção, foi tudo a propósito do incumprimento pelo Réu Recorrente da prestação pecuniária indemnizatória devida pela cláusula resolutiva, e não do incumprimento da prestação de facto (venda prometida) do contrato promessa em si mesmo, definitivamente dispensada pela actuação potestativa da cláusula resolutiva.
    Ficou por apurar mediante prova nos autos qual foi o motivo da falta da apresentação pelo promitente vendedor da documentação necessária para a escritura.
    Ficou, nomeadamente, por provar, e não foi em tempo alegado, se algum daqueles dois motivos - ou qual deles, ou se nenhum deles - teve a ver com essa falta da apresentação da "documentação necessária".
    O que não tem qualquer relevância perante o facto que se tomou certo nos autos: "Até à data de 30 de Abril de 1993, convencionada como tempo limite para a celebração da escritura da venda prometida pelo Réu marido, este não apresentou ao Autor a documentação necessária para o efeito" (al. F) da matéria de facto assente).
    O Recorrente, esquecendo que é na contestação que se alegam factos defensivos relevantes e que é em julgamento que os mesmos se podem vir a tomar definitivamente certos, vem agora alegar a sua "opção" pelo motivo que dá, sem mais, como apurado: "se o terreno objecto deste contrato não for propriedade perfeita".
    Era mister ter alegado e provada em momento próprio do processo por que motivo é que o terreno está omisso no registo.
    A alegada nulidade invocada pelo Recorrente é de todo impertinente quando a eventualidade de o terreno não ser de "propriedade perfeita" foi prevenidamente contemplada no teor da cláusula resolutiva entre as razões eventuais que poderiam levar à inobservância da data limite para a celebração da escritura da venda.
    Todavia, a única razão dada e provada nos autos para esta inobservância foi: Réu marido "não apresentou ao Autor a documentação necessária para o efeito".
    Na alínea G) da matéria o facto assente foi especificado que "Em 13 de Agosto de 1994, a Companhia de Importação e Exportação C, Lda. entregou ao Autor a quantia de HK$40,000,000, 00".
    Depois, em julgamento, o Tribunal Colectivo deu como provado na resposta ao quesito 1.° que o pagamento deste valor foi "efectuado a título de indemnização referida na alínea E) dos factos assentes"; e, com as respostas "não provado" aos quesitos 5.° e 6.°, negou a pretensão do Réu Recorrente de tal pagamento constituir a "indemnização final e definitiva" da cláusula resolutiva.
    Portanto, está fixada a matéria de facto de que resulta a conclusão de que está por pagar a parcela de HK$20,000,000,00 da indemnização de HK$60,000,000,00 estipulada como contrapartida da cláusula resolutiva do contrato.
    Tudo isto, em resultado da confissão feita pelo Autor Recorrido nos artigos 9.° a 11.° da petição inicial baseou-se no escrito de fls. 13, intitulado "acordo de hipoteca para empréstimo", na crença de que o empréstimo e pagamento aí referidos se tinham realizado.
    Soube-se mais tarde, pela contestação de fls. 67-83 feita pela Companhia C, Lda ao pedido de reembolso do "empréstimo" da acção proposta por D Investment Co. Ltd, que o "empréstimo" não teve concretização, e só então se compreendeu que tanto esta acção como a confissão acima referida resultaram de um equívoco motivado pela apresentação ao Advogado do referido escrito, sem a informação de que o empréstimo não chegou a realizar-se, nem o pagamento a que se destinaria.
    O Recorrido não põe em causa o efeito de pagamento que resultou da sua confissão, até porque não requereu, em tempo e em acção própria, a anulação permitida pelo artigo 243.° do Cód. Proc. Civil.
    Pelas razões que se acabam de desenvolver, entende que deve ser negado provimento ao recurso.
    3. Foram colhidos os vistos legais.
    
    II - FACTOS
    Vêm provados os factos seguintes:

“B, titular do passaporte da R. P. China n.º 8XXXX6, celebrou com o R. marido, em 21 de Julho de 1992, um contrato-promessa de compra e venda pelo qual o R. marido se obrigou a vender e o B se obrigou a comprar o prédio rústico situado em XX, Coloane, constituído por um terreno com a área de 19600m2, equivalentes a 2XXXX6 pés quadrados, a confrontar do norte com talhão n.º XX, a leste com o talhão n.º XX, a sul com os talhões n.ºs XX e XX e a oeste com os talhões n.ºs XX e XX, omisso na matriz e no Registo Predial, de cujo teor ora aqui se dá por integralmente reproduzido. (A)
No acto da celebração do contrato-promessa, o R. marido recebeu do supra mencionado B, a título de sinal e princípio de pagamento, HKD$30.000.000,00. (B)
Na parte introdutória do contrato-promessa, o R. marido declarou ser promitente-comprador do terreno acima identificado por contrato-promessa celebrado em 22 de Março de 1973 com E, entretanto falecida, e que, por acordo de 1 de Junho de 1992, os respectivos herdeiros confirmaram aquele contrato-promessa e comprometeram-se a celebrar a escritura da compra e venda “logo que terminado o processo de herança e partilhas”. (C)
Foi acordado entre os promitentes comprador e vendedor que o processo relativo à herança de E “deve estar concluído, de molde a que até 30 de Abril de 1993, possa ser celebrada a escritura de compra e venda do contrato aqui prometida”. (D)
E ainda: “se o processo da herança não estiver completo de molde a escritura poder se outorgada até à data prevista na cláusula anterior ou, ainda, se o terreno objecto deste contrato não for propriedade perfeita, o 2º outorgante tem o direito de se recusar a celebrar a escritura e o 1º outorgante tem de indemnizar o 2º outorgante no dobro do montante ora pago a título de sinal e princípio de pagamento”. (E)
Até à data de 30 de Abril de 1993 convencionada como tempo limite para a celebração da escritura da venda prometida pelo R. marido, este não apresentou ao B a documentação necessária para o efeito. (F)
Em 13 de Agosto de 1994, a Companhia de Importação e Exportação C, Lda. Entregou ao B a quantia de HKD$40.000.000,00. (G)
Os RR. estão casados no regime supletivo de bens da lei chinesa, correspondente ao regime de comunhão de adquiridos. (H)
O pagamento no montante de HKD$40.000.000,00 a que alude a alínea G) foi efectuado a título de indemnização referida na alínea E) dos factos assentes. (1º)
O A. é a mesma pessoa que celebrou o contrato-promessa a que alude a alínea A) da matéria dos factos assentes. (4º)”
    
    III - FUNDAMENTOS
1. O objecto do presente recurso passa pela análise das seguintes questões:
- Do Incumprimento do Contrato-Promessa;
-

2. Nota prévia
    Não se deixa de secundar a observação feita pelo recorrido de que só agora o recorrente vem suscitar questões que não fez ao longo da acção e na parte em que essas questões extravasem a configuração jurídica da relação em presença não se deixará de retirar daí as devidas consequências.
    Importa registar as posições que as partes tomaram na acção a fim de vermos as posições distintas que ora se assumem:
    Por parte do Autor:
    - Pretendeu o pagamento de HK$20,000,000,00 em dívida da indemnização de HK$60,000,000,00 convencionada no contrato promessa de compra e venda para a hipótese, que se verificou, de não poder ter sido realizada, até à data prevista no mesmo contrato, a escritura de compra e venda prometida;
    
    Por parte do Réu :
    - Tirando partido de um pagamento acidentalmente confessado na petição inicial de HK$40,000,000,00, teve a pretensão de que este pagamento era fruto de um acordo que alterou para o mesmo montante a indemnização de HK$60,000,000,00 originariamente convencionada, a qual, por isso, devida ser considerada paga.
    
    E mais não pretendeu o Réu na sua contestação. Nomeadamente,
    - não pôs em causa, com factos devidamente alegados, a validade do contrato promessa;
    - não pôs em causa os fundamentos da resolução do contrato-promessa que fundamenta a dívida indemnizatória reclamada pelo Autor;
    - não pôs em causa a própria convenção de indemnização de HK$60,000,000,00, antes implicitamente a aceitou ao limitar-se a pretender que o seu montante fora alterado para outro por acordo posterior;
    - em suma, não discutiu nem minimamente abordou nenhum dos outros temas possíveis próprios da economia do contrato promessa, que só agora põe em causa tais como: a interpelação, a mora, a culpa, o incumprimento, a restituição sinal, etc.
    
    Surpreendentemente, como bem anota o recorrido, procede como se estivesse a reiniciar a defesa da causa, guardando para as alegações do recurso a invocação de verdadeiras excepções que não arguiu na contestação, assim como levantou questões que pressupõem factos de todo ausentes da discussão da causa, sem, por outro lado, se importar de ir contra factos já irrevogavelmente julgados.
    
3. Do Incumprimento do Contrato-Promessa
    Da necessidade de interpelação para constituição em mora e em incumprimento e culpa como requisitos da cláusula penal
    3.1. Discorda o recorrente do entendimento vertido na sentença de que as partes estabeleceram no contrato uma cláusula resolutiva.
    Está em causa a seguinte cláusula:
    "se o processo da herança não estiver completo de molde a escritura poder ser outorgada até à data prevista na cláusula anterior ou, ainda se o terreno objecto deste contrato não for propriedade perfeita, o 2.º outorgante tem o direito de se recusar a celebrar a escritura e o 1.º outorgante tem de indemnizar o 2.º outorgante no dobro do montante ora pago a título de sinal e princípio de pagamento".
    Numa argumentação algo rebuscada, o recorrente entende que o que ali se pressupõe é que o 1.° réu e promitente vendedor teria que agendar a escritura de compra e venda do imóvel objecto do litígio, que em seguida o autor e promitente comprador teria o direito de se recusar a celebrar a mesma e que essa recusa iria activar o direito do autor a ser indemnizado.
    Seria necessário, para que a resolução operasse, a emissão de uma declaração negocial de qualquer das partes nesse sentido, dali resultando antes o direito potestativo do promitente-comprador a obstar ao cumprimento do contrato caso não se verificassem determinados pressupostos (i.e., a conclusão do processo de herança e ou a natureza de propriedade perfeita do terreno).
    Mesmo a entender-se que estaríamos perante uma cláusula resolutiva, sempre se dirá que a mesma nunca operaria de forma automática, sendo sempre necessário que o Autor exercesse o direito potestativo a recusar a celebração da escritura e a manifestar a intenção de resolver o contrato.
    Resultaria até claro da matéria dada como provada que o autor não só nunca manifestou a sua intenção de resolver o contrato como ainda insistiu sempre pelo cumprimento do contrato promessa ao longo de todos estes anos, mesmo após ter aceite o pagamento no montante de HKD40.000.000,00.
    
    3.2. Sobre a alegada ausência da cláusula resolutiva contrapõe o recorrido que a estipulação de uma verdadeira cláusula resolutiva no contrato promessa em causa é facto incontestável, nomeadamente nos termos em que foi levado às alíneas D) e E) da matéria de facto assente.
    
    3.3. Se é verdade que estes termos contêm muito claramente o desenho típico da cláusula resolutiva: a fixação de uma data limite para o cumprimento do contrato e o reconhecimento expresso ao credor promitente-comprador do direito de recusar a celebração da escritura depois dessa data, se contêm ainda os mesmos termos a contrapartida da resolução estipulada em estreita ligação com a cláusula resolutiva, a saber: "o 1.º outorgante tem de indemnizar o 2.º outorgante do dobro do montante ora pago a título de sinal e de princípio de pagamento", importa não esquecer que os termos adoptados em tal cláusula não estabelecem a resolução como automaticamente decorrente de um prazo ou da verificação das condições resolutivas de forma a que, preenchidos esses condicionalismos a resolução operasse automaticamente.
    
    3.4. Trata-se de uma questão de interpretação negocial e é equacionada na Doutrina em termos tais que se constata que se as partes convencionam que o cumprimento de um contrato-promessa deverá verificar-se até certo momento, hipótese, em que, referido o prazo ao cumprimento das obrigações, não é de duvidar que se trata de um prazo destas (das obrigações), desencadeador do respectivo vencimento; em dúvida pode ficar isso sim se o prazo convencionalmente estabelecido é ou não essencial, isto é, se o seu esgotamento, sem que tenha havido cumprimento, basta ou não para constituir o devedor numa situação de definitivo não cumprimento.
    Há porém, autores, como Inocêncio Galvão Telles, que, referindo-se ao prazo final para o cumprimento de uma promessa sinalagmática, sustentam que há que ver, em cada hipótese, se se quer estabelecer um prazo findo o qual o contrato caduca1, automaticamente, ou findo o qual assistirá a qualquer das partes ou a uma delas o direito de o revogar, se, entretanto, não tiver sido cumprido,2 isto é, que parecem interpretar tal prazo, como referido à duração do contrato.
    Interpretando aquela posição, Ana Prata3, considera que o que está em causa é o cumprimento das obrigações a que os contratantes se obrigam e diz que se a promessa bilateral tiver um prazo de cumprimento das respectivas obrigações que seja essencial, o não cumprimento de qualquer delas por causa não imputável ao devedor, sendo definitivo, rege-se pelas normas aplicáveis à impossibilidade não culposa de cumprimento, desencadeando, assim, nos termos do art. 779º do CC, a extinção da obrigação não cumprida; e porque o contrato é bilateral extingue-se também a respectiva obrigação que ao credor daquela cabia por força do art. 784º do CC. Se o não cumprimento for imputável ao devedor, porque ele é definitivo, aplica-se-lhe o regime do artigo 790º do CC, que confere ao credor da obrigação incumprida o direito de resolver o contrato bilateral, com fundamento nesse incumprimento.
     Assente que o prazo convencionalmente estabelecido respeita ao cumprimento das respectivas obrigações, importa indagar, tal como no de qualquer obrigação a prazo, se se trata ou não de prazo essencial, dependendo a solução da interpretação da vontade negocial.
    Se se tratar de prazo essencial subjectivo, expresso ou tácito, depende da interpretação da convenção da atribuição de carácter essencial ao prazo a determinação dos efeitos do seu esgotamento sem que tenha havido incumprimento: pode ele significar o automático incumprimento definitivo da obrigação, caso em que se qualifica de absoluto, ou pode, constituindo para o credor o direito de resolução e de recusa da prestação, ser compatível com uma exigência de cumprimento tardia pelo credor, caso em que será qualificado como relativo.4
     3.5. Estamos então em condições de nos pronunciar sobre a natureza do prazo aposto no contrato-promessa em presença, tendo em vista o cumprimento das obrigações assumidas, não se nos oferendo dúvidas de que estamos perante um prazo essencial subjectivo com o sentido de uma simples cláusula resolutiva, mas que não opera por si só a caducidade do contrato.
    Na verdade, ali se diz que, verificadas tais condições, o promitente comprador tem o direito de recusar a celebrar a escritura. Daqui decorre que tem de manifestar a vontade nesse sentido, bem podendo acontecer que, não obstante a inverificação daquelas condições, mantenha o interesse na celebração do contrato.
    Como observa J. Baptista Machado a regra, segundo os usos da vida, “é a de que o termo essencial subjectivo tem o sentido de uma simples cláusula resolutiva e que o termo subjectivo absolutamente essencial tem carácter”excepcional” ... e na dúvida, ou seja, de um concurso inequívoco de circunstâncias se não conclui com segurança que o termo é absoluto, ele deve ser interpretado como relativo ...no caso de se ter estipulado um termo essencial com a declaração de que a realização da prestação após o prazo-limite não valerá como cumprimento, ou que uma das partes se reserva o deireito de não cumprir o contrato posterior a essa data, deverá entender-se que o credor pode, vencido infrutiferamente o prazo, declarar a resolução do contrato, ou recusar a prestação e considerar a obrigação como definivamente não cumprida”, com os efeitos do artigo 790º do CC, se o incumprimento é culposo, assim como pode ainda, à sua escolha, exigir a prestação e a indemnização pelos danos moratórios, se houver lugar a eles.5
    Estamos assim em crer que, no caso, se tornava necessário transformar a mora, resultante do estabelecimento desse prazo, ainda que essencial, em incumprimento definitivo, mediante uma declaração do credor cumpridor ao devedor inadimplente e neste sentido não deixa, em tese, de ter razão o réu, ora recorrente.
    Encontrando-se estabelecido um termo para as duas obrigações assumidas pelo promitente-vendedor, não se dispensará a comunicação do promitente-comprador para operar o vencimento da obrigação, na medida em que, não obstante sendo o termo certo, não se encontra fixado com precisão, por um lado, que o promitente quer recusar o contrato prometido, por outro, importando conhecer o momento, data, dia e hora em que ele deve ser celebrado. É que as obrigações não se vencem enquanto o promitente que tem conhecimento do facto não comunicar à outra parte o esgotamento do termo previsto.6
    
    3.6. De qualquer modo, não obstante a existência de uma cláusula habilitante à resolução, chamemos-lhe assim, o facto é que, vista a necessidade de uma comunicação resolutiva, fosse ela uma verdadeira interpelação, ou traduzisse ela um dever instrumental da parte interessada na resolução, importa ler os factos que vêm provados e perceber o que realmente se passou.
    Não vem fixado o facto correspondente a uma emissão declarativa negocial do promitente-comprador no sentido de que pretendia exercer o direito que contratualmente lhe assistia de recusar o negócio prometido. É verdade, mas não deixa de vir provado um facto muito relevante e que nos dá conta que as partes assumiram a destruição daquele negócio prometido, assumiram a impossibilidade de realização do negócio prometido, na exacta medida em que vem provado que

“se o processo da herança não estiver completo de molde a escritura poder se outorgada até à data prevista na cláusula anterior ou, ainda, se o terreno objecto deste contrato não for propriedade perfeita, o 2º outorgante tem o direito de se recusar a celebrar a escritura e o 1º outorgante tem de indemnizar o 2º outorgante no dobro do montante ora pago a título de sinal e princípio de pagamento”.
Em 13 de Agosto de 1994, a Companhia de Importação e Exportação C, Lda. entregou ao B a quantia de HKD$40.000.000,00. (G)
O pagamento no montante de HKD$40.000.000,00 a que alude a alínea G) foi efectuado a título de indemnização referida na alínea E) dos factos assentes. (1º).

3.7. O que vale por dizer que as partes acordaram na resolução do negócio, pois só assim se compreende o pagamento dos quarenta milhões a título de indemnização. Indemnização, porquê? Por causa do incumprimento do promitente vendedor que, por uma razão ou por outra, ou porque não obteve a propriedade perfeita, ou porque o processo sucessório de que dependeria a obtenção da coisa, objecto do contrato, por si prometida adquirir, não se consumou, ou por uma outra qualquer razão que não vem por si invocada.
Parece-nos indiscutível este facto e bem elucidativo de que as partes deram o contrato por resolvido.

3.8. Aliás, se bem observarmos a contestação, a posição que o réu aí assume, não é a de impugnar a resolução do negócio, antes dizendo que já está tudo resolvido, pois pagou os quarenta milhões e que as partes acordaram em que a indemnização pelo incumprimento do promitente-vendedor em que ficasse por aí e já não pelos sessenta milhões que haviam sido estipulados no contrato.
Não se provando essa tese, essa defesa exceptiva e impugnatória por banda do promitente-vendedor, tanto bastaria par nos ficarmos por aí e ter esse facto como a pedra de toque na resolução, a descontento do réu nesta acção.
Nesta conformidade, tal como dissemos no início, já não se pode aceitar uma alegação que só agora surge, oposta à mantida na contestação, negando-se um incumprimento que tacitamente não deixou ali de ser aceite.

3.9. A questão que se pode colocar será o da determinação do momento em que tal ocorreu.
    O evento previsto para o operar da cláusula resolutiva convencionada verificou-se e foi dado como provado na alínea F) da matéria de facto assente:
    - Até à data de 30 de Abril de 1993, convencionada como tempo limite para a celebração da escritura da venda prometida pelo Réu marido, este não apresentou ao Autor a documentação necessária para o efeito (al. F) da matéria de facto assente).
    Com a verificação do evento resolutivo, o promitente comprador, ora recorrido, ficou constituído no direito potestativo de resolver unilateralmente o contrato - "o direito de se recusar a celebrar a escritura" - , e o promitente vendedor, ora recorrente, ficou constituído na obrigação "de indemnizar o 2.º outorgante do dobro do montante ora pago a título de sinal e de princípio de pagamento".
    Diz o recorrido que o promitente-comprador exerce o direito potestativo de resolução mediante esta acção, exigindo o pagamento da contrapartida indemnizatória convencionada como consequência da mesma resolução.
    Como vimos, temos para nós que a resolução do negócio terá sido operada até num momento anterior ao pagamento de dois terços da indemnização acordada de sessenta milhões de dólares de Hong Kong.
    É questão, no entanto, que perante esta posição fica ultrapassada.
    
    4. Da culpa
    Fomos já adiantando que o incumprimento resultou de uma impossibilidade das obrigações contratuais que o promitente-vendedor claramente assumiu. Perante um evento resolutivo taxativo como o convencionado, não havendo dúvidas de que estamos perante obrigações que incumbiam ao promitente-vendedor - assegurar a propriedade perfeita e a concretização do seu contrato-promessa com os herdeiros da promitente vendedora que lhe prometera vender o prédio - não tem cabimento averiguar, como não se averiguou nos autos, se o incumprimento foi ou não devido a culpa do promitente vendedor.
    Na verdade, citando ainda Baptista Machado,
    "Para efeitos de resolução não é absolutamente essencial proceder a um juízo de responsabilidade: basta um juízo de inadimplemento. Significa isto que a resolução, em si mesma, não tem, como a indemnização, o carácter de uma sanção dirigida contra o inadimplente, mas, antes, o carácter de um remédio ou expediente facultado ao credor que, em último termo, tem a sua raiz no carácter sinalagmático da relação contratual em causa".7
    Vale aqui o disposto no artigo 788º, n.º 1 do CC que prevê: “Incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua.”
    O recorrente não alegou o que quer que fosse no que respeita a uma causa que afastasse essa presunção, ficando-se sem saber qual a razão real por que o negócio não foi por diante.
    Para além de que o inadimplemento não culposo não exonera o devedor quando ele promete o cumprimento haja o que houver.8
    
    5. Sobre a alegação infundada de que o promitente comprador "sempre insistiu pelo cumprimento do contrato promessa"
    Esta alegação factual é inadmissível, na exacta medida em que o recorrente não a invocou nos articulados, nem sequer foi levada à base instrutório.
    E mais não seria preciso dizer.
    De todo o modo, tendo-se concluído pela resolução do contrato, a matéria alegada sempre estaria em contradição com aquela base factual que se tem por assente.
    Na verdade, os factos apontam no sentido de que, se alguma insistência houve por parte do recorrido, só pode ter sido para exigir o pagamento da indemnização convencionada como contrapartida da resolução - a mesma que terá culminado na necessidade de propor esta acção -, realidade bem diferente de uma insistência pelo cumprimento do próprio contrato promessa.
    
    6. Sobre a alegada nulidade do contrato promessa
    6.1. Estanhamente só agora o recorrente vem dizer que o contrato-promessa era nulo, basicamente, por impossibilidade legal do seu objecto, já que naquelas condições não seria possível ter prometido vender um prédio em propriedade perfeita, o que seria manifestamente ilegal e impossível. Coloca-se ele na perspectiva dos condicionalismos do incumprimento do contrato promessa, quando só está em causa o incumprimento da prestação indemnizatória da cláusula resolutiva convencionada, ao alegar a nulidade por impossibilidade do objecto.
    
    6.2. Em termos não jurídicos aquilo que qualquer pessoa sensata se interrogaria, era se o promitente-vendedor não sabia o que estava a prometer? E se sim, se já tinha conhecimento disso, estaria a enganar terceiros; se não, então muito menos será de exigir à parte contrária contratante que confia e não tem que saber em que situação o prédio se encontra, ou pelo menos não se alega que soubesse ou tinha a obrigação de saber que tal não era possível.
    Até porque o prédio poderia não estar em propriedade perfeita e bem podia acontecer que o viesse a estar, no caso de qualquer direito real menor que viesse a ser extinto em qualquer momento.
    
    5.3. De qualquer forma, a alegada nulidade tem de ceder quando a eventualidade de o terreno não ser de "propriedade perfeita" foi prevenidamente contemplada no teor da cláusula resolutiva entre as razões eventuais que poderiam levar à inobservância da data limite para a celebração da escritura da venda. Isto é, se as próprias partes previnem a eventualidade de o negócio se vir a tornar impossível, por o seu objecto desaparecer do mundo físico ou legal, não se vê razão para não tutelar a vontade negocial de se vincularem às prestações que livremente assumiram. O que é diferente da impossibilidade originária, quando exista no momento da conclusão do contrato e for comum a ambas as partes, requisito que não é líquido observar-se no caso sub-judice, ainda que a nulidade tenha lugar independentemente de as partes conhecerem ou deverem conhecer o vício de que padece o objecto negocial.9
    Tudo estaria bem se o objecto do contrato-prometida houvesse ou pudesse ter sido configurado como legalmente impossível por ambas as partes. Ora, sobre isso, factualidade demosntrativa desse pressuposto, o que temos? Nada.
    Nem sequer continuamos a saber se esse prédio era passível ou não de propiedade perfeita, ou, sequer, se foi por essa razão que o negócio se frustrou.
    A única razão dada e provada nos autos para esta inobservância foi: o réu marido "não apresentou ao Autor a documentação necessária para o efeito".
    O teor da cláusula resolutiva fixa fundamentalmente a data limite para o cumprimento do contrato, ou seja, para a celebração da escritura da venda prometida; e faz referência a dois motivos que poderiam inviabilizar a celebração da escritura dentro daquela data limite: "se o processo da herança não estiver completo de molde a escritura poder ser outorgada até à data prevista na cláusula anterior ou, ainda, se o terreno objecto deste contrato não for propriedade perfeita".
    Como já se disse, ficou por apurar mediante prova nos autos qual foi o motivo da falta da apresentação pelo promitente vendedor da documentação necessária para a escritura.
    O que não tem qualquer relevância perante o facto que se tomou certo nos autos: "Até à data de 30 de Abril de 1993, convencionada como tempo limite para a celebração da escritura da venda prometida pelo Réu marido, este não apresentou ao Autor a documentação necessária para o efeito”.
    
    5.4. Do teor da alínea A) da matéria de facto assente consta apenas, com origem no escrito particular do contrato-promessa em causa, que o terreno prometido é "omisso na matriz e no registo predial". Sobre este facto elucubra o recorrente de que, daí, o prédio estaria necessariamente sujeito a enfiteuse, detendo a Fazenda o domínio directo e sendo apenas o domínio útil passível da titualridade privada.
    A lei da contribuição predial não prevê um cadastro de prédios rústicos para efeitos de contribuição predial e de tal juízo abstracto não se pode inferir, sem mais, o estatuto do imóvel no sentido de ser ou não ser de ''propriedade perfeita".
    Também da simples menção "omissão no registo", proveniente de um simples documento particular, não é legítimo inferir, sem mais, que o terreno não é ''propriedade perfeita".
    Essa omissão pode ficar a dever-se a outros factores, não só porque não existe de todo título de aquisição da propriedade, perfeita ou imperfeita, mas ainda porque nunca foi submetido a registo o título de aquisição da propriedade de que o seu titular eventualmente disponha.
    Acresce que também que o registo predial nunca foi obrigatório em Macau, pelo que a simples omissão nele não autoriza o juízo de que não existe título deste ou daquele direito sujeito à sua publicidade.
    O facto é que ficamos sem saber se o prédio é passível ou não de propriedade perfeita, nada resultando dos autos que defina o respectivo estatuto, não havendo elementos para que este tribunal possa afirmar que esse terreno entrou ou não antes do estabelecimento da RAEM no domínio da propriedade privada, pelo que não é possível declarar o negócio nulo por impossibilidade legal do seu objecto.
    
    6. Da pretensa devolução do sinal e ressarcimento pela eventual mora no incumprimento em que o Réu incorreu.
    Na alínea G) da matéria o facto assente foi especificado que "Em 13 de Agosto de 1994, a Companhia de Importação e Exportação C, Lda. entregou ao Autor a quantia de HK$40,000,000, 00".
    Depois, em julgamento, o Tribunal Colectivo deu como provado na resposta ao quesito 1.° que o pagamento deste valor foi "efectuado a título de indemnização referida na alínea E) dos factos assentes"; e, com as respostas "não provado" aos quesitos 5.° e 6.°, negou a pretensão do réu, ora recorrente de tal pagamento constituir a "indemnização final e definitiva" da cláusula resolutiva.
    Como vimos, esta questão consubstancia a causa de pedir, sendo que o autor promitente comprador veio pedir o remanescente do dobro do sinal face ao incumprimento dfinitivo do réu promitente vendedor que não logrou até ao dia aprazado fornecer a documentação atinente à realização do negócio prometido.
    Está, pois, fixada a matéria de facto de que resulta a conclusão de que está por pagar a parcela de HK$20,000,000,00 da indemnização de HK$60,000,000,00 estipulada como contrapartida da cláusula resolutiva do contrato.
    Essa matéria de facto não vem impugnada, pelo que se tem de ter por assente nos exactos termos em que foi consignada.
    A alegada confissão feita pelo autor recorrido nos artigos 9.° a 11.° da petição inicial ( respeitante ao recebimento de quarenta milhões de dólares de Hong Kong que teriam sido obtidos por empréstimo da C.ª de Importação e Exportação C, Lda junto da D Investment Co, Ltd), como ele próprio explica, ter-se-á baseado no escrito de fls. 13, intitulado "acordo de hipoteca para empréstimo", na crença de que o empréstimo e pagamento aí referidos se tinham realizado.
    Veio ele mais tarde a ter conhecimento, pela contestação apresentada, pela Companhia C, Lda, noutro processo, ao pedido de reembolso do "empréstimo" da acção proposta por D Investment Co. Ltd, que o "empréstimo" não teve concretização, facto de que só soube, após a propositura da acção, pelo que foi por ter sido induzido em erro que invocou tal empréstimo na sua p.i.
    Alega desta forma o recorrido que não pôs em causa o efeito de pagamento que resultou da sua confissão, até porque não requereu, em tempo e em acção própria, a anulação permitida pelo artigo 243.° do Cód. Proc. Civil.
    
    O que conta afinal é o apuramento, por um lado, de que a quantia paga, o foi para pagamento parcial da indemnização pelo não cumprimento do contrato; por outro, não se provando, que o sinal estava todo pago, na ausência de qualquer acordo nesse sentido, como pretendia o réu, ora recorrente, que falta pagar o restante.
    
    Em face do exposto não deixará de se negar provimento ao recurso.
    
    IV – DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
    Custas pelo recorrente.
Macau, 24 de Julho de 2014,


_________________________
João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
(Relator)

_________________________
Ho Wai Neng
(Primeiro Juiz-Adjunto)

_________________________
José Cândido de Pinho
(Segundo Juiz-Adjunto)

1 - Vd. o ac. do STJ, de 12/1/1971, bmj203, 153, onde se entendeu que o não cumprimento do contrato-promessa em certa data, sem culpa de qualquer das partes, teve como efeito que o contrato caducou.
2 - Dto das Obrigações, 6ª ed., 109
3 - O Contrato Promessa e o seu Regime Civil, Almedina, Reimp. 2001, 635
4 - Ana Prata, ob. cit. 637
5- in Pressupostos da resolução por incumprimento, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor J.J Teixeira Ribeiro, Juridica, BFDUC, 1979, 190 e segs
6 - Numa aproximação à situação configurada, tal como a do caso em presença, vd. ac. do STJ, de 19/3/1985, BMJ345, 400
7 - ob. cit.,
8 - Almeida Costa, Obrigações, 3ª ed., 758
9 - Mota Pinto, Teoria Geral, 1967, 306
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676/2013 36/36