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Processo n.º 94/2014
Recurso penal
Recorrente: A
Recorrido: Ministério Público
Data do acórdão: 24 de Setembro de 2014
Juízes: Song Man Lei (Relatora), Sam Hou Fai e Viriato Manuel Pinheiro de Lima

Assuntos: - Crime de tráfico ilícito de estupefacientes
- Atenuação especial da pena
- Medida concreta da pena

SUMÁRIO

1. Para efeito de atenuação especial da pena prevista no art.º 18.º da Lei n.º 17/2009, só tem relevância o auxílio concreto na recolha de provas decisivas para a identificação ou captura de outros responsáveis do tráfico de drogas, especialmente no caso de grupos, organizações ou associações, ou seja, tais provas devem ser tão relevantes capazes de identificar ou permitir a captura de responsáveis de tráfico de drogas com certa estrutura de organização, com possibilidade do seu desmantelamento.
2. Nos termos do art.º 65.º do Código Penal de Macau, a determinação da medida da pena é feita “dentro dos limites definidos na lei” e “em função da culpa do agente e das exigências de prevenção criminal”, tanto de prevenção geral como de prevenção especial, atendendo a todos os elementos pertinentes apurados nos autos, nomeadamente os elencados no n.º 2 do mesmo artigo.
3. Ao Tribunal de Última Instância, como Tribunal especialmente vocacionado para controlar a boa aplicação do Direito, não cabe imiscuir-se na fixação da medida concreta da pena, desde que não tenham sido violadas vinculações legais – como por exemplo, a dos limites da penalidade – ou regras da experiência, nem a medida da pena encontrada se revele completamente desproporcionada.

A Relatora,
Song Man Lei
  ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
  
1. Relatório
Por Acórdão proferido pelo Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base, A (1.º arguido nos presentes autos) foi condenado pela prática de:
- um crime de tráfico ilícito de estupefacientes p.p. pelo art.º 8.º n.º 1 da Lei n.º 17/2009, na pena de 8 anos e 6 meses de prisão;
- um crime de consumo de estupefacientes p.p. pelo art.º 14.º da Lei n.º 17/2009, na pena de 2 meses de prisão;
- um crime de detenção indevida de utensilagem p.p. pelo art.º 15.º da Lei n.º 17/2009, na pena de 2 meses de prisão;
- um crime de desobediência p.p. pelo art.º 312.º n.º 1, al. b) do Código Penal de Macau, na pena de 3 meses de prisão;
- um crime de acolhimento p.p. pelo art.º 15.º n.º 1 da Lei n.º 6/2004, na pena de 5 meses de prisão.
Em cúmulo jurídico, foi condenado na pena única de 9 anos de prisão.
Inconformado com a decisão, recorreu o arguido para o Tribunal de Segunda Instância, que decidiu negar provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida.
Vem agora o arguido A recorrer desse Acórdão para o Tribunal de Última Instância, formulando na sua motivação do recurso as seguintes conclusões:
I. Está satisfeita a condição de atenuação especial prevista no art.º 18.º da Lei n.º 17/2009
a) Na fase de investigação, o recorrente forneceu à PJ a identificação e o número de telefone dos dois indivíduos que lhe venderam a droga em causa, são duas mulheres tailandesas “B” e “C”. Consta também nos autos o número de telefone das mulheres.
b) Em seguida, a Polícia pediu ao Departamento de Segurança Pública da China fornecer as informações sobre essa mulher “B” para investigação.
c) No tocante à outra mulher vendedora “C”, a Polícia descobriu a sua identidade real através das informações fornecidas pelo recorrente, nomeadamente o número de telefone dela.
d) Posteriormente o recorrente confirmou perante a Polícia a foto dessa mulher “C” no auto de inquirição.
e) A Polícia afirmou no auto de inquérito que, após a investigação, foi descoberta a identificação de “C”, nomeadamente o nome, a data de nascimento, o estado civil, o número do bilhete de identidade e a morada, etc.
f) Além disso, a Polícia até indicou no auto de inquérito que as informações de “C” estão em conformidade com as fornecidas pelo recorrente.
g) Conhecidas as informações detalhadas sobre estas duas traficantes de drogas, se a Polícia continuar a fazer inquérito seguindo essa direcção, não será difícil deter os outros traficantes.
h) Só que a Polícia é obrigada a completar o inquérito dentro do tempo fixado nos termos da lei, assim sendo, não comunicou ao presente processo o resultado de perseguição das duas mulheres.
i) Mesmo assim, o art.º 18.º dessa lei não dispõe que, a pena só se especialmente atenua quando o auxílio prestado torne em certeza a captura de outros responsáveis.
j) Permite-se ver que, o recorrente forneceu informações à Polícia, auxiliou concretamente na recolha de provas decisivas para a identificação ou captura de outros responsáveis.
k) Pelo que, está satisfeita a situação de atenuação especial prevista no art.º 18.º da Lei n.º 17/2009.
l) Na medida de pena respeitante ao tipo previsto no art.º 8.º n.º 1 dessa lei, praticado pelo recorrente da forma consumada, a pena pode ser especialmente atenuada.
m) O acórdão do TSI devia também ter em conta os fundamentos acima postos.
II. O acórdão recorrido violou o art.º 65.º do Código Penal
o) O recorrente entende que, ao determinar a pena correspondente ao crime de tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, o acórdão a quo não ponderou a declaração prestada pelo recorrente na audiência de julgamento.
p) Conforme o juízo dos factos constante da fls. 11 do acórdão recorrido, o recorrente confessou na audiência de julgamento o seu consumo e o tráfico de droga.
q) Além disso, na fase de investigação, o recorrente confessou também que tinha vendido droga aos outros.
r) Daqui se vê que, da fase de investigação ao julgamento, o recorrente nunca se esquivou ao seu crime de tráfico de droga.
s) Essas circunstâncias favoráveis ao recorrente não foram consideradas na medida de pena.
t) Pelo que, o acórdão recorrido violou o art.º 65.º do Código Penal.
III. Conclusão
u) O recorrente entende que não deve ser superior a 4 anos e 6 meses a pena de prisão correspondente ao seu crime de tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas.
v) Em cúmulo jurídico, a pena única de prisão efectiva não deve ser superior a 5 anos.

Respondeu a Digna Procuradora-Adjunta do Ministério público, terminando a sua resposta à motivação do recurso com as seguintes conclusões:
1. Dispõe o art.º 18.º da Lei n.º 17/2009 que, no caso de prática dos factos descritos nos artigos 7.º a 9.º, se o agente abandonar voluntariamente a sua actividade, afastar ou fizer diminuir consideravelmente o perigo por ela causado ou se esforçar seriamente por consegui-lo, auxiliar concretamente na recolha de provas decisivas para a identificação ou captura de outros responsáveis, especialmente no caso de grupos, de organizações ou de associações, pode a pena ser-lhe especialmente atenuada ou haver lugar à dispensa de pena.
2. Vistos os autos e analisadas as circunstâncias do caso, entende-se que não está satisfeita a condição da atenuação especial prevista no art.º 18.º da Lei n.º 17/2009.
3. Embora o recorrente confesse aos agentes da PJ, após ser preso, o seu meio da aquisição das drogas em causa e reconheça a foto depois de os agentes policiais descobrir a identificação do respectivo indivíduo, limita-se na verdade a fornecer à Polícia a alcunha e o número de telefone dos indivíduos respeitantes, sem a identificação destes, tampouco os detalhes da participação destes no tráfico de drogas.
4. Conforme os autos, mesmo que a Polícia consiga apurar a identificação dum destes através do número de telefone fornecido pelo recorrente, já foi gravado o número no telemóvel apreendido do recorrente. Se o recorrente não confessasse voluntariamente as informações, os agentes da PJ poderiam também fazer revista ao registo do telemóvel para averiguar os indivíduos susceptíveis à participação do tráfico de drogas. Pelo que, as informações fornecidas não são decisivas, como defende o recorrente, para apurar a identidade dos membros da organização de tráfico de drogas.
5. As informações fornecidas pelo recorrente não contribuíram muito para os agentes da PJ conhecer e investigar a fonte de toda a actividade do tráfico de drogas, nem auxiliaram concretamente na recolha de provas decisivas para a identificação ou captura de outros responsáveis, ou desmantelamento de grupos, de organizações ou de associações, portanto, não está preenchida a condição de atenuação especial prevista no art.º 18.º da Lei n.º 17/2009.
6. Na medida de pena, os art.º 40.º e 65.º do Código Penal estabelecem os factores a considerar e os critérios e atribuem ao tribunal o poder discricionário na moldura de pena legal.
7. A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção criminal e o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele.
8. Conforme os autos, mesmo confessando o seu consumo e o tráfico de drogas, o recorrente não fez confissão dos factos da acusação, mostra-se que não se reflecte e não está arrependido pelo seu acto criminoso praticado. Ao contrário, de acordo com os factos dados provados pelo Tribunal a quo, o recorrente não é residente de Macau, entrou no Território em 2010, em seguida, permaneceu em Macau fora do prazo autorizado, desobedeceu dolosamente a ordem de apresentação periódica do CPSP e dedicou-se, durante esse período de permanência ilícita, ao tráfico de drogas para obter interesses ilegais. Até ser preso, dedicou-se a essa actividade por pelo menos 3 meses, além disso, tendo em conta que a quantidade de drogas encontradas no caso é superior à de uso de adulto de 100 dias, demonstra-se que é elevado o grau de dolo e grave o acto, portanto, eleva-se a necessidade de prevenção especial.
9. Como se sabe, o crime de droga é extremamente grave e as correspondentes necessidades de prevenção geral e especial são elevadas.
10. Pelo que, com base nos factos e circunstâncias dados provados no caso, ponderando o grau de culpa do recorrente e a moldura abstracta legal do seu crime imputado, entende-se que o Tribunal a quo não incorreu em erro ao determinar a pena relativamente ao crime praticado pelo recorrente de tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, nem violou os art.º 40.º e 65.º do Código Penal, a determinação da pena única está completamente em conformidade com a respectiva disposição de cúmulo jurídico.

Nesta instância, o Ministério Público mantém a posição já assumida na resposta à motivação do recurso.
Foram corridos vistos.

2. Factos
Nos autos foram apurados os seguintes factos:
- O arguido A entrou em Macau da Tailândia em 2010 e permanece no Território fora do prazo autorizado. No dia 4 de Novembro de 2011, foi-lhe emitida a notificação de apresentação periódica que o obrigou a apresentar-se no CPSP no dia 7 de Novembro de 2011. O arguido sabia bem que comete o crime de desobediência se não observe a ordem, mas não se apresentou no CPSP, a fim de furtar-se à medida de repatriamento.
- Posteriormente, o arguido A continuou a permanecer em Macau. Em Janeiro de 2013, o arguido A conheceu a arguida D, namoraram-se estes, que foram toxicodependentes e não tinham emprego. Na altura, o arguido A dedicou-se à actividade de tráfico de droga, adquiria de indivíduo de identidade desconhecida a droga “ice”, guardava-a na sua residência ([Endereço]) e dividia-a em pequenos pacotes para vender a outrem; a arguida D divulgou o meio de contacto do arguido A aos amigos consumidores de droga, para que estes possam comprar droga do arguido A. O arguido A vendia a droga a outrem pelo preço de MOP$300 a MOP$1000 por pacote, em função do peso, para obter interesses e realizava as transacções na sua residência.
- No dia 6 de Março de 2013, pelas 18H40, os agentes policiais interceptaram o indivíduo masculino E, quando este saia do [Endereço], e encontraram dele duas chaves ao [Endereço]. (vide o auto de apreensão constante da fls. 19)
- Os agentes policiais levaram E para fazer revista no apartamento referido, na altura em que os arguidos A e D estavam naquele apartamento.
- Os agentes policiais procederam à revista do arguido A e encontraram dele um pacote de cristais transparentes e um telemóvel (vide o auto de apreensão constante da fls. 14).
- Após exame laboratorial, foi confirmado que os cristais transparentes referidos, com peso neto de 2.126g, continham “Metanfetamina” e “N,N-Dimetanfetamina” controlados na Tabela II-B da Lei n.º 17/2009; de acordo com a análise quantitativa os cristais continham Metanfetamina de 76.80%, com peso líquido de 1.633g.
- Além disso, os agentes policiais encontraram no apartamento referido 12 pacotes de cristais transparentes, 2 garrafas plásticas modificadas que continham líquido transparente, 7 garrafas de vidro modificadas que continham líquido, 1 palhinha, várias centenas de pacotes transparentes, 5 rolhas plásticas, 1 narguilé de vidro, 2 isqueiros, 1 rolo de papel alumínio, 1 máquina cortadora, 2 balanças electrónicas, 1 saco de palhinhas, 2 telemóveis, 1 computador e os numerários de MOP$14200 (vide o auto de apreensão constante das fls. 7 a 8).
- Após exame laboratorial, foi confirmado que os 12 pacotes de cristais transparentes referidos, com peso neto de 25.614g, continham “Metanfetamina” e “N,N-Dimetanfetamina” controlados na Tabela II-B da Lei n.º 17/2009; de acordo com a análise quantitativa os cristais continham Metanfetamina de 77.38%, com peso líquido de 19.820g; o líquido nas 2 garrafas plásticas e 7 garrafas de vidro continha “Metanfetamina” e “N,N-Dimetanfetamina”, com quantidade neta de 617ml; a palhinha referida padecia de vestígios de “Metanfetamina” e “N,N-Dimetanfetamina”.
- A droga referida foi adquirida de indivíduo de identidade desconhecida pelo arguido A, a fim de, para além de consumo próprio e da arguida D, vender a maioria daquela a outrem.
- As 9 garrafas modificadas plásticas transparentes e de vidro que continham líquido, palhinhas, rolhas, narguilé, isqueiros e papel alumínio foram os utensílios de consumo de droga dos arguidos A e D.
- Os pacotes transparentes, máquina contadora e balanças electrónicas foram os equipamentos de divisão de droga pelo arguido A.
- Os 3 telemóveis encontrados do arguido A e do apartamento foram os meios de contacto do arguido A para se dedicar à actividade de tráfico de droga e da arguida D para ajudar aquele na sua actividade de tráfico de droga.
- Os numerários foram obtidos pelo arguido A na actividade de tráfico de droga.
- Durante a investigação, um indivíduo masculino, F tocou a campainha. Os agentes policiais deixaram-no entrar, declarou este que visitou o apartamento com objectivo de comprar droga do arguido A para consumo.
- Na investigação, os agentes policiais constataram que a arguida D permanecia fora do prazo autorizado, no entanto, bem sabendo que já tinha expirado o prazo de autorização de permanência da arguida D, o arguido A acolheu-a dolosamente na sua residência.
- Os arguidos A e D sabiam bem a natureza e as características da droga referida.
- Sabendo que devia observar a ordem de apresentação periódica do CPSP, o arguido A violou a ordem com dolo, da forma livre, voluntária e consciente; bem sabendo que já tinha expirado o prazo de autorização de permanência da arguida D, o arguido acolheu-a dolosamente na sua residência.
- Os arguidos A e D agiram da forma livre, voluntária e consciente ao praticar as condutas referidas. O arguido A escondeu dolosamente a droga a fim de, para além de consumo próprio e da arguida D, vender a maioria a outrem para obter interesses; a arguida D auxiliou o arguido na sua actividade de tráfico de droga; os arguidos esconderam dolosamente utensílios de consumo de droga na residência.
- Os arguidos A e D sabiam que as condutas referidas eram proibidas e punidas pela lei.
- Na fase de inquérito, o 1º arguido forneceu à Polícia os nomes de duas mulheres tailandesas que lhe venderam drogas (são respectivamente “B” e “C”) e os seus números de telefone (vide os autos constantes da fls. 3v e 136).
- Em seguida, o 1º arguido reconheceu “C” na cópia do bilhete de identidade com foto, fornecida pelo agente policial (vide o auto constante da fls. 164).
- Do Relatório de Investigação da PJ resulta que, até agora, não há notícia de que as mulheres referidas foram detidas ou acusadas pela prática do crime de tráfico de droga (vide o Relatório constante da fls. 172 a 174).
*
Mais se provou:
- Conforme o CRC, o 1º arguido não tem registo criminal em Macau. Declarou que tinha cumprido uma pena de prisão de 1 ano na Tailândia pela prática de crime de droga.
- Conforme o CRC, a 2ª arguida não tem registo criminal em Macau.
- O 1º arguido declarou que tinha habilitação académica do 2º ano do ensino secundário, estava desempregado e tinha uma filha a seu cargo.
- A 2ª arguida declarou que tinha habilitação académica do 3º ano do ensino secundário, tinha sido massagista em Macau, ficou desempregada após a expiração do prazo de autorização de permanência, não tinha encargo familiar e económica.
*
Factos não provados:
Os restantes factos relevantes constantes da acusação que não correspondem aos factos provados, sobretudo os seguintes:
Não provado: Pelo que os arguidos resolveram dedicar-se em conjunto à actividade de tráfico de droga, mediante a distribuição de tarefas. O arguido A adquiria de indivíduo de identidade desconhecida a droga “ice”, guardava-a na sua residência ([Endereço]) e dividia-a em pequenos pacotes para vender a outrem; a arguida D introduzia compradores e responsabilizava-se pelos contactos; os arguidos A e D vendiam juntamente a droga a outrem pelo preço de MOP$300 a MOP$1000 por pacote, em função do peso, para obter interesses e realizavam as transacções na sua residência.
Não provado: A arguida D participou também na venda da maioria daquela droga encontrada do arguido A e do apartamento.
Não provados: Os pacotes transparentes, máquina contadora e balanças electrónicas foram os equipamentos de divisão de droga pelo arguido A e pela arguida D.

3. Direito
O recorrente suscitou a questão que se prende com a medida concreta da pena aplicada pelo crime de tráfico ilícito de estupefacientes, pretendendo que o Tribunal atenue especialmente a pena nos termos do art.º 18º da Lei n.º 17/2009 e pondere a sua confissão quanto à prática do crime, fixando uma pena não superior a 4 anos e 6 meses de prisão.

Quanto à atenuação especial da pena, dispõe o art.º 18º da Lei n.º 17/2009 que “No caso de prática dos factos descritos nos artigos 7.º a 9.º, se o agente abandonar voluntariamente a sua actividade, afastar ou fizer diminuir consideravelmente o perigo por ela causado ou se esforçar seriamente por consegui-lo, auxiliar concretamente na recolha de provas decisivas para a identificação ou captura de outros responsáveis, especialmente no caso de grupos, de organizações ou de associações, pode a pena ser-lhe especialmente atenuada ou haver lugar à dispensa de pena”.
Ora, com a redacção quase idêntica à do n.º 2 do art.º 18º do DL n.º 5/91/M, diploma anterior que estabelece o regime de combate ao tráfico e ao consumo de droga, a norma em causa consagra um mecanismo excepcional de atenuação especial ou dispensa da pena para os casos de produção ou tráfico ilícito de drogas, segundo o qual é possível a livre atenuação da pena até a isenção da pena se o agente praticar actos expressamente previstos no artigo, incluindo o de auxiliar concretamente na recolha de provas decisivas para a identificação ou captura dos outros responsáveis de grupos, organizações ou associações.
A jurisprudência dos tribunais de Macau tem entendido que o benefício de atenuação especial previsto no n.º 2 do art.º 18º do DL n.º 5/91/M se aplica “sobretudo àquele que delata às autoridades, auxiliando na recolha de provas decisivas para a identificação ou captura dos outros responsáveis, especialmente no caso de grupos, organizações ou associações que se dediquem ao tráfico de estupefacientes”.
E “não é o auxílio às autoridades na identificação ou captura de um qualquer traficante de drogas que pode justificar a redução ou isenção da pena, sem prejuízo de considerar a colaboração com as autoridades como uma circunstância atenuante simples na graduação da pena.”1
No que concerne concretamente à colaboração do agente com a Polícia e já na vigência da Lei n.º 17/2009, este Tribunal de Última Instância entende que, para efeito de atenuação especial da pena, só tem relevância “o auxílio concreto na recolha de provas decisivas para a identificação ou captura de outros responsáveis do tráfico de drogas, especialmente no caso de grupos, organizações ou associações, ou seja, tais provas devem ser tão relevantes capazes de identificar ou permitir a captura de responsáveis de tráfico de drogas com certa estrutura de organização, com possibilidade do seu desmantelamento”.2
E “não se enquadra na previsão do artigo 18.º da Lei n.º 17/2009 a colaboração com a Polícia para capturar co-arguido, se tal colaboração foi menor, não essencial, além de que o capturado era um indivíduo com peso semelhante à arguida na estrutura do grupo, apenas formado por duas pessoas”.3
Por outras palavras, entende-se que os elementos fornecidos pelo agente devem ser decisivos e relevantes, susceptíveis de levar à identificação ou à captura de responsáveis do grupo com certa dimensão, não sendo bastante, evidentemente, a mera indicação de um número de telefone ou de um nome da pessoa com peso semelhante ao arguido, por exemplo.

Voltando ao caso ora em apreciação, alega o recorrente que na fase de investigação prestou colaboração à Polícia, fornecendo informações à Polícia e dando auxílio concreto na recolha de provas decisivas para a identificação ou captura de duas mulheres que lhe tinham vendido droga, pelo que estão preenchidos os requisitos previstos no art.º 18º da Lei n.º 17/2009, devendo a pena ser especialmente atenuada.
Quanto à alegada colaboração com a Polícia, consta dos autos alguns elementos neste sentido, tais como se referem na factualidade apurada nos autos, em que se constata que na investigação do caso o recorrente forneceu à Polícia os nomes de duas mulheres tailandesas “B” e “C” que lhe tinham vendido droga e os seus números de telefone e reconheceu o foto da “C” constante na cópia do bilhete de identidade, fornecida pelo agente policial.
No entanto, nos autos não há notícia de que as mulheres referidas foram detidas ou acusadas pela prática do crime de tráfico de droga nem elementos que apontem tais mulheres como traficantes com peso maior do que o recorrente na estrutura do grupo que se dedicava ao tráfico de estupefacientes.
Assim sendo, afigura-se que a colaboração prestada pelo recorrente é insusceptível de fazer aplicar o mecanismo de atenuação especial da pena previsto no art.º 18.º da Lei n.º 17/2009, porque não podia assumir a relevância para tal efeito.

Alega ainda o recorrente que, na determinação da medida concreta da pena, o Tribunal não ponderou devidamente a sua confissão quanto à prática do crime.
Ora, nos termos do art.º 40.º n.º 1 do Código Penal de Macau, a aplicação de penas visa não só a reintegração do agente na sociedade mas também a protecção de bens jurídicos.
E ao abrigo do art.º 65.º do Código Penal de Macau, a determinação da medida da pena é feita “dentro dos limites definidos na lei” e “em função da culpa do agente e das exigências de prevenção criminal”, tanto de prevenção geral como de prevenção especial, atendendo a todos os elementos pertinentes apurados nos autos, nomeadamente os elencados no n.º 2 do artigo.
No caso em apreciação, o crime pelo qual foi condenado o recorrente é punível com a pena de 3 a 15 anos de prisão.
Na realidade, constata-se na acta de audiência de julgamento que o recorrente confessou os factos a si imputados (cfr. fls. 257v dos autos).
Todavia, não resulta dos autos que o Tribunal recorrido tenha ignorado a confissão do recorrente.
O mais importante é que tal facto, por si só, não pode porém assumir a relevância pretendida pelo recorrente de ver reduzida a pena, sendo apenas uma das circunstâncias que a lei manda atender na determinação da medida da pena.
Não sendo residente de Macau e encontrando-se em situação de imigração ilegal, o recorrente decidiu dedicar-se às actividades ilícitas com finalidade lucrativa.
A factualidade apurada nos autos revela que é muito intenso o dolo do recorrente e são muito graves os factos ilícitos.
No que tange às finalidades da pena, são prementes, sem dúvida, as exigências de prevenção geral, face à realidade social de Macau, em que se tem detectado problemas graves relacionados com o tráfico e consumo de estupefacientes, impondo-se prevenir a prática do crime em causa, que põe em risco a saúde pública e a paz social.
Ponderado todo o circunstancialismo do caso concreto, nomeadamente as circunstâncias referidas no art.º 65.º do Código Penal de Macau, não se nos afigura excessiva a pena de 8 anos e 6 meses de prisão aplicada ao recorrente pela prática do criem de tráfico de estupefacientes, que foi encontrada dentro da moldura penal fixada para o crime em causa.
Também não se mostra violadas as regras estabelecidas no n.º 1 do art.º 71.º do Código Penal de Macau para a fixação da pena única resultante do cúmulo jurídico da referida pena e das restantes penas aplicadas nos autos ao mesmo recorrente.
E o recorrente não chegou a alegar a violação das regras de experiência por parte do Tribunal recorrido, que na realidade não se verifica.
Tal como tem entendido este Tribunal, “Ao Tribunal de Última Instância, como Tribunal especialmente vocacionado para controlar a boa aplicação do Direito, não cabe imiscuir-se na fixação da medida concreta da pena, desde que não tenham sido violadas vinculações legais – como por exemplo, a dos limites da penalidade – ou regras da experiência, nem a medida da pena encontrada se revele completamente desproporcionada”4, pelo que se não se estiver perante essas situações, como é no caso vertente, o Tribunal de Última Instância não deve intervir na fixação da dosimetria concreta da pena.
É de concluir pela manifesta improcedência do recurso.

4. Decisão
Face ao expendido, acordam em rejeitar o recurso.
Nos termos do art.º 410.º n.º 4 do Código de Processo Penal de Macau, é o recorrente condenado a pagar 4 UC.
Custas pelo recorrente, com a taxa de justiça fixada em 3 UC.
Fixam os honorários no montante de 2000 patacas para o Ilustre Defensor Oficioso do recorrente.

Macau, 24 de Setembro de 2014
   
   Juízes: Song Man Lei (Relatora) – Sam Hou Fai –
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
1 Cfr. Ac. do TUI, de 15-10-2003, Proc. nº 16/2003; de 8-10-2003, Proc. nºs 21/2003 e 22/2003.
2 Cfr. Ac. do TUI, de 21-7-2010, Proc. nº 34/2010.
3 Cfr. Ac. do TUI, de 4-6-2014, Proc. nº 23/2014.
4 Acórdãos do TUI, de 23 de Janeiro de 2008, 19 de Setembro de 2008, 29 de Abril de 2009 e 28 de Setembro de 2011, nos Processos nºs 29/2008, 57/2007, 11/2009 e 35/2011, respectivamente.
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