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Processo n.º 7/2014
(Recurso Cível)

Relator: João Gil de Oliveira
Data : 10/Julho/2014


ASSUNTOS:

- Decisão-surpresa
- Nulidade processual
- Novação dos contratos


SUMÁRIO :
     
1. O processo de um Estado de Direito deve ser um processo equitativo e leal. Daí que se deva conceder às partes a possibilidade de nele fazer valer as suas razões (de facto e de direito) perante o tribunal, em regra, antes que este tome a sua decisão, mesmo relativamente àquelas questões que delas pode conhecer oficiosamente.

2. Há decisão-surpresa se o juiz de forma absolutamente inopinada e apartado de qualquer aportamento factual ou jurídico envereda por uma solução que os sujeitos processuais não quiseram submeter ao seu juízo, ainda que possa ser a solução que mais se adeqúe a uma correcta e atinada decisão do litígio.
3. Será o caso quando proposta uma acção de dívida, aliás reconhecida pela ré, na sentença se configura o contrato como de jogo que não pode ser fonte de obrigações.

4. A violação do princípio da participação das partes, por prolação de uma decisão-surpresa, consagrado no artº 3, nº 3, gera uma nulidade processual inominada prevista no art. 147º, n.º 1 do CPC porque tal omissão é susceptível de “influir no exame e decisão da causa.”

5. Porque a omissão da audição das partes - salvo no caso de falta de citação -, não constitui nulidade de que o Tribunal deva conhecer oficiosamente, a eventual nulidade daí decorrente, deve ser invocada pelo interessado no prazo de 10 dias após a respectiva intervenção em algum acto praticado no processo - artºs 151º, nº 1 do CPC -. Pelo que, tal nulidade, não podia ter deixado de ser invocada naquele prazo, não se devendo a parte ter guardado para as alegações do recurso da sentença, oferecidas muito depois de decorrido aquele prazo.

6. Casos há em que a nulidade, não obstante a destruição e não contemplação dos efeitos anteriormente produzidos não pode funcionar como uma esponja, havendo que dar resposta a consequências práticas, a efeitos fácticos que não podem deixar de ter algum tratamento jurídico. É em parte para dar resposta a situações deste género que a doutrina labora sobre a figura da renovação ou reiteração dos contratos, - extinção contratual de uma obrigação, em virtude da constituição de uma obrigação nova que vem ocupar o lugar da primeira -, que tem, em princípio e à falta de declaração em contrário, apenas efeitos para o futuro, mas nada impede as partes de convencionem a sua retroactividade, desde que esta tenha apenas efeitos inter partes, preservando a protecção de terceiros de boa-fé.

7. A remuneração dos promotores do jogo não passa apenas pela modalidade do estabelecimento contratual das comissões, admitindo a lei outras formas remuneratórias, nomeadamente a modalidade de participação nos ganhos e perdas.
              
              O Relator,
              João A. G. Gil de Oliveira

Processo n.º 7/2014
(Recurso Civil)
Data : 10/Julho/2014

Recorrente : A Casino, S.A.

Recorridos : - B
- C
- D
- Banco E, S.A.R.L. E銀行有限公司

    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO

1. A Casino, S.A. (A娛樂場股份有限公司), mais bem identificada nos autos, veio intentar acção ordinária contra :
B, e seu marido, C, também eles mais bem identificados nos autos, com os fundamentos apresentados constantes da p.i., de fls. 3 a 13, tendo concluído que fosse julgada procedente por provada a presente acção, e em consequência, os réus condenados a pagar à autora a quantia de MOP$3.426.911,41, sendo MOP$3.342.718,00 a título de capital e MOP$289.617,93 de juros de mora, bem como os juros que se forem vencendo até efectivo e integral pagamento à taxa legal de 9,75%.

2. A acção veio a ser julgada improcedente com os fundamentos que adiante se explicitarão.
    
    3. A A. A CASINO, S.A., inconformada, recorre da sentença, alegando, em síntese conclusiva;
    
    1. A Autora, ora Recorrente, vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal a quo, segundo a qual este decidiu que, por um lado, o contrato dos autos não é fonte de obrigações até ao dia 28 de Setembro de 2009, por inobservância da forma legal, e, por outro, que as partes não poderiam nessa data ter convencionado o sistema remuneratório de "Partilha de Ganhos e de Perdas", por contrário à lei.
    2. A Recorrente não se conforma com a referida decisão, porquanto esta decorre de um enquadramento jurídico e de uma interpretação das normas invocadas que, para além de totalmente inesperados face à discussão da causa até à prolação da sentença, a letra e a ratio das mesmas não lhe permitem fazer.
    3. O artigo n.º 3 do artigo 3.º, norma que consagra o princípio do contraditório, visa banir as decisões-surpresa, impedindo o tribunal de decidir questões, de facto ou de direito, ainda que de conhecimento oficioso, sem que previamente seja dada às partes a possibilidade de sobre elas se debruçarem, e de decidir com base numa qualificação substancialmente inovadora que as partes não hajam considerado ou discutido, sem lhes dar a possibilidade de produzirem as suas alegações, perspectivando o enquadramento jurídico vislumbrado por aquele tribunal.
    4. Conjugando as posições vertidas pelas partes nos articulados e a fixação da matéria de facto assente e da base instrutória feita pelo Tribunal recorrido, verifica-se que a discussão e julgamento da causa fez-se, até ao encerramento desta fase processual e à prolação da sentença, única e exclusivamente no apuramento do quantum em dívida pelos Réus, com base no referido sistema de remuneração de "Partilha de Ganhos e de Perdas".
    5. Todavia, o Tribunal a quo na sentença recorrida veio colocar a discussão da causa num plano completamente diferente, que é o da (in)validade do contrato dos autos, com a declaração oficiosa, ainda que implícita, da nulidade do mesmo relativamente ao período que antecedeu o dia 28 de Setembro de 2009, por falta de forma, e, no que respeita ao período em que aquele já se encontrava formalizado, da cláusula referente ao sistema remuneratório convencionado pelas partes.
    6. Nesse sentido, a decisão recorrida, sem qualquer indício ou notificação para as partes se pronunciarem sobre a interpretação e o enquadramento perspectivado pelo Tribunal a quo consubstancia, salvo o devido respeito, uma verdadeira decisão-surpresa, em violação do mencionado n.º 3 do artigo 3.º do CPC.
    7. Razão pela qual deverá ser dado provimento ao presente recurso e anulada a decisão sub judice, determinando-se a baixa do processo à 1ª instância para que no Tribunal a quo seja dado cumprimento ao princípio do contraditório, com as demais consequências legais.
    8. Conforme acima referido, a Autora, ora recorrente, fundamentou o seu pedido no contrato de promoção de jogos junto aos autos, nele dado integralmente por reproduzido.
    9. Esse contrato foi celebrado pelas partes no dia 28 de Setembro de 2009, tendo sido convencionado expressamente, no Anexo III do mesmo, que este produzia efeitos desde o dia 1 de Janeiro de 2009 até ao dia 31 de Dezembro de 2009.
    10. O Tribunal a quo considerou, na sentença recorrida, que o Regulamento Administrativo n.º 6/2002, de 1 de Abril, condiciona o exercício da actividade de promoção ao cumprimento de uma série de formalidades prévias, entre as quais a celebração de um contrato (escrito) de promoção com uma concessionária de jogo, o que determina que o contrato dos autos não pode ser fonte de obrigações relativas ao período anterior a 28 de Setembro de 2009, data em que o mesmo foi reduzido a escrito.
    11. A Recorrente não pode concordar com a interpretação e o enquadramento dados pelo Tribunal recorrido, porquanto, por um lado, este parte de premissas que os normativos por ele invocados não impõe ou permitem e, por outro, ignora a sanação da falta de forma verificada pela renovação (formalização) do contrato de promoção pelas partes, com efeitos retroactivos.
    12. Enquanto é verdade que o Regulamento Administrativo em causa estabelece formalidades prévias de que depende a actividade de promoção de jogos, já não é verdade, como afirma do Tribunal recorrido, de que o contrato de promoção de jogos seja uma delas, conforme uma interpretação literal e comparativa das provisões daquele diploma o demonstram.
    13. Com efeito, de acordo com o artigo 1.º, as três condições essenciais para o exercício da actividade de promoção de jogos são; a licença, o registo do promotor junto de uma concessionária de jogo e (sem aplicação ou relevância nesta parte das alegações) ser cumprido o limite máximo de comissões e outras remunerações a serem pagas aos promotores.
    14. Os artigos 6.°, n.º 1, e 23, n.º 1.º, em concretização destas condições essenciais, estabelecem, por um lado, que o exercício da actividade de promoção de jogos depende da atribuição de uma licença ao promotor e, por outro, que o promotor só pode exercer essa mesma actividade se estiver registado junto de uma concessionária, o que implica o seu cumprimento prévio.
    15. Ora, o mesmo não acontece com o contrato escrito de promoção de jogos. Com efeito, nem o contrato figura no mencionado artigo 1.º, o que demonstra desde logo que se trata de matéria não essencial na regulamentação desta actividade, nem do artigo 24.º decorre, expressa ou tacitamente, a exigência de celebração prévia do contrato escrito.
    16. Este artigo limita-se a referir que a actividade de promoção de jogos se rege de acordo com o que estiver convencionado entre a concessionária e o promotor e que este contrato está sujeito a forma escrita e às demais formalidades aí enunciadas.
    17. A falta de um elemento literal que imponha a necessidade de o contrato de promoção de jogos ser celebrado por escrito (e cumpridas as restantes formalidades) antes do início da actividade apenas pode significar que não foi essa a intenção do legislador, pois, se o tivesse sido, este teria utilizado formulações que o impusessem ou até sugerissem, à semelhança do que fez para a obtenção da licença e do registo junto de uma concessionária.
    18. A obrigação de contrato escrito e demais formalidades são meros procedimentos que, a par de outras obrigações impostas aos promotores ao longo da sua actividade, tal como o envio de listagens relativas aos promotores, seus colaboradores, às comissões etc., servem como forma de a DICJ dispor de um mecanismo de registo dos promotores a operar com as concessionárias de jogo e de informação sobre a sua actividade.
    19. Donde resulta que o Tribunal recorrido, ao inferir do Regulamento Administrativo, que o contrato de promoção escrito é condição prévia ao exercício da actividade de promoção, interpretou erradamente a lei, ao arrepio do artigo 8.º do CC.
    20. E resulta que, ao caso em apreço se aplicam as regras gerais relativas à forma legal dos negócios jurídicos, às consequências pela sua inobservância e ao modo pelo qual a falta da mesma pode ser ultrapassada.
    21. O referido artigo 24.° do Regulamento Administrativo dispõe que os contratos de promoção de jogos estão sujeitos à forma escrita com as assinaturas reconhecidas presencialmente.
    22. Assim é inegável que até ao dia 28 de Setembro de 2009 não existia contrato escrito entre as partes, mas um contrato verbal, o qual, por força do disposto nos artigos 212.° e 279.° do CC seria nulo por falta da forma exigida por aquele artigo 24.º.
    23. Mas a verdade é que as partes, ao abrigo da autonomia das partes, acabaram por, posteriormente, reduzi-lo a escrito e em cumprimento da forma legal, conferindo-lhe, com base na liberdade contratual, eficácia retroactiva de modo a que o período anterior a essa data ficasse abrangido pela formalização do contrato.
    24. É o que se chama de renovação ou reiteração de contratos, mecanismo jurídico unanimemente consagrado pela doutrina e consensualmente aceite e invocado pela jurisprudência de Portugal, que a título de boa doutrina se invoca, como meio de sanação de contratos nulos por falta de forma.
    25. E enquanto esta sanação tem, em princípio e à falta de declaração em contrário, apenas efeitos para o futuro, é reconhecido e aceite que nada impede as partes de convencionarem a sua retroactividade, desde que esta tenha apenas efeitos inter partes (para protecção de terceiros de boa fé).
    26. Razão pela qual, ao contrário do que entendeu o Tribunal recorrido, o contrato de promoção dos autos e a cláusula em que as partes estipularam que o mesmo produzirá efeitos desde 1 de Janeiro daquele ano são perfeitamente válidos e fonte legítima das obrigações até 28 de Setembro de 2009 que a Autora, aqui Recorrente, quer ver cumpridas.
    27. Deve, pois, a decisão recorrida ser revogada por violação dos artigos 8.°, 392.º e 399.° do CC e substituída por outra que reconheça o direito da Recorrente em receber as quantias peticionadas ao abrigo dos autos.
    28. Por outro lado, relativamente às obrigações assumidas pelo promotor, e aqui peticionadas pela Recorrente, decorrentes do contrato dos autos após 28 de Setembro de 2009, o Tribunal a quo entendeu que o facto de o legislador ter fixado o limite máximo de pagamento de comissões e outras remunerações em valor correspondente a 1,25% do valor total apostado (net rolling) implica que os promotores não podem responder pelos prejuízos da sala VIP que operam e, nessa medida, considerou, oficiosamente, inválida a cláusula em que as partes fixaram o sistema de "Partilhas de Ganhos e de Perdas", por violação de lei imperativa.
    29. O Tribunal a quo, também no que a este aspecto diz respeito, parte de premissas e faz uma interpretação dos normativos em causa que a letra e a ratio dos mesmos não lhe permitem.
    30. O que demonstra algum desconhecimento da indústria do jogo, das suas práticas e terminologias, assim como das razões pelas quais foram introduzidos limites ao pagamento de comissões e outras remunerações aos promotores de jogo, o que poderia ter ficado esclarecido e ter sido demonstrado, de facto, caso esta questão tivesse sido colocada anteriormente.
    31. De todo o modo sempre se dirá que o artigo 29.º da Lei do Jogo e o artigo 30.°, n.º 8 do Regulamento Administrativo 2/2006, ambos inalterados pelos Regulamento Administrativo 27/2009, fazem menção expressa a "comissões de jogo e outras remunerações", em reconhecimento expresso de que em alternativa ao pagamento de comissões podem as partes acordar noutros tipos ou modelos de remunerações.
    32. O que demonstra que a lei desde sempre admitiu outros modelos de pagamento ou remuneração aos promotores para além do sistema clássico do pagamento de comissões calculadas sobre os valores das fichas não negociáveis transaccionadas num dado mês.
    33. Um desses modelos comummente utilizados é, precisamente o sistema de partilha de ganhos e de perdas brutas mensais decorrentes da actividade de promoção desenvolvida nas salas VIP, designado por profit/loss sharing ("Partilha de Ganhos e de Perdas").
    34. Este sistema funciona, em génese, do seguinte modo: (i) se houverem ganhos num determinado mês, em virtude dos jogadores perderem muitas apostas ou apostas de valor elevado nas mesas de jogo afectas à sala VIP, a concessionária, que recebeu dos mesmos o seu valor bruto dessas apostas, paga ao promotor uma percentagem desse valor, deduzido das despesas operacionais que, geralmente, são subsidiadas pela concessionária; (ii) se houverem perdas num determinado mês, em virtude de os jogadores ganharem muitas apostas ou apostas de valor elevado nas mesas de jogo afectas à sala VIP, o promotor responde pela mesma percentagem, mas desta feita, do valor bruto dessas perdas acrescido, geralmente, das despesas operacionais que lhe competirem pagar à concessionária e entrega-lhe o valor correspondente.
    35. Acontece que, ao contrário do que o Tribunal recorrido entende, a fixação do limite máximo de pagamentos aos promotores, introduzido pelo Regulamento Administrativo 27/2009 e pelo Despacho do Secretário para a Economia e Finanças n.º 83/2009, em nada contraria ou proíbe outros ou este sistema remuneratório da "Partilha de Ganhos e de Perdas".
    36. Muito pelo contrário, até o reconhece e consagra conforme a Recorrente teria tido a oportunidade de melhor demonstrar, de facto, caso esta questão tivesse sido suscitada em outra sede, mas que ainda assim se retira da letra e da ratio daqueles normativos.
    37. Dos artigos 27.0, n.ºs 1 a 3, 32.º-A, n.ºs 1 e 2, do Regulamento Administrativo 27/2009, e do n.º 1 do Despacho acima indicado, resulta que as partes de um contrato de promoção de jogos não estão impedidas de acordar noutros sistemas remuneratórios, com outras bases de cálculos e outras obrigações e contrapartidas para o promotor, como os de participar numa percentagem dos prejuízos brutos da sala VIP, caso os haja, desde que, naturalmente, destes sistemas não resultem pagamentos ao promotor de valores superiores ao limite legal.
    38. Por outro lado, cumpre salientar que os normativos em causa apenas referem "remunerações aos promotores e não obrigações e pagamentos destes às concessionárias de correntes do contrato de promoção de jogo, porque o propósito desta alteração legislativa, era (e é) única e exclusivamente impor um valor máximo àquilo que os promotores poderiam receber e não restringir ou impor um mínimo às responsabilidades assumidas por estes naquele tipo de contrato.
    39. Com efeito, esta limitação máxima aos pagamentos de comissões (e outras remunerações), e conforme foi sobejamente anunciado e discutido à época, foi estabelecida por forma a proteger as concessionárias de jogo e a colocar um travão da escalada das comissões pagas aos promotores, que estava a resultar para a mesmas numa cada vez menor margem de lucro na operação das salas VIP.
    40. Para além da revisão legislativa de fixação do referido limite ter sido feita em estreita colaboração entre a DICJ, entidade reguladora do Jogo, e as concessionárias, também o foi o processo seguinte de consagração contratual dos modelos remuneratórios que se encontrassem em cumprimento do mesmo e de implementação de práticas de fiscalização e controlo do cumprimento desse limite, conforme especificamente consagrado no número 7 do Despacho em causa.
    41. Assim, no âmbito das discussões havidas a este propósito, atendendo à necessidade verificada de precisar conceitos e definir normas e procedimentos por forma a garantir o cumprimento rigoroso do disposto nos referidos diplomas, foi emitida pela entidade reguladora a Instrução n.º 2/2009, de 7 de Outubro, e Instrução n.º 4/2009, de 27 de Novembro.
    42. Destas Instruções resulta a evidente intenção da entidade reguladora em consagrar e regulamentar, mas não em proibir, as práticas e os sistemas remuneratórios existentes antes da entrada em vigor destas alterações, ao fazerem expressa menção à "partilha de rendimentos" e à última dessas Instruções em conter uma minuta do formulário próprio e específico para o caso em que os promotores era pagos com base nos rendimentos brutos da sala VIP, de acordo com o sistema usual de "Partilha de Ganhos e de Perdas".
    43. Assim, face à lei em vigor desde 2001 e bem assim, à letra e ratio do Regulamento Administrativo e Despacho em causa, depois concretizados pelas instruções da entidade reguladora cima mencionadas, é claro e evidente que a intenção e propósito da alteração legislativa em questão é apenas e tão-só impedir que os promotores ganhem montantes superiores ao limite máximo imposto, seja qual for o sistema remuneratório acordado, e não, como entendeu o Tribunal recorrido, em fixar como único modelo admissível o pagamento de comissões de jogo sobre o net rolling ou em excluir ou limitar as obrigações e responsabilidades assumidas pelos promotores face às concessionárias pelo insucesso da sua actividade.
    44. Posto que a lei aplicável admite que as concessionárias e os promotores acordem e componham sistemas de remuneração como lhes aprover, desde que deles não resultem pagamentos aos promotores superiores ao limite fixado,
    45. E não havendo qualquer norma que imponha ou limite as obrigações a que os promotores se podem vincular, mais concretamente, não havendo qualquer disposição que proíba a estes partilharem com as concessionárias uma percentagem dos prejuízos verificados nas salas VIP que aqueles operam a favor desta,
    46. A Recorrente e a Recorrida, no âmbito da liberdade contratual conferida pelos artigos 392.° e 399.° do CC, convencionaram validamente no contrato de promoção os autos o modelo de "Partilha de Ganhos e Perdas".
    47. Assim, a decisão recorrida, também no que a este aspecto diz respeito, viola o princípio da autonomia privada e da liberdade contratual das partes, consagrados nos mencionados artigos do CC.
    48. Em suma, a decisão recorrida não só viola o princípio do contraditório, por colocar a discussão da causa no plano da (in)validade do contrato, por um lado, por falta de forma, e, por outro, por violação de lei imperativa, como viola os preceitos acima indicados da Lei do Jogo, dos Regulamentos Administrativos e do Despacho supra indicados, conjugados com os artigos 8.º, 392.º e 399.º do cc.
    Nestes termos, entende que deve ser dado provimento ao presente recurso e em consequência ser a referida decisão revogada e ordenado ao Tribunal recorrido o cumprimento do disposto no n.º 3 do artigo 3.° do CPC, ou caso assim se não entenda, ser a referida decisão revogada e substituída por outra que condene os Réus no pedido, tudo como acima demonstrado.
    
    4. Foram colhidos os vistos legais.
    
    II - FACTOS
    Vêm provados os factos seguintes:

    “Da Matéria de Facto Assente:
- A Autora é uma concessionária autorizada a explora Jogos de Fortuna ou Azar e Outros Jogos em Casino na Região Administrativa Especial de Macau, por Despacho do Chefe do Executivo n.º 143/2002, de 21 de Junho de 2002, publicado no Boletim Oficial n.º 26, II Série, de 26 de Junho de 2002 e escritura outorgada em 26 de Junho de 2002, cujo extracto foi publicado em Suplemento do Boletim Oficial n.º 27, II Série, de 3 de Junho de 2002 (alínea A) dos factos assentes).
- A Ré mulher foi, durante o ano de 2009, uma promotora de jogos devidamente licenciada, pela Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos, para exercer essa actividade em Macau (alínea B) dos factos assentes).
- Ao abrigo do acordo celebrado com a Autora, junto à petição inicial como Doc. 2 e que se dá por integralmente reproduzido, a Ré mulher, ali referida como parte B, comprometeu-se a exercer a actividade de promoção de jogos em benefício da Autora, tendo-lhe sido concedida para o efeito a operação de uma sala VIP, como o n.º 45, sita no 11.º andar do Hotel XX, em Macau, à qual foi dada a designação de fantasia “Cypress VIP Club”, como melhor consta da Tabela 2 do referido acordo (alínea C) dos factos assentes).
- Como contrapartida da actividade de promoção de jogos exercida pela Ré mulher, esta recebia uma remuneração mensal calculada de acordo com o sistema de ganhos e perdas partilhadas denominado por “Partilha de Ganhos e Perdas”, tudo conforme a Tabela 3 do acordo, com o seguinte teor (alínea D) dos factos assentes)
- “I. “Sala 45” sistema de cálculo
a. Proporção:
Com base na receita bruta proveniente daquela sala, 45% dos lucros ou perdas mensais pertencem à parte B.
b. Prémio de troca das fichas de jogo:
Case a quantidade de traça das fichas por mês chegar ou ultrapassar o número mínimo daquela sala, para além do que se refere no item I. a) a parte B tem direito a uma quantia em numerário que corresponde a 0.05% (por cada HKD1.000,00) como prémio de troca das fichas.
c. Subsídio de consumo:
A parte B tem a direito a 0,03% da quantia de troca das fichas daquele correspondente mês. O regulamento do uso do subsídio é o determinado pela parte A a cada dado momento.”.
- Através do referido sistema de remuneração, a Autora e a Ré mulher partilhavam os ganhos e as perdas brutas mensais decorrentes da actividade de promoção de jogos desenvolvida na sala VIP em causa na proporção, respectivamente, de 55% e 45% (alínea E) dos factos assentes).
- As quais eram deduzidas ou acrescidas, respectivamente, das despesas operacionais efectuadas no exercício da promoção de jogos que fossem da responsabilidade da Ré mulher – como sendo, de acordo com a cláusula 3.ª do Contrato, as de ar condicionado, segurança e limpeza, e de outros serviços tais como reservas de quartos, transportes e cupões de refeições utilizados pelos clientes do Cypress VIP Club no Hotel XX – porquanto estas despesas operacionais eram subvencionadas pela Autora e posteriormente pagas pela promotora (alínea F) dos factos assentes).
- Foi acordado que (alínea G) dos factos assentes):
a. se houvesse ganhos num determinado mês, em virtude de os jogadores perderem muitas apostas ou apostas de valor elevado nas mesas de jogo afectas à sala VIP, a Autora, que tinha recebido dos mesmos o valor bruto dessas apostas, pagaria à Ré mulher 45% desse valor, deduzido das despesas operacionais que haviam sido subsidiadas pela Autora, e
b. se houvessem perdas num determinado mês, em virtude de os jogadores ganharem muitas apostas ou apostas de valor elevado nas meses de jogo afectas à sala VIP, a Ré mulher respondia por 45% do valor bruto dessas perdas, acrescido das despesas operacionais que lhe competissem pagar à Autora e entregar-lhe-ia o valor correspondente.
- Foi ainda acordado, especificamente nas cláusulas II e IV da Tabela 3, que a liquidação dos ganhos ou das perdas de um dado mês era realizada no último dia de cada mês e o pagamento dos valores devidos com base nessa liquidação devia ser efectuado até ao terceiro dia do mês seginte (alínea H) dos factos assentes).
- O Réu marido foi indicado pela Ré mulher como principal responsável pela operação da sala VIP, auferindo uma remuneração mensal de HKD20.000 (alínea I) dos factos assentes).
- Papel esse que o Réu marido assumiu, praticando actos materiais de gestão da referida sala VIP e assinando a correspondência trocada com a Autora, em nome e representação da promotora de jogo, ora Ré mulher (alínea J) dos factos assentes).
- Após a Autora interpelar por diversas vezes a Ré mulher para pagar a dívida acumulada, o Réu marido, apresentando-se como garante do pagamento das dívidas relativas à sala VIP em questão, emitiu e entregou à Autora, em 10 de Setembro de 2009, o cheque n.º 00142549, sacado sobre o Banco Weng Hang, S.A., Sucursal de Macau, no valor de HKD2.797.449 (alínea K) dos factos assentes).
- Para além disso, o Réu marido solicitou ainda à Autora que apenas apresentasse o cheque a pagamento no mês seguinte, a fim de garantir o aprovisionamento da conta, ao que esta assentiu (alínea L) dos factos assentes).
- Assim, o cheque foi apresentado a pagamento em 13 de Outubro de 2009, mas veio devolvido por falta de provisão nesse mesmo dia (alínea M) dos factos assentes).
- Perante a devolução do cheque por falta de provisão, e face ao incremento do valor da dívida, a Autora, em 19 de Outubro de 2009, interpelou os Réus, desta vez por escrito, para virem apresentar uma proposta de pagamento até ao dia 21 daquele mês, sob pena de tomar as devidas medidas para recuperar o respectivo crédito (alínea N) dos factos assentes).
- Em 14 de Outubro de 2009, a Autora já havia enviado uma carta aos Réus, a rescindir o Contrato e a retirar a operação da sala VIP à Ré mulher, com efeitos a partir de 30 de Outubro de 2009 (alínea O) dos factos assentes).
- Em 21 de Outubro de 2009, o Réu marido veio responder à carta da Autora de 19 de Outubro dizendo que “O valor total de HKD2.922.786 devido à A Casino, S.A. será pago em 12 prestações mensais, no valor cada uma de HKD243.565,50 com início em 5 de Dezembro de 2009”, reconhecendo, assim, expressamente a existência da dívida (alínea P) dos factos assentes).
- A Autora, por carta de 27 de Outubro de 2009, contra-propôs que o reembolso fosse efectuado em apenas 3 prestações, no montante de HKD974.262 cada uma (alínea Q) dos factos assentes).
- Em resposta enviada a 28 de Outubro de 2009, o Réu marido veio referir que “devido à entrada de um novo parceiro para a gestão da sala precisamos de reajustar os serviços prestados pelo que gostaríamos de atrasar o início do pagamento um mês”, especificando que o primeiro pagamento seria feito em 5 de Dezembro de 2009 (alínea R) dos factos assentes).
- No dia seguinte, a Autora replicou dizendo que o primeiro pagamento deveria ser efectuado até ao dia 5 de Novembro de 2009 (alínea S) dos factos assentes).
- Em 6 de Novembro de 2009, e porque não tinha ainda logrado receber qualquer pagamento, a Autora voltou a interpelar os Réus para pagarem de imediato todos os montantes em dívida, incluindo o saldo devedor de HKD123.130 correspondente ao mês de Outubro e cujo pagamento se havia vencido em 3 de Novembro (alínea T) dos factos assentes).
- Em carta datada de 11 de Dezembro de 2009, os Réus não obstante renovarem o reconhecimento da dívida para com a Autora, então no valor de HKD3.045.916,00, admitiram não ter como pagá-la imediatamente, e pediram mais tempo para tentarem vender supostas propriedades na China continental e recuperar empréstimos concedidos a clientes para assim poderem pagar à Autora (alínea U) dos factos assentes).
- Os Réus ainda não pagaram, no todo ou em parte, a dívida que contraíram (alínea V) dos factos assentes).
- Foi no exercício da sua actividade comercial de promoção de jogos que a ré mulher celebrou com a Autora o acordo através do qual os ganhos ou as perdas da operação da sala VIP em causa seriam partilhadas por ambas as partes (alínea W) dos factos assentes).
- O Réu marido, desde que a Autora reclamou a dívida até à presente data, sempre se apresentou como garante das dívidas decorrentes da operação da sala VIP, tendo chegado a emitir e a entregar à Autora um cheque no valor de HKD2.797.449, supra identificado (alínea X) dos factos assentes).
- O Réu marido é casado no regime da comunhão de adquiridos com a Ré mulher (alínea Y) dos factos assentes).
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    Da Base Instrutória:
- Em Julho de 2009, o Cypress VIP Club registou prejuízos no valor de HKD2.922.890,00 e despesas operacionais no valor de HKD427.602,00 (resposta ao quesito da 1º da base instrutória).
- Em Agosto de 2009, a sala VIP registou novas perdas, desta vez no montante bruto de HKD1.261.760,00 e despesas operacionais do montante de HKD486.754,00 (resposta ao quesito da 2º da base instrutória).
- No mês de Setembro de 2009, o Cypress VIP Club registou ganhos no valor de HKD505.800,00 e despesas operacionais no valor de HKD352.947,00 (resposta ao quesito da 3º da base instrutória).
- No mês de Outubro de 2009, o Cypress VIP Club registou ganhos no valor de HKD559.385,00 e despesas operacionais no valor de HKD374.795,00 (resposta ao quesito da 4º da base instrutória).”
    
    III - FUNDAMENTOS
    
    1. Objecto do processo
    A questão primeira e que prejudicará as demais se vier a proceder é a de saber se estamos perante uma decisão-surpresa, isto é, se a acção foi decidida com uma fundamentação não equacionada pelas partes e que elas não tiveram a possibilidade de rebater.
    
    2. Os termos da acção, a posição das partes e o decidido
    A Autora veio intentar a presente acção contra os Réus para ver reconhecido o seu direito de crédito no montante, em capital, de MOP3.137.293,48, acrescido dos juros vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento, e serem aqueles condenados ao seu pagamento.
    Para tanto, alegou, em suma, (i) que ao abrigo do contrato celebrado com a 1.ª Ré, e garantido pelo 2.º Réu, aquela comprometeu-se a exercer a actividade de promoção de jogos mediante o sistema remuneratório de "Partilha de Ganhos e de Perdas", e (ii) que a Ré incumpriu a obrigação contratual de lhe pagar 45% dos prejuízos brutos verificados na Sala VIP relativos ao período de Julho a Outubro de 2009.
    Em contestação, a 1.ª Ré veio, a par de uma excepção peremptória de prescrição presuntiva, alegar não ter verificado ainda os comprovativos relativos às despesas operacionais da Sala VIP, razão pela qual impugnou o valor peticionado, mas afirmando, desde logo, pretender pagar voluntariamente a quantia que se viesse a apurar em dívida após análise daqueles documentos, cuja apresentação requereu.
    Em função dos articulados das partes, foi proferido despacho saneador, no qual o Tribunal a quo julgou improcedente a excepção peremptória invocada pela 1.ª Ré, e aí fixou a matéria de facto assente e a base instrutória, donde resultaram assentes todos os factos que fundamentavam a causa de pedir da Autora e quesitados os factos relativos aos prejuízos brutos registados na Sala VIP no período em causa por forma a apurar o quantum em dívida.
    Após a produção de prova em sede de audiência de discussão e julgamento, os factos levados à base instrutória foram integralmente dados como provados e, assim, fixados os prejuízos brutos da Sala VIP que permitiriam apurar o montante em dívida pelos Réus.
    Depois da apresentação de alegações de direito pela Autora, o Tribunal a quo proferiu logo sentença, decidindo pela improcedência da acção e absolvição dos Réus do pedido com o fundamento de que:
    (i) o Regulamento Administrativo n.º 6/2002, de 1 de Abril, condiciona o exercício da actividade de promoção à celebração prévia de um contrato entre o promotor e a concessionária, o que no caso sub judice apenas veio a acontecer em 28 Setembro de 2009, não podendo, por isso, o contrato dos autos servir de fonte de obrigação de pagamento de valores relativos aos meses de Julho e Agosto e a 1 a 27 de Setembro de 2009; e
    (ii) as partes não podiam ter fixado no contrato, celebrado em 28 de Setembro de 2009, o sistema remuneratório segundo o qual a Ré se responsabilizava por 45% das perdas brutas da Sala VIP, porquanto, por força do Regulamento Administrativo n.º 27/2009, de 4 de Agosto, conjugado com o Despacho do Secretário para a Economia e Finanças n.º 83/2009, o qual fixou o limite das comissões aos promotores em 1,25% do valor total apostado (net rolling) e entrou em vigor em 22 de Setembro de 2009, o pior cenário que os promotores podem encontrar pelo insucesso na promoção da sala de jogo é o não recebimento de qualquer retribuição.
    O Tribunal a quo limita-se a dizer que o contrato dos autos não pode ser fonte das obrigações relativas ao período de Junho a 27 de Setembro de 2009, e que, em 28 de Setembro de 2009, as partes não poderiam convencionar o regime de "Partilha de Ganhos e Perdas", por violação do normativo invocado, sem, no entanto, daí retirar as devidas consequências legais.
    3. A sentença
    Atentemos, no entanto, na integral fundamentação vertida na douta sentença:
    “Posto isto, é de apreciar o pedido formulado pela Autora.
    As questões colocadas perante o Tribunal e que interessam para a decisão sobre o mérito da causa dizem respectivamente respeito a:
1. Natureza das relações estabelecidas entre a Autora e a Ré;
2. Incumprimento contratual; e
3. Pedido da Autora.
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  Natureza das relações estabelecidas entre a Autora e a Ré
Conforme os factos assentes, aliás, reconhecidos pela Autora e pelos Réus, entre a Autora e a Ré foi celebrado um contrato segundo o qual a Ré estava vinculada a promover uma sala de jogos explorada pela Autora e era remunerada segundo um sistema de remuneração por força da qual a Ré ou recebia 45% dos ganhos deduzidos das despesas operacionais da actividade de promoção de jogos desenvolvido pela Ré ou suportava 45% das perdas acrescidas das despesas operacionais.
Da conjugação desses factos, pode-se concluir que está em causa um contrato donde decorre direitos e obrigações para ambas as partes.
    Nos termos do artigo 399º, nº 1, do CC, “1. Dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste Código ou incluir as cláusulas que lhes aprouver. 2. As partes podem ainda reunir no mesmo contrato regras de dois ou mais negócios, total ou parcialmente regulados na lei.”
    Nos termos do artigo 2º do Regulamento Administrativo nº 6/2002, de 1 de Abril de 2002, que regula a actividade de promoção de jogos de fortuna ou azar em casino, “Para efeitos do presente regulamento administrativo e demais regulamentação complementar, considera-se de promoção de jogos de fortuna ou azar em casino, adiante designada por promoção de jogos, a actividade que visa promover jogos de fortuna ou azar ou outros jogos em casino, junto de jogadores, através da atribuição de facilidades, nomeadamente de transporte, alojamento, alimentação e entretenimento, em contrapartida de uma comissão ou outra remuneração paga por uma concessionária.”
    Os artigos 3º, nº 1, 4º a 6º, 23º e 24º do mesmo Regulamento condicionam o exercício dessa actividade de promoção exigindo que o respectivo agente seja titular de uma licença de promotor de jogo e impondo que o seu registo comercial seja lavrado apenas depois de atribuída essa licença, que o agente esteja registado junto de uma concessionária e entre esta e aquele tenha sido celebrado um contrato de promoção de jogo.
    Dos factos assentes conclui-se que a actividade em questão se enquadra no regime jurídico fixado nesse Regulamento, pois, durante o ano de 2009, a Ré era titular de uma licença de promotor de jogo emitida pela Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos para exercer essa actividade em Macau e celebrou com a Autora o acordo, junto à petição inicial como Doc. 2, ao abrigo do qual a Ré se comprometeu a exercer a actividade de promoção de jogos em benefício da Autora, tendo-lhe sido concedida para o efeito a operação de uma sala VIP, como o n.º 45, sita no 11.º andar do Hotel XX, em Macau, à qual foi dada a designação de fantasia “Cypress VIP Club”.
    Pelo que, entre as partes foi celebrado um contrato de promoção de jogo previsto e regulado no Regulamento Administrativo nº 6/2002, de 1 de Abril de 2002.
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Incumprimento contratual
A Autora intentou a presente acção alegando que a Ré não tinha cumprido as obrigações resultantes do contrato acima referido. Conforme a Autora, a Ré era obrigada a suportar as despesas operacionais como sendo as de ar condicionado, de segurança, de limpeza, de outros serviços tais como reservas de quartos, transportes e cupões de refeições utilizados pelos clientes da sala de jogo acima referido, certa percentagem dos prejuízos do exercício mensal da referida sala de jogo. No entanto, contra o estipulado no contrato e apesar de interpelado para o efeito, a Ré não pagou nem restituiu as quantias devidas.
    Dos factos dados por assentes, verifica-se que, por força do contrato, a Ré estava obrigada a suportar 45% dos prejuízos e as citadas despesas da sala de jogo. Também está provado que nos meses de Julho e Agosto de 2009, a sala de jogo registou prejuízos respectivamente nos valores de HK$2.922.890,00 e HK$1.261.760,00 e nos meses de Setembro e Outubro do mesmo ano, a sala de jogo obteve ganhos respectivamente nos valores de HK$505.800,00 e HK$559.385,00. No que se refere às despesas operacionais, consta dos factos assentes que nos meses de Julho a Outubro de 2009, estas despesas foram respectivamente HK$427.602,00, HK$486.754,00, HK$352.947,00 HK$374.795,00.
    Mais se provou que a Ré não pagou à Autora o valor correspondente a 45% dos prejuízos dos meses de Julho e Agosto de 2009 nem as despesas operacionais acima referidas apesar de estar acordado que as mesmas seriam pagas até ao 3º dia do mês seguinte ao mês em que tais prejuízos e despesas foram registados.
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    Será, então, procedente o pedido da Autora?
    Julga-se que não.
    Senão, vejamos.
Como foi referido mais acima, o Regulamento Administrativo nº 6/2002, de 1 de Abril de 2002, condiciona o exercício da actividade de promoção exigindo o cumprimento de uma série de formalidades prévias. Uma das quais é a celebração de um contrato de promoção de jogo com uma concessionária (cfr. artigo 24º, nº 1, do citado diploma).
    Conforme os factos assentes, o contrato celebrado entre a Autora e a Ré consta do documento nº 2 junto com a petição inicial. Da análise deste documento constata-se que o mesmo foi assinado pela Autora em 24 de Setembro de 2009 e pela Ré em 28 de Setembro de 2009.
    Assim, o contrato em questão não pode servir como fonte de obrigação dos valores dos meses de Julho e Agosto de 2009 e do período compreendido entre de 1 a 27 de Setembro de 2009.
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    No que se refere ao restante período em que alegadamente a Ré estava obrigada a suportar 45% dos prejuízos tidas na aludida sala de jogo e as despesas operacionais da mesma, constata-se que o Regulamento Administrativo nº 6/2002, de 1 de Abril de 2002, veio a ser alterado pelo Regulamento Administrativo nº 27/2009, de 10 de Agosto de 2009.
    Segundo o artigo 27º do Regulamento Administrativo nº 6/2002, com a nova redacção dada pelo Regulamento Administrativo nº 27/2009, de 10 de Agosto “1. O Secretário para a Economia e Finanças pode fixar, por despacho, o limite máximo das comissões ou outras remunerações que podem ser pagas pelas concessionárias aos promotores de jogo, e regular a referida forma de pagamento. 2. Para efeitos do presente artigo, presume-se que têm carácter remuneratório, quaisquer bónus, liberalidades, serviços ou outras vantagens susceptíveis de avaliação pecuniária que sejam oferecidas ou proporcionadas ao promotor de jogo pela concessionária, na Região Administrativa Especial de Macau ou no exterior, quer seja por forma directa ou indirectamente, através de sociedade participada pela concessionária ou com a qual a mesma esteja em relação de grupo. 3. O despacho previsto no n.º 1 aplica-se a todas as comissões ou remunerações futuras, ainda que pagas ao abrigo de contratos já existentes à data da sua entrada em vigor, e para tal é concedido um prazo aos interessados para apresentarem na Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos novos contratos redigidos de acordo com os limites remuneratórios nele estabelecidos.
    Por sua vez, por Despacho do Secretário para a Economia e Finanças nº 83/2009, o limite das comissões de jogo ou quaisquer outras formas de remuneração da actividade de promoção de jogos foi fixado em 1,25% do valor total apostado (net rolling) seja qual for a respectiva base de cálculo, tendo o despacho entrado em vigor em 22 de Setembro de 2009.
    Tendo em conta o exposto, no contrato celebrado entre a Autora e a Ré, as mesmas não podiam ter fixado que a contrapartida da actividade desenvolvida pela Ré era ou o direito a 45% dos lucros da sala de jogo deduzido das despesas operacionais ou o dever de suportar 45% dos prejuízos da sala de jogo acrescido das despesas operacionais, consoante os resultados da própria sala de jogo. Com efeito, por força do regime introduzido pelo Regulamento Administrativo nº 27/2009, de 10 de Agosto, em conjugação com Despacho do Secretário para a Economia e Finanças nº 83/2009, a pior cenário em que os promotores podem encontrar pelo insucesso na promoção da sala de jogo é o não recebimento de qualquer retribuição.
    Assim, não pode a Autora exigir o cumprimento da cláusula contratual onde foi fixada a forma de remuneração pedindo o pagamento das despesas operacionais da sala de jogo tidas a partir de 28 de Setembro de 2009.
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  Pedido da Autora
    Não podendo a Autora exigir o pagamento das quantias peticionadas na presente acção, é manifesto que os Réus não são responsáveis pelo seu pagamento.
    É, pois, de julgar improcedente o pedido da Autora.
    
    4. O princípio da participação das partes
    Como se observa, a Mma Juíza proferiu uma sentença, julgando a acção improcedente, invocando fundamentos e argumentos que não tinham sido equacionados por qualquer das partes.
    Nos termos do preceituado no artº 3, nº 3, do CPC, o “juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido possibilidade de sobre ele elas de pronunciarem”.
Como é sabido, com essa norma, visou-se aprofundar ainda mais o exercício do direito do contraditório, enquanto princípio estruturante do nosso processo civil, princípio esse que surge como uma garantia de uma discussão dialéctica entre as partes, visando evitar “decisões-surpresa”, ou seja, baseadas em fundamentos que não tenham sido previamente considerados pelas partes.
    Na verdade, o processo de um Estado de Direito deve ser um processo equitativo e leal. E daí que se deva conceder às partes a possibilidade de nele fazer valer as suas razões (de facto e de direito) perante o tribunal, em regra, antes que este tome a sua decisão, mesmo relativamente àquelas questões que delas pode conhecer oficiosamente. E isso tem a ver com o próprio direito de defesa das partes, que ambas devem exercer em condições de igualdade.1
    Este princípio assume-se como corolário ou consequência do princípio do dispositivo, destinando-se a proteger o exercício do direito de acção e de defesa. Quer o direito de acção, quer de defesa, assentam numa determinada qualificação jurídica dos factos carreados para o processo, que as partes tiveram por pertinente e adequada quando procederam à respectiva articulação. Como é sabido, o princípio do contraditório é um dos princípios basilares que enformam o processo civil, e, na estrita perspectiva das partes, quiçá o mais relevante.
    Na verdade, “o processo civil reveste a forma de um debate ou discussão entre as partes (audiatur et altera pars)… - esta estruturação dialéctica ou polémica do processo tira partido do contraste de interesses dos pleiteantes, ou até só do contraste das suas opiniões…para o esclarecimento da verdade” 2
    Não obstante importa notar que este princípio, tal como todos os outros, não é de perspectivação e aplicação inelutável e absoluta.
    O princípio do contraditório não se reporta, pelo menos essencial ou determinantemente, às normas que o juiz entende aplicar, nem à interpretação que delas venha a fazer, mas antes aos factos invocados e às posições assumidas pelas partes.
    É assim que a recorrente alega que o Tribunal se pronunciou sobre uma questão não versada nem pelos autores nem pelos réus, pelo que deveria, previamente a uma decisão, convidar as partes a pronunciarem-se ou a exprimirem a sua posição quanto à questão que tinha intenção de vir a emitir.
    Não subsistirão dúvidas de que na estruturação de um processo justo o tribunal deve prevenir e, na medida do possível, obviar a que os pleiteantes sejam surpreendidos com decisões para as quais as suas exposições, factuais e jurídicas, não foram tomadas em consideração. Trata-se ainda de emanações dos princípios de cooperação, boa-fé processual e colaboração entre as partes e entre estas e o tribunal.
    O artigo 3.º, n.º 3 do Código Processo Civil exige do juiz uma diligência aturada de observar e fazer cumprir ao longo de todo o processo o princípio do contraditório, salvo os casos em que ressalte uma manifesta desnecessidade. Se as partes não tiveram hipótese de aportar e debater factos - novos e condizentes com a realidade jurídica prefigurada pelo tribunal antes da decisão - que poderiam trazer alguma luz sobre a “questão nova”, oficiosamente assumida pelo tribunal, então as partes terão o direito de tentar refazer a actividade do tribunal de modo a encarrilar e adequar a estrutura do processo ao resultado decisório.
Há decisão-surpresa se o juiz de forma absolutamente inopinada e apartado de qualquer aportamento factual ou jurídico envereda por uma solução que os sujeitos processuais não quiseram submeter ao seu juízo, ainda que possa ser a solução que mais se adeqúe a uma correcta e atinada decisão do litígio.

Não tendo as partes configurado a questão na via adoptada pelo juiz, cabe-lhe dar a conhecer a solução jurídica que pretende vir a assumir para que as partes possam contrapor os seus argumentos,3 não sendo por vezes fácil saber onde acaba a liberdade de o juiz poder configurar juridicamente a situação que lhe é presente.
    
    5. Violação do princípio
    A violação de tal princípio, mais concretamente do citado artº 3, nº 3, gera uma nulidade processual inominada prevista no art. 147º, n.º 1 do CPC porque tal omissão é susceptível de “influir no exame e decisão da causa.”4
    Logo, quando ocorra tal omissão, traduzida no desrespeito do princípio do contraditório, estaremos perante um vício processual e não um vício intrínseco da sentença, ou seja, não perante uma nulidade da sentença mas uma simples nulidade de processo ou processual.
    Nessas situações poderemos dizer que o tribunal se aparta do dever de cooperação, colaboração e boa-fé que deve nortear o princípio de imparcialidade e de posição de supra-partes constitucionalmente atribuído ao Julgador.
    Nesta conformidade, importa concluir no sentido de que a decisão-surpresa a que se reporta o artigo 3º, nº 3 do CPC, não se confunde com a suposição que as partes possam ter feito nem com a expectativa que elas possam ter acalentado quanto à decisão quer de facto quer de direito. A lei, ao referir-se à decisão-surpresa, não quis excluir delas as decisões que juridicamente são possíveis embora não tenham sido pedidas.
    Estaremos perante uma decisão surpresa, como se disse, quando ela comporte uma solução jurídica que as partes não tinham obrigação de prever, quando não fosse exigível que a parte interessada a houvesse perspectivado no processo, tomando oportunamente posição sobre ela, ou quando a decisão coloca a discussão jurídica num módulo ou plano diferente daquele em que a parte o havia feito.
    A violação do contraditório inclui-se na cláusula geral sobre as nulidades processuais constante do artº 147º, n.º 1 do Código do Processo Civil - a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influenciar a decisão da causa.
    Dada a importância do contraditório é indiscutível que a sua inobservância pelo Tribunal é susceptível de influir no exame ou decisão da causa. Porque a omissão da audição das partes - salvo no caso de falta de citação -, não constitui nulidade de que o Tribunal deva conhecer oficiosamente, a eventual nulidade daí decorrente, deve ser invocada pelo interessado no prazo de 10 dias após a respectiva intervenção em algum acto praticado no processo - artºs 151º, nº 1 do CPC -. Pelo que, tal nulidade, a configurar-se como tal, não podia ter deixado de ser invocada naquele prazo, não se devendo a parte ter guardado para as alegações do recurso da sentença, oferecidas muito depois de decorrido aquele prazo.
    Nem se diga que essa nulidade estará coberta pela sentença, pelo que, ao recorrer-se desta, era aí, nesse momento que a nulidade processual referida devia ser suscitada. Tudo estaria bem se o legislador previsse que nestes casos a arguição de uma nulidade processual cometida em sede de sentença devesse ser arguida em sede de alegações ou no prazo destas.
    Aliás, compreende-se que assim seja, isto é, que, ao aperceber-se que o juiz, na sentença, conheceu de um objecto diferente, surpreendeu as partes com algo diferente e inesperado, faz sentido que a parte venha alertar para o facto de não ter sido ouvida, invoque a nulidade processual incorrida, para, anulando-se o processado, se corrigir a trajectória processual e se proferir nova sentença, já com todos os dados em cima da mesa.
    Importa não confundir essa nulidade com as nulidades da sentença, estas expressamente previstas no artigo 571º do CPC e se bem que ela se produza por via da prolação da sentença, omissiva dessa formalidade essencial, podemos dizer que lhe é prévia, pois que se trata de uma audição que devia ter sido desenvolvida antes de o juiz proceder à análise e enquadramento jurídico do contrato em causa.
    Essa formalidade afigura-se como essencial na medida em que a posição das partes poderia fazer reponderar ou inverter mesmo a posição para onde o juiz num primeiro momento se pudesse inclinar.
    Neste sentido, no sentido da arguição no prazo de dez dias, a jurisprudência de Macau5 e também a jurisprudência comparada6, apenas com uma ou outra excepção,7 onde se diz que, estando a referida nulidade coberta por decisão judicial, nada obstaria a que o Tribunal conhecesse da referida nulidade quando invocada em sede recurso nas respectivas alegações. 8

    6. Consequências
    No caso destes autos, as partes ao longo dos seus articulados, não perspectivaram a solução encontrada pela Mma Juíza para decidir nos termos em que o fez. Assim, porque as partes não tiveram a oportunidade de debater esta questão, perante o Tribunal da 1.ª instância, a configurar-se estarmos perante a violação do princípio do contraditório e audição das partes, não sendo essa decisão previsível para qualquer dos pleiteantes, seria de reconhecer essa nulidade processual com consequente anulação do processado, não fora o caso de tal nulidade ter sido extemporaneamente suscitada.
    Razão por que dela não se pode conhecer.
    Nesta conformidade, sobreleva o recurso interposto da sentença, tendo tido as partes oportunidade, nesta sede de se pronunciarem sobre as nulidades configuradas, assim se comprovando bem a utilidade, se não indispensabilidade da audiência prévia preterida, tendo tido até as partes oportunidade de juntarem documentos no sentido de pôr em crise a tese defendida na sentença.
Concluímos pois que a decisão em crise, da forma como foi proferida, sem conhecimento prévio das partes, ainda que constitua eventualmente uma decisão surpresa com violação do princípio do contraditório, não será de anular como decorrência da anulação do processado por preterição da audição das partes sobre essa matéria, passando este Tribunal a dela conhecer nos termos em que proferida foi.

7. DA (IN)VALIDADE DO CONTRATO
    7.1. Conforme acima referido, a autora, ora recorrente, fundamentou o seu pedido no contrato de promoção de jogos celebrado com a 1.ª ré, e garantido pelo 2.º réu, ora recorridos, o qual foi junto aos autos como Doc. 1 da petição inicial e dado por integralmente reproduzido nos autos, conforme referido no despacho que fixou a matéria assente e no relatório da sentença recorrida.
    De acordo com o referido contrato, este foi assinado pela recorrente no dia 24 de Setembro de 2009 e pela recorrida no dia 28 de Setembro do mesmo ano, tendo sido as assinaturas devidamente reconhecidas presencialmente.
    As partes acordaram expressamente no contrato que este produzia efeitos desde o dia 1 de Janeiro até ao dia 31 de Dezembro de 2009.
    7.2. O Tribunal a quo considerou que o contrato celebrado, antes da sua formalização era nulo por falta de forma e atentava no seu conteúdo contra uma série de disposições imperativas em violação do disposto no Regulamento Administrativo n.º 6/2002.
    E que por ter apenas sido celebrado em 28 de Setembro de 2009, este não poderia ser fonte de obrigações anteriores a esta data.
No fundo, importa indagar se o referido contrato, nulo por falta de prova, pode ser renovado nos termos em que o foi se são válidas as cláusulas com efeitos retroactivos nele inseridas.
    7.3. Equacionada assim a questão, perde algum sentido a discussão sobre se as formalidades exigidas para o contrato de promoção se devem mostrar cumpridas antes do início da actividade pelo promotor. Perde-se a recorrente em longa dissertação para tentar convencer que as condições de licenciamento, registo e definição dos montantes das comissões devem estar previamente definidas, configurando o contrato como não essencial, até porque não inserido no artigo 1º, situando-se fora das actividades de promoção.
    Assim, dispõe apenas o n.º 1 do artigo 24.º do referido Regulamento Administrativo, que "Os promotores de jogo exercem a sua actividade nos termos do contrato celebrado entre si e uma concessionária.".
    O n.º 2 do mesmo artigo, estabelece apenas que "O contrato referido no número anterior está sujeito a forma escrita e é celebrado em triplicado, sendo as assinaturas objecto de reconhecimento notarial presencial.".
    E o n.º 3 que "Um dos exemplares dos originais do contrato referido no n.º 1 ( ... ) são enviados pela concessionária à Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos, no prazo de 15 dias.".
    Perante estas disposições, continua a recorrente, enquanto o Regulamento Administrativo estabelece concretamente que o exercício da actividade de promoção de jogo depende da atribuição de uma licença ao promotor e, por outro, que o promotor só pode exercer essa mesma actividade se estiver registado junto de uma concessionária, o que implica o seu cumprimento prévio,
    Relativamente ao contrato de promoção, limita-se a referir que a actividade de promoção de jogos se rege de acordo com o que tiver sido convencionado entre a concessionária e o promotor e que esse contrato está sujeito a forma escrita e às demais formalidades aí enunciadas e acima indicadas.
    Ora, a falta de um elemento literal que imponha a necessidade de o contrato de promoção de jogos ser celebrado por escrito (e cumpridas as restantes formalidades) antes do início da actividade apenas pode significar que não foi essa a intenção do legislador, pois, se o tivesse sido, este teria utilizado formulações que o impusessem ou até sugerissem, à semelhança do que fez para a obtenção da licença e o registo junto de uma concessionária.
    A verdade é que a imposição de formalidades ao contrato de promoção - ou seja, a sua redução a escrito, o reconhecimento presencial das assinaturas dos contratantes e o seu envio para a Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos ("DICJ") no prazo de 15 dias contados da data da sua celebração -, está a par de outras obrigações impostas aos promotores e concessionárias ao longo dessa actividade, tal como o envio à entidade reguladora de listagens relativas aos promotores, aos seus colaboradores, às comissões e outras remunerações pagas etc.
    Estas obrigações seriam meros procedimentos que servem como forma de a DICJ dispor de um mecanismo de registo dos promotores a operar com as concessionárias de jogo e de informação sobre a sua actividade.
    Donde resulta que o Tribunal a quo não pode inferir ou interpretar o Regulamento Administrativo, em particular o seu artigo 24.°, no sentido de definir o contrato de promoção de jogo como formalidade prévia ao início do exercício da actividade pelo promotor e, com base nisso, declarar que o mesmo não pode ser fonte das obrigações anteriores à data em que foi reduzido a escrito.
    7.4. Sinceramente que não se percebe bem o que pretende a recorrente com esta alegação. A engenharia interpretativa a que procede não colhe e contradiz-se nos próprios termos; por um lado, pretende que o contrato não é essencial, seria até uma formalidade excrescente, destinada a um mero registo e controle da actividade por parte da DICJ, por outro, já defende a validade conferida pelo contrato celebrado em Setembro com toda a sua força renovadora e validade da eficácia retroactiva que lhe foi atribuída.
    Como está bem de ver, é por demais evidente que não faz sentido a argumentação tentada no sentido de se ter a imposição formal de um contrato escrito como uma mera formalidade não essencial para o desenvolvimento da actividade de promoção do jogo, ficando por justificar a necessidade da norma que o impõe, sendo facilmente perceptível a necessidade dessa forma, não só para controle da actividade inspectiva, como para salvaguarda das regras e dos limites ao desenvolvimento dessa actividade, que, de outra forma, poderia ser selvática, vistos os interesses e os montantes em causa, a apetência pela actividade, a avidez pelos lucros, face aos casos verificados, a porem em causa a o próprio desenvolvimento são, competitivo e concorrencial da indústria do jogo. Para já não falar da protecção dos interesses das próprias partes contratantes.
    Não vale a pena desenvolver aquilo que entra pelos olhos dentro.
    7.5. Mas se essa linha argumentativa não colhe, já não assim acontece com o enquadramento feito em relação à pretensa renovação ou reiteração do contrato, mecanismo jurídico unanimemente consagrado pela doutrina, como meio de sanação de contratos nulos por falta de forma.
    Somos, aí, a acompanhar o enquadramento da recorrente, ao dizer, no essencial, que, não obstante a nulidade do contrato que se iniciou no princípio de 2009 e se formalizou tão-somente em Setembro desse mesmo ano, não pode apagar do mapa o que na prática foi gasto, prestado, realizado, antes disso.
    7.6. Casos há em que a nulidade, não obstante a destruição e não contemplação dos efeitos anteriormente produzidos não pode funcionar como uma esponja, havendo que dar resposta a consequências práticas, a efeitos fácticos que não podem deixar de ter algum tratamento jurídico. Basta pensar nas relações laborais, em que não obstante a nulidade de um contrato de trabalho, este não deixou de ser prestado e, o empregado trabalhou e o empregador beneficiou desse trabalho.9
    É em parte para dar resposta a situações deste género que a doutrina labora sobre a figura da renovação ou reiteração dos contratos, figura que se distingue da conversão, confirmação e novação do contrato. A renovação do contrato - extinção contratual de uma obrigação, em virtude da constituição de uma obrigação nova que vem ocupar o lugar da primeira10 -, tem, em princípio e à falta de declaração em contrário, apenas efeitos para o futuro, mas nada impede as partes de convencionem a sua retroactividade, desde que esta tenha apenas efeitos inter partes, preservando a protecção de terceiros de boa-fé.
    7.7. Actualizando os ensinamentos de Rui Alarcão, atentemos no que ele diz, a este propósito
    "No exercício da autonomia privada é lícito às partes refazer um negócio jurídico que antes haviam celebrado concluindo sobre o seu objecto um novo negócio, destinado a absorver o conteúdo daquele e a substituí-lo para o futuro. A isto se chama renovação do negócio jurídico. O motivo que leva a proceder assim é o de preservar ou de modificar a regulamentação de interesses em que se analisa o negócio objecto da renovação. Trata-se umas vezes, de reconduzir ad viam iuris um contrato viciado - um negócio ferido de invalidade que não seja susceptível de ser sanada por confirmação ("É principalmente o caso do negócio nulo"), ou ferido de ineficácia que não possa reparar-se doutra forma.".
    "No fenómeno da renovação, o negócio anteriormente existente deixa de vigorar - se é que isso não sucedia já - e é substituído por um novo negócio. A fonte negocial está exclusivamente neste último, e não no negócio precedente integrado ou complementarizado pelo actual. ( ... ) Daí a necessidade de se observarem no negócio actual os requisitos substanciais e formais que legalmente se exijam para o antigo. Daí também o facto de aquele negócio só produzir efeitos ad futurum, sem retroactividade, portanto. Melhor se dirá quanto a este ponto: sem retroactividade real ou contra omnes. Pois os sujeitos do negócio podem muni-lo de eficácia inter partes (retroactividade obrigacional), isto é, de estabelecer que entre eles o negócio novo produz efeito a partir da data do antigo; o que não podem é estabelecer que tal efeito se impõe a terceiros.".
    "O negócio nulo não pode ser objecto de confirmação. Mas pode ser objecto de renovação. Se por ex., um negócio é nulo por falta de forma, podem os seus autores renová-lo, concluindo-o ex novo, desta feita com a observância da formalidade prescrita. O novo negócio só vale, porém, ad futurum, embora seja permitido às partes estipularem a retroactividade (obrigacional) a que há pouco aludimos.",11
    Na mesma linha, Carvalho Fernandes, “O princípio da autonomia privada, que domina a matéria do negócio jurídico e informa o seu regime, faculta aos seus autores a possibilidade de celebrar, de novo, um negócio por eles anteriormente praticado. Fala-se, então, em renovação ou reprodução do negócio jurídico, pois as partes renovam uma declaração de vontade já emitida, mantendo a relação precedente inalterada. Se assim não acontecer e o conteúdo do anterior negócio for de alguma forma modificado, estamos em presença de um segundo acto, pelo que neste caso mais adequado é falar de novatio contractus em vez de renovatio contractus.
    Na renovação tanto pode estar em causa um anterior negócio válido, como inválido. Nesta hipótese as partes pretendem afastar as consequências do vício que afecta o negócio, como será o caso de o representante do incapaz celebrar o negócio que este praticara sem para tanto estar habilitado; ou de as partes fazerem, agora, por escritura pública, o negócio formal, nulo por constar de mero documento particular. Em todos estes casos renova-se um acto já praticado, não havendo razão para não tratar a figura como renovação do negócio jurídico, se não houver alteração do seu conteúdo.
    Como é bem de ver, só interessa considerar neste estudo a hipótese em que, havendo a mencionada identidade entre os dois negócios, o primeiro é inválido. Ainda neste caso a delimitação da figura em relação à conversão se pode fazer em termos simples. A renovação do negócio é, então, um expediente que permite "salvar" os efeitos de um negócio inválido, mantendo-os, porém, inalterados, pelo que não faz sentido considerar aqui a existência de negócio ou efeitos sucedâneos.
    Mais uma vez se trata de um meio técnico de dar relevância à vontade real das partes, considerada agora no momento da renovação, e de obter a produção dos (mesmos) efeitos que o negócio inicial produziria, se não fosse inválido.”12
    No mesmo sentido, Manuel Andrade, referindo a possibilidade de atribuição a este negócio novo eficácia retroactiva, ainda que só nas relações entre as partes e nunca em face de terceiros (o que como é bem de ver não seria justo).13 Como resulta exactamente no caso vertente.
    Ainda, Mota Pinto, realçando a estipulação expressa de salvaguarda da eficácia retroactiva.14
    7.8. Também na Jurisprudência Comparada emerge este entendimento.15
    7.9.Nesta conformidade, a referida nulidade cede em face da outorga do segundo contrato que, tendo subjacente a renegociação do primeiro, como se viu, procede à sua absorção ou substituição, não havendo aqui que querelar sobre a vontade hipotética das partes, pois que foram muito claras ao estipularem que conferia efeitos retroactivos ao contrato, efeitos esses que se reconduzem aos créditos e obrigações gerados entre as partes. Conclui-se, deste modo, que face à absorção do primeiro pelo segundo dos contratos de promoção do jogo a que se vem fazendo referência, dúvidas não parecem subsistir de que se está perante uma situação de renovação de contrato nulo, com rectificação da forma legalmente exigida, ao tempo da emissão da declaração, inexistindo, por isso, fundamento de nulidade, renovação essa que abrange os seus efeitos 'ex tunc', porquanto se evidencia que as partes contratantes quiseram a sua eficácia retroactiva.

8. DA (IN)VALIDADE DO SISTEMA REMUNERATÓRIO DE PARTILHA DE GANHOS E DE PERDAS
    8.1. No que se refere ao período posterior à redução do contrato de promoção a escrito, e na parte onde foi fixado o sistema de "Partilha de Ganhos e de Perdas (Tabela 3 do contrato), por via do qual as partes acordaram que a promotora receberia 45% dos ganhos brutos da Sala VIP e responderia por 45% dos prejuízos brutos da mesma, o Tribunal a quo considerou que, de acordo com o artigo 27.° do Regulamento Administrativo 6/2002, de 2 de Abril, alterado pelo Regulamento Administrativo 27/2009, de 4 de Agosto, e com o Despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças n.º 83/2009, que fixou o limite das comissões de jogo ou quaisquer outras formas de remuneração da actividade de promoção de jogos em 1,25% do valor total apostado ("net rolling"), o qual entrou em vigor em 22 de Setembro de 2009, "o pior cenário em que os promotores podem encontrar pelo insucesso na promoção da sala de jogo é o não recebimento de qualquer retribuição".
    E decidiu, em consequência disso, que "não pode a Autora exigir o cumprimento da cláusula contratual onde foi fixada a forma de remuneração pedindo o pagamento das despesas operacionais da sala de jogo a partir de 28 de Setembro de 2009".
    Em suma, o Tribunal a quo considerou inválida a cláusula em que as partes fixaram o sistema de "Partilha de Ganhos e de Perdas" por violação de lei imperativa.
    
    8.2. Quid juris?
    Será que a lei impõe a comissão sobre as apostas como a única forma de retribuição da actividade promocional do jogo nos casinos e mais particularmente das salas VIP?
    8.3. Atentemos nas normas pertinentes.
    De acordo com o n.º 1 do artigo 27.º do Regulamento Administrativo em causa, "O Secretário para a Economia e Finanças pode fixar, por despacho o limite máximo das comissões ou outras remunerações que podem ser pagas pelas concessionárias aos promotores de jogo, e regular a referida forma de pagamento."
    O n.º 2 dispõe que "Para efeitos do presente artigo, presume-se que têm carácter remuneratório, quaisquer bónus, liberalidades, serviços ou outras vantagens susceptíveis de avaliação pecuniária que sejam oferecidas ou proporcionadas ao promotor pela concessionária, na Região Administrativa Especial de Macau ou no exterior, quer seja por forma directa ou indirectamente, através de sociedade participada pela concessionária ou com a qual a mesma esteja em relação de grupo.".
    E o n.º 3 que "O despacho previsto no n.º 1 aplica-se a todas as comissões ou remunerações futuras, ainda que pagas ao abrigo de contratos já existentes à data da sua entrada em vigor, e para tal é concedido um prazo aos interessados para apresentarem na Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos novos contratos redigidos de acordo com os limites remuneratórios nele estabelecidos.".
    Dispõe o n.º 1 do artigo 32.º-A do predito Regulamento Administrativo, "É punida com multa de 100 000 a 500 000 patacas a concessionária que pagar, por forma directa ou indirecta, a promotor de jogo comissões ou outras remunerações em valor superior ao limite máximo fixado ( ... ).".
    E o n.º 2 do mesmo artigo, "Com igual multa é punido o promotor de jogo que receber comissões ou outras remunerações em valor superior ao limite máximo mencionado ( ... )".
    Segundo o n.º 1 do Despacho acima indicado, "As comissões ou quaisquer outras formas de remuneracão da actividade de promoção de jogos não podem ultrapassar o limite correspondente a 1,25% do valor total apostado (net rolling) seja qual for a respectiva base de cálculo.".
    Nos termos do n.º 7 do Despacho em causa, "Compete às concessionárias/subconcessionárias apresentar as adequadas propostas de actualização contratual, diligenciar a assinatura dos respectivos documentos contratuais e a subsequente apresentação na Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos".
    De acordo com o disposto no artigo 29.º da Lei 16/2001, (a "Lei do jogo"), mantido inalterado pelo Regulamento 27/2009, no que respeita ao imposto incidente sobre as comissões de jogo e ao seu modo de pagamento, expressamente se estabelece que este imposto incide sobre as comissões ou outras remunerações pagas a promotores, em reconhecimento de que em alternativa ao pagamento de comissões podem as partes acordar noutros tipos ou modelos de remunerações.
    E, por outro, do n.º 8 do artigo 30.º do Regulamento Administrativo 2/2006, também este mantido inalterado pelo Regulamento 27/2009, decorre como uma das obrigações da concessionária de jogo "pagar pontualmente as comissões ou outras remunerações acordadas com os promotores de jogo", numa clara referência a outros sistemas remuneratórios.
    8.3. Ora, fica demonstrado que a lei claramente admite outros modelos de pagamento ou remuneração aos promotores de jogo para além do sistema clássico de pagamento de comissões calculadas sobre os valores das fichas não negociáveis transaccionadas num dado mês, designado na gíria por net rolling.
    Um desses modelos utilizados em alternativa ao pagamento de comissões, pode ser o sistema de partilha de ganhos e de perdas brutas mensais decorrentes da actividade de promoção desenvolvida nas salas VIP, tal como vem comprovado nos autos, sendo esse o sistema contratado no caso vertente.
    Pelas disposições acima transcritas resulta que as partes de um contrato de promoção de jogo não estão impedidas de acordar outros sistemas remuneratórios, com outras bases de cálculos e outras obrigações e contrapartidas para o promotor, como os de participar numa percentagem dos prejuízos brutos da sala VIP, caso os haja, desde que, naturalmente, destes sistemas não resultem pagamentos ao promotor de valores superiores ao limite legal, aí, sim, observando-se uma norma imperativa, cuja justificação se alcança perfeitamente, a fim de evitar práticas potencialmente atentatórias de uma livre e sã concorrência no sector.
    É do conhecimento público nesta RAEM, vista até a importância que a indústria do jogo tem na economia local, a concorrência aguerrida no mercado, sendo que a chamada "guerra de comissões" conduziu ao aumento de custos de exploração de salas VIP, visando-se pela intervenção legislativa produzida, preservar o normal desenvolvimento da indústria do jogo e assumir a responsabilidade de defender o desenvolvimento ordenado do mercado da indústria do jogo
    8.4. Acresce que os normativos acima citados se referem simplesmente a remunerações aos promotores e não às obrigações e pagamentos destes às concessionárias decorrentes do contrato de promoção de jogo, porque o propósito, desta alteração legislativa, compreende-se que seja o de impor um valor máximo àquilo que os promotores poderiam receber ou ganhar e não restringir ou impor um mínimo às responsabilidades assumidas por estes naquele tipo de contrato, como é o caso de os promotores se comprometerem a pagar à concessionária uma percentagem dos prejuízos brutos da sala VIP nos moldes acima descritos para a "Partilha de Ganhos e de Perdas, situação que se verifica no caso “sub judice.”
    8.5. Reforçando a admissibilidade de um sistema retributivo, alternativo às comissões, nos termos da documentação junta aos autos, foi emitida pela entidade reguladora a Instrução n.º 2/2009, de 7 de Outubro, de acordo com a qual:
    i. Comissão (junket comission) foi definida por "remuneração dos serviços prestados pelos promotores de jogo aos jogadores com elevada capacidade de colocação de apostas calculada pela aplicação de uma percentagem sobre o valor apostado (net rolling) (cfr. a cláusula 1);
    ii. Outras formas de remuneração foram definidas como "qualquer remuneração ou compensação, diferente da comissão, atribuída aos promotores de jogo pelos serviços prestados a jogadores com elevada capacidade de colocação de apostas, podendo assumir a partilha de rendimentos, prestação de serviços, bónus, liberalidades, descontos ou outras vantagens com expressão pecuniária (cfr. a cláusula 1); e
    iii. Foi definido que o valor máximo a considerar para efeitos de controlo do referido limite máximo de 1,25% no caso de remuneração dos promotores através de partilha de rendimentos é de 44% do rendimento bruto (cfr. cláusula 5.6).
    8.6. Donde resulta a evidente intenção da entidade reguladora em consagrar e regulamentar, mas não em proibir, as práticas e os sistemas remuneratórios existentes antes da entrada em vigor destas alterações, ao fazer expressa referência à "partilha de rendimentos", que não de prejuízos.
    Após discussão e colaboração com as concessionárias de jogo no sentido de melhor apurar e precisar conceitos e procedimentos, foi emitida, em substituição daquela Instrução n.º 2/2009, a Instrução n.º 4/2009, de 27 de Novembro, segundo a qual:
    i. Comissão (junket comission) foi definida por "remuneração dos serviços prestados pelos promotores de jogo ou serus colaboradores aos jogadores com elevada capacidade de colocação de apostas calculada pela aplicação de uma percentagem sobre o net rolling (cfr. a cláusula 1);
    ii. Rolling ou net Rolling foi definido como "valor apostado correspondente, em regra, à diferença entre as fichas não negociáveis (fichas junket) adquiridas e devolvidas;
iii. Outras formas de remuneração foram definidas como "qualquer remuneração ou compensação, diferente da comissão, atribuída aos promotores de jogo ou aos seus colaboradores pelos serviços prestados a jogadores com elevada capacidade de colocação de apostas, podendo assumir a forma de serviços complementares, bónus, liberalidades, descontos ou outras vantagens com expressão pecuniária (cfr. a cláusula 1);
    iv. Foram estabelecidos os formulários a enviar à entidade reguladora por forma a esta proceder ao controlo do limite máximo das comissões e outras remunerações a pagar aos promotores, incluindo o relativo a montantes pagos, em cada mês a título de partilha de rendimentos, através dos formulários J-02, J-04 e J-08 (cfr. cláusula 5.1.2).
    Sendo de assinalar que deixou de se ensaiar a correlação entre 1,25% do net rolling como correspondente a 44% do rendimento bruto.
     8.7.Tudo, razões para considerar que as cláusulas contratuais acordadas não violam normas imperativas que imponham uma regulação diferente.
    De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 392.º do CC, "As partes podem fixar livremente, dentro dos limites da lei, o conteúdo positivo ou negativo da prestação.".
    Segundo o consagrado no n.º 1 do artigo 399.º do CC, "Dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste Código ou incluir nestes cláusulas que lhes aprouver.".
    E o n.º 2 deste mesmo artigo dispõe que "As partes podem ainda reunir no mesmo contrato regras de dois ou mais negócios, totalmente ou parcialmente regulados na lei.".
    Deste modo, posto que a lei aplicável admite que as concessionárias e os promotores acordem e componham sistemas remuneratórios como lhes aprouver, desde que deles não resultem pagamentos aos promotores superiores ao limite fixado, e não havendo qualquer norma que imponha ou limite as obrigações a que os promotores se podem vincular, mais especificadamente, não havendo qualquer disposição que proíba a estes partilharem com as concessionárias uma percentagem dos prejuízos verificados nas salas VIP que aqueles operam a favor destas, a autora, ora recorrente, e a ré, aqui recorrida, no âmbito da liberdade contratual que a lei lhes confere, convencionaram no contrato de promoção o modelo da "Partilha de Ganhos e de Perdas", por via do qual o promotor é remunerado com base numa determinada percentagem das receitas brutas das salas VIP e, em contrapartida, responde por uma percentagem dos prejuízos brutos verificados na mesma, conforme acima descrito.
    8.8. Assim, a decisão recorrida, também no que a este aspecto diz respeito, viola o princípio da autonomia privada e da liberdade contratual das partes, e traduz uma menos acertada interpretação das normas relativas às citadas da Lei do Jogo, Regulamento Administrativo n.º 6/2002, do Regulamento Administrativo n.º 27/2009 e Despacho do Secretário para a Economia e Finanças n.º 83/2009, pelo que se impõe a sua revogação.
    
    9. Do objecto da acção
    9.1. Importa então conhecer do objecto da acção.
    Face ao contrato celebrado e aos resultados verificados é pacífico que os réus são devedores à A. da peticionada quantia.
    Aliás, os próprios réus não se deixaram de reconhecer devedores, tendo apenas, a dado passo, posto em causa os montantes peticionados, comprometendo-se a pagar o que viesse efectivamente a ser contabilizado. Não deixaram até de emitir um cheque para pagamento da quantia em dívida, cheque que não foi pago por falta de provisão.
    9.2. De acordo com o artigo 399º, n.º 1 do CC as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos e estes devem ser pontualmente cumpridos - art. 400º, n.º 1.
    Na obrigação pecuniária a indemnização pelo incumprimento corresponde aos juros a contar da constituição em mora art. 795º, n.º 1 do CC e os juros devidos são os juros legais, nos termos do n.º 2, cuja taxa é de 9,75%, desde 11 de Julho de 2006 - Ordem Executiva n.º 29/2006.
    A dívida é da responsabilidade de ambos os réus, face ao disposto no artigo 1558º, n.º 1, al. d) do CC, para além do próprio envolvimento e participação do réu marido no negócio de exploração do “Cypress Vip Club”.
    9.3. Comprovam-se as perdas nos referidos montantes, pelo que, consequentemente os réus são responsáveis pelo pagamento na respectiva percentagem que acordada ficou.
    O montante apurado é o de HKD 3.045.916,00 equivalente a MOP3.137.293,48, montante esse que veio a ser reconhecido pelos réus.
    9.4. Os juros sobre essa quantia são apenas devidos desde a data dos respectivos vencimentos, tendo a obrigação prazo certo, ou seja até ao terceiro dia do mês seguinte das respectivas perdas - cfr. art.794º, n.º 2, a) do CC. Só que não vem comprovada a alegada correspondência do montante em dívida com reporte aos respectivos meses e é assim que em 21 de Outubro de 2009 se propõem pagar um valor ligeiramente inferior em 12 prestações e não obstante as interpelações que vêm comprovadas, só em 11 de Dezembro de 2009 temos o reconhecimento do montante acima apurado, devendo ser em função dessa data que se devem computar os juros vencidos e vincendos.
    Ou seja, face à matéria de facto apurada, não podemos determinar o dia em que o montante da dívida liquidada e aceite como devia ter sido paga, razão por que se considera, na falta de concretização das datas de interpelação anteriores, o dia 11 de Dezembro de 2009 como a data relevante para a contagem de juros.
    Aliás, estranhamente, por explicar fica o cálculo efectuado pela autora na sua petição inicial, pois, enquanto no artigo 44º refere um capital em dívida de HKD3.045.916,00 equivalente a MOP3.137.293,48, logo no artigo 46º o capital em dívida passa para MOP3.426.911,41 correspondentes MOP3.342.718,00 e MOP289.617,03 de juros de mora, sendo este o valor que acaba por peticionar.
    É desta forma que se constata que a autora, sem mais nada dizer, veio emendar a mão no cálculo efectuado aquando da apresentação das alegações de direito - cfr- fls 301 dos autos -, configurando-se aí uma tácita redução do pedido.
    Tudo visto e ponderado, resta decidir.
    
    IV - DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em julgar o recurso procedente e, em consequência, revogam a sentença proferida, julgando parcialmente procedente a acção e condenando os réus a pagar à autora a quantia de MOP3.137.293,48 (três milhões cento e trinta e sete mil duzentos e noventa e três patacas e quarenta e oito avos) a que acrescem juros vencidos e vincendos à taxa legal de 9,75%, desde 11 de Dezembro de 2009 até efectivo e integral pagamento.
Custas na proporção dos decaimentos.
Macau, 10 de Julho de 2014,
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
1 - Neste sentido, entre muitos, Ac. do STJ de 15/10/2002, in www dgsi.pt, Ac. STJ, Proc. n.º 2005/03.0TVLSB.L1.S1, de 27/9/2011, o Ac. TC de nº 177/200, in “DR, II S, de 27/10/2000”, Rel. Coimbra, Proc. n.º 572/11.4TBCND.C1, de 11/13/2012, Lebre de Freitas, in “ Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, vol. 1º, 8

2 - Manuel de Andrade, Noções Elementares, 1979, pág.379
3- Ac. STJ, Proc. n.º 2005/03.0TVLSB.L1.S1, de 27/9/2011
4 ” – CPC de Macau, Cândida Pires e Viriato Lima, I, 36; Lebre de Freitas, ob. cit. vol. 1, pág. 9; o prof. Teixeira de Sousa, in “Estudos sobre o Novo Processo Civil, 1997, pág. 48”; Ac. do STJ de 6/10/2005, in “Rec. Revisão nº 1876/05 – 2ª sec.”; Ac. Rel. Coimbra, de 18/1/2004 e de 4/10/2005, respectivamente, in “Apelação nº 362/2004 e Apelação nº 1955/05”

5 - Ac. do TUI, Proc. n.º 28/2006, de 18/7/2007
6 - Acórdãos do STJ de 13.01.2005, Proc. n.º 04B4031; de 11/5/03, Proc. 04B1430; 67/2000, de 6/4/09; Ac. Rel. Coimbra, Proc. n.º 3624/04, de 18/1/2005
7 - Ac. Rel. Coimbra, Proc. n.º 572/11.4TBCND.C1, de 11/13/2012
8 - Neste sentido, entre outros, os Acórdãos do STJ de 13.01.2005 e do Tribunal da Relação do Porto de 18.06.2007, Rel. Coimbra, Proc. n.º 572/11.4TBCND.C1, de 11/13/2012, www.dgsi.pt .

9 - Vd. Enzo Roppo, O contrato, almedina, 1988, 210
10 - Almeida Costa, Dto Obrigações, 4ª ed., 782
11 - "A Confirmação dos Negócios Anuláveis", vol. I, Atlântida Editora, S.A.R.L., Coimbra, 1971, páginas 107 a 110

12 - A Conversão dos Negócios Jurídicos, Quid Juris, 1993, 729 e 730
13 . TGRJ, II, Almedina, 1972, 419
14 - "Teoria Geral do Direito Civil", 3.ª Ed., Coimbra Editora, 1996, 611 e 612.
15- Acs do STJ, Proc. n.º 5575/6.8TBSTS-A.P1.S1, de 12/15/2011, RP, Proc. n.º 0352737, in www.dgsi.pt, entre outros

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