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Proc. nº 441/2013
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 17 de Julho de 2014
Descritores:
- Contratos administrativos
- Responsabilidade civil contratual
- Responsabilidade administrativa
- Multas contratuais
- Culpa do contraente particular

SUMÁRIO:

1 - O cumprimento dos contratos administrativos não é diferente do de qualquer outro contrato e do regime “pacta sunt servanda” que deles deriva. O particular deve respeitar exacta e pontualmente as prestações a que se obrigou, já que o contrato não deixa de ser um acordo de vontades (art. 224º, CC), que deve ser pontualmente cumprido (art. 400º, nº2 e 752º, do CC).

2 - Para além das cláusulas tipicamente obrigacionais dos contratos administrativos, outras lhe são frequentemente aditadas em ordem à protecção do interesse público subjacente, destacando-se as que, relacionando-se com o cumprimento ou a execução do contrato: a), proporcionam ao contraente público o poder de fiscalização; b) implicam a prestação de caução e outras garantias; c), permitem aplicar multas contratuais; d) permitem reduzir honorários ao contraente particular; d) apresentam um regime próprio no caso de incumprimento do contraente público.

3 - As multas e a redução de honorários estabelecidas nos contratos administrativos consideram-se sanções administrativas contratuais.

4 - Dum contrato público podem advir dois tipos de responsabilidade: a responsabilidade civil contratual e a responsabilidade administrativa contratual. A primeira implica a existência de um dano e o consequente dever de indemnizar (art. 477º do CC). É uma responsabilidade reparatória. A segunda, contrariamente, pressupõe um incumprimento, mas não a lesão, e gera o poder de aplicação de sanções administrativas contratuais. É uma responsabilidade sancionatória, punitiva ou “castigadora”. A multa, enquanto sanção pecuniária, cumpre essa função.

5 - Nem uma, nem outra, porém, para efeitos de imputabilidade ao contraente particular do incumprimento contratual, abdicam dos critérios subjectivos da culpa.

6 - Se, no âmbito de um contrato de prestação de serviços o contraente particular se vinculou a manter na obra, entre outros técnicos de engenharia de diferentes especialidades, dois engenheiros electromecânicos, procede com culpa se, para os substituir não fez tudo o que estava ao seu alcance, sobretudo se o técnico que indicou à entidade adjudicante não era da mesma especialidade e se os anúncios que começou por colocar em jornais não visavam engenheiros dessa área, mas da especialidade de engenharia electromecânica.














Proc. nº 441/2013

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.

I – Relatório
“A – XXX, Lda” interpôs para este TSI recurso contencioso do despacho do Ex.mo Secretário para os Transportes e Obras Públicas da RAEM datado de 29/05/2013, que lhe aplicou uma multa contratual de Mop$ 1.233.600,00, bem como uma dedução de honorários de Mop$ 113.516,67, no âmbito da execução de um contrato celebrado com o Governo da RAEM para a “Prestação de Serviços de Ampliação das Estruturas Principais do Novo Terminal Marítimo da Taipa – Fiscalização”.
Na petição inicial apresentou as seguintes conclusões:
«a) A Recorrente celebrou em 12 de Agosto de 2010 contrato com o Governo da RAEM para a “Prestação dos Serviços de Ampliação das Estruturas Principais do Novo Terminal Marítimo da Taipa - Fiscalização”, com início e termo de execução respectivamente a 10 de Junho de 2010 e 10 de Junho de 2013 (doravante o “Contrato”).
b) Por forma a assegurar a sua prestação dos serviços objecto do Contrato, a Recorrente contratou, inter alia, os Srs. Engenheiros Electrotécnicos XXX e XXX (doravante os “Engenheiros”), que foram devidamente aprovados pelo Gabinete de Infra-Estruturas da RAEM para o efeito.
c) Os referidos Engenheiros cessaram - por sua iniciativa - o seu vínculo contratual com a Recorrente, conforme cartas de denúncia de contrato que se juntam como Documentos Nos. 2 e 3, tendo a prestação efectiva de trabalho cessado em 12 de Setembro de 2012, após pedido por parte da Recorrente para que os Engenheiros permanecessem mais alguns dias em relação ao indicado nos referidos documentos.
d) Tal circunstância foi comunicada ao Gabinete de Desenvolvimento de Infraestruturas da RAEM (doravante “GDI”).
e) A Recorrente posicionou-se activamente no sentido de recrutar profissionais que substituíssem os Engenheiros.
f) Cinco dias após a cessação de funções dos Engenheiros, a Recorrente submeteu à aprovação do GDI a nomeação de dois novos engenheiros, pelas missivas com as referências Nos. L/2012/XXX e L/2012/XXX, de 15 de Setembro de 2012
g) Estes potenciais candidatos recusaram subsequentemente as propostas que lhe foram dirigidas pela Recorrente.
h) A Recorrente submeteu nova contratação à consideração do GDI, através da missiva com a referência L/2012/186, de 15 de Outubro de 2012
i) Tendo esta no entanto sido rejeitada pelo GDI conforme resulta da missiva com a referência No. XXX/GDI/2012, de 30 de Outubro de 2012
j) Durante todo o período até Outubro e Dezembro de 2012, a Recorrente procurou por todos os meios recrutar profissionais para a substituição dos Engenheiros, tendo oferecido condições remuneratórias consideravelmente superiores às praticadas no mercado, conforme resulta patente dos anúncios de jornal colocados pela Recorrente
k) A posição dos Engenheiros exige diversas qualificações, nomeadamente um grau universitário em Engenharia Eléctrica e a inscrição do profissional que a ocupe na Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes da RAEM (“DSSOPT”).
l) Sucede porém que apenas residentes da RAEM se podem inscrever como Técnicos junto da DSSOPT.
m) Tal facto limita ainda mais a capacidade de qualquer empregador suprir uma vaga com tamanha especificidade numa questão apenas de dias, atento o panorama laboral da RAEM no que toca à disponibilidade de recursos locais disponíveis.
n) Com efeito, atentas a especificidade do cargo em questão, bem como as qualificações exigidas e as dificuldades de recrutamento de que padece o mercado de trabalho da RAEM e que são sobejamente conhecidas da Entidade Recorrida, a Adjudicatária apenas conseguiu recrutar engenheiros para os cargos em questão em 30 de Outubro e 10 de Dezembro de 2012, tendo submetido os seus curricula ao GDI em 19 de Outubro e 27 de Novembro de 2012.
o) Os novos engenheiros foram aprovados pelas missivas do GDI com as Referências XXX/GDI/2012 e XXX/GD1/2012, datadas respectivamente de 1 de Novembro e 13 de Dezembro de 2012.
p) Entre a data de cessação e de aprovação, a Recorrente continuou a cumprir escrupulosamente com as suas obrigações nos termos do Contrato, sem atrasos ou qualquer impacto adverso na obra objecto dos seus serviços de fiscalização.
q) Em 31 de Janeiro de 2013, o GDI, nos termos e para os efeitos do disposto no Artigo 94º do Código de Procedimento Administrativo, notificou a ora Recorrente para se pronunciar sobre o projecto de decisão vertido na missiva com Referência No. XXX/GDI/2013 de 28 de Janeiro de 2013, cuja cópia se junta como Documento No. 12.
r) O GDI manifestou a sua posição de que a ausência dos Engenheiros durante o período entre 12 de Setembro e 30 de Outubro (i.e., entre as datas de cessação de relação laboral entre os Engenheiros e a Recorrente e as datas de aprovação dos novos engenheiros indicadas por parte do GDI indicadas supra) consubstanciaria violação do No. 5 da Cláusula 14º do Contrato (Doravante “a Cláusula”)
s) Face a esta asserção, o GDI manifestou a sua intenção de aplicar uma multa contratual à Recorrente.
t) A Recorrente apresentou a sua defesa em 7 de Fevereiro de 2013, sob a missiva com a Referência No. L/2013/XXX.
u) Em resposta à referida missiva, o GDI notificou a Recorrente do Acto Recorrido.
v) A Entidade Recorrida reconheceu mérito nos argumentos da Recorrente, tendo reduzido substancialmente a multa aplicada em relação à que havia sido inicialmente proposta pelo GDI, a Recorrente considera ainda assim que não lhe deveria ter sido aplicada qualquer multa contratual.
w) A Recorrente considera que o Acto Recorrido, entre outros vícios, interpreta de forma manifestamente equivocada os termos do Contrato, incorrendo nessa medida em violação de lei.
x) Nos termos do Artigo 21º No. 1 al. d) do CPAC, constitui fundamento de recurso “a violação de lei, nela incluindo o erro manifesto ou a total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários”,
y) No entender da Recorrente, o Acto Recorrido enferma do vício de violação de lei, que é idóneo a determinar de per se a anulação do mesmo.
z) O Acto Recorrido está multiplamente inquinado de vício de violação de lei, sendo, por vários motivos, impugnável e anulável contenciosamente em sede dos presentes autos.
aa) A Entidade Recorrida manteve o seu entendimento de que a situação fáctica descrita supra configura a não comparência ao serviço de um agente do Adjudicatário [a Recorrente], para efeitos de aplicação da multa contratual prevista na Cláusula
bb) O Acto Recorrido peca por erro manifesto de apreciação dos factos e de sua subsunção aos termos do Contrato, senão vejamos:
cc) É patente que a referida Cláusula do Contrato se destina a sancionar as circunstâncias de ausência injustificada de funcionários efectivamente em pregados pela Recorrente, por motivo imputável aos mesmos ou à Recorrente.
dd) É esta a interpretação que resulta do parágrafo 6 da mesma Cláusula, que pune a reincidência de ausência injustificada por parte de um mesmo agente especificado, que, estando sob o emprego da Recorrente, se ausente injustificada mente do seu serviço por mais que três vezes, ditando tal circunstância a sua retirada do Projecto.
ee) A aplicação desta pena contratual tem como pressuposto a existência de um agente da Recorrente, cuja presença em específico seja expectável no local de obra, e deixe, por culpa sua, de comparecer.
ff) Resulta claro desta conjugação das normas que este mecanismo contratual não se dirige às situações em que, por motivos que não sejam imputáveis à Recorrente, esta não tenha ao seu emprego um agente que possa comparecer.
gg) Foi esta no entanto a situação fáctica que se verificou.
hh) Os Engenheiros denunciaram o seu contrato de trabalho com a Recorrente, tendo cessado a sua actividade profissional em 12 de Setembro de 2012.
ii) Quedou demonstrado que a Recorrente deu conta destas denúncias ao GDI, e envidou todos os esforços no sentido de promover o rápido recrutamento de novos engenheiros.
jj) É manifesto que não se verificou uma ausência dos Engenheiros, mas antes uma indisponibilidade dos mesmos.
kk) É manifestamente desajustada a aplicação da pena contratual constante da referida Cláusula do Contrato, porquanto é evidente não se terem verificado os factos que lhe dariam azo.
ll) O entendimento radical da Entidade Recorrida de que a demissão de um determinado membro da equipa afecta à prestação dos serviços objecto do Contrato redunda na sua ausência resultaria numa interpretação do Contrato em que qualquer saída de qualquer trabalhador ditaria a aplicação da referida contratual.
mm) É evidente que não é esta a situação a que a referida pena se dirige.

nn) Enquanto determinado profissional está ao emprego da Recorrente, esta tem o dever contratual de assegurar a sua presença, sendo punida pela sua ausência.
oo) Se o referido profissional denuncia o seu contrato e deixa de estar ao serviço da Recorrente, o facto de ele não estar presente não configura uma ausência para efeitos da aplicação desta multa contratual.
pp) Face ao exposto, é manifesto que o Acto Recorrido, ao aplicar uma multa contratual com base numa estipulação contratual que visa regular e punir situação diversa da que efectivamente se verificou, enferma de erro manifesto na interpretação e aplicação das normas do Contrato, vício que não pode deixar de se reconduzir ao de violação de lei, sendo como tal anulável.
qq) Subsidiariamente, e ainda não se acolha a interpretação supra, o que não se concede e apenas por cautela de patrocínio se aventa, certo é que, mesmo entendendo-se que a situação de facto descrita pela Recorrente se reconduziria em abstracto à aplicação da pena contratual prevista na referida cláusula do Contrato, sempre faltaria em concreto de pressupostos fundamentais para a aplicação da referida penalidade contratual: a existência de imputabilidade e de culpa por parte da Recorrente.
rr) Tendo em conta que o Acto Recorrido flui do entendimento por parte da Entidade Recorrida de que os Engenheiros identificados supra terão estado ausentes do local de obra entre 12 de Setembro e 30 de Outubro de 2012 quanto ao Engenheiro XXX e 12 de Setembro e 10 de Dezembro de 2012 quanto à Engenheira XXX, é absolutamente líquido que a responsabilidade contratual emergente da Cláusula do Contrato na qual a Entidade Recorrida se ampara para aplicação da pena contratual vertida no Acto Recorrido depende da imputabilidade da violação contratual à Adjudicatária.
ss) Tendo cessado a relação de trabalho entre a Recorrente e os Engenheiros em 12 de Setembro de 2012, estes deixaram nessa data efectivamente de ser agentes da Recorrente para efeitos do Contrato.
tt) A partir dessa data, a sua ausência - a entender-se como tal - não poderia ser imputável à Recorrente, posto inexistir ligação funcional entre os Engenheiros, cuja ausência o Acto Recorrido entendeu sancionar com a pena contratual, e a Recorrente, não podendo certamente a Entidade Recorrida contender que a responsabilidade da Recorrente por supostas ausências dos Engenheiros se poderia estender para além da relação de trabalho destes com a Recorrente.
uu) Ainda que assim não se entendesse, também o pressuposto da culpa se acha ausente da conduta da Recorrente, não sendo assim legalmente justificável a aplicação da pena contratual prevista na cláusula do Contrato em que o Acto Recorrido.
vv) Nos termos do Artigo 173º No. 2 do CPA, a falta de executoriedade dos actos administrativos que interpretam cláusulas contratuais de contratos administrativos “não prejudica a aplicação das disposições gerais da lei civil relativas aos contratos bilaterais, a menos que tais preceitos tenham sido afastados por vontade expressa dos contratantes.”
ww) O quadro geral em que o contrato administrativo bilateral se executa é o da lei civil, sendo-lhe como tal aplicáveis - com reduzidas excepções - os princípios e institutos do direito civil previstos no Código Civil.
xx) A este respeito, cumpre atentar na pertinente lição da anotação do preceito equivalente em Portugal (o Artigo 186 No. 2) no Código do Procedimento Administrativo Comentado, da autoria de Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, 2ª Edição, Almedina, página 851, parágrafo V, na qual os autores propugnam a interpretação - que não oferece hoje reservas ou dúvidas - de que se aplicam no “domínio contratual administrativo, as regras e princípios gerais da lei civil relativos aos contratos bilaterais”.
yy) Assim, a existência de responsabilidade contratual da Recorrente no âmbito do Contrato será aferível e aferida em função dos vectores que determinam a sua existência no domínio do direito civil e que se acham vertidos no Código Civil.
zz) Dispõe o Código Civil, no Artigo 788Q que “0 devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor.” (destaque da Recorrente)
aaa) Sobre o conceito de culpa que surge como pressuposto, importa salientar o entendimento pacífico na doutrina e na jurisprudência, de que “como um comportamento reprovado por lei. A lei reprova o comportamento contrário ao cumprimento da obrigação, quando ele é devido à falta de diligência ou a dolo do devedor. Quer dizer, não se atende apenas ao comportamento externo do devedor à sua conduta interna. Saber quando procedeu o devedor diligentemente, é saber quando tomou o devedor as medidas que devia tomar” (In Vaz Serra, Culpa do devedor ou do agente).
bbb) A culpa, apreciada nos termos do Artigo 788º No. 2 do Código Civil, resulta da ausência da diligência do bónus pater famílias, não existindo culpa quando o devedor se comporte de forma a que se tenha que concluir que fez o que lhe era possível por forma a evitar o facto supostamente gerador de responsabilidade.
ccc) O próprio enquadramento jurídico da Cláusula conduz inexoravelmente à conclusão de que a responsabilidade dela decorrente tem como pressuposto legal a existência de culpa, se não vejamos:
ddd) A referida cláusula prevê a aplicação de penalidade em caso de verificação de determinadas circunstâncias configuradas pelas partes como violações ao programa contratual vertido no Contrato.
eee) Desta formulação contratual, resulta evidente estarmos perante Cláusula penal, tal como prevista e regulada nos Artigos 799 e segs do Código Penal.
fff) A respeito do funcionamento deste tipo de cláusula, dispõe o Artigo 800º No. 1 do Código Civil que “Sem prejuízo de estipulação expressa em contrário, o cumprimento da cláusula penal só é exigível havendo culpa do devedor.”
ggg) Da análise do Contrato, verifica-se que a culpa da Recorrente como pressuposto da aplicação das penas contratuais não foi afastada, apresentando-se então como necessária para que a pena contratual seja validamente aplicada.
hhh) Definida que está a necessidade de existência de culpa como pressuposto para a aplicação da cláusula do Contrato ao abrigo da qual a Entidade Recorrida emitiu o Acto Recorrido, forçoso é concluir que a conduta da Recorrente não revela a existência de culpa, pelo que nunca seria de molde a permitir a aplicação da referida multa.
iii) Entendendo-se a culpa no sentido em que a doutrina e a jurisprudência maioritariamente a entendem e que se deixou exposto supra, resulta claro que tal pressuposto não está reunido no caso vertente.
jjj) Com efeito, dos factos alegados supra resulta que a Recorrente não motivou, propiciou ou causou por alguma forma a ausência dos Engenheiros (a entender-se como tal).
kkk) Mais ainda, resulta claro da factualidade indicada supra que a Recorrente envidou todos os esforços possíveis por forma a impedir a alegada situação de ausência, tendo:
lll) Pedido aos Engenheiros que permanecessem mais alguns dias para além dos fixados nos seus respectivos períodos de pré-aviso;
mmm) Mantido a Recorrente informada da situação;
nnn) Intervindo activamente no mercado no sentido de recrutar substitutos para os Engenheiros, tendo inclusive apresentado dois candidatos ao GIT 5 dias após a cessação de funções dos Engenheiros, conforme resulta dos Doc. Nos. 4 e 5; e
ooo) Tendo continuado a anunciar activamente a intenção de contratação de substitutos para os Engenheiros durante todo o período entre a saída destes e a aprovação dos seus substitutos pelo GDI, conforme resulta do Docs. Nos. 8-A a 8-E.
ppp) Da conduta patenteada pela Recorrente, resulta que esta não podia (nem devia) ter agido de outra forma, resultando como tal claro que, a entender-se que a cessação da relação laboral entre os Engenheiros e a Recorrente seria abstractamente idónea a desencadear a aplicação da pena contratual prevista na Cláusula, sempre se teria que concluir que inexiste qualquer culpa da Recorrente, que é pressuposto sem cuja verificação a responsabilidade da Recorrente no âmbito da Cláusula não se pode ter por verificada.
qqq) Ao aplicar a multa contratual constante da Cláusula sem se acharem reunidos os pressupostos de responsabilidade que legalmente são exigidos para a sua aplicação, o Acto Recorrido enferma de vício de violação de lei, devendo assim ser anulado nos termos do Artigo 21º No. 1 al. d) do CPAC».
*
A entidade recorrida, por seu turno, concluiu a sua contestação do seguinte modo:
«1 - Nos termos do artigo 4.º do Código Procedimento Administrativo Contencioso é obrigatório a constituição de advogado nos processos do contencioso administrativo, sendo que o patrocínio judiciário é exercido por advogado a quem a parte tenha conferido mandato judicial no termos do artigo 77.º do Código Processo Civil.
2 - A Recorrente é uma sociedade comercial de responsabilidade limitada denominada por A - XXX, Limitada, registada na Conservatória dos Registos Comerciais e Bens Móveis sob o n.º XXX (SO). Contudo, resulta da procuração junta com a petição de recurso que a denominação da sociedade é A, Limitada, resultando, assim, haver um lapso na denominação da mesma.
3 - A procuração em causa foi certificada pelo advogado XXX, que nela referiu que XXX é o representante da A, Limitada, tendo o mesmo certificado que o XXX representante subscreveu a procuração na sua presença.
4 - É à administração da sociedade comercial que compete gerir e representar mesma, sendo que a sociedade pode “ (...) por instrumento notarial constituir procuradores para a prática de actos ou categoria de actos.”, nos termos do disposto no n.º 3 do citado artigo 235.º do Código Comercial.
5 - As procurações que a lei exija intervenção notarial podem revestir uma das seguintes formas: “a) Instrumento público; b) Documento autenticado; c) Documento assinado pelo representado com reconhecimento presencial da assinatura.”, conforme o disposto no artigo 128.º do Código Notariado.
6 - Com efeito, resulta que a procuração junta com a petição de recurso não revestiu nenhuma das formas de instrumento notarial prescritas na lei, sendo que, para o efeito era necessária a intervenção de um notário público ou privado.
7 - Não resulta da procuração o pagamento do imposto de selo devido, em conformidade com os artigos 23.º e 34.º da tabela geral do imposto de selo, Lei n.º 17/88/M, de 27 de Junho.
8 - Em face do exposto, deve a Recorrente ser notificada para, querendo, ratificar o processado, sob pena da Recorrida ser absolvida da instância, nos termos do disposto nos n.º 1 do artigo 412.º e na alínea i) do artigo 413.º, ambos do Código Processo Civil.
Sem conceber, e por mera cautela de patrocínio,
9 - No dia 12 de Agosto de 2010, a Recorrida e a Recorrente celebraram um contrato administrativo de prestação de serviços de «Ampliação das Estruturas Principais do Novo Terminal Marítimo da Taipa - Fiscalização», nos termos do qual a Recorrida comprometeu-se a pagar à Recorrente a quantia de MOP$12.336.000,00 (doze milhões, trezentas e trinta e seis mil patacas), sendo que esta deveria prestar o serviço pelo prazo de 36 meses, contados a partir de 10 de Junho de 2010.
10 - Para execução do contrato de prestação de serviços, a Recorrente teria de colocar na obra um engenheiro civil como chefe de equipa, dois engenheiros civis, dois engenheiros mecânicos, dois engenheiros electrotécnicos, dois medidores, um topógrafo, um agente topógrafo, seis fiscais de construção civil, dois fiscais de instalações mecânicas, dois fiscais de instalação eléctrica bem como, dois monitores de segurança, todos destinados a fiscalização da obra a 100% e, em período idêntico ao do empreiteiro, ou seja 8 horas diárias, incluindo sábados, domingos e feriados.
11 - Nos dias 29 e 30 de Agosto de 2012, XXX e XXX, agentes da área da engenharia electrotécnica, denunciaram os seus contratos de trabalho celebrados com a Recorrente, tendo estes informado a Recorrente que a partir dos dias 5 e 9 de Setembro de 2012, respectivamente, cessavam efectivamente funções na empresa A, Limitada.
12 - No dia 17 de Setembro de 2012, a Recorrente submeteu um pedido de substituição dos dois anteriores agentes da área de engenharia electrotécnica por dois novos agentes da mesma área.
13 - Os dois novos agentes não chegaram a comparecer e nem nunca prestaram serviço de fiscalização na obra de Ampliação das Estruturas Principais do Novo Terminal Marítimo da Taipa.
14 - Só nos dias 31 de Outubro de 2012 e 11 de Dezembro de 2012, a Recorrente procedeu efectivamente à substituição dos anteriores agentes de fiscalização da área da engenharia electrotécnica.
15 - Nos períodos entre 12 de Setembro e 30 de Outubro de 2012 e de 12 de Setembro de 2012 a 10 Dezembro 2012, respectivamente, registou-se a ausência de agentes de fiscalização na obra.
16 - O período de ausências dos agentes da área de engenharia electrotécnica foi contabilizado pela Recorrida em 49 e 90 dias, respectivamente.
17 - Em consequência do facto supra, a Recorrida aplicou à Recorrente multa contratual de MOP1,233,600.00 e, consequentemente, deduziu honorários de MOP$113,516.67, com base na cláusula penal compulsória constante no n.º 5 da Cláusula 14.ª que estipula que: “如承判公司的一名人員在任何工程地點應該出席時而不在場,不論其屬何級別或職級,將被處以相當於在該缺勤期間整個小組的費用的雙倍罰款。"(A não comparência ao serviço de um agente do Adjudicatário, seja qual for o seu nível e categoria em qualquer local da obra, para o qual esteja prevista a sua presença, será sujeita a aplicação de multa correspondente ao dobro do custo de toda equipa de fiscalização, durante o período de ausência - Tradução nossa).
18 - Após notificação da decisão de aplicação da multa supra, a Recorrente interpôs recurso contencioso de anulação do referido acto, tendo a mesma invocado que o acto em causa, praticado pela Recorrida, peca de vício de “violação de lei, nela incluindo o erro manifesto ou a total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários”, nos termos do artigo 21.º, n.º 1 al. d) do Código do Procedimento Administrativo Contencioso.
19 - Para pedir a anulação do acto, em sede de recurso contencioso, a Recorrente invocou que “ (...), entre outros vícios, interpreta de forma manifestamente equivocada os termos do contrato, incorrendo nessa medida em violação de lei (…).”. Mais, que “é manifesto que o acto recorrido, ao aplicar uma multa contratual com base numa estipulação contratual que visa regular e punir situação diversa da que efectivamente verificou, enferma de erro manifesto na interpretação e aplicação das normas do contrato, vício que não pode deixar de conduzir ao da violação da lei, sendo como tal anulável.”.
20 - O acto praticado pela Recorrida enquadra-se no âmbito de execução de um contrato administrativo, sendo que quaisquer questões relacionadas com o mesmo, nomeadamente, a questão de interpretação, validade e execução do mesmo devem ser suscitadas mediante procedimento de acção, de plena jurisdição e não, por meio do contencioso de mera anulação, conforme claramente resulta da alínea d) do artigo 97.º e o n.º 1 do artigo 113.º, ambos do CPAC.
21 - Estando esta posição em conformidade com a posição defendida na doutrina que refere que “revestirão a forma de acção as questões submetidas ao julgamento do Tribunal Administrativo sobre interpretação, validade e execução do contrato. Quer isto dizer que as questões emergentes daqueles contratos estão submetidas a um contencioso de plena jurisdição e não de mera anulação.” cita Lino José Baptista Rodrigues Ribeiro e José Cândido de Pinho, in Código Procedimento Administrativo de Macau, Anotado e Comentado, págs. 933.
22 - É esta a conclusão que, igualmente, se retira da doutrina e da jurisprudência portuguesas, aplicado por analogia, sendo que o entendimento predominante, que terá tornado pacífica a jurisprudência a seguir, consta do Acórdão de 13/05/2005 do Supremo Tribunal Administrativo, processo n.º 0582/05 (consultável em www.dgsi.pt), citado mais completamente no artigo 9.º do articulado, no qual se conclui que: “a aplicação de uma multa por incumprimento de prazos contratuais pelo empreiteiro consubstancia um acto praticado no âmbito da execução do contrato de empreitada, cuja impugnação deve ser exercitada por via de acção. e não através de recurso contencioso” e que o recurso contencioso só será admissível na “impugnação contenciosa de actos praticados até à celebração do contrato e, por outro lado, a acção passou a ser o meio processual adequado para dirimir as questões suscitadas após a celebração do contrato, pelo que “Da evolução legislativa citada e de uma combinação harmónica destes princípios pode concluir-se que houve por parte do legislador a intenção de distinguir no contrato de empreitada de obras públicas entre o período anterior à celebração do contrato e o período posterior a essa celebração” e, a partir desta conclusão, “todas as questões relativas à execução do contrato de empreitada de obras públicas são consideradas como “questões” a decidir através do instrumento processual da acção”, tanto mais que “dificilmente se compaginaria com a característica da auto-tutela executiva que caracteriza o acto administrativo a imposição dessa forma processual de discussão de tais controvérsias”, de onde, “Há, pois, que concluir que. no âmbito do D.L. 405193 (assim como no Decreto-Lei n.º 74/99/M, de 8 de Novembro, anotação nossa), o meio próprio de reacção para dirimir quaisquer “questões” relativas à execução do contrato. e independentemente da natureza dessas “questões”, é a acção.”.
23 - A Recorrente deveria lançar mão do procedimento da acção para impugnar o acto praticado pela Recorrida. Ao não fazê-lo, por meio de recurso contencioso de anulação, lançou mão do meio processual inadequado que gera, consequentemente, a incompetência do Tribunal de Segunda Instância para conhecer da questão controvertida.
24 - Nesta medida, o recurso interposto pela Recorrente deve ser liminarmente indeferido, abstendo-se o Tribunal de Segunda Instância de conhecer do pedido e absolvendo da instância a Recorrida, de acordo com o disposto na subalínea (3), alínea 3) do n.º 2 do artigo 30.º da Lei n.º 9/1999, conjugado com o artigo 36.º do mesmo diploma legal, este interpretado a contrario sensu.
25 - Em matéria de impugnação, o disposto no artigo 20.º do CPAC refere que, “Excepto disposição em contrário, o recurso contencioso é de mera legalidade e tem por finalidade a anulação dos actos recorridos ou a declaração da sua nulidade ou inexistência jurídica”.
26 - A Recorrente alega que o acto recorrido praticado pela Recorrida padece de vício de violação de lei, nos termos do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 21.º do CPAC, sem contudo demonstrar a referida invalidade.
27 - Quanto aos factos objecto do recurso, resulta que a Recorrente aplicou multa contratual a Recorrida porquanto, os dois agentes de fiscalização da área da engenharia electrotécnica, que a Recorrente deveria ter na obra de empreitada Ampliação das Estruturas Principais do Novo Terminal Marítimo da Taipa, não compareceram ao serviço.
28 - Foi contabilizado um período de ausências dos agentes de fiscalização da área da engenharia electrotécnica em 49 e 90 dias, respectivamente, contados desde 12 de Setembro a 30 de Outubro e, desde o dia 12 de Setembro a 10 Dezembro, ambos do ano de 2012.
29 - Em resultado das ausências dos agentes de fiscalização da área da engenharia electrotécnica, a Recorrente aplicou à Recorrida uma multa contratual no montante total de MOP$1,233,600.00 e, dedução de honorários de MOP$113,516.67.
30 - A Recorrente alega que a ausência dos agentes de fiscalização da área da engenharia electrotécnica deveu-se a denúncia unilateral do contrato trabalho celebrado pelos seus agentes, sendo que, tal facto não lhe é imputável porquanto deixou de existir qualquer elo de ligação laboral entre ela e os referidos agentes.
31 - Por conseguinte, defende a Recorrente que não se pode considerar a falta ao serviço dos referidos agentes como uma ausência mas sim, como uma impossibilidade de comparência que não lhe pode ser imputada à Recorrente atendendo a que a quebra do vínculo laboral é independente da sua vontade.
32 - A Recorrente alega que tomou todas as medidas que estavam ao seu alcance para suprir as ausências dos agentes XXX e XXX.
33 - Contudo, verifica-se que os dois agentes de fiscalização da área de engenharia electrotécnica denunciaram os seus contratos de trabalho que os vinculavam à Recorrente nos dias 29 e 30 de Agosto de 2012, sendo que a denúncia dos contratos de trabalho só produziria efeitos a partir dos dias 5 e 9 de Setembro de 2012.
34 - A Recorrente só procedeu à publicação de anúncios para o recrutamento de engenheiros electrotécnicos decorridos mais de 40 dias sobre a data de comunicação das denúncias contratuais por parte dos agentes que estavam destacados na obra.
35 - A Recorrente entende que a aplicação da multa é ilegal, e que a mesma resulta de uma interpretação errada do contrato feito pela Recorrida.
36 - Tendo, concluído que o acto em crise peca de vício de “violação de lei, nela incluindo o erro manifesto ou a total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários”, invocando para o efeito, que a cláusula do n.º 5 da cláusula 14.ª do contrato de prestação de serviços só deve ser aplicada nos casos em que a ausência resulte da prática de acto culposo da mesma ou dos seus agentes.
37 - O entendimento da Recorrente não tem qualquer fundamento na medida em que a multa aplicada resulta do facto da aplicação da norma do n.º 5 da cláusula 14.ª do contrato ser obrigatória.
38 - É irrelevante, para efeitos de aplicação de multa, se a ausência ao serviço de um qualquer agente da Recorrente resulta de facto culposo ou não, e consequentemente, se o facto é ou não imputável à Recorrente, porquanto entre a Recorrente e a Recorrida existia um contrato de prestação de serviços e não qualquer relação laboral.
39 - O acto que determinou a aplicação de multa foi praticado no exercício dos poderes vinculados e não, no exercício dos poderes discricionários como pretende fazer valer a Recorrente.
40 - A questão da “ausência injustificada de funcionários efectivamente empregados” suscitada pela Recorrente é irrelevante porquanto o n.º 5 da cláusula 14.ª tem natureza puramente objectiva apenas importando se o serviço está plenamente assegurado e prestado pelos agentes da respectiva área técnica solicitados pela Recorrida.
41 - O contrato de prestação de serviços estabeleceu de forma expressa que a multa só não é aplicável nos casos de força maior e, nos casos de substituição atempada do agente, que no caso não se verificou.
42 - A actuação da Recorrida pautou-se por “critérios previamente definidos” no contrato administrativo de prestação de serviços.
43 - Para o efeito, “ (...), a administração não pode desviar-se, nas suas decisões, daquilo a que está sujeita pela lei, pelos regulamentos ou pelos parâmetros internos que ela a si própria fixou. O seu comportamento está positivamente regulado, de modo que não lhe é permitido fazer o que está proibido, mas diferentemente, só pode proceder como as normas ou os seus critérios mandam que se proceda. Quer isto dizer, que o comportamento que a Administração tem de adoptar em cada caso concreto é aquele que está rigorosamente demarcado, não só em substância (na decisão material) mas também, por vezes, no momento e na forma de que ele deve revestir-se. O órgão administrativo está, por isso, vinculado a agir de certa maneira, perante certos pressupostos de facto e de direito.”. (Obra citada)
44 - Ao celebrar um contrato administrativo com a Recorrida, a Recorrente estava ciente que teria de cumprir os deveres impostos, sob pena de sujeitar-se à aplicação das penas e/ou sanções previstas no contrato, que visam “obrigar o particular a cumprir a obrigação que está obrigado e não a compensar a Administração, no caso a Recorrida, pelos prejuízos causados pela contra parte”.
45 - A ausência dos dois agentes de fiscalização da área de engenharia electrotécnica na obra, pelo período de 49 e 90 dias demonstra a atitude irresponsável da Recorrente, logo, merecedora de sanção que, como medida preventiva e intimidatória, visa obstar a violação do contrato por parte da Recorrente (co-contratante), funcionando como cláusula penal de natureza compulsória, e não indemnizatória ou compensatória.
46 - É a Recorrente que deve garantir a presença diária dos agentes solicitados na obra, durante o período de trabalho do empreiteiro, sendo que, a ausência, de qualquer um dos seus agentes, é sancionada independentemente da existência ou não de motivos.
47 - O entendimento supra é reforçado pela consagração expressa no contrato da aplicação da multa calculada em dobro para os casos de reincidência de ausência, conforme cita o n.º 6 da cláusula 14.ª.
48 - O acto praticado pela Recorrida não padece de nenhuma ilegalidade, conforme alega, mas mal, a Recorrente.
49 - Não se verifica no caso qualquer erro sobre os pressupostos de facto atendendo a que, o acto recorrido não foi praticado no exercício dos poderes discricionários mas sim, no âmbito do exercício de poderes vinculados, não havendo qualquer violação de lei, como amplamente se demonstrou, tendo, ao invés, havido apenas lugar ao cumprimento efectivo da norma do n.º 5 da cláusula 14.ª do contrato de prestação de serviços.
50 - Além de que, ao praticar o acto recorrido a Recorrida não ignorou nenhum facto cuja relevância pudesse influir na sua decisão, nem retirou dos factos qualquer conclusão não correspondente a realidade factual.
51 - O preceituado no n.º 5 da cláusula 14.ª do contrato foi correctamente aplicado, não verificando no caso “qualquer discrepância entre o objecto do acto e as normas jurídicas que lhe são aplicáveis (exercício de poderes vinculados) (…) ”. (Obra citada)
52 - Sendo que, “é da lei ou dos princípios gerais de direito administrativo que deriva o poder da Administração convencionar a constituição de poderes de autoridade sobre o particular...”, sobre o Recorrente no caso, “no âmbito da celebração do contrato administrativo de prestação de serviços.” (Obra citada)
53 - Mais, com vista à prossecução do interesse público, “a Administração, ora Recorrida, tem a faculdade de recorrer ao exercício de poderes públicos para definir certas situações emergentes deles emergentes. Na execução do contrato administrativo, a Administração tem poderes de autoridade de que os particulares não beneficiam no âmbito dos contratos de direito privado que entre si celebram.”. (Obra citada)
54 - Em conformidade, “É na defesa do interesse público que se justificam os amplos poderes legais, regulamentares e convencionais (as cláusulas exorbitantes) detidos pela administração e que respeitam à imposição unilateral de modificação das prestações, quer à direcção da actividade do contratante, quer à fiscalização da forma como as prestações se efectuam, quer à aplicação de sanções (...) ”. (Obra citada)
55 - No âmbito do procedimento, a Recorrida observou os princípios da legalidade, da prossecução do interesse público, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé, plasmados nos artigos 3.º e seguintes do CPA, pelo que o acto administrativo, ora recorrido, também não enferma de qualquer ilegalidade.
Nestes termos e nos mais de Direito com o Douto suprimento de Vossas Excelências, deverá a Recorrente ser convidada a ratificar o processado, sob pena de ser considerada procedente a excepção da irregularidade de mandato judicial e, consequentemente, ser a Recorrida absolvida da instância, nos termos do n.º 1 do artigo 412.º e alínea i) do artigo 413.º, ambos do Código de Processo Civil de Macau, por aplicação subsidiária;
Caso assim não se entenda, deverá ser julgada procedente a excepção da incompetência do tribunal para conhecer da questão controvertida, por inadequação do meio processual, abstendo-se o douto Tribunal de conhecer do pedido e absolvendo da instância a entidade ora Recorrida;
Se ainda assim não se entender, deverá ter-se como fundada a matéria da impugnação e ser julgado improcedente o recurso interposto pela Recorrente e, consequentemente, mantida a decisão recorrida.
assim se fazendo a costumada, serena e boa justiça. ».
*
Foi decidida, oportunamente, a matéria exceptiva invocada e, tendo o processo prosseguido os seus normais trâmites, veio a recorrente formular as seguintes conclusões alegatórias:
«A. O thema decidendum dos presentes autos centra-se na errada e ilegal aplicação da multa contida no acto recorrido por parte da Entidade Recorrida, por duas ordens de razões, qualquer uma delas idónea de per se a justificar a anulação do acto recorrido.
B. Por um lado, os factos descritos nos autos não configuram uma “não comparência ao serviço de um agente do Adjudicatário” (a Recorrente), para efeitos de aplicação da multa contratual prevista no No. 5 da Cláusula 14º do Contrato (a “Cláusula”, conforme anteriormente definida), pelo que, ao aplicar a referida norma contratual a factos que não preenchem ou se enquadram no seu âmbito de aplicação, o acto recorrido padece do vício de erro manifesto sobre os pressupostos de facto, vício que deverá ditar a sua anulação.
C. Por outro lado, ainda que assim não se entendesse, inexistem os fundamentos legais exigidos para a aplicação de multas contratuais, a saber, a imputabilidade e a culpa, pelo que o acto recorrido sempre padeceria do vício de violação de lei, vício esse gerador da sua anulabilidade.
D. A Cláusula prevê que “A não comparência ao serviço de um agente do Adjudicatário, seja qual for o seu nível e categoria em qualquer local da obra, para o qual estava prevista a sua presença, será passível de aplicação de multa correspondente ao dobro do custo de toda a equipa de fiscalização, durante o período de ausência”
E. Conforme já se deixou exposto, é manifesto que, duma perspectiva da sua tipicidade, a aplicabilidade da Cláusula tem dois pressupostos basilares, nomeadamente que infracção seja cometida por um “agente da sociedade adjudicatária” (a Recorrente) que essa infracção se consubstancie numa falta de comparência quando era prevista a presença do agente em qualquer local da obra.
F. Nas datas indicadas pela Entidade Recorrida como sendo aquelas em ocorreu a infracção, os engenheiros em causa já não eram agentes da Recorrente.
G. A falta da verificação da qualidade de “agentes” da Recorrente na pessoa dos engenheiros em questão à data da alegada violação frustra imediatamente a aplicabilidade desta cláusula aos factos dos autos, motivo pelo qual o acto recorrido enferma claramente de erro sobre os pressupostos de facto, ao subsumir estes factos a uma cláusula que declaradamente não se lhes aplica.
H. A Cláusula Décima Quarta No. 5 dirige-se a sancionar ausências de agentes concretos cuja presença estava prevista na obra, e não a sancionar a falta de prestação, por parte da Recorrida, de algum ou alguns dos tipos de profissionais a que se havia obrigado.
I. A Cláusula Décima Quarta No. 5 serve para, relativamente às pessoas concretas que a Recorrente emprega para cumprimento dos seus deveres contratuais, a Recorrente fique onerada a assegurar-se que essas pessoas comparecem.
J. A Cláusula Décima Quarta No. 5 não se dirige a casos em que o agente da Recorrida cessa funções, dirigindo-se antes a casos de “ausência”.
K. Tal facto inculca decisivamente que esta multa se aplicará a agentes da Recorrida que, permanecendo ao seu serviço, se ausentem das suas funções, retornando subsequentemente.
L. A Cláusula Décima-Quarta No. 6, que se encadeia na Cláusula Décima-Quarta No. 5 dispõe que “Por cada reincidência do mesmo agente na falta referida no número anterior, a multa duplica até ao limite máximo de 3 (três) reincidências, a partir do qual o agente terá que ser retirado dos serviços cometidos à sociedade adjudicatária”.
M. A Cláusula Décima-Quarta No. 6 tem carácter intuitu personae e oferece importantes elementos hermenêuticos para a interpretação da Cláusula na qual se baseia - incorrectamente - o acto recorrido.
N. Existe uma ligação incindível Cláusula Décima-Quarta Nos. 5 e 6 à pessoa de agente(s) concreto(s) da Recorrida e à existência de uma relação entre o agente e a Recorrida no momento da ausência, porquanto apenas pode reincidir na conduta punida pela Cláusula a pessoa relativamente à qual exista uma expectativa legítima de que esteja presente na obra, o que não sucede com alguém que tenha cessado funções.
O. A ideia de ligação desta multa à pessoa concreta do agente - e não ao cargo ou categoria que desempenhe - ressuma do facto de só constituir reincidência a ausência do mesmo agente, i.e., se um dia estiver ausente um dos engenheiros electrotécnicos, e no dia seguinte estiver o outro, não existirá reincidência, o que afasta decisivamente a tese de que a Cláusula serve para garantir que estão sempre engenheiros electrotécnicos - sejam eles quais for.
P. Não é admissível que Entidade Recorrida tenha lançado mão da Cláusula para punir a Recorrida quando os engenheiros em causa cessaram as suas funções, dado que a presença destes agentes em concreto já não podia estar prevista na obra.
Q. A própria Entidade Recorrida parece ter sido da opinião de que não estaríamos perante uma situação de ausência, tal como configurada na Cláusula.
R. A Entidade Recorrida não aplicou o agravamento da multa previsto no número seis da Cláusula Décima-Quarta porque os agentes já haviam cessado funções e portanto não poderia existir reincidência em sentido próprio, uma vez que não existiria uma ausência no sentido que a Cláusula inculca.
S. No contexto dos factos dos autos, uma ordem para que os engenheiros que já se haviam demitido fossem “retirado[s] dos serviços cometidos à sociedade adjudicatário” não faria qualquer sentido.
T. A Entidade Recorrida não pode constatar que este caso não permitiria reincidência ou configuraria uma ausência e apenas tomar tal facto em conta para efeitos de não aplicação do agravamento.
U. A Recorrente provou a cessação das relações laborais dos Engenheiros em questão, que aliás não é contestada pela Entidade Recorrida.
V. A Recorrente provou as datas em que a cessação das relações laborais entre os engenheiros e a Recorrente produziu efeitos, não tendo essas datas sido contestadas pela Recorrente.
W. A Recorrente provou que deu conta dela à Entidade Recorrida logo após a cessação das referidas relações laborais, o que esta expressamente reconhece no Artigo 310 da sua Contestação.
X. A Entidade Recorrida não apresentou qualquer prova que negasse o alegado e provado pela Recorrente, ou qualquer argumento jurídico-interpretativo que negasse a interpretação propugnada por esta.
Y. A Recorrente considera que o acto recorrido incorreu em claro erro de interpretação e aplicação das normas contratuais ao quadro fáctico concreto, porquanto, não existindo uma ausência de agentes da Recorrida, mas antes uma cessação de funções, não estavam preenchidos os requisitos de aplicação da Cláusula Décima-Quarta No. 5.
Z. Este vício, nos termos do Artigo 21º do CPAC, legitima o recurso contencioso de anulação do mesmo e termos em que deverá ser declarado procedente.
AA. Já quanto ao argumento subsidiário de inexistência de culpa ou imputabilidade, a Recorrente provou, com relevo para a procedência deste argumento, e a acrescer ao que provou relativamente ao seu primeiro argumento, a Recorrente provou que notificou a Entidade Recorrida pouco após a cessação de funções dos engenheiros, o que a própria Entidade Recorrida reconhece.
BB. A Recorrente provou ainda que 5 dias após a cessação de funções dos referidos engenheiros, a Recorrente submeteu à aprovação da Entidade Recorrida a nomeação de dois novos engenheiros
CC. Tal facto mostra que a Recorrente foi claramente diligente e preocupada, tendo envidado todos os esforços ao seu alcance para substituir os engenheiros.
DD. A Recorrente provou também que anunciou em jornais da RAEM e se movimentou no sentido de contratar engenheiros, oferecendo condições bem acima das praticadas no mercado.
EE. A Recorrente provou que submeteu ainda uma outra contratação à Entidade Recorrida, que foi por esta recusada.
FF. A Entidade Recorrida, limitou-se a impugnar o alegado pela Recorrente, não tendo oferecido qualquer prova para a suposta irresponsabilidade e falta de diligência que aponta à Recorrente.
GG. 2 dias após a efectiva cessação de funções dos engenheiros, já a Recorrente anunciava o recrutamento, o que, necessariamente, significa que o recrutamento estava a ser planeado antes sequer da cessação de funções dos engenheiros.
HH. Não é credível que uma sociedade comercial consiga preparar em dois dias o conjunto de condições que tem possibilidade de oferecer a profissionais e efectue as necessárias diligências junto dos jornais onde o anúncio é publicado.
II. O facto de logo em 14 de Setembro já figurarem anúncios de recrutamento da Recorrente nos jornais da RAEM, aliado ao facto de as demissões dos engenheiros terem sido apresentadas a 29 e 30 de Agosto de 2012, com produção de efeitos a 9 e 5 de Setembro (tendo no entanto os engenheiros permanecido ao serviço até dia 12 de Setembro, o que aliás a própria Entidade Recorrida reconhece), mostra que a Recorrente reagiu com absoluta prontidão e diligência à perda súbita de dois dos seus engenheiros.
JJ. Ainda que assim não fosse, o argumento da Entidade Recorrida nunca demonstraria qualquer falta de diligência da Recorrente, porquanto, no suposto período de “48 e 55 dias” alegado pela Entidade Recorrida como tendo mediado entre a saída dos engenheiros e a colocação de anúncios de recrutamento por parte da Recorrente, a Recorrente apresentou nada menos que 3 alternativas de engenheiros à Entidade Recorrida, o que mostra que, tal como alegou, se estava a movimentar activamente para recrutar engenheiros electrotécnicos.
KK. O Contrato no qual figura a Cláusula Décima Quarta No. 5, apesar de revestir a modalidade de contrato administrativo, acha-se subordinado às regras civis de responsabilidade contratual.
LL. Nos termos do Artigo 173º No. 2 do CPA, a falta de executoriedade dos actos administrativos que interpretam cláusulas contratuais de contratos administrativos “não prejudica a aplicação das disposições gerais da lei civil relativas aos contratos bilaterais, a menos que tais preceitos tenham sido afastados por vontade expressa dos contratantes.”
MM. É hoje pacífico que o quadro geral em que o contrato administrativo bilateral se executa é o da lei civil, sendo-lhe como tal aplicáveis - com reduzidas excepções - os princípios e institutos do direito civil previstos no Código Civil.
NN.A existência de responsabilidade contratual da Recorrente no âmbito do Contrato deve ser aferida em função dos vectores que determinam a sua existência no domínio do direito civil e que se acham vertidos no Código Civil.
OO.0 Código Civil, no Artigo 788º, estipula que “O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor.”
PP. A culpa apreciada nos termos do Artigo 788º No. 2 do Código Civil, resulta da ausência da diligência do bónus pater famílias, não existindo culpa quando o devedor se comporte de forma a que se tenha que concluir que fez o que lhe era possível por forma a evitar o facto supostamente gerador de responsabilidade.
QQ. A Cláusula Décima-Quarta No. 5 representa uma cláusula penal compulsória, cláusula essa que se acha também regulada pela lei civil quanto aos pressupostos da sua aplicabilidade.
RR. A respeito do funcionamento das cláusulas penais compulsórias, o Artigo 800º No. 1 do Código Civil dispõe que “Sem prejuízo de estipulação expressa em contrário, o cumprimento da cláusula penal só é exigível havendo culpa do devedor.”
SS. Da análise do Contrato, verifica-se que a culpa da Recorrente como pressuposto da aplicação das penas contratuais não foi afastada, apresentando-se então como necessária para que a pena contratual seja validamente aplicada.
TT. A lei exige a verificação de culpa para que a cláusula penal seja exigível, e a convenção em contrário poderá afastar tal exigência.
UU. Não resulta do texto do contrato qualquer norma que estipule no sentido de afastar a culpa da Recorrente enquanto pressuposto de aplicação das multas contratuais.
VV. O argumento em sentido contrário da Entidade Recorrida estriba-se No. 7 da Cláusula Décima Quarta, que não afasta, expressa ou sequer tacitamente a existência da culpa como pressuposto de aplicação da multa contratual prevista no No.5.
WW. Em todo o caso, o No. 7 da Cláusula Décima Quarta só se dirige às multas por reincidência, e não às multas previstas na Cláusula, como resulta claro da menção à “multa referida no número anterior”,i.e., o número 6 da Cláusula Décima Quarta, e não o número 5.
XX. Face a este quadro, a culpa da Recorrente é exigida para que a multa prevista na Cláusula possa ser aplicada.
YY. Da prova produzida pela Recorrente e indicada supra, resulta evidente que a Recorrente agiu com toda a diligência que lhe era possível, e em momento oportuno, procurando desde ainda antes da cessação da relação de trabalho com os engenheiros, prover à sua substituição.
ZZ. A prova produzida pela Recorrente deixa bem claro que esta fez tudo o que estava ao seu alcance para substituir com a maior celeridade os engenheiros, e fê-lo de imediato, não sendo expectável que o pudesse ter feito em qualquer momento anterior aquele em que o fez.
AAA. A maior demora no recrutamento resultou do facto de apenas residentes da RAEM se poderem inscrever como técnicos na DSSOPT e tal inscrição ser condição para a aceitabilidade do engenheiro por parte da Entidade Recorrida.
BBB. Esta circunstância, no contexto do já de si limitado mercado laboral de Macau, tornou o recrutamento ainda mais difícil, e, por conseguinte, mais moroso, conforme resulta das regras de experiência comum.
CCC. A Recorrente foi absolutamente diligente, quer no modo, quer no tempo utilizados para cumprir com as suas obrigações, não existindo como tal qualquer culpa da Recorrente, facto que leva à conclusão necessária de que a pena contratual prevista na Cláusula não lhe pode ser aplicada, por legalmente exigir culpa.
DDD. O argumento da Entidade Recorrida de que a Recorrente deveria ter sempre meios disponíveis para efectuar uma substituição imediata de engenheiros não é aceitável na medida que exigiria que a Recorrente mantivesse mais 20 profissionais parados à espera que qualquer substituição fosse necessária, solução que afronta o senso e experiência comuns e que representa um esforço e dispêndio que não podem ser exigidos à Recorrente no âmbito da diligência com que deve agir na sua relação contratual com a Entidade Recorrida.
EEE. De todo o acervo probatório apresentado pela Recorrente - e que a Entidade Recorrida se limitou a negar sem apresentar qualquer prova em contrário resulta claro que a Recorrente envidou todos os esforços.
FFF. A Recorrente tinha dois engenheiros afectos à obra.
GGG. Os dois engenheiros decidiram cessar funções, por motivos manifestamente não imputáveis à Recorrente.
HHH. A Recorrente imediatamente deu conta de tal facto à Entidade Recorrida, e, ainda antes de tal cessação de funções, tratou de recrutar substitutos, tendo colocado anúncios a recrutar outros engenheiros 2 dias após a sua cessação de funções e 15 dias após ter tomado conhecimento da sua demissão.
III. A Recorrente apresentou candidatos à Entidade Recorrida 5 dias apenas após a cessação de funções dos engenheiros.
JJJ. A Recorrente continuou a anunciar o recrutamento e a apresentar candidatos até conseguir finalmente a aprovação de dois engenheiros.
KKK. Na pendência, não se verificaram quaisquer atrasos na prestação dos serviços da Recorrente à Entidade Recorrida.
LLL. A Recorrente nada mais podia ter feito que lhe pudesse ser exigível no caso concreto.
MMM. Da conduta patenteada pela Recorrente, resulta que esta não podia (nem devia) ter agido de outra forma, resultando como tal claro que, a entender-se que a cessação da relação laboral entre os Engenheiros e a Recorrente seria abstractamente idónea a desencadear a aplicação da pena contratual prevista na Cláusula, sempre se teria que concluir que inexiste qualquer culpa da Recorrente, que é pressuposto sem cuja verificação a responsabilidade da Recorrente no âmbito da Cláusula não se pode ter por verificada.
NNN. Ao aplicar a multa contratual constante da Cláusula sem se acharem reunidos os pressupostos de responsabilidade que legalmente são exigidos para a sua aplicação, o Acto Recorrido enferma de vício de violação de lei, devendo assim ser anulado nos termos do Artigo 21º No. 1 al. d) do CPAC.
Nestes termos e nos mais de direito que V. Exas. douta mente suprirão, deverá:
a) O pedido da Recorrente de anulação do acto por inaplicabilidade da Cláusula ao complexo táctico dos autos ser considerado procedente, devendo o Acto Recorrido ser anulado, com todas as legais consequências daí resultantes;
b) Quando assim não se entenda, deverá o pedido subsidiário da Recorrente de anulação do acto recorrido por aplicação de multa contratual dependente de culpa em situação em que não se verificou culpa da Recorrente ser considerado procedente, com todas as legais consequências daí resultantes.»
*
A entidade recorrida também apresentou alegações, tendo-as concluído da seguinte maneira:
«1 - O presente recurso tem por objecto o despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas de 29 de Maio de 2013 exarado sobre informação n.º XXX/GDI/2013, de 20 de Maio de 2013, que aplicou uma multa contratual de MOP$1,233,600.00 e deduziu honorários de MOP$113,516.67 à sociedade A, Limitada, ora Recorrente, pela ausência de dois agentes da fiscalização, engenheiros electrotécnicos, na obra da entidade Recorrida, num total de 49 e 90 dias cada um.
2 - Os dois agentes da fiscalização, engenheiros electrotécnicos, segundo o que ficou contratualmente estabelecido, deveriam estar a prestar serviço na obra de empreitada de Ampliação das Estruturas Principiais do Novo Terminal Marítimo (doravante designada por “Obra”), no âmbito do Contrato de “Prestação de Serviços de Ampliação das Estruturas Principiais do Novo Terminal Marítimo - Fiscalização” (doravante designado por “Contrato”), celebrado entre a entidade Recorrida e a Recorrente no dia 12 de Agosto de 2010, em cumprimento do Despacho do Chefe do Executivo n.º 160/2010, de 18 de Maio de 2010.
3 - Na contestação ao presente recurso foram invocadas excepções, quer quanto à irregularidade do mandato, quer quanto à incompetência do tribunal ou da inadequação do meio processual, que por este douto Tribunal foram, por acórdão de 27 de Fevereiro de 2014, analisadas, em conformidade, decidiu-se pela improcedência da excepção da incompetência do tribunal e, foi considerada sanada a irregularidade do mandato judicial, ordenando, em consequência, o prosseguimento dos autos de recurso.
Com efeito,
4 - Para a prestação de serviços, a Recorrente obrigou-se a ter na Obra a) um engenheiro civil como chefe de equipa; b) dois engenheiros civis; c) dois engenheiros mecânicos; d) dois engenheiros electrotécnicos; e) dois medidores; f) um topógrafo; g) um agente topógrafo; h) seis fiscais de construção civil; i) dois fiscais de instalações mecânicas; j) dois fiscais de instalação eléctrica; bem como, k) dois monitores de segurança nos locais da obra, todos destinados a fiscalização da obra a 100% e, em período idêntico ao do empreiteiro, ou seja 8 horas diárias, incluindo sábados, domingos e feriados, em conformidade com o n.º 2 da cláusula 8.a do Contrato e o Caderno de Encargos.
5 - No Contrato foi estipulado na norma do n.º 5 da cláusula 14.ª que “如承判公司的一名人員在任何工程地點應該出席時而不在場,不論其屬何級別或職級,將被處以相當於在該缺勤期間整個小組的費用的雙倍罰款。". (Tradução nossa: A não comparência ao serviço de um agente do adjudicatário, seja qual for o nível e categoria em qualquer local da obra, para o qual esteja prevista a sua presença, será aplicada multa correspondente ao dobro de toda a equipa de fiscalização.)
6 - No caso vertente, a entidade Recorrida aplicou multa e deduziu honorários com base na ausência de dois agentes engenheiros electrotécnicos da Recorrente na Obra, nos períodos de 12 de Setembro a 30 de Outubro de 2012e de 12 de Setembro a 10 Dezembro 2012.
7 - Para impugnar o acto administrativo praticado pela entidade Recorrida, a Recorrente alega, mas mal no nosso entendimento, que o acto de aplicação de multa e dedução de honorários, com fundamento no n.º 5 da cláusula 14.ª do Contrato, está ferido de ilegalidade, nela incluindo o erro manifesto ou a total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários, pois considera que a referida norma contratual só é aplicável nos casos em que o facto susceptível de aplicação de sanção contratual resulte de culpa sua.
8 - O raciocínio da Recorrente não tem cabimento no iter do n.º 5 da cláusula 14.ª do Contrato que, por ser um contrato de direito administrativo, visa sancionar, objectivamente, a ausência dos profissionais que a Recorrente obrigou a ter na Obra, nos termos do n.º 2 da cláusula 8.º do Contrato.
9 - A aplicação de multa contratual pela ausência dos dois engenheiros electrotécnicos na Obra é obrigatória e praticada no exercício dos poderes sancionatórios atribuídos à entidade Recorrida para efeitos de execução do Contrato em causa.
10 - Para garantir o pontual cumprimento do referido Contrato, ficou estabelecido a possibilidade de substituição atempada dos agentes a prestar serviço na Obra.
11 - À data da assinatura do Contrato, a Recorrente não levantou qualquer dúvida sobre à sanção contratual a aplicar nos casos de ausência de agentes de fiscalização nem mesmo, em relação, à eventual substituição de agentes de fiscalização em caso de necessidade.
12 - O entendimento da Recorrente vertido nos pontos 59, 60, 61 e 62 das suas alegações facultativas, que a substituição dos agentes implicaria a “ter “parados” nada menos que outros 20 profissionais, à espera de alteração de pessoal que poderiam ou não suceder...”, é despropositado e sem qualquer nexo causal, porquanto a Recorrente sabe, porque não podia desconhecer, que em cumprimento do n.º 2 da cláusula 8.a do Contrato, teria de garantir a permanência efectiva dos seus agentes na Obra.
13 - In casu a ausência dos dois engenheiros electrotécnicos na Obra perdurou por períodos de 49 dias (de 12 de Setembro a 30 de Outubro de 2012) e 90 dias (12 de Setembro a 10 Dezembro 2012), sendo certo que a falta de tais agentes (logo os únicos da especialidade de electrotécnica) se reflecte negativamente na total ausência de fiscalização nesta área, cujas consequências só mais tarde poderão vir a ser reveladas.
14 - O hiato temporal supra mencionado não se coaduna com o interesse público pública pretendido pela entidade Recorrida com a manutenção dos referidos técnicos na Obra, no que respeita a fiscalizar a boa execução da Obra pela Recorrente através dos técnicos listados no Caderno de Encargos, durante o período de trabalho do empreiteiro.
15 - Para execução do Contrato, a Recorrente, como entidade adjudicatária, assumiu perante a entidade Recorrida ter as capacidades técnicas financeiras e humanas para garantir, de forma efectiva e permanente, a fiscalização da Obra através dos profissionais exigidos pela entidade Recorrida no Caderno de Encargos.
16 - Toda a matéria de defesa alegada pela Recorrente, assente nos pedidos de demissão dos anteriores agentes engenheiros electrotécnicos é, no caso sub judice, irrelevante atendendo a própria natureza do Contrato que se caracteriza por ser autónoma da existência de qualquer vínculo laboral ou de outra natureza, que eventualmente exista ou possa existir entre a Recorrente e um qualquer profissional que ela está obrigada a ter na Obra da entidade Recorrida.
17 - A aplicação de sanção contratual, prevista no n.º 5 da cláusula 14.º do Contrato, à Recorrente está intimamente ligada às questões de natureza puramente objectivas (ausência dos agentes de fiscalização na Obra) e não às questões de natureza subjectivas, como é o caso da determinação e imputação da culpa pela ausência dos agentes engenheiros electrotécnicos na Obra, como pretende a Recorrente, mas mal no nosso entendimento.
18 - A norma do n.º 2 do artigo 173.º do CPA não é aplicável no caso pois, com a consagração legal da aplicação de sanção contratual pela ausência de agentes de fiscalização na Obra, as partes (entidade Recorrida e a Recorrente) quiseram, efectivamente, afastar a aplicação da lei civil e subsumir os factos concretos à aplicação de uma norma contratual puramente administrativa. (cfr. parte final do n.º 2 do artigo 173.º do CPA).
19 - Nas alegações facultativas a Recorrente se contradiz, pois que, se de um lado afirma que os engenheiros electrotécnicos XXX e XXX deixaram de ser seus agentes a partir do 12 de Setembro de 2012, por outro, afirma que estes deixaram de ser seus agentes a partir da data mencionada nas cartas de demissão (cfr. doc. n.º 2 e 3 da petição de recurso e ponto 4. das alegações facultativas da Recorrentes), ou seja, a partir do dia 5 de Setembro de 2012 e 9 de Setembro de 2012, respectivamente, ficando assim demonstrado a incoerência da defesa apresentada que fundamenta-se, mas mal, na ideia de que a sanção contratual prevista no n.º 5 da cláusula 14.ª tem natureza intuitu personae, pois que, de facto, não tem tal natureza.
20 - O que não faz sentido, pois caso contrário nunca poderiam ser substituídos, e podem, pois que, ademais, a Recorrente obrigou-se perante a entidade Recorrida a, diariamente a ter os seus agentes presentes na Obra independentemente de serem quem forem ou destes manterem um vínculo contratual (laboral) ou outra, o que explica a continuidade dos anteriores agentes engenheiros electrotécnicos XXX e XXX na Obra até o dia 12 de Setembro de 2012, sem qualquer vínculo contratual e, no dizer da Recorrente, sem a qualidade de seus agentes.
21 - A cessação do vínculo funcional, que subordinava os referidos anteriores engenheiros electrotécnicos à Recorrente é uma situação de foro interno desta última que não influi no normal cumprimento e execução do contrato de direito administrativo, como é o Contrato celebrado entre a Recorrente e a entidade Recorrida.
22 - No caso sub judice, a natureza administrativa do Contrato resulta do facto de esta ter por fim a prossecução de um interesse público, ou seja, a fiscalização de uma obra pública, e do facto de um dos sujeitos ser uma entidade pública, além de que, o próprio Contrato, no seu n.º 2 da cláusula 1.ª, manda aplicar as normas e procedimentos constantes no Decreto-Lei n.º 74/99/M, de 8 de Novembro, relativo ao contrato de empreitadas públicas.
23 - Em conformidade e segundo os termos contratuais, é sobre a Recorrente que recai a obrigação de assumir e suportar os riscos (independentemente de culpa) inerentes à ausência/falta dos agentes que se obrigou a ter na Obra, durante a execução do Contrato.
24 - Para a execução do Contrato, a Recorrente podia e devia ter ao seu dispor meios para colmatar a ausência/falta dos profissionais, cuja permanência, na Obra é contratualmente tida como obrigatória.
25 - Sem prescindir, sempre se dirá, que resulta evidente, que, no caso, a demora da Recorrente em colmatar a falta de engenheiros electrotécnicos não se coadunou com os parâmetros de um empresário comum da área da fiscalização de empreitada de obras, ademais, com o critério de “um bom pai de família” que se compromete a ter efectivamente na Obra os técnicos especializados para garantir a boa qualidade de execução da obra pública.
26 - A conclusão supra resulta do facto de a Recorrente só ter publicado dois anúncios no jornal Ou Mun para recrutar engenheiros electrotécnicos nos dias 18 e 25 Outubro de 2012 (passados 48 e 55 dias sobre as denúncias dos contratos de trabalho pelos dois anteriores agentes engenheiros electrotécnicos, datadas de 29 e 30 de Agosto de 2012, com efeito a partir de 5 e 9 de Setembro de 2012, respectivamente. (cfr. Doc. nºs 8-D e 8-E, juntos a petição de recurso).
27 - Ademais, a publicação tardia dos anúncios supra suscita verdadeiramente dúvidas sobre o real empenhamento e vontade da Recorrente em colmatar a ausência/falta dos engenheiros electrotécnicos na Obra, facto corroborado pela falta de publicação de anúncios de recrutamento na Bolsa de Emprego da Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais.
28 - Contrariamente ao que pretende a Recorrente fazer crer ao douto Tribunal os anúncios de recrutamento publicados nos dias 14, 21 e 28 de Setembro de 2012 no jornal Ou Mun (cfr. doc. nºs 8-A, 8-B e 8-C, juntos com a petição de recurso), referem-se ao recrutamento de engenheiros mecânicos, profissionais que não estavam ausentes na Obra.
29 - Nesta medida, os anúncios publicados nas datas referidas não têm qualquer elemento de conexão com o recrutamento dos profissionais engenheiros electrotécnicos que estavam ausentes/ em falta na Obra.
30 - A entidade Recorrida nunca “negou as evidências de facto” invocada pela Recorrente no ponto 30. das suas alegações facultativas.
31 - Com efeito, relativamente ao alegado empenho e prontidão da Recorrente em substituir os agentes electrotécnicos em falta, é de realçar, que dos documentos que fazem parte dos autos, bem como, dos documentos juntos pela Recorrente, fica demonstrado que tal não corresponde a não corresponde minimamente à verdade, bem antes pelo contrário, isto porque,
32 - Conhecendo a Recorrente os termos do Contrato, que só permite a substituição de agentes por outros de categoria igualou superior, esta, em momento algum, podia ver autorizado o seu pedido de substituição de agente indicado na carta com ref.º L/2012/l86, de 15 de Outubro de 2012 - doc. n.º 6 da petição de recurso, na medida em que o novo agente não possuía os requisitos mínimos exigidos e, de qualquer modo, de nenhum dos anteriores agentes, consubstanciando o pedido de substituição formulado pela Recorrente num mero expediente dilatório.
33 - No caso sub judice, resulta ser matéria assente que, na execução Contrato verificou-se a ausência/falta de dois agentes engenheiros electrotécnicos na Obra num período de 49 dias 12 de Setembro e 30 de Outubro de 2012) e de 90 dias (12 de Setembro de 2012 a 10 Dezembro 2012), facto que a Recorrente aceita e reconhece.
34 - Nos termos do Contrato, a ausência dos dois agentes engenheiros electrotécnicos na Obra está sujeita a aplicação de sanção contratual que tem medida preventiva pois, visa obstar à violação do contrato pela Recorrente, funcionando como cláusula penal de natureza compulsória, e, não indemnizatória ou compensatória.
35 - É a Recorrente que deve garantir a presença diária dos agentes solicitados para a fiscalização da Obra, durante o período de trabalho do empreiteiro, sendo que, a ausência de qualquer agente ao serviço é sancionada em termos puramente objectivos.
36 - Na aplicação da multa e dedução de honorários à Recorrente, a entidade Recorrida pautou-se por critérios legais previamente definidos, actuação que insere no exercício de poderes vinculados da Administração.
37 - Resultando que, “em tais casos, a administração não pode desviar-se, nas suas decisões, daquilo a que está sujeita pela lei, pelos regulamentos ou pelos parâmetros internos que ela a si própria fixou. O seu comportamento está positivamente regulado, de modo que não lhe é permitido fazer o que está proibido, mas diferentemente, só pode proceder como as normas ou os seus critérios mandam que se proceda. Quer isto dizer, que o comportamento que a Administração tem de adoptar em cada caso concreto é aquele que está rigorosamente demarcado, não só em substância (na decisão material) mas também, por vezes, no momento e na forma de que ele deve revestir-se. O órgão administrativo está, por isso, vinculado a agir de certa maneira, perante certos pressupostos de facto e de direito.”, citando José Cândido de Pinho in obra citada.
38 - Com base no exposto, entende a entidade Recorrida que o acto administrativo, ora posto em crise, não padece de nenhuma ilegalidade, conforme alega e mal a Recorrente, nem mesmo qualquer erro sobre os pressupostos de facto porquanto, o acto recorrido foi praticado no exercício dos poderes vinculados, não havendo qualquer violação de lei, como amplamente se demonstrou, tendo, ao invés, havido apenas lugar ao cumprimento efectivo da norma do n.º 5 da cláusula 14.ª do Contrato.
39 - Ao celebrar um contrato administrativo com a entidade Recorrida, a Recorrente estava ciente que teria de cumprir os deveres impostos, sob pena de sujeitar-se à aplicação das penas e/ou sanções previstas no contrato, que visam “obrigar o particular a cumprir a obrigação que está obrigado e não a compensar a Administração, no caso a Recorrida, pelos prejuízos causados pela contra parte”, citando Lino José Baptista Rodrigues Ribeiro e José Cândido de Pinho, in Código Procedimento Administrativo de Macau, Anotado e Comentado, págs. 941.
40 - Ao praticar o acto, objecto do presente recurso, entidade Recorrida não ignorou nenhum facto cuja relevância pudesse influir na sua decisão, nem retirou dos factos qualquer conclusão não correspondente à realidade factual, resultando, por conseguinte, não haver, no caso concreto, “qualquer discrepância entre o objecto do acto e as normas jurídicas que lhe são aplicáveis (exercício de poderes vinculados) (...)”, citando Uno José Baptista Rodrigues Ribeiro e José Cândido de Pinho, in Código Procedimento Administrativo de Macau, Anotado e Comentado, págs. 699.
41 - Sendo que, “é da lei ou dos princípios gerais de direito administrativo que deriva o poder da Administração convencionar a constituição de poderes de autoridade sobre o particular, sobre o Recorrente no caso, no âmbito da celebração do contrato administrativo de prestação de serviços, conforme os autores referidos supra, in Código do Procedimento Administrativo de Macau, Anotado e Comentado, pág. 930.
42 - Ainda, com vista à prossecução do interesse público, “a Administração (ora entidade Recorrida), tem a faculdade de recorrer ao exercício de poderes públicos para definir unilateralmente certas situações deles emergentes. Na execução do contrato administrativo, a Administração tem poderes de autoridade de que os particulares não beneficiam no âmbito dos contratos de direito privado que entre si celebram.”.
43 - Sendo que “É na defesa do interesse público que se justificam os amplos poderes legais, regulamentares e convencionais (as cláusulas exorbitantes) detidos pela administração e que respeitam à imposição unilateral de modificação das prestações, quer à direcção da actividade do contratante, quer à fiscalização da forma como as prestações se efectuam, quer à aplicação de sanções (...) ”, citando os mesmos autores, pág. 932, na obra supracitada.
44 - Ademais, no âmbito do contrato administrativo, a Administração exerce os seus poderes de administração, nos termos do artigo 167.º do CPA, nos quais se incluem os poderes de modificar unilateralmente o conteúdo, de rescindir unilateralmente o contrato, de fiscalizar o modo de execução e de aplicar as sanções previstas.
45 - O poder da administração de aplicar sanções contratuais “pode afirmar-se também que a previsão legal ou contratual dessas sanções leva a considerá-las, no seio dos contratos administrativos, como objectos de poderes de decisão e aplicação unilateral pelo contraente público, mediante acto administrativo (dito destacável), ...a sanções contratuais administrativas fundam-se apenas em incumprimento objectivo da lei, do contrato ou de determinação (legítima) do contraente administrativo podem ter natureza pecuniária ...”.
46 - Sendo, “os poderes de que o contraente administrativo goza em face ao seu co-contraente, no seio do contrato administrativo, são poderes de direito administrativo e exercitáveis mediante actos administrativos, ou seja, no âmbito da autotutela declarativa”, citando Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e 1. Pacheco Amorim, Código Procedimento Administrativo Comentado, 2.ª Edição, pág. 825 e 826.
47 - Com efeito, é de entender ao praticar o acto ora posto em crise a entidade Recorrida actuou no âmbito dos poderes de administração e goza de prerrogativa executiva. Sendo que concluir que os actos praticados ao abrigo dos poderes de autoridade administrativa são definitivos e executórios, não sendo aplicável in casu a norma do n.º 2 do artigo 173.º do CPA.
48 - A norma do artigo 173.º do CPA refere-se apenas ao valor meramente opinativo dos actos administrativos que interpretam autonomamente cláusulas contratuais ou que pronunciam sobre a respectiva validade, não estando ligado à execução de contratos administrativos.
49 - Pelo que, não se pode estender o sentido da norma do n.º 2 do artigo 173.º da CPA ao ponto de aplicar as disposições gerais da lei civil relacionadas com os contratos bilaterais, pois o n.º 2 deve ser interpretado sistematicamente com o n.º 1, e não como pretende a Recorrente, isoladamente.
50 - No caso concreto, está em causa a aplicação de uma sanção contratual resultante da ausência dos agentes da fiscalização, engenheiros electrotécnicos, na Obra através do acto administrativo praticado pela entidade Recorrida, conforme os poderes contratualmente conferidos.
51 - A entidade Recorrida observou os princípios da legalidade, da prossecução do interesse público, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé, plasmados nos artigos 3.º e seguintes do CPA, pelo que o acto administrativo, ora recorrido, não enferma de qualquer ilegalidade, pelo que hão-de ter por inexistentes os vícios invocados pela Recorrente que acarretam a anulabilidade ou nulidade do acto objecto do presente recurso.
52 - Pelo que nesta sede, a entidade Recorrida reitera todos os argumentos invocados na sua contestação e, impugna todos os factos alegados pela Recorrente na petição de recurso e alegações facultativas apresentadas.
53 - O recurso, por não ter nenhum fundamento que põe em causa a legalidade do acto da entidade Recorrida, deve ser julgado improcedente com todas a consequências legais.
Nestes termos e nos mais de Direito com o Douto suprimento de Vossas Excelências, deverá ser julgado improcedente o recurso interposto pela Recorrente e, consequentemente, mantida a decisão recorrida.
assim se fazendo a costumada, serena e boa justiça».
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O digno Magistrado do MP opinou no sentido da improcedência do recurso em termos que aqui damos por integralmente reproduzidos para os devidos e legais efeitos.
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Cumpre decidir.
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II – Pressupostos processuais
Nada há a registar, pois que se mantêm os pressupostos já analisados no acórdão de fls. 186 a 189.
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III – Os Factos
1 – Foi dirigida uma carta-convite a várias empresas com vista à futura prestação de serviços relativos à “ampliação das estruturas principais do novo terminal marítimo da Taipa” (fls. 40 e sgs. do apenso de processo de consulta).
2 – Pelo “Gabinete para o Desenvolvimento de Infra-Estruturas” foi na oportunidade dirigida uma comunicação à recorrente, informando-a dos elementos necessários à apresentação da proposta, entre os quais se incluía a indicação de dois engenheiros electro-técnicos (fls. 83 – pasta 2 apensa).
3 – A proposta do A (ora recorrente) incluía os dois técnicos daquela especialidade (fls. 136 – pasta 3 apensa).
4 – Por despacho do Ex.mo Chefe do Executivo de 27/04/2010 foi a prestação do serviço adjudicada à recorrente (fls. 1037 – pasta 4 apensa)
5 - Entre a RAEM e a A, Limitada celebrou-se o contrato para a prestação dos serviços de fiscalização da «Empreitada de Construção da Ampliação das Estruturas Principais do Novo Terminal Marítimo da Taipa», com o seguinte teor:
«No dia 12 de Agosto do ano de 2010, no edifício da Direcção dos Serviços de Finanças de Macau, perante mim, XXX (XXX), Chefe da Divisão de Notariado da DSF, exercendo as funções de notário privativo, substituto, desta Direcção, por motivo de ausência do titular do cargo, para que fui nomeado pelo despacho do Chefe do Executivo n.º 347/2005 de 25 de Outubro de 2005 publicado no Número 44, Série I do Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau de 3 de Novembro de 2005, compareceram como outorgantes:
Primeiro: A Região Administrativa Especial de Macau, representada por XXX (XXX), Chefe do Gabinete para o Desenvolvimento de Infra-estruturas; XXX (XXX), casado, com domicílio profissional em Macau, na Avenida do Dr. Rodrigo Rodrigues, Nam Kwong Building, 10º Andar, qualidade e poderes que verifiquei pelo despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n. º 5/2010 de 8 de Janeiro publicado no Número 2, Série II do Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau de 13 de Janeiro de 2010.
Segundo: A, Limitada, com escritório na Avenida do Dr. Rodrigo Rodrigues, Edf. Centro Comercial First Nacional, XXº Andar, Sala XXX a XXX, descrita na Conservatória do Registo Comercial e Bens Movéis sob o n.º XXX(SO) do Livro C-XX e representada pelo seu administrador, XXX (XXX), casado, residente na Rua dos Mercadores, n.º X, XXX Macau, qualidade e poderes que verifiquei por um documento comprovativo emitido pela Conservatória acima referida, documentos que arquivo.
Verifiquei a identidade do primeiro outorgante por meu conhecimento pessoal. Verifiquei a identidade do segundo outorgante pelo BIRPM n.º XXXXXXX(X) emitido em X de XXX de 20XX pela DSI, apresentado por este.
E pelo primeiro outorgante, foi dito que:
Dado que já foi concedida a «Empreitada de Construção da Ampliação das Estruturas Principais do Novo Terminal Marítimo da Taipa», a prestação dos serviços de fiscalização deve ser feita por companhia profissional que acompanhe tecnicamente a empreitada, para revolver problemas de forma imediata e rápida quando estes se verifiquem.
Por isso, o Chefe do Executivo proferiu despacho em 27 de Abril de 2010 em relação à proposta n.º XXX/GDI/2010 de 12 de Abril do mesmo ano emitida pelo Gabinete para o Desenvolvimento de Infra-estruturas, autorizando a dispensa do concurso público nos termos do artigo 7, n.º 2 e n.º 3 do DL n.º 122/84/M de 15 de Dezembro alterado pelo DL n.º 30/89/M de 15 de Maio, e adjudicando, através de consulta escrita, a empreitada à A, Limitada, em diante designada pela adjudicatária. O Chefe do Executivo também autorizou a celebração deste contrato nos termos do artigo 12, n.º 1, al. b) do mesmo Decreto-Lei.
Os outorgantes chegaram ao consenso e acordaram que aceitam o contrato que se rege pelo que de seguida se dispõe:
Cláusula primeira - Objecto:
1. A Adjudicatária é obrigada a prestar serviços de fiscalização para a «Empreitada de Construção da Ampliação das Estruturas Principais do Novo Terminal Marítimo da Taipa» através do presente contrato.
2. Deve a Adjudicatária prestar os referidos serviços segundo o contrato, o programa de consulta para preços, as regras de empreitada e os dispostos na sua proposta de adjudicação, bem como observar a legislação vigente, nomeadamente o processo previsto no DL n.º 74/99/M de 8 de Novembro; dá-se aqui por reproduzidos o processo de consulta para preços e a proposta de adjudicação, que faz parte integrante deste contrato e tem todo o efeito jurídico.
3. Em caso de verificação de contradição entre as cláusulas deste contrato e os documentos apensos, atende-se sempre às cláusulas.
4. Nenhuma cláusula deve ser interpretada como a estabelecimento duma relação entre empregador e empregado ou constituinte e agentes de serviços; de harmonia com o acordado entre as partes, a posição contratual da Adjudicatária e dos outros agentes que prestem serviço no âmbito deste contrato é outorgante independente.
Cláusula segunda - Aplicação da lei:
1. O presente contrato é celebrado e interpretado de acordo com a lei vigente da RAEM.
2. Verificando-se que no contrato e nos seus anexos houve omissões, aplicar-se-á a lei vigente da RAEM.
3. A Adjudicatária declarou conhecer completamente todas as condições e circunstâncias, de natureza jurídica ou não, que possivelmente afecte os encargos da prestação dos serviços indicados pelo objecto deste contrato.
Cláusula terceira - Aviso:
Artigo único. Os avisos e pedidos aos quais o contrato impõe a necessidade de se proceder só se consideram entregues quando se provar que estes são entregues, por próprio, via postal, telegrama, telex ou telefax, para o endereço de seguida referida, ou quando notificar de forma escrita a parte contrária para enviá-los para qualquer outro endereço.
Para a entidade adjudicante - a RAEM:
GDI - Gabinete para o Desenvolvimento de Infra-estruturas, sito na Avenida do Dr. Rodrigo Rodrigues, Nam Kwong Building, 10º Andar.
Para a Adjudicatária - A, Limitada, Avenida do Dr. Rodrigo Rodrigues, Edf. Centro Comercial First Nacional, XXº Andar, Sala XXX a XXX.
Cláusula quarta - Caução:
A Adjudicatária, para garantia da obrigação aí estabelecida, presta, por meio de garantia bancária, uma caução no valor de Mop$616.800,00, equivalente a 5% do valor contratual.
Cláusula quinta - Custas:
1. O valor total dos serviços a ser prestados pela Adjudicatária é de MOP$12.336.000,00 (doze milhões, trezentas e trinta e seis mil patacas).
2. Nesta empreitada, não pode o segundo outorgante alterar o preço total do contrato por qualquer trabalho adicional ou acrescido que tenha relação com a fiscalização, salvo o não previsto mas expressamente exigido pela entidade adjudicante.
Cláusula sexta - Modalidades e condições de pagamento:
1. O valor de MOP$12.336.000,00 (doze milhões, trezentas e trinta e seis mil patacas) é pago em 36 (trinta e seis) prestações, por períodos de um mês. O valor da primeira prestação à décima segunda prestação é de MOP$257.000,00 (duzentas e cinquenta e sete mil patacas), e o da décima terceira à trigésima sexta é de MOP$385.500,00 (trezentas e oitenta e cinco mil e quinhentas patacas). Deve a Adjudicatária entregar no fim de cada mês a factura para a cobrança de verbas, salvo a factura da última prestação que só poderá ser entregue após a recepção provisória.
2. Das prestações referidas no artigo anterior se deduzem a percentagem de 5% para reforço de caução definitiva, valor esse que será devolvido após o reconhecimento do auto da recepção definitiva ou 60 dias desde o seu lavro.
3. Tal dedução pode ser substituída por uma garantia bancária no valor igual àquela se a entidade adjudicante a aceite.
4. Se o prazo da prestação de serviços seja inferior ao que referido na Cláusula sétima, o montante total será reduzido segundo o meio referido no artigo 8 da presente Cláusula.
5. Se a dilação do prazo resulte da negligência ou culpa do construtor mas não da razão imputável à Adjudicatária, pode ser prorrogável o prazo da prestação dos serviços quando o aviso da Adjudicatária é confirmado pela entidade adjudicante, sendo o valor ajustado segundo o volume do trabalho do grupo com base no valor fixado no contrato, isto é, MOP$385.500,00 (trezentas e oitenta e cinco mil e quinhentas patacas) por mês.
6. Se se prove que a dilação do prazo não é imputável ao construtor nem à Adjudicatária, o prazo da prestação de serviços será prorrogável de acordo com a regra referida no artigo anterior.
7. Se o valor contratual seja aumentado, será ajustada a quantia da prestação mensal, cujo valor é rateado em partes iguais entre os meses necessários para completar a obra.
8. A fim de determinar o valor da prestação mensal, considera-se dias úteis 30 dias por mês. Se os dias de trabalho sejam inferior a 30 dias, aplicar-se-á o pagamento proporcional, tendo o segundo outorgante direito a receber a parte devida proporcionalmente calculada.
Cláusula sétima - Prazo da prestação de serviços:
O prazo da prestação de serviços é 36 meses, contados desde10 de Junho de 2010.
Cláusula oitava - Obrigações da Adjudicatária:
1. São obrigações da Adjudicatária:
a) No exercício dos serviços absolutamente respeitar os princípios deontológicos, os princípios da justiça, da autonomia, da responsabilidade e do activo:
b) Está sujeita ao trabalho de fiscalização a ser estabelecido;
c) Elaborar e entregar à entidade adjudicante o relatório escrito mensal sobre as seguintes coisas:
I. Incidentes relativamente relevantes, atribuição do pessoal, quantidade da material e equipamentos;
II. O progresso da realização do respectivo projecto (fiscalização do progresso);
III. Actualização do cronograma financeiro e a sua execução;
IV. Projecto necessário, fornecimento, medida aplicada, material e equipamentos;
V. Medidas principais aplicadas a fim da garantia do cumprimento do projecto do trabalho;
VI. Propor as alterações em relação às insuficiências;
d) Elaborar e entregar à entidade adjudicante o extra relatório escrito que precisa explicação, nomeadamente quando o normal processo do trabalho esteja afectado;
e) Assegurar que os trabalhadores guardem sigilo profissional em relação às informações de que vierem a ter conhecimento por via do exercício do trabalho:
f) Prestar à entidade adjudicante ou ao seu representante as respectivas informações aos seus pedidos;
g) Após a liquidação, devolver à entidade adjudicante todo o material e equipamentos por esta oferecido durante o período da prestação dos serviços;
h) Observar todas as leis e regulamentos aplicáveis, nomeadamente o disposto emanado do DL n.º 74/99/M de 8 de Novembro.
2. No período de fornecimento dos serviços, a empresa adjudicatária há que garantir que se mantém contacto com a entidade adjudicadora e os membros do grupo referido estão sempre à disposição, nomeadamente se fornece a interpretação necessária e se cumpre pontualmente o objecto do contrato.
3. A empresa adjudicatária vai fornecer à entidade adjudicadora os serviços seguintes o contrato:
3.1 Orientação da obra:
a) Participar no planeamento global;
b) Exercer a função de coordenação e supervisão e prestar colaboração neste planeamento;
c) Dar apoio no instrumento administrativo e financeiro;
d) Fiscalizar o trabalho de coordenação e supervisão.
3.2 Planeamento global:
a) Estipular o plano de trabalho relativamente aos projectos principais do planeamento e obra, de forma a determinar:
I. A lista dos projectos de trabalho e a relação entre estes;
II. As respectivas entidades que se responsabilizam por cada trabalho;
III. O tempo necessário para executar cada trabalho;
IV. O procedimento geral.
b) Com base nas condições do contrato e as informações a completar periodicamente por parte do empreiteiro, fornecidas pelo respectivo técnico, cooperar intensamente com o nível de instrutor técnico do empreiteiro, para apreciar o presente plano de trabalho.
c) Se for necessário, alterar periodicamente o plano de trabalho previamente fixado e proceder à nova análise e actualização dos respectivos projectos, relação entre eles e prazo.
3.3 Coordenação, planeamento e supervisão:
a) Coordenar as partes do projecto com os instrutores técnicos da obra e o empreiteiro;
b) Elaborar o respectivo projecto e o plano de execução da obra empreitada, elencar os respectivos responsáveis de cada trabalho e o tempo de execução;
c) Participar na reunião semanal de coordenação, nomeadamente sobre:
I. As questões graves do trabalho quotidiano;
II. Os experimentos e exames já realizados e o seu resultado;
III. A alteração da quantidade de trabalho;
IV. As propostas entregues pelo empreiteiro.
d) Tomar medidas para reparar a demora ou melhorar o processo e indicar o pessoal que seja responsável pela demora ou obstáculo do processo;
e) Actualizar o plano de execução da obra em função do processo e a decisão tomada na altura;
f) Visitar e contactar com os pessoais principais da obra e realizar reunião com estes de forma a provar o cumprimento do plano de trabalho;
g) Analisar o desvio na execução do plano de trabalho e a sua causa;
h) Se for necessário e a pedido da entidade adjudicadora, visitar as fábricas e instalações dos produtores principais, a fim de examinar as condições de produção ou os estudos fornecidos;
i) Comparar o número actual dos pessoais de execução da obra e o previsional, analisar a situação surgida no cumprimento do respectivo plano e propor medidas necessárias a tomar para reparar o eventual desvio;
j) Elaborar periodicamente o relatório de forma a comunicar à entidade adjudicadora os recursos de seres humanos, materiais e máquinas necessárias para a execução do plano e se o trabalho for concluído antecipada ou demoradamente, apresentar propostas de reparação e reportar a antecipação ou demora na produção e fornecimento das matérias-primas, materiais de construção e equipamentos.
3.4 Coordenação e supervisão:
a) Quanto à alteração, nomeadamente sobre a intensificação e redução de trabalho.
b) Analisar e elaborar relatório sobre os encargos resultantes do aumento e redução do trabalho, que deve ser prévia e expressamente autorizado pela entidade adjudicante;
c) Cooperar com a entidade adjudicante na liquidação da conta das obras.
d) Acompanhar o progresso das obras através da coordenação e fiscalização activa, designadamente nos seguintes aspectos:
I. Indicar todos os exames que considera indispensáveis para a garantia da segurança, a qualidade da conclusão das obras e a função técnica;
II. Advertir o construtor para não escolher e usar material que é difícil adquirir no mercado local, para evitar ou diminuir, tanto quando possível, a perturbação do plano do trabalho;
e) Lavrar frequentemente livro das obras, em que se deve registar os aspectos relevantes analisados na reunião de coordenação;
f) Acompanhar as obras no prazo de garantia através das actividades a seguir expostas:
I. Exercer uma fiscalização permanente em relação ao defeito verificado;
II. Elaborar relatório sobre o defeito, analisando as responsabilidades devidamente assumidas pelas respectivas pessoas.
g) Propor a recepção provisória e definitiva no momento adequado.
h) Exercer a fiscalização no local das obras:
I. Executar diariamente vistorias ao modelo de inscrição dos trabalhadores do construtor;
II. Executar vistorias diárias ao cartão de identificação dos trabalhadores;
III. Executar vistorias diárias à lista dos trabalhadores que se encontra afixada no local das obras;
IV. Executar periodicamente vistorias aos dados de arquivo do cartão de identificação do construtor.
3.5 Em relação à direcção administrativa e financeira:
a) Determinar o meio de pagamento segundo as condições no contrato de empreitada e a apreciação dos pagamentos posteriores feita pela entidade adjudicante;
b) Adoptar providências para que os encargos resultantes do aumento do trabalho não ultrapasse o valor acordado pela entidade adjudicante;
c) Não autorizar o aumento do trabalho cujos encargos ultrapasse o valor acima referido e cuja execução não fosse previamente autorizada pela entidade adjudicante;
d) Adoptar, segundo a proposta entregue à entidade adjudicante e as regras da empreitada, medidas para assegurar o cumprimento das respectivas cláusulas;
e) Criar e actualizar periodicamente o modelo provisório dos encargos segundo o preço de empreitada avisado e o cálculo ajustado dos factores e a sua verificação.
4. A substituição de qualquer membro na equipa referida na proposta da Adjudicatária deve ser por requerimento prévia à entidade adjudicante, juntamente com a apresentação do nome e CV dota) respectivo(a) substituto(a).
5. A entidade adjudicante reserva o direito de substituir qualquer membro na equipa da Adjudicatária. Para a substituição, aquela só precisa de notificar a Adjudicatária de forma escrita e indicar a respectiva causa.
Cláusula nona - Obrigações da entidade adjudicante:
1. Quando a Adjudicatária, a fim do cumprimento das suas obrigações contratuais, deduzir exigências que a entidade adjudicante entende necessárias, esta oferece-lhe todos os dados e informações acessíveis e auxilia-a em pedir ajuda a todas as entidades oficiais da RAEM.
2. A entidade adjudicante deve nomear um representante para que a Adjudicatária o contacte em caso de necessidade.
Cláusula décima - Poderes da entidade adjudicante:
1. A entidade adjudicante nomeou um representante responsável pela coordenação e fiscalização da prestação dos serviços indicados no contrato.
2. A entidade adjudicante reserva o direito discricionário em relação à prestação da administração de sistematização de trabalho e de recurso humano pretendida pela Adjudicante, não se produzindo assim sobretaxa.
Cláusula décima primeira - Subcontratação:
A subcontratação a terceiros da parte dos serviços por parte da Adjudicatária deve ser previamente autorizada pela entidade adjudicante, mas a autorização não isenta a Adjudicatária das devidas obrigações.
Cláusula décima segunda - Responsabilidade da Adjudicatária:
1. Deve a Adjudicatária responsabilizar-se pelos erros ou omissões graves resultantes da negligência profissional ou da insuficiência da capacidade profissional e imputáveis a si mesma, aos seus trabalhadores ou aos seus sub-contratistas.
2. Se o incumprimento total ou parcial é imputável à Adjudicatária, esta deve responsabilizar-se pelas consequências à entidade adjudicante causadas, tais como perdas e cessação de lucros.
Cláusula décima terceira - Força maior
1. A Adjudicatária fica exonerada da responsabilidade em caso de que o não cumprimento, cumprimento defeituoso ou mora é causado pela força maior.
2. Consideram-se unicamente casos de força maior os acontecimentos imprevisíveis e irresistíveis, cujos efeitos se produzem independentemente da vontade ou das circunstâncias pessoais da Adjudicatária, nomeadamente, guerra, motim, epidemias, radiações atómicas, fogo, desastres, inundações, ciclones, tremores de terra e outros cataclismos naturais que directamente afectem a prestação dos serviços pela Adjudicatária.
3. Em caso de força maior, a prestação dos serviços pode ser adiada pelo período igual ao da duração da força maior.
Cláusula décima quarta - Multas:
1. Em caso de incumprimento das obrigações por parte da Adjudicatária, a entidade adjudicante notifica-a de forma escrita de que deve, no prazo fixado, realizar o trabalho ainda não feito ou prestar informações que se responsabiliza.
2. Pela falta de cumprimento do seu dever no prazo fixado por parte da Adjudicatária, cujo motivo não é aceite, a Adjudicatária fica sujeito a:
a) multa que corresponde a 1‰ do valor total dos serviços, por cada dia de atraso até 30 dias;
b) multa que corresponde a 2‰ do valor total dos serviços, por cada dia de atraso, para além de 30 dias até 120 dias.
c) O presente contrato é rescindido quando o período de atraso ultrapasse o limite máximo acima referido, circunstância em que não pode a Adjudicatária cobrar os devidos encargos com a execução nem pedir qualquer indemnização.
3. A admissão do recurso, interposto pelo construtor citando o artigo 164 do DL n.º 74/99/M de 8 de Novembro, por motivo do acto activo da Adjudicatária que a entidade adjudicante ou seu agente não previamente autorize, causará a aplicação, à Adjudicatária, duma multa correspondente a 10% da indemnização adquirida pelo construtor.
4. A demolição temporária ou permanente da parte das respectivas obras, desde que se prove causada pela negligência da Adjudicatária ou dos seus trabalhadores, implica a aplicação de multa correspondente ao dobro dos encargos de toda a equipa de fiscalização durante o período de demolição, cujo valor equivale, pelo menos, aos honorários de dois dias.
5. A não comparência ao serviço de um agente do Adjudicatária, seja qual for o seu nível e categoria em qualquer local de obra, para o qual estava prevista a sua presença, será passível de aplicação de multa correspondente ao dobro do custo de toda a equipa de fiscalização, durante o período de ausência.
6. Em caso de reincidência da ausência acima referida pelo mesmo agente, o montante da multa é elevado para o dobro. A Adjudicatária deve exonerar um agente no caso de terceira reincidência.
7. Se tal agente fosse substituído por outro de mesmo nível ou nível superior num tempo adequado, e a entidade adjudicante fosse notificada da substituição, não é aplicável a multa acima referida.
8. A entidade adjudicante reserva o direito à rescisão do contrato se o valor de qualquer multa ou o valor total das multas exceda 10% do valor contratual.
Cláusula décima quinta - Rescisão do contrato pela entidade adjudicante:
1. A entidade adjudicante tem direito à rescisão, nos casos seguintes:
a) Subcontratação de todos os serviços ou parte destes sem a prévia autorização da entidade adjudicante.
b) Nos termos do artigo 14, n.º 2, al. c);
c) Nos termos do artigo 14, n.º 8;
d) Erros ou omissões graves causados pela comissão ou omissão imputável à Adjudicante, aos seus trabalhadores ou aos seus sub-contratistas.
2. Em caso de rescisão do contrato por motivo que seja imputável à Adjudicatária, que perda o direito a receber os valores das prestações mensais vencidos ou a ser pagos, sem prejuízo da multa que lhe seja ao caso aplicada.
3. As obras estiverem suspensas por mais de 180 dias, pode a entidade adjudicante rescindir o contrato. Nesta circunstância, a Adjudicatária tem direito a receber a indemnização pelos danos causados e pela suspensão de rendimento, mas o valor da indemnização não pode ultrapassar 50% do valor contratual vincenda durante o período de suspensão.
Cláusula décima sexta - Rescisão do contrato pela Adjudicatária:
1. A Adjudicatária tem direito de rescindir o contrato, nos seguintes casos:
a) Incumprimento pela Adjudicatária das obrigações fixadas no contrato por motivo que seja imputável à entidade adjudicante;
b) Falta do pagamento, por motivo imputável à entidade adjudicante, de qualquer verba estabelecida no contrato no prazo de 120 dias contados desde a data do pagamento devido.
c) Prorrogação do prazo de fiscalização, com o prazo prorrogado superior a 50% do original.
2. Em caso da rescisão do contrato, a entidade adjudicante paga à adjudicatária o valor corresponde aos serviços prestados até o dia da rescisão.
Cláusula décima sétima - Rescisão do contrato:
As partes podem rescindir o contrato em qualquer momento através de convenção, em que devem ser estabelecidas as consequências da rescisão.
Cláusula décima oitava - Tempo do trabalho:
1. O tempo do trabalho da Adjudicatária é oito horas por dia, incluindo sábado, domingo e férias, sendo o aquele igual com o do construtor.
2. Os fiscalizadores têm direito a pagamento por horas extraordinárias efectuadas fora do tempo do trabalho acima referido.
3. O pagamento por horas extraordinárias não é aplicável aos outros trabalhos profissionais do grupo de coordenação e fiscalização.
4. Em relação às horas extraordinárias efectuadas pelos fiscalizadores, são necessários:
a) a proposta prévia da Adjudicatária, que é aprovada de forma escrita pela entidade adjudicante;
b) a instrução escrita da entidade adjudicante.
Cláusula décima nona - A execução simultânea de outro trabalho no local:
1. Sem prejuízo do progresso geral do contrato, a entidade adjudicante reserva o direito a executar ou mandar executar qualquer trabalho em relação à coordenação e fiscalização ou outros trabalhos, independentemente de estes ser da mesma natureza com os exercidos pela Adjudicatária.
2. A Adjudicatária deve ser previamente notificada, quando possível, da execução dos trabalhos supra referidos. Senão, deverá a entidade adjudicante prometer a notificação com maior brevidade possível.
Cláusula vigésima - Alteração do contrato:
Em caso de as partes entenderem necessária a alteração do contrato, que deve ser realizada de forma escrita por mútuo consentimento.
Cláusula vigésima – Dirimir litígios:
Os litígios serão apresentados ao tribunal competente da RAEM em caso de estes não serem resolvidos mediante consultas entre as partes.
Finda a celebração do contrato.
O valor total da execução do presente contrato é MOP$12.336.000,00 (doze milhões, trezentas e trinta e seis mil patacas), que será pago em prestações de acordo com o despacho do Chefe do Executivo n.º 160/2010 de 18 de Maio publicado no Número 21, Série I do Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau de 24 de Maio de 2010, da seguinte forma:
Em 2010 - MOP$2.056.000,00 (duas milhões e cinquenta e seis mil patacas), valor esse que será suportado pela verba inscrita no capítulo 40.º «Investimentos do Plano», código económico 07.05.00.00.01, código da função 8.052.033.55, nome da acção «Empreitada de Construção da Ampliação das Estruturas Principais do Novo Terminal Marítimo da Taipa - Fiscalização» do Orçamento da Região Administrativa Especial de Macau para o corrente ano.
Em 2011- MOP$4.112.000,00 (quatro milhões, cento e doze mil patacas), valor esse que será suportado pela verba inscrita no Orçamento da Região Administrativa Especial de Macau para aquele ano económico.
Em 2012- MOP$4.626.000,00 (quatro milhões, seiscentas e vinte e seis mil patacas), valor esse que será suportado pela verba inscrita no Orçamento da Região Administrativa Especial de Macau para aquele ano económico.
Em 2013- MOP$1.542.000,00 (um milhão, quinhentas e quarenta e duas mil patacas), valor esse que será suportado pela verba inscrita no Orçamento da Região Administrativa Especial de Macau para aquele ano económico.
O presente minuta do contrato foi aprovado pelo Chefe do Executivo em 9 de Junho de 2010. O respectivo despacho é extracto da proposta n.º 520/GDI/2010 de 25 de Maio do mesmo ano.
A caução referida na cláusula quarta do contrato, no valor de MOP$616.800,00 (seiscentas e dezasseis mil e oitocentas patacas), foi paga pela Adjudicatária através da garantia bancária n.º 202/2010 emitida pelo Banco Nacional Ultramarino, S.A. em 12 de Maio de 2010, ficando o original da respectiva garantia bancária arquivada no Gabinete para o Desenvolvimento de Infra-estruturas.
Segundo a certidão passada pela Direcção dos Serviços de Finanças de Macau, a Adjudicatária representada pelo segundo outorgante devedor do Governo da RAEM.
Nos termos do artigo 22, n.º 1, al. b) e artigo 24 do Tabela Geral do Imposto do Selo, fixa-se o imposto do selo no valor de MOP$37.108,00 (trinta e sete mil, cento e oito patacas). Além disso, nos termos do artigo 4, n.ºs 1 e 2 da tabela de emolumentos notariais, fixa-se o emolumento notarial no valor de MOP$20.936,00 (vinte mil novecentas e trinta e seis patacas), valores esses que foram pagos pelo segundo outorgante através do conhecimento e foram arquivados.
Todos os documentos referidos neste contrato são arquivados no processo n.º 21686 da Divisão de Notariado da Direcção dos Serviços de Finanças de Macau.
O teor do conteúdo foi lido em voz alta e interpretado na presença simultânea das partes».
6 – Para assegurar a prestação dos serviços contratados a recorrente contratou os Engenheiros Electrotécnicos XXX e XXX, aprovados pelo Gabinete de Infra-estruturas da RAEM para o efeito.
7 – Por cartas de 12/09/2012 aqueles engenheiros comunicaram a denúncia dos contratos (cfr. docs. fls. 43 e 44 dos autos).
8 – No dia 17/09/2012 a recorrente comunicou o facto ao Chefe do Gabinete para o Desenvolvimento de Infra-estruturas da RAEM e requereu a substituição daqueles engenheiros por outros dois cujos nomes e currículos respectivos foram enviados (fls. 45 e 46; tradução a fls. 17 a 19).
9 – No entanto, estes técnicos acabaram por não aceitar as propostas que lhes foram feitas pela recorrente, e, em 15/10/2012, esta submeteu à aprovação do DGI de novo técnico, mas o DGI não o aprovou por alegadamente ele não preencher as exigências para a engenharia de electrotécnica (fls. 48 dos autos e fls. 20 do apenso “traduções”).
10 – A recorrente publicou anúncios nos jornais em 14, 21 e 24 de Setembro com vista à contratação de técnicos de engenharia electromecânica (fls. 49 a 51 dos autos) e electrotécnica em 18 e 25 de Outubro (cfr. fls. 52 e 53 dos autos).
11 – Apenas os residentes da RAEM se podem inscrever como Técnicos junto da DSSOPT (doc. fls. 54 dos autos).
12 – Os novos engenheiros foram aprovados pelo GDI conforme comunicação feita à recorrente por cartas de 1/11/2012 e 13/12/2012 (doc. fls. 56 (e 23 do apenso “traduções”) e 57 dos autos.
13 – No dia 31/01/2013 o GDI notificou a recorrente para se pronunciar em audiência de interessados sobre o projecto de lhe aplicar uma multa perante a ausência dos engenheiros electrotécnicos de fiscalização entre 12/09/2012 e 30/10/2012, o que constituiria violação do nº5 da cláusula contratual 14ª (fls. 58 a 60 dos autos).
14 – A recorrente apresentou a sua defesa (fls. 61 a 72 dos autos).
15 – Posteriormente foi elaborada a proposta n.º 519/GDI/2013 de 20 de Maio de 2013, com o teor seguinte:
“1. Em relação à proposta n.º 334/GDI/2010 deste Gabinete, o Chefe do Executivo proferiu o despacho de 27 de Abril de 2010 que autorizou a adjudicação à A, Limitada da prestação dos serviços de «Empreitada de Construção da Ampliação das Estruturas Principais do Novo Terminal Marítimo da Taipa - Fiscalização», com valor total de MOP$12.336.000,00 e prazo de prestação de 36 meses.
2. Dada a desligação do serviço de dois engenheiros de electricidade da A que prestava serviço na obra de «Empreitada de Construção da Ampliação das Estruturas Principais do Novo Terminal Marítimo da Taipa», tem havido falta de dois agentes de fiscalização desde 12 de Setembro de 2012. Por outro lado, este Gabinete exigiu, através do ofício n.º XXX/GDI/2012 de 12 de Setembro de 2012, que a A imediatamente apresentasse, para apreciação, o requerimento de substituição do pessoal da fiscalização.
3. A A formulou, respectivamente em 15 de Outubro, 19 de Outubro, 26 de Outubro, 27 de Novembro e 6 de Dezembro de 2012, através das cartas nºs L/2012/186, L/2012/193, L/2012/198, L/2012/220 e L/2012/222, os requerimentos de substituição de pessoal de fiscalização e apresentou os documentos complementares, juntando também em anexo as informações dos agentes substitutos e os seus CVs.
4. A seguir, o Chefe do Gabinete para o Desenvolvimento de Infraestruturas proferiu, em 31 de Outubro de 2012 e 11 de Dezembro de 2012, despachos em relação às propostas nºs XXX/GDI/2012 e XXX/GDI/2012 do Gabinete, autorizando a substituição dos engenheiros nas obras acima referidas pela engenheira XXX (XXX) e engenheiro XXX (XXX).
5. De acordo com a cláusula do contrato no que diz respeito à ausência dos agentes por parte da CP I durante o período da prestação dos serviços, este Gabinete notificou-a, por ofício n. º XXX/GDI/2013 de 28 de Janeiro de 2013, da decisão preliminar em relação à multa e à dedução de honorários (indicam-se no quadro seguinte) previstas no contrato, exigindo a resposta no prazo de 10 dias contados desde a data da notificação.
Multa:
1-MOP$385,500.00/30 dias x 49 dias x 2 = MOP$1,259,300.00
2-MOP$385,500.00 /30 dias x 90 dias x 2 = MOP$2,313,000. 00
SUB-TOTAL: MOP$3,572,300.00
Dedução de honorários:
1- MOP$24,500.00 /30 dias x 49 dias = MOP$40,016.67
2 -MOP$24,500.00 /30 dias x 90 dias = MOP$73,500.00
SUB-TOTAL: MOP$113,516.67
Montante total:
MOP$3,572,300.00 + MOP$113,516.67 = MOP$3,685,816.67
6. Por carta n. º L/2013/XXX de 7 de Fevereiro de 2013, a A respondeu em relação à multa e à dedução de honorários, pedindo que não lhe seja aplicada a multa no valor de MOP$3.572.300, 00 segundo a cláusula décima quarta do contrato, mas só a dedução de honorários no valor de MOP$113.516,67.
7. Por a proposta n.º XXX/GDJ/2013 de 4 de Março de 2013, o assessor jurídico do Gabinete ofereceu o parecer, sugerindo a aplicação da multa no valor correspondente a 10% do valor contratual, isto é, MOP$1.233.600,00 = (12.336.000,00 x 10%), e a dedução de honorários durante o período de ausência dos dois agentes, no valor de MOP$113.516,67.
8. Assim sendo, de acordo com o parecer referido no artigo 7, este Gabinete sugere a aplicação da multa no valor de MOP$1.233.600,00 e a dedução de honorários no valor de MOP$113. 516, 67”.
16 – O Secretário para os Transportes e Obras Públicas, por despacho de 29/05/2013, decidiu o seguinte:
“Concordo com o parecer e as sugestões na proposta; notifique a A” (fls. 97 dos autos e 27 do apenso “traduções”).
***
IV – O Direito
1 – A aplicação da multa contratual ora sob sindicância deveu-se à não comparência de dois “agentes” da recorrente para efectuar o serviço de fiscalização dos trabalhos em curso, um durante cerca de um mês e meio (entre 12/09/2012 e 30/10/2012), outro durante aproximadamente três meses (entre 12/09/2012 e 10/12/2012). Circunstância que violaria a cláusula 14ª, nº5 do contrato.
Esta cláusula, recordemo-la, diz o seguinte:
«5. A não comparência ao serviço de um agente do Adjudicatária, seja qual for o seu nível e categoria em qualquer local de obra, para o qual estava prevista a sua presença, será passível de aplicação de multa correspondente ao dobro do custo de toda a equipa de fiscalização, durante o período de ausência».
A entidade recorrida, portanto, fundou a aplicação da multa na previsão contratual que comina uma sanção para o caso de qualquer “agente” da parte adjudicatária não comparecer ao serviço.
Pois bem. Compreende-se, antes de mais nada, que esta cláusula faça recair sobre o contratante privado o dever de bem cumprir o serviço a que se encontra contratualmente vinculado. Qualquer ausência de um empregado ou “agente” do contratante particular na obra deverá ser resolvida no quadro das relações internas que caracterizam a relação laboral que os une. Daí que a entidade adjudicante seja alheia a quaisquer fenómenos de absentismo, os quais, desde que se verifiquem em concreto, apenas responsabilizarão a parte contratante na sua qualidade de adjudicatária. O que a entidade contratante quer, no âmbito do interesse público que prossegue, é que o serviço decorra como acordado, tanto no cumprimento dos prazos, como na qualidade da obra realizada ou do serviço prestado. Eficiência e rigor devem estar presentes em todos os contratos públicos e esta cláusula, entre outras, trilha o caminho desse objectivo.
*
2 - Mas a interpretação da cláusula não fica completa sem a compreensão geral e mais vasta da atmosfera contratual em que se insere. E daí que faça todo o sentido que se convoquem ainda os nºs 6 e 7 da mesma cláusula. Pode ser que eles nos ajudem a uma melhor hermenêutica.
«6. Em caso de reincidência da ausência acima referida pelo mesmo agente, o montante da multa é elevado para o dobro. A Adjudicatária deve exonerar um agente no caso de terceira reincidência.
7. Se tal agente fosse substituído por outro de mesmo nível ou nível superior num tempo adequado, e a entidade adjudicante fosse notificada da substituição, não é aplicável a multa acima referida».
Repare-se: o nº6 é sequencial; não surge com total autonomia. Ou seja, não tem uma previsão desligada do contexto, não introduz uma independente fattispecie. Pelo contrário, ele aparece exactamente como modo de desenvolver o “tipo” já incluído no nº5. Estamos nos limites da mesma cláusula!
E por tal motivo é que, em primeiro lugar, fala em “reincidência”. Ora, ao introduzir o vocábulo “reincidência”, logo ali está a partir da hipótese contemplada no ponto precedente: a “ausência acima referida”.
Quer dizer, o nº6 estabelece uma estatuição que parte de uma reincidência (hipótese-tipo), a qual por seu turno deriva do facto principal (hipótese-quadro) que vem do nº5.
Ao estabelecerem esta conexão, o que fizeram as partes contratantes?
Quiseram atribuir ao clausulado um sentido próprio: o adjudicatário pagará a multa que lhe for concretamente aplicada, cujo valor dependerá da ausência isolada ou repetida de um seu empregado/agente à obra.
Estamos, portanto, perante uma hipótese de uma falta de comparência ou de uma ausência injustificada, que aumenta de gravidade em presença de uma reincidência, ao ponto de até se admitir a sua substituição por parte do empregador (nº7). Dito de outro modo, ainda que, em último grau, o responsável seja o contratante particular, a verdade é que a previsão assenta numa atitude de um empregado deste que, podendo ter comparecido, não compareceu. Admite-se na cláusula, por conseguinte, um tratamento sancionatório que afecta a esfera do empregador por causa de um empregado seu faltoso e relapso. É isso o que decorre da noção de reincidência. Embora seja um conceito mais próximo do direito penal, a verdade é que ele, de qualquer modo, significa uma repetição (indevida) do mesmo comportamento antijurídico. Ela tem implícita uma liberdade de determinação do agente que, podendo corrigir uma atitude incorrecta e ilícita, em vez disso insiste nela pela segunda vez. É por isso que no conceito não cabem, em princípio, os comportamentos que fogem a essa liberdade e sejam justificadas por causas exteriores à sua vontade, como é o caso de uma doença ou de um qualquer motivo de força maior.
Portanto, e recapitulando:
- Se o “agente” do contratante particular, indevidamente falhou no compromisso que acertou com a sua entidade patronal e deixou de comparecer no local da obra sem justificação, a entidade pública – que nada tem a ver com isso – pode aplicar uma multa contratual (14º, nº 5);
- Se o referido “agente” (esse agente) reitera a conduta indevida com a sua ausência ao serviço e ao local da obra, a entidade contratante publica pode elevar para o dobro o valor da multa (14ª, nº6);
- Se a parte contratante particular, perante a ocorrência dos factos anteriores, resolver substituir o seu empregado/agente em tempo oportuno e disso der conhecimento à parte pública, esta pode não aplicar nenhuma sanção (14ª, nº7).
*
3 – Estamos no domínio de um contrato administrativo. Um contrato bilateral cujo conteúdo é modelado pela vontade das partes, no quadro de um sinalagma, que, não obstante, não pode deixar de observar o interesse público que ao contraente público cabe prosseguir e fazer defender. O interesse público é aqui um ditame que não pode deixar de estar presente em cada contrato público.
No âmbito da liberdade de determinação do conteúdo, que, como se sabe, não obedece aos parâmetros da autonomia contratual privada, cabe ao contraente público a introdução de certas cláusulas exorbitantes, muitas delas obedecendo ao carácter injuntivo da norma que permite o estabelecimento dessa relação jurídica contratual, ficando em tais casos muito pouco peso para o carácter dispositivo das partes, sobretudo da parte privada.
Geralmente, neste tipo de contratos há cláusulas que se socorrem de um poder extravagante para, justamente, vincular o contraente particular à observância do contrato e a respeitar o interesse público que subjaz à sua celebração. O contraente particular, acatando essas cláusulas, fica a elas juridicamente vinculado porque passam a ser fontes de normatividade.
Vem nesta linha a aposição de certas regras de regulamentação específica sobre alguns aspectos atinentes ao cumprimento e incumprimento do contrato, por outras palavras, à execução do contrato, ou à execução das prestações contratuais. Na verdade, o cumprimento dos contratos administrativos não é diferente do de qualquer outro contrato e do regime “pacta sunt servanda” que deles deriva. O particular deve respeitar exacta e pontualmente as prestações a que se obrigou, já que o contrato não deixa de ser um acordo de vontades (art. 224º, CC), que deve ser pontualmente cumprido (art. 400º, nº2 e 752º, do CC).
E é por estar em causa sempre um interesse público que essas cláusulas não servem apenas o interesse legítimo do contraente público, mas predominantemente o interesse geral que extravasa a mera dimensão contratual. Se o particular não cumprir o contrato está a falhar para com o interesse público que o contrato visou realizar.
Daí que se compreenda que, para além das cláusulas tipicamente obrigacionais, outras lhe são frequentemente aditadas em ordem à protecção daquele interesse público, destacando-se as que se relacionam com o cumprimento ou a execução do contrato: a), que proporcionam ao contraente público o poder de fiscalização; b) as que implicam a prestação de caução e outras garantias; c), as que permitem aplicar multas contratuais; d) as que permitem reduzir honorários ao contraente particular; d) sem esquecer as que apresentam um regime próprio no caso de incumprimento do contraente público.
Merecem atenção particular as multas e a redução de honorários!
São sanções administrativas, se entendermos estas como o mal infligido pela Administração a um administrado como consequência de uma conduta ilegal e com uma finalidade puramente repressora.1 Mas, já não são sanções que resultam exclusivamente de uma manifestação do poder de autoridade do Estado no quadro de um procedimento administrativo (que as aplica unilateralmente por intermédio de acto administrativo), como sucede com a prática de infracções administrativas na decorrência de desrespeito por normas preventivas de leis e regulamentos que não tenham a natureza de contravenção (art. 2º do DL nº 52/99/M).
Para além das sanções pecuniárias compulsórias e sanções por dias de atraso, as multas - que só são administrativas na medida em que são aplicadas pela entidade administrativa - surgem no quadro de um incumprimento ou de um cumprimento defeituoso do contrato por parte do contraente particular. Exercem uma função sancionatória, punitiva e coerciva, tendo em vista “castigar” o co-contratante incumpridor e, simultaneamente, constrangê-lo a cumprir o contrato2. São sanções contratuais enquanto obrigam ao pagamento de uma determinada quantia estabelecida no contrato3.
Além das multas, por vezes acontece que os contratos permitem ao contraente público o poder de fazer abatimentos ou deduções determinando uma diminuição do montante da remuneração do co-contratante em razão dos níveis de desempenho, de que é exemplo, precisamente, a regularidade do serviço prestado4.
E foram, precisamente, estas duas manifestações jurídicas que o contraente público concretizou no caso em apreciação, a primeira delas (multa) com assento no contrato e, especificamente, na referida cláusula 14ª, 5), sendo essa a única que aqui está em discussão.
*
4 – Importa agora averiguar que tipo de responsabilidade pode ser assacado à recorrente. Responsabilidade contratual? Responsabilidade civil?
A responsabilidade contratual é aquela que impende sobre alguém que outorgou um contrato e, cujo incumprimento da sua parte, gera um dever de responder pelo incumprimento ou pelo cumprimento defeituoso ou tardio. O quid specificum da responsabilidade contratual reside na infracção ou na violação de obrigações contratuais.
Esta responsabilidade não carece da existência de danos; ou seja, o incumprimento ou cumprimento defeituoso não tem que ser fonte de prejuízos ou danos para o contraente público, que, a existirem, seriam indemnizáveis. Portanto, a responsabilidade contratual não obriga necessariamente a reparar ou a indemnizar.
Seguindo de perto Pedro Gonçalves, haverá que distinguir entre dois tipos de responsabilidade contratual: a responsabilidade civil e a responsabilidade administrativa.
A responsabilidade civil contratual implica a existência de um dano e o consequente dever de indemnizar (art. 477º do CC). É uma responsabilidade reparatória. Contrariamente, a responsabilidade administrativa contratual pressupõe um incumprimento, não a lesão, e gera o poder de aplicação de sanções administrativas contratuais5. É uma responsabilidade sancionatória, punitiva ou “castigadora”. A multa, enquanto sanção pecuniária, cumpre essa função.
Claro que, sempre que o caso se resolver pela opção da responsabilidade civil contratual, nos termos encarados, ela não escapa aos critérios da culpa (art. 480º, CC) e, por conseguinte, à noção de um ilícito de carácter subjectivo.
E se o caso for simplesmente revelador de um incumprimento contratual? Também aí funcionarão os critérios da culpa?
No Brasil, Diógenes Gasparini6 entende que a inexecução contratual parcial ou total, torna o contraente inadimplente, com ou sem culpa, e gera responsabilidade contratual.
Entre nós, Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, dizem tão-somente que “As sanções contratuais administrativas fundam-se apenas em incumprimento objectivo da lei, do contrato ou de determinação (legitima) do contraente administrativo…”7. Nada acrescentam a esta afirmação seca.
No entanto, Pedro Gonçalves, referindo-se às sanções contratuais, diz que “…pressupõem a verificação de uma «falta», de um facto ilícito, imputável a título culposo, que reclamam a tomada de uma decisão autónoma de verificação, imputação e aplicação”8. Ou seja não afasta a aplicação da culpa para efeito de imputabilidade da responsabilidade.
Na jurisprudência comparada, apenas três arestos, tanto quanto pudemos colher, enfrentaram o tema. Dois consideraram estar perante uma “responsabilidade civil contratual”, cujo incumprimento ilícito e injustificado de estipulações contratuais lesou um dos contraentes nos seus direitos e interesses, gerando a indemnização de ser indemnizado pelo contraente incumpridor9. Outro afirmou que “Em sede de responsabilidade contratual, cabe ao devedor o ónus de alegação e prova de que a falta de cumprimento da obrigação não procede de culpa sua”10. Ou seja, em todos os casos pressupunham a culpa para a imputabilidade da responsabilidade (elemento subjectivo), não bastando a antijuridicidade (elemento objectivo).
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5 – Que dizer no caso em apreço?
O regime legal relativo à aquisição de bens e serviços (DL nº 63/85/M), em nossa opinião, não contribui para a solução.
Repare-se. O art. 54º deste diploma apenas, integrado na Secção II do Capítulo III, refere-se ao procedimento a observar em matéria de «deficiência dos bens ou serviços».
O art. 55º prevê a cessação da responsabilidade do adjudicatário por “falta” ou “atraso” na execução do contrato sempre que ocorra facto que deva ser considerado de “força maior”.
E o art. 56º refere-se à “imposição de multas por violação dos prazos contratuais”.
Portanto, nenhum destes preceitos serve para cobrir o caso dos autos, uma vez que não é de deficiência dos bens fornecidos ou dos serviços prestados, nem de falta ou atraso na execução do contrato por motivo de força maior, nem tampouco de violação dos prazos contratuais de entrega dos bens ou da conclusão dos serviços adjudicados.
E o contrato?
Poderá a cláusula 13ª iluminar o caminho da resposta?
Diz o ponto 1 da cláusula 13ª que “A Adjudicatária fica exonerada da responsabilidade em caso de que o não cumprimento, cumprimento defeituoso ou mora é causado pela força maior”.
O ponto seguinte (nº2) define o que seja “força maior”:
“Consideram-se unicamente casos de força maior os acontecimentos imprevisíveis e irresistíveis, cujos efeitos se produzem independentemente da vontade ou das circunstâncias pessoais da Adjudicatária, nomeadamente guerra, motim, epidemias, radiações atómicas, fogo, desastres, inundações, ciclones, tremores de terra e outros cataclismos naturais que directamente afectem a prestação dos serviços pela Adjudicatária”.
Ora bem. Se o nº1 prescrevesse que a adjudicatária apenas ficaria exonerada nas situações de força maior, seria mais que certo que a responsabilidade teria aqui um cariz objectivo. Em tal hipótese, em todas as situações, menos nas de força maior, haveria sempre lugar a responsabilidade da adjudicatária. Todavia, esse parágrafo limita-se simplesmente a afirmar os casos de força maior como sendo um motivo (não único) de exclusão da responsabilidade. Significa que o próprio contrato, com o seu silêncio, não afasta a possibilidade da existência de outras causas justificativas e de exclusão da responsabilidade.
Aliás, qualquer das situações ali previstas de “força maior” atesta a natureza do incumprimento não culposo do adjudicatário. Na verdade, são situações em que o papel da vontade do contraente privado está de todo arredado. São ”acontecimentos imprevisíveis e irresistíveis cujos efeitos se produzem independentemente da vontade ou das circunstâncias pessoais da Adjudicatária”. São, pois, eventos imponderáveis e exógenos, tanto humanos (guerras, motins, grave perturbação da ordem pública, etc.), como naturais (inundações, tremores de terra, tufões, etc.) que impedem ou dificultam o cumprimento.
É claro que não é só a “vontade” do contraente particular que releva para os efeitos da densificação da noção de “força maior”. Também as “circunstâncias pessoais” da Adjudicatária” não podem estar presentes; se estiverem, fica afastada a “força maior”. Assim, não poderemos falar de força maior sempre que o acontecimento tiver alguma conexão com as circunstâncias pessoais da adjudicatária, como sucede, por exemplo, com uma greve dos seus próprios trabalhadores. O evento tem que estar totalmente alheio à vontade e às circunstâncias pessoais do contraente particular.
Como sempre acontece na responsabilidade civil, também a responsabilidade contratual11, baseada apenas na violação de cláusulas contratuais, pressupõe a existência de culpa do agente necessária à imputabilidade e, desse modo, imprescindível à responsabilização do incumpridor. Ou seja, para além dos casos de força maior, também a ausência de culpa é necessária para afastar a concretização do ilícito subjectivo e, dessa maneira, a responsabilidade do contraente particular.
O que dizer quanto à cláusula 14ª?
Ela esclarece que a “não comparência” ou a “ausência” será passível de multa por parte do adjudicatário.
Ora bem. É certo que o nº6 da cláusula fala em “reincidência” e “terceira reincidência”12, parecendo partir do pressuposto de uma ausência injustificada do empregado, a ponto de exigir do seu empregador, o contraente particular, o dever de tomar as providências necessárias ao cumprimento do contrato, entre as quais a multa coercitiva.
Neste quadro, cremos que, por exemplo, uma doença prolongada do empregado que o impeça verdadeiramente de comparecer no local da obra não fica coberta pela previsão da referida cláusula, tal como ela está redigida. Para se prevenir contra estas eventualidades, o contrato deveria prever que, independentemente da razão que tenha levado o seu empregado a não comparecer, o contraente particular (empregador) deveria fazer substitui-lo num prazo máximo razoável.
No entanto, o nº5 apenas alude a uma “não comparência ao serviço do agente do adjudicatário”. Ora, essa ausência tanto pode provir de uma atitude de relapsia desse agente, mas mantendo o vínculo ao seu empregador (e nesse caso, o sancionamento até pode ser agravado), como de uma demissão da sua iniciativa. Ou seja, o nº6 não serve para revelar a hipótese-tipo que está inscrita no nº5. Este serve para acudir a todas as situações de não comparência ao serviço, venham elas do empregador, ou até do próprio empregado, porque o que a cláusula defende é o interesse público subjacente ao contrato celebrado. Não se trata de uma cláusula em defesa do interesse do contraente privado, mas do interesse público em presença.
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6 – A perda dos dois empregados engenheiros (logo os dois) por parte da recorrente, por desvinculação unilateral dos próprios da relação laboral existente, pode automaticamente prejudicar a recorrente enquanto contraente particular?
Automaticamente, não. Se assim não fosse de entender, então a entidade patronal haveria de ter sempre técnicos “suplentes” para suprimento de faltas (por doença, por exemplo) ou para substituição dos que se vão demitindo. Isto é pouco sensato numa empresa moderna, se pensarmos nos enormes custos que isso acarreta em tempos de contenção geral de despesas.
O problema, porém, não está nesse facto que a recorrente nunca poderia evitar. Está, antes, no mecanismo que tinha que desencadear para suprir a perda daqueles dois profissionais. Na verdade, de acordo com o que resulta do contrato e do conteúdo da proposta a que se vinculou, ele tinha que manter sempre dois engenheiros electro-técnicos no local da obra.
Ora, o que está provado foi que o primeiro nome que ele forneceu não era da especialidade exigida de electrotécnica, mas sim de electromecânica (facto 9). E por outro lado, os primeiros três anúncios que publicou nos jornais não eram para recrutamento de engenheiros de electrotécnica, mas de de electromecânica (facto 10).
Ou seja, houve, de facto, uma atitude por parte da recorrente que não correspondeu ao seu dever de agir conforme o contrato. Abstractamente, a empresa podia contratar quem queria no âmbito da sua autonomia de gestão dos recursos humanos. Mas, concretamente, no condicionalismo da execução deste contrato a que se vinculou, outra atitude de si não era esperada senão a de tentar por todas as vias substituir aqueles dois trabalhadores especializados por outros dois de igual especialidade técnica. E, como sabemos, os engenheiros electromecânicos têm funções que não correspondem às de engenharia electrotécnica. Neste sentido, não serviu os propósitos substitutivos contratuais a indicação de um técnico de área diferente (facto 9), nem o anúncio na imprensa escrita para a contratação a que se refere a 1ª parte do facto 10.
Portanto, a recorrente não fez o que estava ao seu alcance para cumprir o seu contrato. A questão, que começou por ser de índole objectiva (é objectivo o facto da perda dos dois trabalhadores), saltou para o plano subjectivo, na medida em que, ao contrário do que lhe era contratualmente imposto, não os substituiu em prazo razoável por razões culposas que a si mesmo são devidas. Podemos dizer, ao contrário do que pensa a recorrente, que não foi cuidadoso na iniciativa de proceder à substituição daqueles empregados, não usou da sagacidade e diligência que de si seria esperado. Não fez o que estava ao seu alcance de forma evitar este facto: estar aproximadamente durante 1 mês e meio (quanto a um deles) e três meses e meio (quanto a outro) sem proceder à sua substituição.

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7 - Posto que assim seja, a recorrente não cumpriu o ónus que decorre do art. 788º, nºs 1 e 2, do CC, preceito que não deixa de ser aplicável, face ao disposto no art. 173º, nº2, do CPA.
Não achamos, pois, que este sancionamento tenha violado a referida cláusula contratual referida cláusula penal (art. 799º, CC) ou sequer que a tenha interpretado mal.
Por isso mesmo, não se aceita que o acto tenha violado a lei. E, assim, o recurso não merece proceder.
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V – Decidindo
Face ao exposto, acordam em julgar improcedente o recurso e manter o acto recorrido na parte contenciosamente impugnada.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça em 8 UCs.
TSI, 17 de Julho de 2014
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
Votei apenas a decisão com fundamento no seguinte: Independentemente da qualificação, como civil ou administrativa, a eventual responsabilidade pelo incumprimento de um contrato administrativo, a não presença in casu dos dois engenheiros ao serviço conforme estipulado no contrato, é sempre imputável, a título culposo, à recorrente, que estava bem ciente ou que deveria estar bem ciente, no momento da celebração do contrato em causa com a Administração, das obrigações que iria assumir no âmbito do mesmo contrato e das condições do mercado de trabalho na área de engenharia eléctrica de Macau, ou seja, da mobilidade de pessoas qualificadas para a tal tarefa e da dificuldade no seu recrutamento, não podia portanto deixar de contar com a possibilidade da exoneração de alguns elementos do seu pessoal durante a vigência do contrato e devia por isso tomar cautela e prevenir-se contra essa possibilidade, assim sendo, a invocação da exoneração de dois elementos do seu pessoal e do não êxito na tentativa de recrutamento para a sua substituição, na minha óptica, não deve ser atendida como causa excludente da sua culpa no incumprimento das suas obrigações contratuais consubstanciadas na manutenção da presença de dois engenheiros, devidamente qualificados pela Administração, no local de obras, nos termos fixados no contrato.
Presente
Victor Manuel Carvalho Coelho
1 Ramon Parada, Derecho Administrativo, I, pág. 428.
2 Pedro Gonçalves, Cumprimento e Incumprimento do contrato Administrativo, na obra Estudos de Contratação Pública – I, Coimbra, Cedipre, Coimbra Editora, 2008, pág. 589.
3 Por essa razão, o autor espanhol citado não as inclui no âmbito das sanções administrativas propriamente ditas (loc. cit.). Pedro Gonçalves, contudo, inclina-se para não seguir o entendimento da doutrina espanhola e, também aí, acha que o poder de aplicar sanções contratuais decorre de um poder público, não vendo razão para não se aplicarem nesse caso os princípios que regem os procedimentos de tipo sancionatório (O Contrato Administrativo, Uma Instituição do Direito Administrativo do Nosso Tempo, Almedina 2002, pág. 111).
4 Pedro Gonçalves, ob. cit., pág. 595.
5 Ob. cit., pág. 597 e sgs.
6 Citado por Hermano de Oliveira Santos, em Fundamentos das Sanções Administrativas Contratuais: http://jus.com.br/artigos/27116/fundamentos-das-sancoes-administrativas-contratuais.
7 In Código de Procedimento Administrativo, 2ª ed., pág. 827.
8 Cumprimento e Incumprimento cit, pág.595.
9 Ac. do STA, de 8/02/2011, Proc. nº 0957/10; de 11/03/10, Proc. nº 0562/09.
10 Ac. do STA, de 16/03/2004, Proc. nº 047077.
11 Esta dicotomia nem sempre é pacífica, sendo frequentemente tratada numa concepção unitária de responsabilidade civil contratual.
12 Cremos que quereria dizer segunda reincidência, equivalente a terceira falta.
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441/2013