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Processo nº 428/2014 Data: 24.07.2014
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crimes de: “exploração ilícita de jogo de fortuna ou azar fora dos locais legalmente autorizados”, “burla” e “extorsão”.
Co-autoria.
Prescrição.
Pena.
Suspensão da execução da pena.



SUMÁRIO

1. São requisitos para que ocorra “comparticipação criminosa” sob a forma de “co-autoria”, a existência de decisão e de execução conjuntas.
O acordo pode ser tácito, bastando-se com a consciência/vontade de colaboração dos vários agentes na realização de determinado crime.
No que respeita à execução, não é indispensável que cada um dos agentes intervenha em todos os actos ou tarefas tendentes a atingir o resultado final, importando, apenas, que a actuação de cada um, embora parcial, se integre no todo e conduza à produção do objectivo em vista.
No fundo, o que importa é que haja uma actuação concertada entre os agentes e que um deles fira o bem tutelado.

2. Na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites.

3. O artigo 48º do Código Penal de Macau faculta ao juiz julgador a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido quando:
– a pena de prisão aplicada o tenha sido em medida não superior a três (3) anos; e,
– conclua que a simples censura do facto e ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cfr. Art.º 40.º), isto, tendo em conta a personalidade do agente, as condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste.
E, mesmo sendo favorável o prognóstico relativamente ao delinquente, apreciado à luz de considerações exclusivas da execução da prisão não deverá ser decretada a suspensão se a ela se opuseram as necessidades de prevenção do crime.

O relator,

______________________
José Maria Dias Azedo


Processo nº 428/2014
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A, com os sinais dos autos, respondeu à revelia (e como 6° arguido) no T.J.B., vindo a ser condenado como co-autor da prática em concurso real de:

“- um crime de “exploração ilícita de jogo de fortuna ou azar fora dos locais legalmente autorizados”, p. p. pelo art° 1° n° 1 da Lei n° 8/96/M, de 22 de Julho, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão;
- um crime de “burla” (na forma tentada), p. p. pelo art° 211°, n° 4, al. a), 22° e 67° do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão; e,
- um crime de “extorsão” (também na forma tentada), p. p. pelo art° 215°, n° 2, al. a), art° 198, n° 2, al. a) e art° 196°, al. b), 22° e 67° do Código Penal, na pena de 2 anos de prisão.
Em cúmulo jurídico foi o arguido condenado na pena única de 4 anos e 6 meses de prisão”; (cfr., fls. 495 a 506-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Oportunamente, e após pessoalmente notificado do assim decidido, o arguido recorreu.
Motivou para, nas suas conclusões e em síntese, imputar ao Acórdão recorrido o vício de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”, pedindo a sua absolvição quanto aos crimes do art. 215°, n.° 2 do C.P.M. (“extorsão”) e art. 1°, da Lei n.° 8/96/M (“exploração ilícita de jogo de fortuna ou azar fora dos locais legalmente autorizados”), e a suspensão da execução da pena aplicada pelo crime de “burla”; (cfr., fls. 865 a 879-v).

*

Respondendo, pugna o Ministério Público pela parcial procedência do recurso; (cfr., fls. 882 a 888-v).

*

Neste T.S.I. juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:

“Na Motivação de fls.865 a 880 dos autos, o recorrente/6° arguido assacou, em primeiro lugar, a «insuficiência para a decisão da matéria de facto provada» ao douto Acórdão de fls.495 a 506 verso, na sua parte de condená-lo em ser um dos co-autores, na forma tentada, dum crime de extorsão.
Repare-se que o Tribunal a quo deu por provado: Em 12 de Julho de 2005, cerca das 7H00, os 6°, 7°, 8°, 9°, 10° e 11° arguidos saíram juntamente do Território através do Posto Fronteiriço das Portas de Cerco, pelas horas melhor descritas nos registos juntos de fls.147 a 149,152 a 153 e 221 dos autos.
Mais adiante, asseverou ainda: A fim de garantir que o ofendido responsabilizasse pelo acima referido empréstimo com fichas não convertíveis em dinheiro, o 1 ° arguido exigiu que o ofendido assinasse uma declaração de dívida, bem assim forçou o ofendido a telefonar para seus familiares para liquidar a respectiva dívida, proferindo palavras ameaçadoras sobre a sua segurança pessoal.
Pois, é facto nu e concludente que quando o 1 ° arguido praticava as condutas que integra no tipo legal do crime de extorsão, o recorrente/6° arguido estava ausente e não presente por ter saído de Macau e voltado à China Interior, ficando impossibilitado de intervir na aludida conduta. O que implica a falta de execução conjunta.
Ponderada toda a matéria de facto provada no douto Acórdão em causa, não descortinamos facto algum que possa demonstrar sem dúvida que o recorrente dera consentimento ou conjugação de esforço à referida conduta do 1 ° arguido, ou tivera conhecimento da mesma. Enfim, não se encontra in casu facto provado da existência da decisão conjunta, ou seja a conluio, do crime de extorsão.
Nesta linha de vista, e em consonância com o sensato raciocínio desse Venerando TSI na unanimidade, raciocínio que presidiu o douto Acórdão de fls.819 a 828 dos autos, e ainda ressalvado o respeito pela opinião diferente, afigura-se-nos que se verifica, no caso sub iudice, a invocada insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
*
Na dita Motivação, o recorrente arguiu ainda a prescrição procedimental do crime de exploração ilícita de jogo previsto e punido pelo art. l° da Lei n.°8/96/M, alegando essencialmente que ocorreu em 14/04/2014 a notificação pessoal do Acórdão da 1 a Instância.
Neste ponto, em harmonia com a jurisprudência pacífica no actual ordenamento jurídico de Macau, subscrevemos inteiramente as concisas explanações do ilustre colega na Resposta de fls.882 a 888 verso, no sentido do provimento desse fundamento do presente recurso. E, com efeito, nada temos, de relevante, a acrescentar-lhes.
*
Ora bem, a matéria de facto provada constata que o recorrente/6° arguido foi um dos "autores" da manobra de arranjar umas pessoas ricas na China interior e trazê-las a Macau, para lhes enganar dinheiro através de jogos de fortuna ou azar.
Ainda se comprova que foi a pedido dele que o 1 ° arguido recebeu os instrumentos servidos à exploração do jogo de fortuna ou azar fora do lugar legalmente autorizado e, posteriormente, ficavam ele e o 1° arguido encarregados a fornecer ao ofendido as fichas para apostar.
Na nossa modesta óptica, tudo isto revela razoavelmente a gravidade da ilicitude, a forte intensidade do dolo e a deformada personalidade do recorrente/6° arguido. O que nos faz perspectivar, sem hesitação, que a simples censura da sua conduta e a ameaça da prisão condenada não são suficientes para se realizarem as finalidades da punição - prevenção geral e a especial.
Deste modo, e em esteira das equilibradas jurisprudências do TSI concernentes ao pressuposto material da suspensão da execução da pena de prisão consagrado no art.48° do CPM, parece-nos inviável o pedido do recorrente/6° arguido, no sentido de suspender a execução da pena a lhe aplicar por ter cometido; na forma tentada, o crime de burla previsto na a) do n.o4 do art.211 ° do CPM.
***
Por todo o expendido acima, propendemos pelo parcial provimento do recurso em apreço”; (cfr., fls. 906 a 907).

*

Cumpre decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão provados os factos seguintes:

“No 1° semestre de 2005, os 1°, 4°, 6° a 11° arguidos após se negociarem, decidiram em arranjar conjuntamente na china continental umas pessoas com riqueza e com propósito de as trazer para Macau para turismo, levá-las para um casino falso, instalado antecipadamente num hotel, enganando-lhes dinheiro através de jogos de fortuna ou azar.
A fim de conjugar com o acima referido plano, no 1° decénio de Julho de 2005, uns dos arguidos acima referidos mandou fazer, num local desconhecido na China, equipamento para o jogo, tais como mesa e fichas etc..
Alguns dias antes dos factos, a pedido do 6° arguido A, o 1° arguido B conduziu um veículo às Portas do Cerco e num local circundante recebeu a acima referida mesa, bem assim depositou-a na residência do seu irmão mais velho C, situada na Rua da Ribeira do Patane, XXX.
Em 11 de Julho de 2005, cerca das 20H00, os 6°, 7°, 8°, 9°,10° e 11° arguidos entraram juntamente em Macau, utilizando salvos-condutos da RPC para a deslocação a Hong Kong e Macau, pelas horas melhor descritas nos registos juntas nas fls, 147 a 149, 152 a 153 e 221 dos autos.
No mesmo dia, cerca das 21H00, sugerido pelo 4° arguido, os 2°, 3°, 4° arguidos e o ofendido E partiram de Guangzhao para Macau, num veículo automóvel conduzido pelo 5° arguido.
Cerca das 23H00, o ofendido e os 2°, 3°, 4° e 5° arguidos chegaram a Macau e foram todos à Discoteca DD, sito na Av. do Infante D. Henrique, para se divertirem.
Na discoteca, o 4° arguido F sugeriu ao ofendido que lhe entregasse o seu documento de identificação para ajudá-lo a guardar, a fim de evitar que o ofendido o extraviasse, tendo o ofendido aceitado a sugestão.
Em 12 de Julho de 2005, pelas 00H43, o 1° arguido B, acompanhado pelo 6° arguido A, deslocaram-se ao Hotel Casa Real e alugou em nome do 1° arguido o quarto presidencial n° XX.
Depois, o 1° arguido utilizou de novo o automóvel ligeiro de matrícula MI-18-XX do seu irmão mais velho C para transportar mesa de jogo de fortuna ou azar, equipamentos para jogos, fichas e uniformes de empregado de casino, todos apreendidos nos autos, ao acima. referido quarto do Hotel Casa Real, onde os 6°, 7°, 8°, 9°, 10° e 11 ° arguidos ficaram encarregados na decoração do quarto, transformando-o num casino.
Depois, o 1 ° arguido deslocou-se à Discoteca DD para se juntar com os 2°, 3°, 4° e 5 ° arguidos e o ofendido.
Em 12 de Julho de 2005, cerca das 2H00 da madrugada, o ofendido e os 1° a 5° arguidos abandonaram a Discoteca DD c deslocaram-se a um estabelecimento de comidas para tomar ceia.
Após ceia, o 1° arguido levou os 2°, 3°, 4° e 5° arguidos e o ofendido ao quarto n° 1188 do Hotel Casa Real, Na altura, este quarto já se encontrava decorado como um casino.
No acima referido quarto, o ofendido apostou no jogo de bacará.
Durante o jogo, o 1° arguido B e o 6° arguido A encarregaram no fornecimento de fichas ao ofendido para apostar. Os 2° e 3° arguidos apostaram também no jogo enquanto o 4° e 5° arguidos estavam a acompanhar na sala. O 7° arguido D encarregava na troca de fichas. A sa arguida G encarregava na distribuição de cartas, o 10° arguido H desempenhava o papel de "coupier", o 9° arguido I e o 11° arguido J disfarçavam-se de outros jogadores.
Durante o jogo, os 1° e 6° arguidos forneceram ao ofendido cerca de HKD$4,000,000.00 em fichas.
Em cada jogo que o ofendido ganhava, o 1° arguido retirava cerca de $10,000 a $20,000 em fichas, tendo num total retirado $30,000 a $50,000 em fichas.
Após mais de uma hora, o ofendido perdeu todas as fichas fornecidas pelos 1° e 6° arguidos.
Terminado o jogo, o 1° arguido levou os 2°, 3°, 4° e 5° arguidos e o ofendido à Sauna "XX" do Hotel XX para descansarem.
Em 12 de Julho de 2005, cerca das 7H00, os 6°, 7°, 8°, 9°, 10° e 11° arguidos saíram juntamente do Território através do Posto Fronteiriço das Portas de Cerco, pelas horas melhor descritas nos registos juntos a fls. 147 a 149, 152 a 153 e 221 dos autos.
No mesmo dia, o 1° arguido alugou em seu nome o quarto n° XXdo Hotel XX para alojar o ofendido, e estavam também presentes os 2° a 5° arguidos.
Na altura, o 1° arguido referiu ao ofendido que a respectiva dívida terá que ser liquidada dentro de 3 dias, caso contrário que começaria a vencer juros. Além disso, o 1 ° arguido referiu ainda que o ofendido teria que pagar no mínimo HKD$2,000,000.00 para poder sair.
Depois, o 1 ° arguido pediu também ao ofendido para assinar uma declaração de dívida de HKD$4,000,000.00, onde consta a fotocópia do seu bilhete de identidade. Na altura o 3° arguido K, pedido pelo 1° arguido, também assinou uma declaração de dívida.
No mesmo dia, cerca das 16H00, o 1 ° arguido abandonou o quarto com as acima referidas declarações e guardou-as no automóvel ligeiro de matrícula MI-18-XX do seu irmão mais velho C.
No mesmo dia, cerca das 19H00, o 1° arguido voltou ao quarto n° 1019 do Hotel XX, onde pediu o ofendido para telefonar a familiares para angariar fundo para liquidar a respectiva dívida e referiu ao ofendido que: "caso não liquidar a dívida, nós teremos a nossa forma de procedimento" (如果唔還錢,我地會有我地做嘢的方法).
Após tomar conhecimento, familiares do ofendido telefonaram à autoridade policial de Macau, pedindo ajuda.
Cerca das 20H00, guardas da CPSP deslocaram-se ao quarto n° 1019 do Hotel XX para investigar, onde encontraram o ofendido e os 2°, 3°, 4° e 5° arguidos.
Os guardas da PSP encontraram-se na residência do irmão mais velho do 1 ° arguido, situada na zona do Ribeiro de Patane, equipamentos para decorar o acima referido casino, designadamente mesa, equipamentos de jogos de fortuna ou azar, fichas e uniformes de empregado de casino.
Os 1°, 4°, 6°, 7°, 8°, 9°, 10° e 11 ° arguidos, em conjugação de intenções e esforços, mediante distribuição de tarefas, agiram livre, voluntária e conscientemente, ao porem em prática a acima referida conduta, tendo explorado jogos de fortuna ou azar fora dos locais legalmente autorizados, com intenção de obter interesses ilícitos.
Com o objectivo de obter a confiança do ofendido, os 1°, 4°, 6°, 7°, 8°, 9°, 10° e 11° arguidos decoraram o quarto do hotel num casino e aliciaram o ofendido para se deslocar ao referido local, com intenção de lhe enganar uma importância elevada em dinheiro, através de empréstimo, praticado no falso casino, com fichas não convertíveis em dinheiro.
A fim de garantir que o ofendido se responsabilizasse pelo acima referido empréstimo com fichas não convertíveis em dinheiro, o 1° arguido exigiu que o ofendido assinasse uma declaração de dívida, bem assim forçou o ofendido a telefonar para seus familiares para liquidar a respectiva dívida, proferindo palavras ameaçadoras sobre a sua segurança pessoal.
Os l°, 4°, 6°, 7°, 8°, 9°, 10° e 11 ° arguidos tinham perfeito conhecimento de que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
Conforme os CRC, os 6°, 7°, 8°, 9°, 10° e 11° arguidos são primários”; (cfr., fls. 498-v a 501-v).

Do direito

3. Vem A, (A), (6°arguido), recorrer do Acórdão do T.J.B. que o condenou como co-autor da prática em concurso real de:

- um crime de “exploração ilícita de jogo de fortuna ou azar fora dos locais legalmente autorizados”, p. p. pelo art° 1° n° 1 da Lei n° 8/96/M, de 22 de Julho, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão;
- um crime de “burla” (na forma tentada), p. p. pelo art° 211°, n° 4, al. a), 22° e 67° do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão; e,
- um crime de “extorsão” (também na forma tentada), p. p. pelo art° 215°, n° 2, al. a), art° 198, n° 2, al. a) e art° 196°, al. b), 22° e 67° do Código Penal, na pena de 2 anos de prisão.
Em cúmulo jurídico, foi o arguido condenado na pena única de 4 anos e 6 meses de prisão.

Entende que o dito veredicto padece do vício de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”, pedindo a sua absolvição quanto aos crimes do art. 215°, n.° 2 do C.P.M. (“extorsão”) e art. 1°, da Lei n.° 8/96/M, (“exploração ilícita de jogo de fortuna ou azar fora dos locais legalmente autorizados”), e, a final, a suspensão da execução da pena aplicada pelo crime de “burla”.

Sendo estas as questões colocadas em sede das conclusões da motivação do seu recurso, (que como se sabe, delimitam o seu thema decidendo, excepto questões de conhecimento oficioso, que no caso não há), vejamos.

–– Quanto à alegada “insuficiência”.

Pois bem, repetidamente tem este T.S.I. afirmado que o vício de insuficiência da matéria de facto provada para a decisão apenas ocorre “quando o Tribunal não se pronuncia sobre toda a matéria objecto do processo”; (cfr., v.g., o Acórdão de 09.06.2011, Proc. n.°275/2011 e de 23.01.2014, Proc. 756/2013).

No caso dos autos de uma mera leitura ao Acórdão recorrido se constata que o Colectivo a quo emitiu pronúncia sobre toda a dita “matéria objecto do processo”, elencando a que considerou “provada”, identificando a que ficou por provar, não deixando também de fundamentar esta sua decisão; (cfr., fls. 498-v a 502-v).

Nesta conformidade, (e não constituindo o vício em questão, próprio da “decisão da matéria de facto”, um vício equiparável ao que pode ocorrer em sede de enquadramento jurídico-penal dos factos), evidente se mostra que improcede o recurso nesta parte.

Continuemos.

–– Quanto às pretendidas “absolvições”.

Comecemos pelo crime de “extorsão”.

Nos termos do art. 215° do C.P.M.:

“1. Quem, com intenção de conseguir para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, constranger outra pessoa, por meio de violência ou de ameaça com mal importante, a uma disposição patrimonial que acarrete, para ela ou para outrem, prejuízo, é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos.
2. Se se verificarem os requisitos referidos:
a) Nas alíneas a), f) ou g) do n.º 2 do artigo 198.º, ou na alínea a) do n.º 2 do artigo 204.º, o agente é punido com pena de prisão de 3 a 15 anos;
b) No n.º 3 do artigo 204.º, o agente é punido com pena de prisão de 10 a 20 anos”.

E, como se disse ab initio, o (6°) arguido ora recorrente foi condenado como “co-autor de 1 crime de extorsão”.

Porém, tal condenação não se pode manter, pois que tal como – bem – nota o Ilustre Procurador Adjunto, da factualidade dada como provada não se vislumbra que o ora recorrente tenha tido qualquer intervenção ou envolvimento na prática do dito crime.

Vejamos.

Teve já este T.S.I. oportunidade de sobre esta matéria se pronunciar, consignando-se, nomeadamente, no Ac. de 28.04.2011, Proc. n.° 415/2010, do ora relator, que: são requisitos essenciais para que ocorra “comparticipação criminosa” sob a forma de “co-autoria”, a existência de decisão e de execução conjuntas.
O acordo pode ser tácito, bastando-se com a consciência/vontade de colaboração dos vários agentes na realização de determinado crime.
No que respeita à execução, não é indispensável que cada um dos agentes intervenha em todos os actos ou tarefas tendentes a atingir o resultado final, importando, apenas, que a actuação de cada um, embora parcial, se integre no todo e conduza à produção do objectivo em vista.
No fundo, o que importa é que haja uma actuação concertada entre os agentes e que um deles fira o bem tutelado.

Por sua vez, é “cúmplice” aquele que tem uma actuação à margem do crime concretamente cometido, quedando-se em actos anteriores ou posteriores à sua efectivação. Na cumplicidade, há um mero auxílio ou facilitação da realização do acto assumido pelo autor e sem o qual o acto ter-se-ia realizado, mas em tempo, lugar ou circunstâncias diversas. Portanto, aqui, o cúmplice, fica fora do acto típico e só deixa de o ser, assumindo então o papel de co-autor, quando participa na execução, ainda que parcial, do projecto criminoso.

Na situação dos autos, provado está que o arguido ora recorrente “participou nas negociações que levaram à decisão conjunta” com os restantes arguidos dos autos “de arranjar pessoas ricas, trazê-las para Macau para turismo, encaminhando-as depois para 1 casino falso para, no jogo, lhes ganhar dinheiro”.

Todavia, não existe “matéria de facto provada” que sustente a decisão condenatória no sentido de que cometeu, (em concurso real e) em co-autoria, o crime de “extorsão” pelo qual também foi condenado.

Com efeito, e como da factualidade provada resulta, o “acordo inicial” tinha tão só como escopo obter dinheiro no jogo através de 1 falso casino, não tendo o arguido (aderido, ainda que tacitamente ou) participado em qualquer facto integrativo (de qualquer) dos elementos típicos do crime de “extorsão”.

Impõe-se desta forma extrair as devidas consequências, ou seja, alterar a decisão recorrida na parte em que se condenou o ora recorrente como co-autor de 1 crime de “extorsão” (na forma tentada), pelo mesmo ficando assim absolvido.

Quanto ao crime de “exploração ilícita de jogo de fortuna ou azar fora dos locais legalmente autorizados”, p. e p. pelo art. 1 da Lei n.° 8/96/M, vejamos.

Diz o recorrente que está o mesmo prescrito.

E, como se verá, tem razão.

Estatui o referido comando legal que:

“1. Quem, por qualquer forma, fizer a exploração de jogo de fortuna ou azar fora dos locais legalmente autorizados ou quem for encarregado da direcção do jogo, mesmo que a não exerça habitualmente, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
2. Quem, não estando abrangido no número anterior, exercer qualquer actividade ligada à exploração é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa”.

E, nos termos do art. 110° do C.P.M.:

“1. O procedimento penal extingue-se, por efeito de prescrição, logo que sobre a prática do crime tiverem decorrido os seguintes prazos:
a) 20 anos, quando se tratar de crimes puníveis com pena de prisão cujo limite máximo for superior a 15 anos;
b) 15 anos, quando se tratar de crimes puníveis com pena de prisão cujo limite máximo for superior a 10 anos, mas que não exceda 15 anos;
c) 10 anos, quando se tratar de crimes puníveis com pena de prisão cujo limite máximo for igual ou superior a 5 anos, mas que não exceda 10 anos;
d) 5 anos, quando se tratar de crimes puníveis com pena de prisão cujo limite máximo for igual ou superior a 1 ano, mas inferior a 5 anos;
e) 2 anos, nos casos restantes.
2. Para efeitos do disposto no número anterior, na determinação do máximo da pena aplicável a cada crime são tomados em conta os elementos que pertençam ao tipo de crime, mas não as circunstâncias agravantes ou atenuantes.
3. Quando a lei estabelecer para qualquer crime, em alternativa, pena de prisão ou de multa, só a primeira é considerada para efeitos do disposto neste artigo”.

Ora, certo sendo que o crime foi cometido “no 1° semestre de 2005”, atento o período de tempo entretanto decorrido, (quase 10 anos), e, vista a pena para o mesmo prevista, há que considerar, como acertadamente também observa o Ilustre Procurador Adjunto, (e tal como decidido já foi em relação à (8ª) arguida G, que por despacho se declarou extinto o procedimento criminal em relação ao crime em questão, cfr., fls. 721 a 723), que atento o estatuído no art. 110°, n.° 1, al. d) do C.P.M., extinto está o procedimento pelo mesmo crime.

–– Aqui chegados, resta ver da pena fixada para o crime de “burla agravada” na forma tentada.

Ora, ao dito crime (cometido na forma consumada) cabe a pena de 2 a 10 anos de prisão; (cfr., art. 211°, n.° 4, al. a) do C.P.M.).

Em virtude da sua forma de cometimento, (tentativa), e assim, sendo a pena “especialmente atenuada” nos termos do art. 67° do C.P.M., é o mesmo crime punível com uma pena de 1 mês a 6 anos e 8 meses de prisão.

E, nesta conformidade, tendo presente esta moldura penal, ponderando no estatuído no art. 40° e 65° do C.P.M., – em relação ao qual temos afirmado que “na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites”; (cfr., v.g., o Ac. de 03.02.2000, Proc. n° 2/2000, e, mais recentemente, de 14.11.2013, Proc. n° 549/2013) – atento, nomeadamente, o que atrás se decidiu em relação ao crime de “extorsão”, e tendo presente o decidido no Ac. deste T.S.I. de 23.01.2014, (Proc. n° 816/2013), em relação à (8ª) arguida destes autos G, afigura-se-nos possível uma (pequena) redução, mais equilibrada nos parecendo uma pena de 2 anos e 6 meses de prisão.

Quanto à pretendida suspensão da execução da pena.

Tem este T.S.I. entendido que:

“O artigo 48º do Código Penal de Macau faculta ao juiz julgador a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido quando:
– a pena de prisão aplicada o tenha sido em medida não superior a três (3) anos; e,
– conclua que a simples censura do facto e ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cfr. Art.º 40.º), isto, tendo em conta a personalidade do agente, as condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste.
E, mesmo sendo favorável o prognóstico relativamente ao delinquente, apreciado à luz de considerações exclusivas da execução da prisão não deverá ser decretada a suspensão se a ela se opuseram as necessidades de prevenção do crime”; (cfr., v.g., Ac. de 01.03.2011, Proc. n° 837/2011, do ora relator, e, mais recentemente, de 23.01.2014, Proc. n° 756/2013).
Ponderando no exposto, e nas necessidades de prevenção deste tipo de criminalidade, que não deixa de causar algum alarme social dado o “planeamento” e “organização” que implica, mostra-se-nos inviável a pretendida suspensão da execução da pena (de 2 anos e 6 meses de prisão) que ao arguido recorrente foi agora fixada pela prática do crime de “burla” (na forma tentada).

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, acordam julgar parcialmente procedente o recurso.

Pelo decaimento, pagará o arguido a taxa de justiça de 3 UCs.

Honorários ao Exmo. Defensor Oficioso no montante de MOP$1.800,00.

Macau, aos 24 de Julho de 2014
José Maria Dias Azedo
Chang Kuong Seng
Choi Mou Pan
Proc. 428/2014 Pág. 26

Proc. 428/2014 Pág. 27