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Processo n.º 102/2014. Recurso jurisdicional em matéria administrativa.
Recorrente: A.
Recorrido: Secretário para a Economia e Finanças.
Assunto: Suspensão da eficácia do acto. Prejuízo de difícil reparação.
Data da Sessão: 24 de Setembro de 2014.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Song Man Lei e Sam Hou Fai.
SUMÁRIO:
  I – Os três requisitos previstos nas alíneas do n.º 1 do artigo 121.º do Código de Processo Administrativo Contencioso, tendentes ao decretamento da suspensão da eficácia de acto administrativo, são de verificação cumulativa.
  II – O requisito da alínea a) do n.º 1 do artigo121.º do mesmo diploma (a execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso) tem sempre de se verificar para que a suspensão da eficácia do acto possa ser concedida, excepto quando o acto tenha a natureza de sanção disciplinar.
III – Relativamente a acto administrativo que indefere requerimento no sentido de autorização para permanência em casa da RAEM, não constitui prejuízo de difícil reparação a alegação de ser muito difícil para o recorrente arranjar, em tempo breve, uma casa onde ele e o seu agregado familiar podem ficar, se o recorrente já dispôs de sete meses para o efeito.
O Relator,
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
A requereu a suspensão da eficácia do despacho do Secretário para a Economia e Finanças, de 4 de Abril de 2014, que indeferiu recurso hierárquico da decisão da Directora dos Serviços de Finanças, que indeferira requerimento do ora recorrente para que lhe fosse mantido o direito ao arrendamento da moradia da RAEM, que ocupa.
Por acórdão de 10 de Julho de 2014, o Tribunal de Segunda Instância, (TSI) indeferiu o requerido, por entender que não se verificava o requisito de que a execução do acto causasse previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente.
Inconformado, interpõe o requerente recurso jurisdicional para o Tribunal de Última Instância (TUI).
Termina a respectiva alegação com a formulação das seguintes conclusões úteis:
- O Recorrente concretizou os prejuízos de difícil reparação provavelmente causados pela execução imediata do acto.
- Face à incerteza e instabilidade do mercado de arrendamento, é muito difícil para o Recorrente arranjar, em tempo breve, um sítio onde ele e o seu agregado familiar podem ficar.
- A urgência em providenciar um novo imóvel para casa de morada de família do Recorrente e seu agregado familiar, que não permite uma ponderada negociação e escolha de um outro local para habitar, conjugada com os elevados preços praticados no mercado de arrendamento, são causas de prováveis prejuízos de difícil reparação suficientes para integrar o referido conceito.
- A instabilidade do mercado de arrendamento da Região, com o sucessivo aumento dos preços, não permite apurar qual o valor do arrendamento de um imóvel adequado ao agregado familiar do Recorrente.
O Ex.mo Procurador Adjunto emitiu parecer em que se pronuncia pela improcedência do recurso.

II - Os Factos
Estão provados os seguintes factos:
a) O ora recorrente, após cessar funções nos serviços públicos, que exercia por meio de contrato individual de trabalho, requereu à Directora da Direcção dos Serviços de Finanças para se manter na moradia da RAEM onde residia, a partir de 30 de Novembro de 2013, com fundamento no disposto no artigo 20.º da Lei n.º 8/2006, o que foi indeferido por despacho daquela entidade, de 20 de Novembro de 2013.
b) O mesmo ora recorrente interpôs, em 12 de Dezembro de 2013, recurso hierárquico para o Chefe do Executivo, que foi indeferido por despacho de 4 de Abril de 2014, do Secretário para a Economia e Finanças.

III – O Direito
1. As questões a apreciar
O Acórdão recorrido entendeu que, para que a providência cautelar de suspensão de eficácia de actos administrativos pudesse ser decretada, seria necessária a verificação cumulativa dos três requisitos previstos no artigo 121.º, n.º 1, do Código de Processo Administrativo Contencioso (CPAC). E que não se verificava o requisito segundo o qual a execução do acto causaria ao requerente previsivelmente prejuízo de difícil reparação, pelo que indeferiu o requerido.
É esta a questão a apreciar.

2. Verificação cumulativa dos requisitos
No sistema administrativo de Macau e nos semelhantes, designados de administração executiva, “Os actos administrativos são executórios logo que eficazes” (n.º 1 do artigo 136.º do Código de Procedimento Administrativo) (CPA).
  Por isso, a Administração não precisa de recorrer aos tribunais para executar os actos administrativos. Dispõe o n.º 2 do artigo 136.º do CPA que “O cumprimento das obrigações e o respeito pelas limitações que derivam de um acto administrativo podem ser impostos coercivamente pela Administração sem recurso prévio aos tribunais, desde que a imposição seja feita pelas formas e nos termos admitidos por lei”.
  Por outro lado, a interposição de recurso contencioso de anulação do acto administrativo não tem, em regra, efeito suspensivo do acto (embora haja casos expressamente previstos na lei, em que o tem).
  No caso dos autos, a interposição do recurso contencioso de anulação não suspende a execução do acto.
Não obstante, a lei prevê, como providência cautelar, a suspensão da eficácia dos actos administrativos, estatuindo o artigo 121.º do CPAC:
“Artigo 121.º
(Legitimidade e requisitos)
1. A suspensão de eficácia dos actos administrativos, que pode ser pedida por quem tenha legitimidade para deles interpor recurso contencioso, é concedida pelo tribunal quando se verifiquem os seguintes requisitos:
a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
2. Quando o acto tenha sido declarado nulo ou juridicamente inexistente, por sentença ou acórdão pendentes de recurso jurisdicional, a suspensão de eficácia depende apenas da verificação do requisito previsto na alínea a) do número anterior.
3. Não é exigível a verificação do requisito previsto na alínea a) do n.º 1 para que seja concedida a suspensão de eficácia de acto com a natureza de sanção disciplinar.
4. Ainda que o tribunal não dê como verificado o requisito previsto na alínea b) do n.º 1, a suspensão de eficácia pode ser concedida quando, preenchidos os restantes requisitos, sejam desproporcionadamente superiores os prejuízos que a imediata execução do acto cause ao requerente.
5. Verificados os requisitos previstos no n.º 1 ou na hipótese prevista no número anterior, a suspensão não é, contudo, concedida quando os contra-interessados façam prova de que dela lhes resulta prejuízo de mais difícil reparação do que o que resulta para o requerente da execução do acto”.

É manifesto que os três requisitos previstos nas alíneas do n.º 1 são de verificação cumulativa, pelo que basta a não verificação de um deles para que a providência não seja decretada, salvo nas hipóteses previstas nos n.os 2, 3 e 4.1
Mais rigorosamente, o requisito da alínea a), que é o que está em causa (a execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso de anulação) tem sempre de se verificar para que a suspensão da eficácia do acto possa ser concedida, excepto quando o acto tenha a natureza de sanção disciplinar, o que não é o caso.

3. Prejuízos de difícil reparação
O único prejuízo que o recorrente alega no presente recurso, como integrando o requisito que a execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente, é o facto de ser muito difícil para o Recorrente arranjar, em tempo breve, um sítio onde ele e o seu agregado familiar podem ficar.
E que a urgência em providenciar um novo imóvel para casa de morada de família do Recorrente e seu agregado familiar, não permite uma ponderada negociação e escolha de um outro local para habitar, conjugada com os elevados preços praticados no mercado de arrendamento.
A alegação do recorrente de que não tem tempo para arrendar uma casa é insubsistente, quando se sabe que a execução do acto já estava suspensa desde 12 de Dezembro de 2013, com a interposição do recurso hierárquico necessário, nos termos do artigo 157.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo.
Tal execução continua suspensa, por via do mecanismo da suspensão provisória automática do acto recorrido, prevista no artigo 126.º, n.º 1 do CPAC, logo que recebida a citação por parte do órgão administrativo.
Mais de sete meses (contados desde a data da interposição do recurso hierárquico até à data da interposição do presente recurso jurisdicional) são mais que suficientes para arrendar uma casa em Macau.
O segundo fundamento do recurso (que a urgência em providenciar um novo imóvel para casa de morada de família do Recorrente e seu agregado familiar, não permite uma ponderada negociação e escolha de um outro local para habitar, conjugada com os elevados preços praticados no mercado de arrendamento) porque dependente do primeiro fundamento – manifestamente insubsistente, como vimos - claudica consequentemente.
O único facto exacto, de entre os alegados no recurso, é que os preços do mercado de arrendamento de casa de habitação são muito elevados em Macau. Mas desde que o recorrente não alega que não tem rendimentos ou poupanças para arrendar uma casa, tal facto, por si só, é irrelevante.
Não se demonstra, assim, que a execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente.
Não merece censura o acórdão recorrido.

IV – Decisão
Face ao expendido, negam provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça fixada em 5 UC.
Macau, 24 de Setembro de 2014.

Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai


O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Vítor Manuel Carvalho Coelho

1 Neste sentido, para legislação semelhante, ao tempo, à de Macau, cfr. J. C. VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa (Lições), Coimbra, Almedina, 3.ª ed., 2000, p. 176.
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