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Proc. nº 107/2013
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 31 de Julho de 2014
Descritores:
-Separação de facto
-Encargos normais da vida familiar

SUMÁRIO:

I - O casamento mantém-se enquanto não for dissolvido pelo divórcio.

II - Apesar da separação de facto, imputável a um dos cônjuges, mantém-se o vínculo do casamento e, com ele, manter-se-ão os laços familiares e a comunicabilidade das dívidas contraídas por um dos membros do casal, desde que contraídas para acorrerem aos “encargos normais da vida familiar”;

III - Nessa situação, não seria justo que o cônjuge inocente ou menos culpado não fosse obrigado a contribuir para os encargos da vida familiar, tais como os relacionados com os filhos.

IV - Porém, nem todas as despesas com a educação dos filhos deverão ser consideradas “encargos normais” da vida familiar.

V - Se a mulher sai de casa com as filhas, arrendando um apartamento para com elas se alojar, e envia duas delas para estudar no estrangeiro, no que gastou cerca de um milhão de patacas em cerca de um ano e meio, dinheiro que pediu emprestado a familiares seus, não deve esta despesa de educação ser considerada “encargo normal” que responsabilize o marido, se não se provar que ela o fez com o consentimento deste, atendendo ao rendimento do casal que era apenas de cerca de 80 a 90 mil patacas mensais.











Proc. Nº 107/2013

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.

I - Relatório
A, B e C, intentaram no TJB acção declarativa com processo ordinário (Proc. nº CV2-10-0012-CAO) contra D e mulher E, todos com os demais sinais dos autos, pedindo a condenação solidária destes na restituição aos AA do valor de dois milhões, trinta e oito mil, quatrocentos e setenta e duas patacas, quantia que dizem ter emprestado a estes e que ainda não devolveram, apesar de interpelados para o efeito.
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Foi a seu tempo proferida sentença, que absolveu os réus dos pedidos formulados pela 3ª autora, mas que julgou parcialmente a acção no que respeita aos restantes pedidos formulados pelos dois primeiros autores.
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O 1º réu, inconformado com esta sentença, dela recorre jurisdicionalmente, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
«A) Está o Recorrente convicto, ressalvado o devido respeito, que a decisão proferida na douta sentença do Tribunal a quo está ferida do vício de erro de julgamento, resultante de uma errada aplicação e interpretação da Lei aos factos concretos pois, contrariamente à decisão do douto Tribunal a quo, a acção não poderia proceder.
B) Tendo-se apurado que os sucessivos e reiterados mútuos foram contraídos por forma a fazer face às despesas relativas aos encargos resultantes do facto de a 2.a Ré ter, por sua única e exclusiva iniciativa, sem qualquer conhecimento ou consentimento por parte do Recorrente, ter enviado as duas filhas menores efectuar os seus estudos no estrangeiro;
C) Tais encargos, ao invés do que foi decidido pelo douto Tribunal a quo, nunca poderiam ter sido considerados como “…encargos normais da vida familiar”, pois, atendendo-se à sua verdadeira natureza, concluí-se estarem, pela sua voluptuosidade, muito para além da previsão da norma da alínea b) do n.º 1 do art. º 1558.º do Código civil de Macau.
D) Por outro lado, mesmo que se fizesse um esforço para reconduzir a questão à luz dos actos praticados no exercício do poder paternal, nunca se poderia aproveitar a presunção do acordo do outro progenitor, prevista e regulada no n.º 1 do art.º 1557.º do Código Civil de Macau, no sentido de co-responsabilizar o Recorrente pelas dívidas contraídas pela 2.ª Ré, uma vez não se encontrarem preenchidos os necessários requisitos;
E) O acto de enviar as menores estudar no estrangeiro, ao contrário do requisito da aludida norma, tratou-se, sem qualquer margem de dúvida, de um acto de particular importância na vida destas menores; e
F) Sendo os Recorridos irmãos da 2.a Ré, tendo, portanto, profundo conhecimento da situação económica e pessoal desta, bem como do facto do Recorrente desconhecer que a 2.ª Ré estava a contraír dívidas junto deles, faz com que os Recorridos tenham intervindo nos actos praticados pela 2.a Ré na qualidade de terceiros de má fé;
G) Porquanto, a todos os actos praticados pela 2.a Ré, maxime todos os mútuos por esta contraídos junto dos seus irmãos - ora Recorridos - é oponível a falta de acordo por parte do Recorrente.
H) Não podendo, ao contrário do que foi decidido pelo douto Tribunal a quo, a qualquer título, ou ao abrigo de qualquer norma vigente no ordenamento jurídico de Macau, o Recorrente ser responsabilizado pelas dívidas contraídas pela 2.ª Ré, por única e exclusiva decisão desta e sem o conhecimento ou consentimento daquele.»
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Os autores da acção responderam ao recurso, formulando as seguintes conclusões alegatórias:
«1. Inconformado com a sentença proferida pelo 2.ºJuízo Cível do Tribunal Judicial de Base em 3 de Setembro de 2012 nos presentes autos, o 1º Réu dela interpôs recurso, com os principais fundamentos de que a referida sentença violou o art.º 1558.º, n.º 1, al. b) e o art.º 1757, n.º 1 do Código Civil, e que ele e a 2a Ré não tinham capacidade económica para mandar as filhas estudar no estrangeiro, entre outros fundamentos apresentados na petição de recurso.
2. O recorrente entendeu que as diversas dívidas contraídas pela 2ª Ré junto aos recorridos para suportar as despesas com a educação das três filhas e as despesas da família não são subsumíveis à previsão do art.º 1558.º, n.º 1, al. b) do Código Civil, pelo que não necessita de assumir responsabilidade solidária.
3. O art. º 1733.º, n.º 1 do Código Civil dispõe: “Compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens.” Estando previsto na lei que o conteúdo do poder paternal engloba a educação e o sustento dos filhos, devem, naturalmente, ser abrangidas todas as despesas daí derivadas.
4. Da análise do anexo 33 da petição inicial resulta que, em 7 de Agosto de 2009, o próprio recorrente, através do Banco Luso Internacional, transferiu, pessoalmente, uma quantia de GBP 5.000,00, emprestada pelos recorridos, para a sua filha mais velha, para esta pagar as propinas do curso que frequentava no Reino Unido.
5. Segundo o art.º 1756.º, n.º 2 do Código Civil, “Os pais exercem o poder paternal de comum acordo e, se este faltar em questões de particular importância, qualquer deles pode recorrer ao tribunal, que tentará a conciliação; se esta não for possível, o tribunal ouvirá, antes de decidir, o filho maior de 12 anos, salvo quando circunstâncias ponderosas o desaconselhem.”
6. O recorrente nunca fez qualquer objecção, quer expressa quer tácita, à decisão de mandar as filhas estudar no estrangeiro. Ademais, qualquer pessoa com experiência social comum sabe que, para estudar no estrangeiro, em particular, nas escolas de países como o Reino Unido e a Suíça, onde as duas filhas mais velhas dos RR. estudam, o filho necessita de obter, previamente, o consentimento expresso de ambos os pais, sob pena de não ser autorizado a frequentar essas escolas. Assim sendo, pode verificar-se que não foi tomada exclusivamente pela 2ª Ré a decisão de mandar as filhas estudar no estrangeiro, sendo que o recorrente, necessariamente, a conhecia perfeitamente e consentiu expressamente.
7. As dívidas em causa, embora tenham sido contraídas pela 2ª Ré junto dos recorridos, foram consideradas pelo Tribunal a quo como sendo destinadas a suportar as despesas com a educação e o sustento das três filhas (cfr. resposta ao quesito 36.º da base instrutória, bem como fls. 385v a 386 dos autos).
8. O Código Civil prevê no seu art.º 1558.º, n.º 1, al. b): “São da responsabilidade de ambos os cônjuges as dívidas contraídas por qualquer dos cônjuges, antes ou depois da celebração do casamento, para ocorrer aos encargos normais da vida familiar.”
9. Em sintonia com o art.º 1733.º, n.º 1 do Código Civil, “Compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens.” Quer dizer, antes ou depois da constância do matrimónio, o recorrente e a 2ª Ré são sempre responsáveis pelas despesas normais com a educação e o sustento das três filhas.
10. O Tribunal a quo não incorreu em qualquer erro ao aplicar o disposto no art.º 1558.º, n.º 1, al. b) do Código Civil após ter atendido aos factos provados e aos factos dados como provados na audiência de julgamento, devendo ser indeferido o recurso sub judice nesta parte.
11. Estipula-se no n.º 1 do art.º 1757.º do Código Civil: “Se um dos pais praticar acto que integre o exercício do poder paternal, presume-se que age de acordo com o outro, salvo quando a lei expressamente exija o consentimento de ambos os progenitores ou se trate de acto de particular importância; a falta de acordo não é oponível a terceiro de boa fé.”
12. No entender do recorrente, a formação das filhas no estrangeiro traduz-se num acto de particular importância, que exige o consentimento de ambos os pais.
13. No art.º 1756.º, n.º 2 do Código Civil estatui-se “Os pais exercem o poder paternal de comum acordo e, se este faltar em questões de particular importância, qualquer deles pode recorrer ao tribunal, que tentará a conciliação; se esta não for possível, o tribunal ouvirá, antes de decidir, o filho maior de 12 anos, salvo quando circunstâncias ponderosas o desaconselhem.”
14. Caso o recorrente considerasse que a formação das filhas no estrangeiro era uma questão de particular importância, deveria, consoante a disposição legal supracitada, recorrer ao tribunal para este tentar a conciliação. Mas o recorrente não o fez.
15. Tendo presente a referida conduta objectiva do recorrente, pode ver-se que, a sua atitude subjectiva consistiu em desejar, na constância do matrimónio, que as filhas gozassem de boas condições de estudo, sem, porém, querer assumir as despesas de estudo e de vida das três filhas depois de se divorciar da 2ª Ré.
16. Tendo em consideração os factos provados e os factos dados como provados na audiência de julgamento, é imparcial e completamente legal a sentença prolatada pelo Tribunal a quo, segundo a qual o recorrente se obriga a responder, solidariamente com a 2ª Ré, pelas respectivas dívidas contraídas aos recorridos. O Tribunal a quo não tinha condições para fazer uma sentença mais favorável ao recorrente.
17. Acresce que, o mesmo Tribunal já o absolveu do pagamento dos montantes solicitados que não tinham sido demonstrados como sendo destinados a cobrir as despesas com a educação e o sustento das três filhas. Portanto, para os RR., a sentença a quo mostra-se relativamente favorável.
18. Por outro lado, está previsto na lei que, quando impugne a decisão de facto, cabe ao recorrente especificar os elementos alinhados no art. º 599.º do Código de Processo Civil, sob pena de rejeição do recurso.
19. Na petição de recurso, o recorrente não especificou quais os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados, nem especificou quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo nele realizado, que impunham, sobre esses pontos da matéria de facto, decisão diversa da recorrida, nem indicou as passagens da gravação em que se funda.
20. O presente recurso não cumpriu o disposto acima referido, devendo ser rejeitado nos termos do art.º 599.º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil.
21. O recorrente afirmou na petição de recurso que ele e a 2ª Ré não possuíam capacidade económica para mandar duas filhas estudar lá fora. Os recorridos não acolhem, de modo algum, a sua tese.
22. Conforme a resposta ao quesito 42.º da base instrutória, nessa altura, os RR. auferiam mensalmente MOP 80.000,00 a 90.000,00. Em Macau, o então rendimento dessa família situava-se a um nível médio alto.
23. Neste aspecto, a sentença a quo disse muito bem:
“Ora, analisando o caso dos autos, verifica-se que o rendimento auferido pelos Réus era relativamente bom. Assim, não se julga de todo em todo destituído de razão a decisão de formar as filhas no estrangeiro, seja esta tomada exclusivamente pela Ré seja a mesma tomada em conjunto pelos Réus.
Conclui-se, portanto, que as despesas tidas com a formação das filhas no estrangeiro são despesas normais da vida familiar dos Réus.” (sublinhado nosso)
24. Dest'arte, ponderando os factos provados nos autos, os RR. tinham vontade e capacidade económica para formar duas filhas no estrangeiro. Improcede, assim, o respectivo fundamento apresentado pelo recorrente, devendo ser rejeitado o recurso nesta parte.
25. O recorrente realçou várias vezes na petição de recurso que tinha pago, numa única prestação global, os alimentos a favor das três filhas, no montante de MOP 360.000,00. Mas nunca forneceu qualquer documento para comprovar o facto supra aludido, além de que o mesmo facto não consta da enumeração dos factos provados ou da base instrutória. Por isso, no recurso sub judice, esse facto invocado pelo recorrente não merece apreciação.
26. Ao invés, na opinião dos recorridos, os seguintes factos dados por provados imporão uma decisão idêntica àquela já proferida nos autos:
“Em 09/08/1989, os Réus casaram entre si tendo convencionado para regime de bens do casamento o regime de comunhão geral, tendo o casamento sido dissolvido por divórcio decretado por sentença transitada em julgada em 15/03/2010 (alínea A) dos factos assentes.”
“Os empréstimos referidos nas respostas aos quesitos 1º, 2º, 4º a 10º foram contraídos pela 2a Ré para pagar despesas de educação e lazer das suas filhas e dos empréstimos contraídos pela 2ª Ré junto da 2a Autora, 28.584,00 patacas foram utilizadas na educação da 3a filha, 2.680,00 patacas e o correspondente a 6.930,00 dólares de Hong Kong na aquisição de passagens aéreas da 2a Ré, 1.820,00 patacas e o correspondente a 8.070 dólares de Hong Kong na aquisição de passagens aéreas da 1ª filha dos Réus, 102.723,00 patacas no arrendamento de casa onde passaram a viver a 2a Ré e as filhas dos Réus, 1.888,00 dólares de Hong Kong no pagamento do prémio de seguro da 1ª filha dos Réus, 20.570,00 patacas no pagamento das despesas de condomínio da fracção autónoma pertencente aos Réus e 812,00 patacas foram utilizadas no pagamento da renda desta fracção autónoma e do parque de estacionamento pertencente aos Réus (resposta ao quesito da 36º da base instrutória).” (sublinhado nosso)
27. Em conformidade com os aludidos factos provados e os factos dados como provados na audiência de julgamento, o Tribunal a quo prolatou, inevitavelmente, a sentença ora em causa, que se mostra correcta, razoável, legal e que não merece qualquer censura.
Com base nisto e sem prejuízo de melhor entendimento do Mm.º Juiz do Tribunal de Segunda Instância, tendo em conta a insuficiência dos fundamentos do recorrente e o seu entendimento errado sobre a lei, deve-se rejeitar o presente recurso ou negar-lhe provimento, e condenar o recorrente ao pagamento de todas as custas e duma quantia adequada de honorários».
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Cumpre decidir.
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II – Os Factos
A sentença deu por assente e provada a seguinte factualidade:
«Da Matéria de Facto Assente:
- Em 09/08/1989 os Réus casaram entre si tendo convencionado para regime de bens do casamento o regime de comunhão geral, tendo o casamento sido dissolvido por divórcio decretado por sentença transitada em julgada em 15/03/2010 (alínea A) dos factos assentes).
- Do casamento, o 1º R. e a 2a R., têm três filhas, F (nascida a 11 de Novembro de 1989, ora maior), G (nascida a 4 de Outubro de 1993), e H (nascida a 3 de Julho de 1997) (alínea B) dos factos assentes).
- Entre o ano de 2007 e Novembro de 2009, pelos menos, a filha dos rés, F estudou na Inglaterra, G estudou na Suíça e H estudou em Macau (alínea C) dos factos assentes).
- Os AA. várias vezes interpelaram oralmente os Réus para que lhes pagassem as quantias que agora peticionam (alínea D) dos factos assentes).
- Enviaram, em 17 de Novembro e em 11 de Dezembro de 2009, carta registada ao 1º R. e a 2a R. para exigir tal pagamento, mas não obtiveram qualquer resposta (alínea E) dos factos assentes).
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Da Base Instrutória:
- A 2a Ré no dia 15 de Fevereiro de 2008, pediu emprestado ao 1º Autor e dele recebeu 153.890,00 dólares de Hong Kong (resposta ao quesito da 1º da base instrutória).
- No dia 29 de Setembro de 2008, a 2a Ré pediu emprestado ao 1º Autor e dele recebeu o montante de 140.980,00 dólares de Hong Kong (resposta ao quesito da 2º da base instrutória).
- No dia 12 de Janeiro de 2009, a 2a Ré pediu emprestado ao 1º Autor e dele recebeu montante de 74.000,00 dólares de Hong Kong (resposta ao quesito da 3º da base instrutória).
- No dia 5 de Junho de 2009, a 2a Ré pediu emprestado ao 1º Autor e dele recebeu o montante de 3.300,00 francos suíços (resposta ao quesito da 4º da base instrutória).
- A 15 de Junho de 2009, a 2a Ré pediu emprestado ao 1º Autor e dele recebeu o montante de 10.000,00 libras esterlinas (resposta ao quesito da 5º da base instrutória),
- No dia 23 de Junho de 2009, a 2a Ré pediu emprestado ao 1º Autor e dele recebeu o montante de 800,00 euros (resposta ao quesito da 6º da base instrutória),
- No dia 14 de Julho de 2009, a 2a Ré pediu emprestado ao 1º Autor e dele recebeu o montante de 25.075,00 francos suíços (resposta ao quesito da 7º da base instrutória).
- No dia 11 de Agosto do 2009, a 2a Ré pediu emprestado ao 1º Autor e dele recebeu o montante de 7.500,00 libras esterlinas (resposta ao quesito da 8º da base instrutória).
- No dia 11 de Agosto do 2009, a 2a Ré pediu emprestado ao 1º Autor e dele recebeu o montante de 12.654,72 libras esterlinas (resposta ao quesito da 9º da base instrutória).
- No dia 9 de Outubro de 2009, a 2a Ré pediu emprestado ao 1º Autor e dele recebeu o montante de 12.676,00 dólares de Hong Kong (resposta ao quesito da 10º da base instrutória).
- No dia 16 de Janeiro de 2008, a 2a Ré pediu emprestado à 2a Autora e dela recebeu por meio do cheque n.º 181549 do HSBC, o valor de 15.000,00 patacas (resposta ao quesito da 15º da base instrutória).
- No dia 3 de Março de 2008, a 2a Ré pediu emprestado à 2a Autora e dela recebeu por meio do cheque n.º 576204 do HSBC, o valor de 20.000,00 patacas (resposta ao quesito da 16º da base instrutória).
- No dia 4 de Março de 2008, a 2a Ré pediu emprestado à 2a Autora e dela recebeu por meio do cheque n.º 576205 do HSBC, o valor de 80.000,00 patacas (resposta ao quesito da 17º da base instrutória).
- No dia 2 de Julho de 2008, a 2a Ré pediu emprestado à 2a Autora e dela recebeu por meio do cheque n.º 576217 do HSBC, o valor de 15.000,00 patacas (resposta ao quesito da 19º da base instrutória).
- No dia 9 de Setembro de 2008, a 2a Ré pediu emprestado à 2a Autora e dela recebeu por meio do cheque n.º 576223 do HSBC, o valor de 50.000,00 patacas (resposta ao quesito da 20º da base instrutória).
- No dia 28 de Novembro de 2008, a 2a Ré pediu emprestado à 2a Autora e dela recebeu por meio do cheque n.º 576230 do HSBC, o valor de 50.000,00 patacas (resposta ao quesito da 21º da base instrutória).
- No dia 9 de Setembro de 2008, a 2a Ré pediu emprestado à 2a Autora e dela recebeu por meio do cheque n.º 454194 do HSBC, o valor de 50.000,00 patacas (resposta ao quesito da 22º da base instrutória).
- No dia 26 de Março de 2009, a 2ª Ré pediu emprestado à 2ª Autora e dela recebeu por meio de cheque n.º 454195 do HSBC, o valor de 10.000,00 patacas (resposta ao quesito da 23º da base instrutória).
- No dia 10 de Março de 2008, a 2ª Ré pediu emprestado à 2ª Autora e dela recebeu por meio do cheque n.º 576233 do HSBC, o valor de 15.000,00 patacas (resposta ao quesito da 24º da base instrutória).
- No dia 26 de Março de 2008, a 2ª Ré pediu emprestado à 2ª Autora e dela recebeu por meio do cheque n.º 576235 do HSBC, o valor de 32.000,00 patacas e por meio do cheque n.º 576234 do HSBC, o valor de 23.000,00 patacas (resposta ao quesito da 25º da base instrutória).
- No dia 5 de Maio de 2008, a 2ª Ré pediu emprestado à 2ª Autora e dela recebeu o valor de 16.480,00 patacas (resposta ao quesito da 26º da base instrutória).
- No dia 23 de Junho de 2008, a 2ª Ré pediu emprestado à 2ª Autora e dela recebeu por meio do cheque n.º 576242 do HSBC, o valor de 19.982,00 patacas (resposta ao quesito da 27º da base instrutória).
- No dia 26 de Junho de 2008, a 2ª Ré pediu emprestado à 2ª Autora e dela recebeu por meio do cheque n.º 576243 do HSBC, o valor de 7.000,00 patacas (resposta ao quesito da 28º da base instrutória).
- Os empréstimos referidos nas respostas aos quesitos 1º, 2º, 4º a 10º foram contraídos pela 2ª Ré para pagar despesas de educação e lazer das suas filhas e dos empréstimos contraídos pelas 2ª Ré junto da 2ª Autora, 28.584,00 patacas foram utilizadas na educação da 3ª filha, 2.680,00 patacas e o correspondente a 6.930,00 dólares de Hong Kong na aquisição de passagens aéreas da 2a Ré, 1.820,00 patacas e o correspondente a 8.070,00 dólares de Hong Kong na aquisição de passagens aéreas da 1ª filha dos Réus, 102.723,00 patacas no arrendamento de casa onde passaram a viver a 2a Ré e as filhas dos Réus, 1.888,00 dólares de Hong Kong no pagamento do prémio de seguro da 1 a filha dos Réus, 20.570,00 patacas no pagamento da despesas de condomínio da fracção autónoma pertencente aos Réus e 812,00 patacas foram utilizadas no pagamento da renda desta fracção autónoma e do parque de estacionamento pertencente aos Réus (resposta ao quesito da 36º da base instrutória).
- A 2a Ré saiu da casa onde morava com o 1º Réu e com as filhas de ambos, levando consigo as filhas em data não posterior de Outubro de 2007 (resposta ao quesito da 37º da base instrutória).
- Desde a data em que a 2a Ré saiu de casa com as filhas até ao divórcio, o 1º Réu e a 2a Ré mantiveram-se separados de facto, sem comunhão de mesa, habitação ou leito (resposta ao quesito da 38º da base instrutória).
- Em conjunto, os salários dos Réus eram de MOP$80.000,00 a MOP$90.000,00 por mês (resposta ao quesito da 42º da base instrutória).
Acrescenta-se ainda o seguinte:
- O divórcio a que alude a alínea A) da matéria assente, foi decretado por sentença do dia 2/03/2010 (transitada no dia 15/03/2010) no Proc. de Divórcio Litigioso nº CV1-09-0036-CDL (fls. 80 a 83 vº).
- Correram termos no TJB uns autos de Regulação do Exercício do Poder Paternal (nº CV2-12-0007-MPS), tendo o requerente D e a requerida E chegado a um acordo, homologado por sentença de 18/05/2012, com os seguintes termos:
«1. O poder paternal da filha menor, H fica confiado à mãe, E;
2. Por outro lado, o pai precisa de pagar à filha menor a quantia de Mop$ 8.000,00 a título de alimentos, de 1 a 10 de cada mês, pela forma de transferência bancária.
3. Na condição de sem causar incómodos ao descanso e estudo da filha menor, o pai pode visitar a filha menor e levá-la para fora de casa das 14,00 às 19,00 no sábado ou domingo; além disso, o pai pode ter a filha menor consigo nas férias do Dia de Finados (ChengMing), do dia do Bolo Lunar (Chong Chao), de um dia das férias do Ano Novo Chinês, e nos dias de anos da filha menor e do pai» (fls. 484-485vº dos autos e fls. 24 a 28 do apenso “traduções”).
***
III – O Direito
1 - A sentença apresenta vários segmentos dispositivos. Ora condenou os 1º (aqui recorrente/ex-marido) e 2º réus (ex-mulher) solidariamente (partes 2 e 3) no pagamento de certas quantias mutuadas, ora condenou exclusivamente a 2ª ré no pagamento de outras quantias discriminadas (partes 4 e 5).
Está acometida no presente recurso a parte da sentença que condenou o 1º réu no pagamento de despesas resultantes dos estudos das duas filhas mais velhas (na altura ainda menores) no estrangeiro. Portanto, em causa apenas o segmento decisório contido no ponto 2 do dispositivo da sentença da 1ª instância.
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2 - A acção tinha em vista a condenação dos RR a restituir quantias mutuadas à 2ª ré.
Ora bem. Estamos de acordo com a sentença, sem mais discussão, acerca da aplicação do disposto no art. 1070º do CC: “Mútuo é o contrato pelo qual uma parte empresta a outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade”.
Problema é saber se ambos os RR são obrigados à restituição ou se a tanto será obrigada somente a 2ª ré, uma vez que foi ela quem, após a separação do casal, contraiu os empréstimos.
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3 - No que à condenação do 1º réu diz respeito, a sentença assentou fundamentalmente em dois grandes argumentos. Disse:
1º - Por um lado, os empréstimos contraídos pela 2ª ré - mesmo que já separada de facto do 1º e com o objectivo de pagamento do condomínio do prédio comum e das rendas da casa arrendada onde ela e as filhas se alojaram após a separação - devem considerar-se destinados a acorrer aos encargos normais da vida familiar, nos termos do art. 1558º, nº1, al. b), do CC;
2º - Por outro lado, todos os empréstimos relativos à educação das duas filhas, a estudar no exterior de Macau, também se integram no âmbito do dever incluído nos arts. 1733º, nº 1, 1735º e 1739º, nº1, do Código Civil e, portanto, também no quadro das despesas normais da vida familiar dos RR.
O réu não se conforma. Acha que não é responsável pelo pagamento das quantias peticionadas, em virtude de aqueles empréstimos, mesmo os destinados ao pagamento dos encargos com a educação de duas filhas no estrangeiro, terem sido contraídos após a separação de facto, e sem o seu conhecimento, nem consentimento.
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4 - O que são, então, encargos normais da vida familiar?
Francisco Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira dizem que se trata “…de dívidas pequenas, relativamente ao padrão de vida do casal, em geral correntes e periódicas, que qualquer dos cônjuges tem de ser livre de contrair. É aqui que cabem as dívidas de alimentação, vestuário, médico e farmácia, etc. Normalmente são dívidas contraídas por um dos cônjuges no âmbito da parcela de administração dos bens afectos ao governo do lar que lhe caberá, e em proveito comum do casal (…).”
Mas não só essas.
Na verdade, acrescentam: “Ou então trata-se de dívidas alheias à administração de bens ou que não têm intenção de proveito comum, mas que se integram num quadro normal de despesa, como a dívida para o pagamento de uma intervenção cirúrgica ou das férias de um filho. (…) a cuja responsabilidade nenhum cônjuge se pode eximir, ainda que não tenha contraído a dívida nem tenha consentido nela”1
Cristina Manuela Araújo Dias considera que nesta alínea b)2 se incluem as dívidas que são pura despesa, e não verdadeiro acto de administração, justificadas pela necessidade de prover aos encargos normais da vida familiar (alimentação, vestuário, despesas com o médico, etc.). Diz também que no conceito cabem todas as despesas inerentes à vida doméstica que, dentro do padrão de vida possibilitado pelos meios económicos à disposição dos cônjuges, correspondem aos hábitos da generalidade dos casais em iguais ou idênticas condições económicas e sociais3.
Esta autora acrescenta, ainda, que não há, em geral, dúvidas quanto à inclusão no conceito das dívidas provenientes da educação dos filhos4.
Problemática pode ser, no entanto, a responsabilização do cônjuge separado de facto, uma vez que na separação não existe vida familiar no sentido vulgar de comunhão de vida. E então, é caso para perguntar se, nesses casos, de que o aqui tratado é exemplo, ainda se poderá falar de vida familiar que justifique prover aos respectivos encargos.
A autora citada continua a dizer que sim. Diz ela sobre o assunto: “…a vida familiar como comunhão de vida não existe na separação de facto. Porém, a existência de uma família e as necessidades inerentes ao seu sustento mantêm-se. Por isso, será de manter essa responsabilidade comum, nos termos do art. 1691.º, n.º 1, al. b), mesmo havendo separação de facto. Aliás, essa responsabilização pelas dívidas para ocorrer aos encargos normais da vida familiar decorre da obrigação de assistência de ambos os cônjuges, prevista nos arts. 1675.º e 1676.º, que existe com o casamento. Ora, na separação de facto o casamento mantém-se”.5
E noutro passo, acrescenta: “Consideramos que, mesmo não existindo mais o dever de contribuição para os encargos da vida familiar, pode manter-se esta contribuição e até contrair-se dívidas com vista a tais encargos (sobretudo se existirem filhos). Portanto, não é por não haver comunhão de vida nem o dever de contribuição para os encargos da vida familiar que deixa de existir dever de assistência ou casamento. Estes mantêm-se e com eles a possibilidade de existirem dívidas contraídas para ocorrer aos encargos normais da vida familiar”6.
Também Pires de Lima e Antunes Varela sustentam que, apesar da separação de facto, imputável a um dos cônjuges, o casamento mantém-se e não seria justo que o cônjuge inocente ou menos culpado não fosse obrigado a contribuir para os encargos da vida familiar, tais como os relacionados com os filhos7.
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5 - Deste pequeno respigado doutrinal extraem-se as seguintes ideias de base:
a) O casamento mantém-se enquanto não for dissolvido pelo divórcio;
b) Enquanto durar a separação de facto, mantendo-se o vínculo do casamento, com ele se manterão os laços familiares e a comunicabilidade das dívidas contraídas por um dos membros do casal, desde que contraídas para acorrerem aos “encargos normais da vida familiar”;
c) Nesses encargos normais da vida familiar inserem-se as despesas concernentes aos filhos, nomeadamente as relacionadas com a sua educação e seus estudos e formação profissional; tais despesas, se já existiam antes da separação de facto, devem continuar a ser um encargo normal mesmo depois da separação.
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6 - Temos, porém, dúvidas muito sérias que se possa falar em despesas de responsabilidade comum dos cônjuges separados no caso em apreço. Na verdade, e como também resulta das transcrições doutrinárias acima feitas, nessa comunicabilidade está sempre presente a noção de necessidades ordinárias da família.
Na verdade, não é à toa que a norma fala em “encargos normais”. Desta expressão há-de resultar um entendimento restrito que assente numa continuidade que não altere a normalidade da vida dos membros da família, se de acordo com o padrão anterior daquela célula familiar antes da separação ou do divórcio.
Por exemplo, enquanto num qualquer agregado unido, se os respectivos membros pautavam a sua vida doméstica por um certo padrão austero e comedido nos gastos (na roupa, no calçado, nos consumos de bens de mercearia, etc.), deixa de fazer sentido que o cônjuge separado contribua para as dívidas contraídas em favor dos elementos que se desuniram da família, se as despesas a partir de então se tornaram sumptuárias, reflectindo desejos esquisitos e requintados ou traduzindo o gosto por marcas caras, por bens e serviços que antes não faziam parte do modelo e estilo de vida (normal) daquela família. Isso, pode dizer-se, não é já um governo doméstico; é desgoverno!
É verdade que há despesas extraordinárias que não devem deixar de se considerar na comunicabilidade: referimo-nos, por exemplo, aos casos de tratamentos cirúrgicos indispensáveis para salvar a existência (a vida) de um membro do agregado ou a aliviar o sofrimento8. Mas esses são casos que, em qualquer circunstância, sempre seriam considerados pela família, independentemente de estar unida ou separada de facto. São excepcionalidades que teriam sempre uma resolução familiar nesse mesmo sentido. Pode dizer-se que, em qualquer situação, seria “normal” esse encargo familiar.
Mas, coisa diferente é tratar como normal, o que não é normal.
É normal que um pai ou uma mãe continuem a comparticipar na educação e instrução dos filhos. Qualquer um dos progenitores quererá o melhor para os filhos. Aliás, esse é até um dever legal que deriva directamente da sua responsabilidade parental (cfr. 1732º e 1733º do CC). E até mesmo no que respeita aos filhos maiores há despesas com a sua instrução que ainda se mantêm na obrigação de ambos os progenitores, dentro de uma certa razoabilidade e pelo tempo normalmente requerido para que a formação se complete (art. 1735º do CC).
O que sucede é que, no caso de separação de facto ou de divórcio, salvo os casos em que haja acordo sobre o exercício em comum do poder paternal, este é exercido pelo progenitor a quem os filhos estejam confiados (art. 1761º, nº1, do CC). Ora, no caso, a 2ª ré abandonou a casa em data não posterior a Outubro de 2007, por sua iniciativa, levando consigo as filhas, logo passando a exercer sozinha o poder paternal, uma vez que se não falou, nem provou, nos autos da existência de qualquer acordo em sentido diferente desse. Realmente, o acordo sobre a regulação do poder paternal só teve lugar em relação à filha H por sentença de 18/05/2012.
É claro que, mesmo no caso de separação de facto, os alimentos aos filhos deverão ser regulados por acordo dos pais (art. 1760º, nº1) e só na falta dele o tribunal decidirá de harmonia com o interesse dos menores (art. 1760º, nº2). E sobre o assunto, desde já, importa assinalar uma omissão factual relevante, que consiste, precisamente, em saber se a importância que o recorrente disse ter dado a título de alimentos no valor de Mop$ 360.000,00 (alegadamente o valor de todas as poupanças do recorrente) foi mesmo entregue e se tinha esse propósito: o de pagamento na totalidade e de uma só vez os alimentos às filhas (cfr. art. 32º da p.i.). Porém, infelizmente, essa matéria não foi levada à base instrutória. E a relevância até poderia decorrer do facto de esse pagamento (se realmente ocorreu) ser levado à conta de um acordo que tivesse por fim ou vocação decidir as questões das filhas “em condições idênticas às que vigoravam para tal efeito na constância da vida em conjunto no matrimónio” (art. 1761º, nº2).
De qualquer maneira, e independentemente disso, o que importa sublinhar é que tais despesas nem são correntes - necessárias, portanto, ao fluir doméstico do dia-a-dia de uma família - nem são despesas que, mesmo imprevisíveis, sempre se haveriam de considerar “normais” segundo o esquema clássico de protecção dos membros da família na saúde e na doença, como sucede, por exemplo, com uma intervenção cirúrgica, por mais onerosa que ela seja ao orçamento familiar e que, até por isso mesmo, possa obrigar ao recurso ao crédito.
Só serão “normais”, na medida em que são despesas de educação, sendo certo que, nesse domínio, os progenitores não escapam ao correspondente dever de concretização.
Mas, não parece que sejam já normais, se as relativizarmos com as condições que vigoravam antes da separação.
Quer dizer, se antes da separação o casal já viesse assumindo as despesas de educação das filhas no estrangeiro, em universidades de renome e de prestígio ou em escolas que propiciassem um notável conjunto de conhecimentos e, por tal motivo, em melhores condições de assegurar uma mais fácil integração dos alunos no futuro mercado de trabalho, não haveria razão para deixar de manter as despesas. Nessa hipótese, seria previsível que os pais mantivessem o dispêndio nessa educação e as despesas então suportadas não deixariam de ser “encargos normais da vida familiar”.
Mas, se os pais, antes dessa separação de facto, não estavam a suportar tais despesas (é o que decorre da matéria de facto), e se nenhum elemento de prova nos mostra que estavam sequer a projectar a educação das duas filhas mais velhas no estrangeiro (ninguém alegou isso), então à partida dificilmente se pode integrar a situação de facto apurada no conceito complexo de “encargos normais da vida familiar”.
Em suma, os filhos têm direito à educação, sem dúvida nenhuma. Dúvidas não existem, por outro lado, que os pais devem contribuir, no quadro de um esforço comum, para o melhor desenvolvimento deles, o que passa por lhes proporcionar a melhor educação, ensino e formação. Se os pais estão juntos, no âmbito de um casamento ou de uma união de facto, e querem que essa educação passe pela frequência de estabelecimentos de ensino no estrangeiro, isso será louvável a todos os títulos. Suportarão as despesas por si mesmos, com as suas próprias economias, ou através de ajuda externa, de familiares, amigos ou até de empréstimos bancários. Saberão como resgatar a dívida nesse caso.
Quando o casamento finda ou os cônjuges estão separados de facto, o esforço deve continuar, será sequencial, porque já vinha de trás. Isso será sinal de que tinham capacidade de suportar, por si ou com recurso a ajuda externa, os correspondentes gastos.
Mas, estando finda a relação que unia os progenitores, se os filhos não frequentavam tais estabelecimentos de ensino no exterior, então, dificilmente, se poderá considerar “normais” as despesas de educação dos filhos no estrangeiro por iniciativa isolada de um deles, em especial se o rendimento não era apto a suportá-las, nem havia expectativa provada de que viesse a sê-lo.
Imagine-se: os pais não têm dinheiro suficiente para “mandar estudar os filhos no estrangeiro”, mas um insiste nessa ideia, sem que o outro esteja de acordo quanto a isso. Pareceria estar descoberta a solução: um dos cônjuges sai de casa com os filhos e, individualmente, toma a decisão que antes careceria de consenso. Envia os filhos para o exterior, porque conta que a despesa respectiva será co-suportada pelo outro progenitor, que até então se opunha à ideia.
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7 - Ora bem. Para se alcançar uma conclusão mais ou menos segura acerca da “normalidade” de tais despesas, importa olhar um pouco melhor para a matéria de facto.
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7.1 - Na base instrutória pretendeu-se apurar se foram os dois RR quem pediu todo aquele dinheiro emprestado. Apurado ficou que só a ré o pediu. Claro que esta singularidade pode não ser decisiva. Com efeito, podia acontecer que só ela o tivesse pedido emprestado, mas com o consentimento do 1º R. Foi para afastar essa dúvida que se elaborou o quesito 39º, cujo ónus competia ao recorrente: “O primeiro réu nunca deu consentimento para a segunda ré contrair empréstimos junto dos autores?”. Este artigo da base instrutória, porém, não foi provado. O Reu/recorrente não provou que os empréstimos foram obtidos sem o seu consentimento.
Todavia, a verdade é que o contrário também se não pode concluir. Isto é, o facto de se não ter provado que os empréstimos foram feitos sem o seu consentimento não equivale a dizer que eles se realizaram com o seu consentimento.
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7.2 - Da mesma maneira, pretendeu-se saber – era matéria invocada pelo recorrente – se a segunda ré decidiu mandar as filhas estudar para o estrangeiro sem consentimento do primeiro réu (art. 40º da BI). Também este quesito mereceu resposta negativa.
Ora, esta questão do consentimento era importante para aquilatar da adesão do recorrente à educação das filhas no exterior. Podia, efectivamente, dizer-se: se o réu/recorrente deu o seu consentimento à deslocação das duas filhas para o estrangeiro, é porque teria assumido esse facto como sendo também da sua responsabilidade, com o que também as respectivas despesas o responsabilizariam.
Porém como se viu, nada ficou provado a esse respeito.
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7.3 - Ainda restava um aspecto não negligenciável.
A normalidade das despesas, encarada como “encargo da vida familiar”, dificilmente seria assim considerada, se o rendimento dos progenitores não fosse suficiente para cobrir as despesas em causa. Na verdade, embora a doutrina não tenha dedicado grande importância a esse factor, pensamos que, para além dos outros factos que possam ajudar a densificar o conceito de “normalidade dos encargos da vida familiar”, também haverá que atender à capacidade económica de quem os pode vir a suportar. Realmente, como pode ser “normal” para uma qualquer família mandar os filhos estudar no estrangeiro se não tiver rendimento para o poder fazer? A normalidade tem que assentar em factores vários e um deles, sem dúvida, há-de ser o referente à possibilidade de executar os meios para se atingir o fim. Estamos, se bem nos parece, no campo da proporcionalidade entre meios e fins. Não é normal, pese o absurdo do exemplo, que alguém compre um iate se, reconhecidamente, tiver imensa dificuldade em suportar os elevados consumos de combustível que ele importaria.
Ora, seria pouco provável que se entendesse “normal” um encargo para o qual os progenitores não tivessem a necessária capacidade económica para o suportar.
Este quesito “O primeiro réu não tem meios económicos para custear as despesas com o estudo das filhas no estrangeiro?”(art. 41º da BI) mereceu, como se viu, resposta negativa. Claro se provado fosse, ficaria mais iluminado o caminho para se chegar à conclusão de que para o recorrente não seria “normal” este encargo, porque não o poderia custear. De qualquer maneira, também é certo que a falta de prova de um facto negativo não significa a prova do contrário (facto positivo).
E assim, temos que os autos a este respeito não revelam mais do que o provou a resposta ao quesito 42º: que o rendimento do casal era de cerca de 80.000,00 a 90.000,00 patacas por mês.
E quanto a isso, quer-nos parecer que não seria rendimento bastante para considerar como “normal” a existência de gastos em educação de cerca de um milhão de patacas durante cerca de um ano e meio.
O que significa, para além do que acima já se disse, que também até por este factor nos parece ser de afastar no caso em apreço o carácter de “normalidade dos encargos da vida familiar” quanto a estas despesas realizadas na Inglaterra e na Suíça.
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8 - Por fim, nem mesmo o art. 1757º do CC pode vir em auxílio da 2ª ré. O nº1 prescreve que “Se um dos pais praticar acto que integre o exercício do poder paternal, presume-se que age de acordo com o outro, salvo quando a lei expressamente exija o consentimento de ambos os progenitores ou se trate de acto de particular importância; a falta de acordo não é oponível ao terceiro de boa fé”.
Ora, enviar as filhas para estudarem no estrangeiro é, em nossa opinião, um acto de particular importância9. Particular importância para elas e, já agora, para os pais. Então, não se pode concluir que a atitude da ré faz presumir o acordo do ora recorrente. Teria que ser provado o consentimento. Ora, nem os AA, nem a 2ª ré fizeram prova desse acordo.
Todavia, esse preceito nem sequer se mostra aplicável ao caso em apreço. Na verdade, o que a 2ª ré fez foi praticar actos próprios do seu exercício do poder paternal sobre as ditas filhas após a separação de facto do marido 1º réu. Portanto, o art. 1757º do CC não é chamado ao caso, por pressupor a constância do casamento, sem ruptura, mas sim, eventualmente, o art. 1761º, tal como já nos pronunciamos.
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9 - Significa que as quantias de 307.546,00 dólares de Hong Kong, 28.375,00 francos suíços, 30.154,72 libras esterlinas e 800,00 euros pelas despesas ocasionadas pelas filhas menores no estrangeiro, não podem responsabilizar o recorrente.
Portanto, o ponto 2 do dispositivo decisório da sentença, que condenou os 1º e 2º réus a pagar ao 1º autor aquelas quantias, não pode manter-se, no que se refere ao 1º réu.
Quanto à condenação incluída no ponto 3 do dispositivo decisório da sentença, resulta que o que está em causa é o valor de MOP$164.765,70, resultado da soma de 28.584,00 patacas + 1.820,00 patacas + o correspondente a 8.070,00 dólares de HK (8.312,10 patacas) + 102.723,00 + 1.888,00 dólares de HK (1.944,60 patacas) + 20.570,00 patacas + 812.00 patacas.
Ora, destas importâncias parcelares, há algumas que não podem ser consideradas comuns. Efectivamente, se as despesas de educação respeitantes às 2 filhas mais velhas no exterior de Macau não podem ser comunicáveis ao recorrente, também entendemos que, exactamente, pela mesma razão, de fora deverão ficar as despesas de passagens aéreas da filha mais velha de 1.820,00 patacas e de 8.070,00 dólares de HK (equivalente a 8.312,10 patacas), tudo no total de 10.132,10 patacas.
As restantes despesas, sem dúvida integram-se no conceito de “encargos normais da vida familiar”, quer porque decorrem dos custos de educação da filha mais nova que permaneceu em Macau (28.584,00 patacas), ou do arrendamento da casa onde a 2ª ré passou a viver com as filhas após a separação de facto (102.723,00 patacas), ou do seguro da 1ª filha no valor de 1.888,00 dolares de HK (MOP$1.944,60), quer porque derivam das despesas de condomínio da fracção pertencente a ambos os RR (20.570,00 patacas) ou do pagamento da renda e do parque de estacionamento da fracção pertencente a ambos os RR (812,00 patacas).
Estas despesas enquadram-se, de acordo com os considerandos mais acima exarados, no conceito de encargos normais da vida familiar, apesar de serem produzidas já no momento em que os RR se encontravam separados de facto. Portanto, são dívida comum.
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10 - Tudo visto, o Réu recorrente será responsabilizado pelo pagamento de 154.633.60 patacas, indo absolvido do restante.
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IV - Decidindo
Face ao exposto, acordam em:
1 – Julgar parcialmente provido o recurso e, por isso, revogar a sentença na parte em que, no ponto IV - 2 do dispositivo decisório, tinha condenado o 1º réu, juntamente com a 2ª ré, no pagamento ao 1º autor A da quantia de 307.546,00 dólares de Hong Kong, 28.375,00 francos suíços, 30.154,72 libras esterlinas e 800,00 euros;
1.1 – Em consequência, absolvem o 1º réu do pedido condenatório nos valores indicados em 1.
2 – Julgar parcialmente provido o recurso e, assim, revogar a sentença na parte em que, no ponto IV-3 do dispositivo decisório, dentro da quantia global ali fixada de 164.765,70 patacas, o tinha condenado a pagar a quantia de 8.070,00 dólares de HK (8.312,10 patacas) e 1.812,10 patacas, no total de 10.132,10 patacas;
2.1 – Em consequência, mais acordam em absolver o 1º réu do respectivo pedido de pagamento dessa quantia de 10.132,10 patacas.
3 – No mais, acordam em negar provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida.
Custas pelas partes em ambas as instâncias, em função do decaimento.
TSI, 31 de Julho de 2014
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
1 Curso de Direito de Família, Vol. I, Introdução ao Direito Matrimonial, 4ª ed., pág. 408-409.
2 Refere-se ao art. 1691º, equivalente ao art. 1558º do CC de Macau.
3 “Do regime da responsabilidade (pessoal e patrimonial) por dívidas dos cônjuges”, in http://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/8132/1/Tese_Doutoramento_Cristina_Dias.pdf, pág. 135
4 Ob cit., pág. 138.
5 Ob cit., pág. 163.
6 Ob. cit., pág. 707. Em suporte físico, vide a obra da autora “Do regime da responsabilidade por dívidas dos cônjuges – Problemas, críticas e sugestões” – Coimbra Editora, 2009, pág. 953.
7 Código Civil anotado, IV, pág. 266.
8 Neste sentido, Cunha Gonçalves, Tratado de Direito Civil, IV, pág. 766, citado por Cristina M. Araújo Dias, na obra citada “Do Regime da Responsabilidade por Dívidas dos Cônjuges”, Coimbra Editora, pág. 952.
9 Estando em causa o futuro dos menores, ver Hugo Manuel Leite Rodrigues, «Questões de Particular Importância no Exercício das Responsabilidades parentais», pág. 129 e 153-154.
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107/2013