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Proc. nº 263/2014
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 17 de Julho de 2014
Descritores:
-Marcas
-“A”

SUMÁRIO:

I - A marca visa, entre outras funções, distinguir um produto ou serviço de outro, de modo a que ele se impute a uma empresa e não a outra e, portanto, evitando-se um uso enganoso perante o público. A marca indica uma origem de base pessoal e desempenha uma função de garantia de qualidade não enganosa.

II - “Cotai” é vocábulo que exprime um local específico de Macau (concretamente entre as ilhas da Taipa e de Coloane), uma zona e uma área geográfica do território.

III - O termo “TV” adicionado a “Cotai” serve de elemento identificativo e distintivo de uma estação televisiva, de um canal emissor ou retransmissor de sinal de televisão, até de uma produtora de programas de televisão.

IV - Ora, nada disso está em causa com a pretendida marca, se a recorrente a pretendia aplicar a produtos tão diversos, como vestuário, chapelaria, artigos em metal, joalharia, mobiliário, utensílios para cozinha, etc. Nesse sentido, ela não tem uma função que distinga um verdadeiro produto ou serviço e, por isso, não merece protecção, nem registo.














Proc. Nº 263/2014

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.

I – Relatório
“B” (doravante, apenas “B1”), com sede em Macau, na Estrada XX, XX Hotel, XX Offices, XX, Taipa, recorreu judicialmente da decisão proferida em 1/07/2013 pela Chefe do Departamento da Propriedade Intelectual da Direcção dos Serviços de Economia de Macau, que lhe recusou o pedido de registo das marcas a que coube os N/ XXX14 a N/XXX31 com a designação “A”.
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Na oportunidade foi proferida sentença, que negou provimento ao recurso e, consequentemente, manteve o despacho recorrido.
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É contra essa sentença que ora se insurge a recorrente “B1”, em cujas alegações formula as seguintes conclusões:
«A marca A, a que se reportam os pedidos de registo N/XXX15 a N/XXX31, é uma marca nominativa complexa.
b) Trata-se de uma marca alusiva a alguns dos produtos assinalados na classe 9.ª e a alguns serviços assinalados na classe 41.ª mas não descritiva, sendo que impedimento nenhum legal existe ao registo de marcas sugestivas.
c) Quanto aos demais produtos e serviços, a marca A é uma marca arbitrária.
d) A marca A possui, assim, capacidade para distinguir, em função da origem, os produtos e serviços da Recorrente dos produtos e serviços de outras empresas.
e) Ao considerar que as marcas A é destituída de capacidade distintiva, a douta sentença recorrida procede a uma errada aplicação das normas contidas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 199.º e na alínea a) do n.º 1 do artigo 9.º do RJPI.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser proferido acórdão que conceda o registo das marcas N/XXX15 a N/XXX31, assim se fazendo Justiça!».
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Respondeu ao recurso a DSE, defendendo a bondade da sentença recorrida, cujos termos aqui damos por reproduzidos para os devidos e legais efeitos.
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Cumpre decidir.
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II – Os factos
A sentença deu por assente a seguinte factualidade:
A. A 20 de Outubro de 2010, a recorrente solicitou o registo das seguintes marcas:
• N.º XXX15 - “A”, destinada a assinalar produtos na classe 6ª;
• N.º XXX16 - “A”, destinada a assinalar produtos na classe 9ª;
• N.º XXX17 - “A”, destinada a assinalar produtos na classe 14ª;
• N.º XXX18 - “A”, destinada a assinalar produtos na classe 18ª;
• N.º XXX19 - “A”, destinada a assinalar produtos na classe 20ª;
• N.º XXX20 - “A”, destinada a assinalar produtos na classe 21ª;
• N.º XXX21 - “A”, destinada a assinalar produtos na classe 25ª;
• N.º XXX22 - “A”, destinada a assinalar produtos na classe 28ª;
• N.º XXX23 - “A”, destinada a assinalar produtos na classe 32ª;
• N.º XXX24 - “A”, destinada a assinalar produtos na classe 33ª;
• N.º XXX25 - “A”, destinada à assinalar produtos na classe 34ª;
• N.º XXX26 - “A”, destinada a assinalar produtos na classe 35ª;
• N.º XXX27 - “A”, destinada a assinalar produtos na classe 39ª;
• N.º XXX28 - “A”, destinada a assinalar serviços na classe 41ª;
• N.º XXX29 - “A”, destinada a assinalar serviços na classe 43ª;
• N.º XXX30 - “A”, destinada a assinalar serviços na classe 44ª;
• N.º XXX31 - “A”, destinada a assinalar serviços na classe 45ª.
B. Tendo o pedido do registo sido publicado no Boletim Oficial da RAEM, nº 48, II Série, no dia 2 de Dezembro de 2009.
C. Por despacho de 1 de Julho de 2013, da Chefe do Departamento da Propriedade Intelectual, foi recusado o pedido do registo das marcas registandas.
D. O despacho de recusa do registo das marcas ora em apreço foi publicado no Boletim Oficial da RAEM, nº 32, II Série, de 7 de Agosto de 2013.
E. Fundamentou-se o despacho recorrido no facto de as marcas registandas, compostas pela indicação geográfica “COTAI” e pela indicação genérica “TV”, carecerem de eficácia distintiva suficiente merecedora de protecção.
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III – O Direito
Está em causa a marca nominativa complexa “A”, que a entidade recorrida, ao abrigo do disposto nos arts. 199º, nº1, als. b) e c), e 9º, nº1, al. a), “ex vi” 214º, nº1, al. a), do RJPI, se recusou a registar a favor da recorrente.
Como se sabe, a marca visa, entre outras funções, distinguir um produto ou serviço de outro, de modo a que ele se impute a uma empresa e não a outra e, portanto, evitando-se um uso enganoso perante o público. A marca indica uma origem de base pessoal e desempenha uma função de garantia de qualidade não enganosa.
Tem este TSI insistido em idêntica fundamentação a propósito do registo marcário. E por isso, para não se perder mais tempo, não deixaremos de remeter para outro aresto, igualmente concernente a um pedido desta operadora de jogo (mas muitos outros se podiam invocar), de que faremos transcrição já de seguida, sem quebra do respeito que a recorrente nos merece. Trata-se do Ac. do TSI, de 17/03/2011, Proc. nº 172/2008:
«Decorre do art. 197º do RJPI, aprovado pelo DL n. 97/99/M, de 13 de Dezembro, que só pode ser objecto de protecção, mediante um título de marca, …”o sinal ou conjunto de sinais de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, números, sons, a forma do produto ou da respectiva embalagem, que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas”.
A forma ampla com que a noção é vertida na norma tem sido objecto de estudo diverso, mas para o caso que aqui nos interessa, importa apenas que nos fixemos nos seus aspectos jurídicos mais essenciais.
Assim, genericamente, a marca visa, entre outras funções aqui menos prestáveis, distinguir um produto ou serviço de outro, de modo a que ele se impute a uma empresa e não a outra e, portanto, evitando-se um uso enganoso perante o público. A marca indica uma origem de base pessoal e desempenha uma função de garantia de qualidade não enganosa1.
O consumidor, em defesa de quem a marca em última instância é registada, através dela associa, rápida, fácil e comodamente o produto e as suas qualidades a uma determinada origem ou proveniência. Isto é, sabe que está perante um produto que procede de uma empresa determinada. Embora a marca não tenha por missão garantir a qualidade do produto (embora o empresário procure mantê-la de forma a defender, conservar ou ampliar a sua clientela), ao menos permite que o produto ou serviço seja imediatamente associado ao produtor ou ao prestador2. A última palavra na escolha pertence ao consumidor, é certo, mas para tanto ele deve ter a certeza de que está a fazer a opção consciente e livre. Ou seja, ele tem que saber o que compra e a quem3 compra.
O que acaba de dizer-se entronca numa questão nem sempre presente na discussão em torno da marca. Tem que ver com evicção do erro, com a confundibilidade no espírito do destinatário da marca, o homem médio, o cidadão comum eventualmente interessado no bem ou no serviço. Claro está que há cidadãos que são minuciosos, que por natureza perscrutam em detalhe, mais do que é regra geral, o sentido e a função das coisas e que, por isso, dificilmente se deixam enganar. Não é bem para esse tipo de pessoas que a marca exerce o seu papel primordial, mas sim para o conjunto de pessoas que se inscrevem no universo da regra4.
É para este somatório alargado de consumidores que o princípio da singularidade ganha relevância quando a norma fala em sinais adequados a distinguir os produtos5.
Mas, o próprio diploma desce mais fundo de forma a reduzir o leque de eventuais dificuldades resultantes da amplitude da norma do art. 197º. E assim é que, na alínea b), do número 1, do art. 199º dispõe, que “Não são susceptíveis de protecção os sinais constituídos exclusivamente por indicações que possam servir no comércio para designar a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, a proveniência geográfica ou a época de produção do produto ou da prestação do serviço, ou outras características dos mesmos” (negrito nosso).
Assim é que, em princípio, não se pode considerar uma marca constituída apenas por indicações geográficas, nem genéricas, nem ambas as coisas associadas. Por exemplo, “Macau Pearls” ou “Portuguese Wine”, do mesmo modo que não é possível a marca “Parfum de Paris”, porque não são indicativos para o consumidor de um determinado ou especial produto ou, então, porque induziriam o público a pensar que só aquelas eram pérolas de Macau ou que só aquele perfume era verdadeiramente parisiense, sendo certo que outros há com a mesma origem de Paris (quanto aos perfumes) ou de Portugal (no que respeita aos vinhos).
Ora, a verdade é que “Cotai”é vocábulo que exprime um local específico de Macau (concretamente entre as ilhas da Taipa e de Coloane), uma zona e uma área geográfica do território. Por conseguinte, este sinal parece estar incluído da norma limitativa da protecção (art. 199º, n.2, RJPI)».
Ora bem. A presente marca é composta pelos vocábulos “Cotai” e “TV”.
Sobre o primeiro, parece nada mais haver que se diga. “Cotai” é, como se disse, mero elemento geográfico de que a recorrente não pode apropriar-se, pois isso iria impedir que outras operadoras de jogo, outras cadeias de hotéis dessa zona dele fizessem uso também.
E sobre o segundo, pouco mais para dizer há igualmente. Na verdade, TV, se não é apenas o receptor de televisão, como pareceu querer dizer a sentença, também não deixa de ser, do mesmo modo, sinónimo adicional de posto emissor ou cadeia/canal de transmissão de sinal de televisão ou produtora de programas televisivos. Nada que não pudesse, à partida servir de elemento de marca se ela tivesse realmente essa função: servir de elemento identificativo e distintivo de uma estação televisiva, de um canal emissor ou retransmissor de sinal de televisão, até de uma produtora de programas de televisão.
Ora, nada disso está em causa com a pretendida marca, se a recorrente a pretendia aplicar a produtos tão diversos, como vestuário, chapelaria artigos em metal, joalharia, mobiliário, utensílios para cozinha, etc.
Significa que a marca em causa não tem capacidade distintiva de nenhum produto, bem ou serviço em especial, prestando-se a confusão. Na verdade, como seria possível descobrir nela elemento de fantasia que fosse capaz de identificar produtos tão diversificados como os que das classes para as quais era pretendida?!
Neste sentido, até podemos dizer que uma marca assim, destinada a tais fins, até seria deceptiva ou fraudulenta, na medida em que induziria em erro o público sobre a verdadeira natureza do produto e utilidade do serviço, o que também acabaria por fazer subsumir o caso à previsão do art. 214º, nº2, al. a), do RJPI. Conotar “Cotai” ao local de Macau entre Taipa e Coloane onde se desenvolvem casinos e hotéis e, depois, incluir na marca a sigla “TV”, é levar o público a associá-la a algo ligado à produção de televisão ou à difusão de programas de televisão que se encontra instalado nesse local específico de Macau. Ora, nada disso está patente nas classes para que as marcas foram pretendidas. A utilização da mesma marca a um tão alargado leque de classes mostra uma vontade de apropriação exclusiva do vocábulo “Cotai” que o TSI sempre tem vindo a negar ser possível.
Claro que nos impressiona o facto de haver marcas conhecidas que em nada identificam a sinonímia que delas emerge, como é o caso de “Apple” ou “Diesel”, que não pretendem divulgar maçãs, nem combustível (gasóleo). Todavia, esses exemplos adquiriram a sua génese numa outra latitude e, ganhando nela eficácia distintiva e notoriedade, depressa se espalharam pelo mundo. Mas esse facto não serve para ser aplicado a uma marca nova que se quer ver nascer no “Cotai”. Não sendo notória (até porque não existe) ficam para ela relegados os escolhos próprios de uma marca que, por genérica e geográfica, não pode ter a capacidade distintiva que se deveria ver nela.
Na realidade, a marca com tal finalidade, não é passível de protecção (arts. 9º, nº1, al. a), 199º, nº1, al. a), e 214º, nº1, al. a), do RJPI, como bem disse a sentença.
Assim, não pode senão confirmar-se a sentença recorrida.
***
IV – Decidindo
Nos termos expostos, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
TSI, 17 de Julho de 2014
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José Cândido de Pinho
(Relator)

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Tong Hio Fong
(Primeiro Juiz-Adjunto)

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Lai Kin Hong
(Segundo Juiz-Adjunto)
1 Luis M. Couto Gonçalves, in “Função da Marca”, na obra colectiva Direito Industrial, Vol. II, Almedina, pag. 99 e sgs.
2 Neste sentido, Alberto Francisco Ribeiro de Almeida, in “Denominações Geográficas e marca”, na citada obra, a pag.371 e sgs.
3 Não nos referimos, obviamente, à relação directa entre comprador e imediato revendedor, mas sim, à indirecta estabelecida entre o adquirente final e o produtor ou fabricante.
4 Sobre o assunto, Adelaide Menezes Leitão, in “Imitação servil, concorrência parasitária e concorrência desleal”, na obra colectiva citada, Vol. I, pag. 122/128.
5 José Mota Maia, Propriedade Industrial, Vol. II, Código da Propriedade Industrial Anotado, Almedina, 2005, pag.393.
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