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Processo n.º 215/2014
(Recurso cível)

Relator: João Gil de Oliveira
Data : 24/Julho/2014


ASSUNTOS:
- Marcas;
- Carácter distintivo
- Sã concorrência.
- Denominação geográfica, COTAI

SUMÁRIO :
     1. A marca é um sinal distintivo de produtos ou serviços propostos ao consumidor.
     2. Os interessados no registo de uma marca não podem deixar de gozar, na sua constituição, de uma grande liberdade que terá, contudo, como limite a margem de manobra e de iniciativa que os outros operadores do mercado não podem perder através do registo de uma "marca" de tal forma genérica e abrangente de atributos ou qualidades comuns que restrinjam uma livre e sã concorrência.
     3. Uma denominação geográfica pode integrar uma marca, mas deve revestir uma natureza neutra. Quando essa neutralidade não existir e houver o risco da marca induzir em erro o público acerca da proveniência geográfica do produto ou serviço, o seu registo deve ser recusado, por aplicação do disposto na alínea b) do nº 2 do art. 214º do RJPI.
     4. A natureza distintiva, genérica e usual, quando projectada numa situação concreta pode perder a capacidade distintiva passando a conflituar com outros valores prosseguidos pela regulação da Propriedade Industrial.
     5. As marcasA e B, se, por um lado, abstractamente, se podem considerar uma composição de fantasia, bem podendo haver muitos outros clubes no Cotai, bem podendo ser legítima a pretensão do seu registo, por outro, a apropriação a todo o custo por uma determinada expressão, altamente disputada, numa guerra marcária que é do conhecimento público, faz-nos recuar, postergando alguns princípios do Direito das marcas em nome de outros, como sejam os da transparência e livre concorrência.
     
              O Relator,
              João A. G. Gil de Oliveira




















Processo n.º 215/2014
(Recurso Cível)
Data : 24/Julho/2014

Recorrentes : G

Recorrida : Direcção dos Serviços de Economia

    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
    1.G, tendo requerido, junto do Departamento da Propriedade Intelectual da Direcção dos Serviços de Economia de Macau, o registo das marcas nominativas e constituídas pelos sinais A (N/C e N/D) e B (NE e N/F), destinadas a assinalar serviços nas classes 35.ª e 41.ª, tendo visto indeferido o seu pedido, recorreu para o Tribunal Judicial de Base, aí sendo proferida sentença que confirmou aquela decisão.
    É desta sentença que vem interposto o presente recurso, apresentando nele as seguintes conclusões:
    a) As marcasA e Ba que se reportam os pedidos de registo N/C a N/F são marcas nominativas complexas, em cuja composição surge apenas uma palavra que pode ser considerada descritiva, já que constitui um topónimo: 路氹.
    b) 金光大道constitui, na marca em causa, expressão de fantasia, o que confere à marca um carácter geral de fantasiai não é um termo usual e só passou a ser utilizado por iniciativa da Recorrente, que o associou a路氹.
    c) A expressão金光大道corresponde, em português, a avenida de luz dourada.
    d) 加沙地帶não é uma referência geográfica mas antes um sinal de fantasia, que não corresponde a uma qualquer localização geográfica pré-existente e que faz alusão à Strip de Las Vegas, onde a Recorrente possui a sua sede e opera o H.
    e) As marcas A e Baludem a uma experiência decalcada daquela que a Strip de Las Vegas proporciona a quem a visita, o que só pode e na realidade é feito pela Recorrente, única operadora instalada em toda a zona do Cotai que também opera resorts integrados na Strip de Las Vegas.
    f) A utilização das marcasA e Bpor outros operadores é uma utilização enganadora.
    g) As marcasA e Bpossuem, assim, capacidade para distinguir, em função da origem, os produtos e serviços da Recorrente dos produtos e serviços de outros comerciantes.
    h) O público consumidor associa a expressão路氹金光大道 à Recorrente, pois que sabe tratar-se de uma marca que lhe está intimamente associada.
    i) Por sua vez, quanto aos dois últimos caracteres das marcas em causa, A e B, se o segundo possui o significado de “clube”, já o primeiro é uma designação própria que qualifica o clube e lhe confere distintividade.
    j) Ao considerar que as marcasA e Bsão compostas por sinais que designam apenas características de produtos ou serviços, isto é, a sua proveniência geográfica, e por termos usuais e correntes, a douta sentença recorrida procede a uma errada aplicação das normas contidas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 199.º e na alínea a) do n.º 1 do artigo 9.º do RJPI.
    k) Porém, mesmo que se entendesse que as marcasA e Bsão exclusivamente constituídas por expressões genéricas e usuais, o que se não aceita, sempre se dirá que adquiriram distintividade por força de uma utilização intensa, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 214.º do RJPI.
    l) Por força dessa utilização, o público consumidor associa a marca base路氹金光大道a produtos e serviços prestados pela Recorrente ou por empresas suas subsidiárias, associação que é válida também para qualquer marca mais complexa que incorpore esta expressão, como é o caso deA e B.
    Termos em que entende dever o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser proferido acórdão que conceda o registo das marcas N/C a N/F.
    
    2. A Direcção dos Serviços de Economia da Região Administrativa Especial de Macau, na pessoa do seu Director, responde, em síntese:
    Sendo a marca registanda constituída pelas caracteres A e B, os quais, no seu conjunto, poem servir comercio para designar a proveniência geográfica dos serviços, já que Avenida de luz dourada ou seja indica a zona central do Cotai e clube, é um termo usual, assimA e B, não são efectivamente susceptíveis de protecção nos termos da alínea b) e c) do artigo 199.°, n.º 1, do RJPI)
    Pelo exposto, não deve ser dado provimento ao recurso e manter-se assim, a douta sentença do Tribunal a quo, que confirmou o despacho recorrido de recusa.
    
    3. Foram colhidos os vistos legais.

    II - FACTOS
    Vêm provados os factos seguintes:

“- A recorrente, em 19 de Setembro 2008, requereu junto da DSE o registo das marcas a que foram atribuídos os N/D a N/E.
- Tais marcas são compostas pelos seguintes sinais: A e B
- As referidas marcas destinam-se a assinalar serviços das classes 35ª e 41ª .
- Por despacho de 1 de Julho de 2013, a DSE recusou os pedidos de registo das aludidas marcas nos termos do disposto nas al.b) e c) do nº1 do artº199, conjugadas com a al.a) do nº1 do artº9, ex vi al.a) do nº1 do artº214, todos do RJPI”
    III - FUNDAMENTOS
  
   1. O objecto do presente recurso passa por indagar se se deve manter o registo das marcas a que foram atribuídos os N/D a N/E, compostas pelos seguintes sinais: A e B, para assinalar serviços das classes 35ª e 41ª, tal como indeferido pela Direcção dos Serviços de Economia ou, ao invés, se se deve revogar a sentença proferida no TJB e que manteve a decisão aí recorrida.

2. Somos a sufragar no essencial o entendimento vertido na douta sentença que, pelo acerto, aqui se dá por reproduzida.
“Louva-se a DSE no disposto nas al.b) e c) do nº1 do artº199, conjugadas com a al.a) do nº1 do artº9, ex vi al.a) do nº1 do artº214, todos do RJIP, para fundar a sua decisão de recusa do registo da marca supra descrita.

Vejamos então.

Nas palavras de Coutinho de Abreu “as marcas são signos (ou sinais) susceptíveis de representação gráfica destinados sobretudo a distinguir certos produtos de outros produtos idênticos ou afins” – Cfr. A. cit. in Curso de Direito Comercial, VI., 4ª ed., pag.348

Esta noção reconduz-se, ao fim ao resto, à noção de marca que se pode retirar do enunciado artº197 do RJPI.

Dispõe este preceito que “só podem ser objecto de registo ao abrigo do presente diploma, mediante um título de marca, o sinal ou conjunto de sinais susceptíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, números, sons, a forma do produto ou a respectiva embalagem, que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas”.

Emerge destes enunciados, doutrinário e legal, pois, que a marca deve, sendo a “pedra de toque” da mesma, por definição e no cumprimento do seu escopo, ter relevantes capacidades distintivas, deve ser idónea, per si, de individualizar uma espécie de produtos ou serviços.

Por ser assim, estabelece a lei que não podem ser adoptadas como marcas as que sejam desprovidas de qualquer carácter distintivo (artº197 nº1 do RJPI, a contrário), o que sucede, por exemplo, nas situações previstas nas al. b) e c) do artº199 do RJPI.

A benefício da decisão, refere a lei, no artº199 nº1, al.c) do referido diploma, que “não são susceptíveis de protecção os sinais ou indicações que se tenham tornado usuais na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio”.

Nas palavras de Américo Carvalho, “pretende-se com esta disposição que não seja atribuído o exclusivo a alguém, de sinais ou denominações, cuja livre disponibilidade é necessária para que os empresários actuem eficientemente no mercado”.

Adianta ainda.

“Na verdade, os sinais que se tenham tornado correntes na linguagem ou nos hábitos leais e constantes, não diferem das marcas compostas exclusivamente por sinais que possam servir no comércio para designar a espécie, a qualidade do produto. Estes sinais têm de ser acessíveis a todos os comerciantes e dos quais nenhum pode ter o exclusivo” – Cfr. Autor cit., in Direito de Marcas, pág.253 e 254.

Ora, começando por aqui, como é do conhecimento comum, diremos que a expressão “Clube” corresponde a uma expressão genericamente utilizada nos espaços hoteleiros e afins, bem como noutros e em vários sectores da sociedade (por ex. no desporto), expressão essa que é usada na linguagem corrente.

Nessa medida não é tal expressão, componente utilizada nas marcas registandas, ainda que associado a um outro nome, susceptível de registo nos termos do predito preceito.

Argumentar-se-á que, nos termos do artº214 nº3 do RJPI, o facto de a marca ser constituída por aqueles sinais e indicações referidos na al. c) do nº1 do artº199º do RJPI, não constituem fundamento de recusa do registo desde que tenham adquirido carácter distintivo.

Diremos ainda: “… o registo (de sinais ou figuras comummente utilizados no mercado) deve ser negado apenas quando os sinais ou indicações de que a marca for exclusivamente composta se tiverem efectivamente tornado usuais na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio em relação aos produtos ou aos serviços para que tiver sido requerido o registo da referida marca, podendo ser concedido se não existir essa relação (….) ou se a marca incluir outros elementos que lhe forneçam suficiente capacidade distintiva” – Cfr. Código de Propriedade Industrial Anotado, coordenação de António Campinos e Luís Couto Gonçalves, 2010, pág.437.

É verdade, em termos dogmáticos estão os conceitos, a propósito necessários, convenientemente definidos e “arrumados”. O problema é a concretização dos mesmos nos casos da vida real.

É mesmo esta a grande e difícil tarefa que se nos depara sistematicamente, quer pela fluidez dos conceitos e princípios jurídicos onde nos devemos aportar (que estão estratificados, não há dúvida), quer pela grande componente subjectiva que envolve esta substancial apreciação: em situações de fronteira nunca estaremos preparados para afirmar peremptoriamente que é indubitável a capacidade distintiva ou não.

Pela nossa parte, na procura da melhor solução, diremos que no caso não temos dúvidas (pelo menos relevantes) quanto à qualificação da expressão (clube).

Ainda que associada a um qualquer nome, igualmente à expressão remanescente e nuclear posta em crise (avenida da luz dourada do COTAI), também não registável (diremos, essencialmente por isso mesmo), a expressão “clube” não é susceptível de registo porque não releva de virtualidade ou capacidade distintiva.

Quanto às demais componentes da marca, não dispomos de argumentos substancias que importem a alteração da jurisprudência que a propósito é dominante em Macau, nem sequer com a chamada à colação do disposto no artº214º nº3 do RJPI.

Com ela diremos que “A palavra Cotai é um vocábulo que exprime um local específico de Macau, uma zona e uma área geográfica do território. Por conseguinte, este sinal está excluído da norma limitativa de protecção” (artº199 nº1 al.b) do RJPI)– Cfr. Ac. do TSI de 17.3.2011, nº172/2008

De resto a expressão “avenida da luz dourada”, também utilizada, não mais é do que a referência específica e relevante do local mais importante do Cotai, ou seja, a Avª principal dos casinos e da qual todos se lembram quando se fala naquele sítio. Por isso mesmo, na conjugação com Cotai, a marca, neste segmento, “reduz-se” a uma referência geográfica concreta. Não mais do que isso.

A utilização destes sinais (avenida da luz dourada) não acrescenta nada mais à marca em termos de distintividade, senão a intenção de conceder um especial ênfase ao local donde são prestados os serviços, numa avenida, efectivamente cheia de luz, num sítio do Cotai, ou seja, mais não é do que uma intenção materializada de, por essa via, realçar perante os consumidores que os serviços têm origem nessa concreta zona geográfica.

Concluindo, diremos que as marcas constituídas por expressões indicativas de um dado sítio geográfico (cotai), isoladas ou associadas com uma alocução usada na linguagem corrente (clube), também com designações genéricas (avenida da luz dourada) e realçadoras, na conjugação com a referência nuclear (cotai), de local geográfico específico, não são susceptíveis de registo.

E porque, como já se disse, ainda que tidas as expressões na globalidade, não relevam de capacidade distintiva, assim permitindo identificar de acordo com o critério do homem médio um produto ou serviço fornecido pela recorrente, não se pode invocar o disposto no artº214ºnº3 do RJPI.

A “vulgarização” de componentes importantes das marcas registandas, a matriz marcadamente identificadora de um local de um dado segmento das mesmas, não permite que adquiram aquela capacidade distintiva.

Destarte, não procedendo as doutas e hábeis razões que motivam o recurso, resta confirmar a decisão recorrida.”

3. A marca é um sinal distintivo de produtos ou serviços propostos ao consumidor.1
    É essa noção para que aponta o Regime Jurídico da Propriedade Industrial, no seu artigo 197º.
     Traduz-se, pois, a marca num sinal apto a diferenciar os produtos ou serviços, distinguindo-os de outros da mesma espécie, possibilitando assim a identificação ou individualização do objecto da prestação colocado no mercado. A partir de tal conceito, enquanto fenómeno socioeconómico, retirar-se-ão as suas funções e, assim, desde logo, se alcança a primordial função distintiva relativamente ao seu objecto.
    Nesta função divisam-se duas vertentes: uma, que se traduz na diferenciação, na destrinça em relação aos outros produtos da concorrência; a outra, qual seja a da individualização por referência a uma origem, à sua proveniência, à fonte da sua produção.2
    Serve ainda a marca para sugerir o produto e angariar clientela. Procura-se através dela, cativar o consumidor por via de uma fórmula que seja apelativa e convide ao consumo.
    Pode até constituir uma garantia3, procurando-se assim atestar a qualidade ou a excelência do produto oferecido, bastando pensar nas denominadas “marcas de grande prestígio”.
    Daqui decorre que a marca, como sinal distintivo, deve, acima de tudo, ser dotada de eficácia ou capacidade distintiva.
 
  4. Embora marcada pelo princípio da liberdade, a composição da marca sofre excepções de variada ordem, sejam elas de natureza intrínseca, tais como as que decorrem do artigo 199º, nº1 do RJPI, v.g. a própria designação do produto, as suas qualidades, a proveniência geográfica, as cores, ou de natureza extrínseca, quando resultem da necessidade de respeitar direitos anteriores, situações previstas nas alíneas b) a f) do artigo 214º do citado diploma, v.g. marcas anteriormente registadas, medalhas, brasões, firma a que o requerente não tenha direito ou sinais que constituam infracção de direitos de autor ou de propriedade industrial. Os interessados no registo de uma marca não podem deixar de gozar, na sua constituição, de uma grande liberdade que terá, contudo, como limite a margem de manobra e de iniciativa que os outros operadores do mercado não podem perder através do registo de uma "marca" de tal forma genérica e abrangente de atributos ou qualidades comuns que restrinjam uma livre e sã concorrência.
Um sinal, para poder ser registado, como marca, como já se disse, deve possuir a necessária eficácia ou capacidade distintiva, não sendo admissíveis o que a doutrina designa normalmente como sinais descritivos, tais como denominações genéricas que identificam os produtos ou os serviços, expressões necessárias para indicação das suas qualidades ou funções e que, em virtude do seu uso generalizado, como elementos da linguagem comum, não devem poder ser monopolizados.
Não fosse este o entendimento unânime na doutrina e na Jurisprudência,4 sempre o disposto no nº 1, al. a) e b) do artigo 199º supracitado não deixa de ser claro: “ Não são susceptíveis de protecção: a) Os sinais constituídos exclusivamente pela forma imposta pela própria natureza do produto, pela forma do produto necessária à obtenção de um resultado técnico ou pela forma que confira um valor substancial ao produto; b) Os sinais constituídos exclusivamente por indicações que possam servir no comércio para designar a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, a proveniência geográfica ou a época de produção do produto ou da prestação do serviço, ou outras características dos mesmos;”
Donde decorre, importando reter, como pertinente no caso “sub judice”, a conclusão de que o registo de uma marca tem como restrição o não ter, ela própria, carácter distintivo.

     5. 1. Alega a recorrente que:
    - As marcas A e B a que se reportam os pedidos de registo N/C a N/F são marcas nominativas complexas, em cuja composição surge apenas uma palavra que pode ser considerada descritiva, já que constitui um topónimo: 路氹.
    - 路氹金光constitui, na marca em causa, expressão de fantasia (...) não é um termo usual e só passou a ser utilizado por iniciativa da recorrente, que o associou a : 路氹.
    - A expressão路氹金光corresponde, em português, a avenida de luz dourada.
    - (...) não é uma referência geográfica mas antes sinal de fantasia (...).
    - As marcasA e B ( ... ) aludem à experiencia da recorrente em Las Vegas daí a sua importância no desenvolvimento do Cotai, pelo que, a utilização por outras operadoras é uma utilização enganadora.
    - As marcas tem capacidade distintiva e o público consumidor associa a expressão路氹金光大道à Recorrente.
    - Por sua vez, quanto aos dois últimos caracteres das marcas em causa A e (...), se o segundo possui o significado de clube, já o primeiro é uma designação própria que qualifica o clube e lhe confere distintividade.
    - Ao considerar que as marcas A e B são compostas por sinais que designam apenas características de produtos ou serviços, isto é, a sua proveniência geográfica, e ao considerar que são termos usuais e correntes, a douta sentença viola determinadas normas do RJPI
    - Porém, mesmo que se entendesse que as marcas A e B, sempre se dirá que adquiriram distintividade por força de uma utilização intensa, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 214.° do RJPI.
    - Por força dessa utilização, o público consumidor associa a marca base路氹金光大道a produtos e serviços prestados pela recorrente (...) associação que é válida também para qualquer marca mais complexa que incorpore esta expressão como é o caso deA.
     5.2. Somos, no essencial, como dissemos, a ratificar o supra expendido, considerando que uma expressão em chinês que justapõe diversos caracteres significantes de Cotai XXXX a que se associa um nome próprio, caracter este escrito numa formulação, na forma escrita simplificada e outro na forma tradicional, deixa de ter carácter distintivo de forma a identificar os serviços da classe 35ª - Propaganda; gestão de negócios; administração de negócios; funções de escritório e 41ª - Educação, provimento de treinamento; entretenimento; actividades desportivas e culturais, na exacta medida em que se evidencia uma intenção de relevar o nome “Cotai”
     Aliás, parece que a própria recorrente, reconhece isto mesmo, fazendo depender aquela distintividade do empreendorismo por si desenvolvido naquela zona, procurando legitimar o registo não só com as actividades por si desenvolvidas, esquecendo que naquele pequeno espaço há outras concorrentes, como ainda se procura arreigar a um conhecimento generalizado daquela expressão pelo público consumidor, que associa aquelas expressões que compõem as marcas pretendidas às actividades por si desenvolvidas, matéria esta que comprovada não se mostra.
    Esta argumentação, com todo o respeito pela pretensão da recorrente, como que se desmascara a si própria.
    5.3. Reconhecemos que neste estádio de coisas os tribunais de Macau foram obrigados a ir além daquilo que, em termos de direito marcário, seria perfeitamente admissível, legítimo e legal, em termos gerais. Mas a pertinácia e insistência, denotando a apropriação a todo o custo por determinadas expressões, altamente disputadas, faz-nos recuar, postergando alguns princípio do Direito das marcas em nome de outros, como sejam os da transparência e livre concorrência.
    As marcas em presença, ainda que abstractamente pudessem ser registadas, podendo até salvaguardar-se a possibilidade de um direito não exclusivo de determinada expressão, no condicionalismo concreto e no quadro de uma guerra marcária pelo Cotai, disputa notória e do conhecimento público, perde o seu carácter distintivo para assinalar os referidos serviços, ligados àquelas classes.
Diremos que, em abstracto, as marcas propostas para as classes 35ª e 41ª se apresentam até como marcas que encerram alguma fantasia e não deixariam de ser apelativas, nada havendo, em princípio, que obstasse a uma inserção referente a uma localização geográfica inserida na marca. Então não encerra alguma fantasia um clube X da Avenida XXXX?
O problema reside no facto de na Avenida XXXX, - pensando-se logo na avenida principal do Istmo do Cotai, ainda que haja outras avenidas, porventura sem essa luz, sendo a própria recorrente que faz corresponder o seu interesse a essa única avenida que corre ao longo do istmo, até pela referência aos estabelecimentos concretos que ali se encontram instalados -, poderem existir outros clubes de outras operadoras e nada haveria a opor que uns fossem da luz dourada, outros da luz prateada, celestial, galáctica ou sideral.
Objectar-se-á: o problema está então no Cotai. Sim, neste estado de coisas, temos que reconhecer que sim.
Temos para nós que a natureza distintiva, genérica e usual, quando projectada numa situação concreta pode perder a capacidade distintiva passando a conflituar com outros valores prosseguidos pela regulação da Propriedade Industrial.
    A expressão em causa deve ser vista no seu conjunto e como adiante veremos a localização não está de todo proibida sob pena de sacralização de um dado nome geográfico.
    
    6. Pondo de lado uma confundibilidade que parece não existir neste caso específico, nomeadamente em função da classe a que se destina, pensa-se que, em tese, se poderiam considerar tais marcas como complexas e neste particular caso a expressão “Cotai” seria absorvida pelo conjunto, não obstante termos afirmado já, noutros momentos que este caso reflecte mais uma vez o que já se vem adivinhando, em face do número de processos em que a recorrente reivindica tais marcas, que há da sua parte uma preocupação em apoderar-se do nome do “Cotai”, zona geográfica delimitada e perfeitamente definida, esquecendo-se que nessa faixa (trip) onde opera, há outras operadoras, donde dever ter-se um especial cuidado de forma a prevenir a monopolização do nome de uma determinada zona, não se podendo permitir que se confunda e identifique uma dada operadora, ainda que a primeira, com uma zona geográfica, o que seria muito injusto para as restantes.
    
    7. Com isto, no fundo, somos a ratificar o que também já se afirmou, de que o nome de uma dada cidade, país ou região, pode compor uma dada marca. Não, o que se diz é que esse elemento não pode ser o elemento nuclear e destrinçador dessa marca. Não podem ser registadas as marcas compostas exclusiva ou essencialmente por elementos que descrevam o produto/serviços (as suas características, qualidades, proveniência geográfica, entre outros aspectos), por elementos usuais na linguagem do comércio, por determinadas formas (forma imposta pela própria natureza do produto, forma do produto necessária à obtenção de um resultado técnico ou forma que lhe confira um valor substancial) ou por uma única cor - cfr. art. 199º, n.º 1 do RJPI.
No que às denominações de origem e às indicações geográficas respeita têm estas adquirido uma vantagem económica crescente e desempenham uma função relevante no tráfico comercial, valendo aqui uma reflexão, quando é evidente a pretensão de um determinado interessado na sua referência, ainda que em sede do regime da marca e na pretensão do seu registo.5
A indicação geográfica, de acordo com o RJPI aparenta uma fisionomia semelhante à denominação de origem. Todavia, a sua estrutura é débil quando comparada com a denominação de origem, embora mais elástica.
Na verdade, a indicação geográfica individualiza produtos originários de uma região ou localidade quando determinada qualidade, reputação ou outra característica do produto seja essencialmente atribuível à sua origem geográfica.
Expressamente, resulta do RJPI (art. 254.º/3) que, enquanto na denominação de origem as qualidades e as características dos produtos se devem essencial ou exclusivamente ao meio geográfico, compreendendo os factores naturais e humanos, na indicação geográfica, a reputação, uma qualidade determinada ou outra característica podem ser atribuídas a essa origem geográfica, independentemente dos factores naturais e humanos. Na indicação geográfica o elo que une o produto à região determinada é mais débil que na denominação de origem. Ou seja, na indicação geográfica a reputação do produto ou uma sua qualidade pode ser atribuída à região sem influência directa dos factores naturais e humanos. Por outro lado, aquela menor ligação, na indicação geográfica, do produto à região determinada resulta, igualmente, da não exigência de que todas as operações de produção, transformação e elaboração ocorram na área determinada (como se estabelece para a denominação de origem), bastando que uma delas ocorra na área delimitada.
A denominação de origem exige um vínculo acentuado do produto com a região demarcada, ao contrário da indicação geográfica que se basta com uma breve aparência de ligação com a região.
Mas ficam muitas dúvidas quanto à utilização exclusiva de uma denominação geográfica em vista de uma eventual concorrência desleal. As denominações de origem e as indicações geográficas são instrumentos ao serviço das empresas. São meios de identificação dos produtos no mercado. Num mercado intercomunicativo, caracterizado por uma acérrima concorrência entre os produtos, por uma maior consciencialização dos consumidores para o factor qualidade, a denominação de origem e a indicação geográfica podem desenvolver um importante papel enquanto afiançadores de um monopólio, podem ser elementos-chave de uma estratégia comercial visando a conquista de um lugar competitivo marcado pela tipicidade de um produto. Para o consumidor um produto com denominação de origem ou indicação geográfica significa qualidade, características determinadas, garantidas. Mas, além de satisfazer o interesse dos consumidores, a denominação de origem e a indicação geográfica são instrumentos do comércio nas mãos dos produtores e dos comerciantes. São instrumentos ao serviço de um interesse reditício: estes direitos privativos permitem às empresas uma margem de rendimento superior; a qualidade tem preço. A denominação de origem e a indicação geográfica são propriedade comum (propriedade colectivística) dos produtores e comerciantes da região determinada. Aliás, estes sinais distintivos do comércio surgiram como meios dos produtores e comerciantes de uma região conseguirem colocar os seus produtos no mercado; associaram os seus interesses comuns (e que são igualmente económicos quando se traduzem num esforço conjunto na luta contra as falsificações e imitações do que é genuíno) em volta de um sinal identificador.6
Ora, estas preocupações, tecidas ainda que a propósito do regime das denominações de origem e indicações geográficas (cap. VI do RJPI,) não devem deixar de estar presentes se, por via da sua inclusão numa determinada marca, se atingem os valores que por outra via não deixariam de ser acautelados, tais como a transparência, benefício de todos os operadores, sã concorrência, tipicidade do serviço por referência a um lugar geográfico em função de uma qualidade de excelência para que todos contribuem e não é apanágio de uma única operadora. Mas levar essa preocupação à exclusão da integração de um nome geográfico numa marca vai ao arrepio dos princípios gerais do direito marcário, contraria uma praxis comum e generalizada, importando, sobretudo, salvaguardar os princípios da livre concorrência, transparência, defesa do consumidor, princípios estes que, no caso, se não mostram postergados.
Uma denominação geográfica pode, pois, integrar uma marca, mas deve revestir uma natureza neutra. Quando essa neutralidade não existir e houver o risco da marca induzir em erro o público acerca da proveniência geográfica do produto ou serviço, o seu registo deve também ser recusado, por aplicação do disposto na alínea b) do nº 2 do art. 214º do RJPI.
    
     8. Temos presente ter afirmado já, no que ao nome geográfico respeita, COTAI, que, se o nome geográfico for empregue como simples denominação de fantasia, não suscitaria quaisquer problemas.7 Uma marca geográfica não tem como função certificar ou sequer informar acerca da proveniência do produto ou serviço, servindo apenas o propósito de o identificar no mercado, na mesma medida que tal ocorre com marcas não geográficas: o nome da região ou localidade funcionará, nestes casos, como uma designação neutra, do ponto de vista geográfico (não tendo, em si mesma, o efeito de valorizar o produto). Mas, quando essa neutralidade não existir e houver o risco da marca induzir em erro o público acerca da proveniência geográfica do produto ou serviço, o seu registo deve ser recusado, por aplicação do disposto na alínea b) do nº 2 do art. 214º do RJPI. Não havendo esse risco, nada obsta a que uma marca geográfica seja registada, desde que não ofenda direitos prioritários.
    Em contrapartida, se a marca for constituída, exclusivamente, por indicações que possam servir para designar essa proveniência geográfica, estaremos perante uma marca inválida por falta de capacidade distintiva, cujo registo deve ser recusado ou anulado.
     No caso subjudice, como se disse acima, o concreto circunstancialismo derivado da insistência na denominação geográfica, o número de operadoras, associadas e subsidiárias a disputar um espaço tão exíguo como é o do COTAI leva-nos a ponderar muito bem a facilitação do uso de dal denominação em nome dos princípios prosseguidos pelas leis da Propriedade Industrial, da livre concorrência e do mercado saudável e transparente.
    Estes factores, conjugadamente entre si, levam-nos a uma interpretação restritiva da admissibilidade, admitimo-lo, do uso dessa denominação nas marcas registandas e vão constituir por si um factor autónomo para retirar capacidade distintiva à marca em presença destinada às actividades visadas.

No limite, admite-se que pudesse não haver confundibilidade dessa marca em função das actividades pretendidas, não fora uma menor protecção do público e da concorrência, se se consentisse no arrebanhamento da expressão Cotai que nessa situação deixa de ser um elemento marginal, antes assumindo uma função marcária aglutinadora.
    
    Em face do exposto, o recurso não deixará de soçobrar.
    IV- DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
    Custas pela recorrente G.
Macau, 24 de Julho de 2014,
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho (com voto de vencido anexo)
Proc. nº 215/2014

Voto de Vencido

Não creio que no presente caso o termo “Cotai”, apesar do seu carácter geográfico, não possa fazer parte da marca complexa em apreço, uma vez que ele se integra num conjunto de outros vocábulos que visam identificar e designar um clube bem determinado, funcionando todos como elementos de fantasia e podendo, assim, adquirir eficácia distintiva.
Além disso, não se descortina aqui o condicionalismo de exclusão de protecção previsto no art. 199º, nº1, al. b), do RJPI, sendo que, inclusive, até se podia determinar que o uso do referido vocábulo “Cotai” não fosse de utilização exclusiva da recorrente.
Daria, pois, provimento ao recurso.

TSI, 24/07/2014

                    José Cândido de Pinho


    

1 - Carlos Olavo, in Propriedade Industrial, 1977, pág.37
2 - António Corte Real Cruz, in Dto Industrial I, 2001, pág.81
3 - Oliveira Ascensão, in Dto Comercial II, Dto Industrial, 1988, pág.142; contra, Carlos Olavo, ob. cit. pág. 39
4 - cfr. Pinto Coelho in Lições de Dto Comercial, I, pág. 443 e Ferrer Correia, in Lições de Dto Comercial, 1973, pág..312; Ac STJ de 14/11/79 in BMJ 291,250, de 16/11/93 e 12/12/92 in www. dgsi. pt,;Ac. TSJ, CJ1998, II, pág.110 e TSI, proc. 94/2001 de 21/6/01
5 - Seguindo o texto de Alberto Francisco Ribeiro de Almeida , Indicações de proveniência, denominações de origem e indicações geográficas., www.apdi.pt , texto que corresponde à exposição feita no 5.º Curso de Pós-Graduação em Propriedade Industrial organizado pela Faculdade de Direito de Lisboa e pela Associação Portuguesa de Direito Intelectual.

6 - Sempre o mesmo texto acima citado.
7 - Cfr. Ac. 313/2013 deste TSI
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