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Proc. nº 558/2013
Recurso Contencioso
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 24 de Julho de 2014
Descritores:
-Autorização de residência
-Discricionariedade
-Conceito indeterminado
-“particular interesse”
-Princípio do inquisitivo
-Meios de prova

SUMÁRIO:

I - A competência para decidir os pedidos de residência temporária apresentados ao abrigo do Regulamento nº 3/2005 pertence ao Chefe do Executivo (art. 6º, nº1), sem prejuízo da delegação no Secretário que tutela a área da Economia (nº2, cit. art. 6º).

II - A actividade administrativa discricionária não foge sempre à vinculação; há limites internos e externos que a Administração não pode deixar de observar.

III - Por exemplo, nos limites externos é preciso que a Administração se paute por critérios vinculados, como é o caso da competência do órgão decisor, dos pressupostos de facto, que devem ser verdadeiros, dos pressupostos de direito, do dever de fundamentação e de observância de formalidades prescritas na lei.

IV - E nos internos, também a Administração está obrigada ao respeito dos princípios gerais do direito administrativo plasmados nos arts. 3º e sgs. do CPA.

V - Só fora desse enquadramento de vinculação, a actuação administrativa escapa ao controlo dos tribunais, a não ser nos casos de erro ostensivo, grosseiro e palmar.

VI - Quando o acto administrativo não tem conteúdo próprio haverá que ver o contexto e os termos da sua produção para averiguar para que acto preparatório ele remete.

VII - É indeterminado o conceito de “particular interesse” contido no nº3, do art. 1º do Regulamento citado. Simplesmente, é um daqueles conceitos que, devido ao campo de actuação político-administrativa em que se insere, a sua avaliação apenas cabe discricionariamente ao ente administrativo, não podendo o tribunal sindicar a sua densificação, a não ser nos casos em que ele incorra em manifesto erro grosseiro.



Proc. nº 558/2013

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.

I – Relatório
A, de nacionalidade australiana, residente na Rua dos Pescadores, XXX, recorre contenciosamente do despacho do Ex.mo Secretário para a Economia e Finanças de 11/06/2013 que, aderindo a anterior parecer, lhe indeferiu o pedido de concessão de título de residência temporária em Macau.
Concluiu a petição inicial, formulando as seguintes conclusões:
«Quanto ao primeiro fundamento
-66.º-
O Recorrente declarou a fls. 35 dos autos em epígrafe, quanto ao seu salário de base, que recebia MOP35,500.00, e remeteu para o que dispõe o seu contrato de trabalho.
-67.º-
O art. 2.º n.º 4 da Lei das Relações de Trabalho, aprovada pela Lei n.º 7/2008 (adiante, “LRT”) define a “remuneração de base como «Remuneração de base», todas as prestações periódicas em dinheiro, independentemente da sua designação ou forma de cálculo, devidas ao trabalhador em função da prestação do trabalho e fixadas por acordo entre o empregador e o trabalhador ou por norma legal;”
-68.º-
O art. 59.º da LRT concretiza, dando exemplos do que constitui a remuneração base de um trabalhador e o número 6 desse artigo consagra expressamente a figura dos subsídios inerentes à função desempenhada: “6) Subsídios e comissões inerentes às funções desempenhadas;”.
-69.º-
Ora, atendendo às funções que o Recorrente desempenha, de Gerente Geral da sociedade sua empregadora, está legalmente incluído como item admissível à determinação da remuneração de base, nos termos do art. 61.º da LRT, o montante de MOP14,000.00 pago mensalmente, desde sempre, pela sua entidade patronal (Apêndice 1 do seu contrato de trabalho, a fls. dos autos).
-70.º-
Tudo conforme resulta de declaração da sua entidade patronal - Documento sob o n.º 1.
-71.º-
Esta carta de referência inclui três anexos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos e que demonstram:
“Appendix One”: Em primeiro lugar a excelência dos conhecimentos tecnológicos do Recorrente na área da electrónica e reparação dos mesmos, e o relevo desta área para a indústria do jogo em Macau;
“Appendix Two”: Em segundo lugar, a importância para o Grupo Empresarial XXX do Recorrente, e sua permanência como residente em Macau;
“Appendix Three”: Por último, cabe uma explicação detalhada do cálculo do salário que é pago mensalmente ao Recorrente.
-72.º-
Com efeito, e conforme resulta do Apêndice 3 do Documento n.º 1, o Recorrente sempre teve um salário base, no mínimo, e para os efeitos do cálculo previsto no art. 61.º da RLT, de MOP35,500.00, o que se situa acima da média de empregados que desempenhem funções semelhantes em Macau conforme resulta das considerações da própria Instrutora do processo, a fls. 1 de 3.
-73.º-
Acresce que a empregadora do Recorrente paga por este ao senhorio, a renda mensal, que é no montante actual de MOP12,500.00.
-74.º-
Pelo que, mesmo desconsiderando o 13.º mês (excluído do cálculo do art. 61.º por força do n.º 3 do art. 59.º) o Recorrente tem uma remuneração mensal mínima de MOP48,000.00, acima da média de empregados que desempenhem funções semelhantes em Macau conforme resulta das considerações da própria Instrutora do processo, a fls. 1 de 3.
-75.º-
Acresce finalmente que o Recorrente recebeu a título de salário (conceito vago, que é preenchido com recurso à vontade real das partes subscritoras do contrato de trabalho) e independentemente da forma de cálculo da remuneração de base estabelecida no art. 61.º, durante o ano de 2011, a remuneração do Recorrente ascendia mensalmente MOP53,000.00.
-76.º-
Mais, o Recorrente recebeu a título de remuneração do seu trabalho durante o ano de 2012, mensalmente, cerca de MOP65,000.00 mensais.
-77.º-
Tudo conforme resulta da leitura conjugada do seu contrato de trabalho (incluindo o Apêndice 1) e do Apêndice 3 do Documento n.º 1.
-78.º-
Não se compreende como é que se pode considerar, em face do que dispõe a lei aplicável de Macau (a Lei das Relações de Trabalho) que o Recorrente recebesse “apenas” MOP28,946.03 mensais, se consideradas as verbas que o Recorrente recebe além do “salário base” referido no art. 59.º da LRT, pelo menos, o subsídio que é pago pelo exercício das funções de Gerente Geral para a sua empregadora (MOP14,000.00).
-79.º-
Acresce que, nos termos do n.º 2 do art. 9.º e artigo 11.º do referido Regulamento n.º 3/2005, o IPIM (no caso, o Gabinete Jurídico e de Fixação de Residência) caso entendesse que tinha dúvidas insanáveis quanto às declarações prestadas e documentos entregues pelo Recorrente, dever-lhe-ia ter solicitado documentos.
-80.º-
O que não fez especificadamente: não solicitou documentos que na óptica do Digno Instrutor supririam a insuficiência alegada.
-81.º-
Pelo que, e também pela clara insuficiência do impulso de diligências instrutórias da parte do IPIM, o acto administrativo de que ora se reclama é inválido por se encontrar viciado de anulabilidade, por violação do n.º 2 do art. 9.º e artigo 11.º do referido Regulamento n.º 3/2005, devendo ser revogado.
-82.º-
Mais: O Digno Instrutor do processo em epígrafe, ao considerar que o Recorrente juntou documentos onde vem referida a sua experiência profissional (conforme se pode ler abaixo para facilidade de referência na documentação anteriormente entregue, aqui juntos como documentos sob os números 5, 6, 7, 8, 9 e 10) mas retirando consequência contraditória do facto que dela resulta e cujo facto deveria ter sido dado por provado (experiência profissional relevante de cerca de vinte anos na área da gestão), e tendo alegando como fundamento um requisito que a lei não exige (que a experiência profissional seja atestada pela entidade patronal ou entidades patronais anteriores) e o Instrutor não notificou que a existir insuficiência fosse suprido, o acto está também nessa parte duplamente viciado:
-83.º-
Ou seja, o Digno Instrutor fez errada interpretação dos requisitos legais no Regulamento Administrativo n.º 3/2005, e noutra legislação aplicável, quanto à suficiência para a prova de um facto.
-84.º-
Com efeito, um facto pode ser provado por documento ou por via testemunhal, ou pericial, entre outros, nos termos do Código Civil.
-85.º-
Outra coisa bem diferente é a lei de Macau (art. 78.º da LRT) conferir um direito aos trabalhadores que hajam prestado trabalho em Macau, de uma carta de referências, com indicação de data de início e termo da relação contratual e descrição do conteúdo funcional ou mera menção da posição então ocupada.
-86.º-
Mas apenas isso, ou seja, não é um requisito legal constante do art. 9.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005.
O que o Regulamento exige é que se faça prova: al. 3) do n.º 1 do art. 9.º do Regulamento n.º 3/2005.
-87.º-
Qualquer prova legalmente admissível, o que nos remete para o Código Civil, e não para o entendimento algo obscuro do Digno Instrutor ao vislumbrar esse documento como requisito!
-88.º-
Sobretudo e especialmente gravoso para os interesses do Recorrente, quando aliado à insuficiência das diligências instrutórias no sentido de suprir qualquer dúvida que tivesse.
-89.º-
Sublinhe-se ainda e a esse respeito, que o Recorrente nunca havia antes trabalhado em Macau, e sim na Austrália, conforme resulta dos documentos juntos pelo Recorrente, a fls. dos autos.
-90.º-
Ora, e se até fosse o caso de se verificar que o Digno Instrutor do processo em epígrafe duvidava da própria veracidade do que declarou o Recorrente e provou por documento (Documentos 5 a 10), devê-lo-ia ter notificado de forma especificada para prestação de entrega de mais documentos declarando suspenso o procedimento até que estivesse satisfeito!
-91.º-
É isso que o Regulamento prevê!
-92.º-
Pelo que, ao assim ter decidido, com factos que incompreensivelmente decidiu irrelevar, a decisão está viciada com falta de fundamentação, e falta de impulso instrutório, que, nos termos conjugados dos arts. 9.º/2 do Regulamento Administrativo n.º 3/2005 e arts. 59.º, 114.º/1/a), 115.º/2, 124.º, 125 e 130.º, deverá ser revogado, com eficácia retroactiva, nos termos do art. 133.º, todos, do CPA.
-93.º-
E na sequência, a final, e com ou sem mais diligências de instrução que sejam determinadas antes ou na sequência de recurso, seja proferido despacho que considere devidamente os elementos de prova carreados aos autos pelo Recorrente, e assim justamente se decida pelo deferimento do requerimento do Recorrente de fixação da sua residência em Macau, considerando-se demonstrado o Recorrente ser remunerado mensalmente com pelo menos a quantia declarada - MOP35,500.00.
Quanto ao segundo fundamento
-94.º-
O Recorrente entregou toda a documentação exigida no Regulamento n.º 3/2005, conforme resulta da leitura dos autos.
-95.º-
Inclusivamente, o Recorrente juntou cópia do seu contrato de trabalho ao GJFR, e cartas de referência, como se pode ver de fls. dos autos!
-96.º-
Tudo o que o Recorrente entregou no IPIM ao cuidado do GJFR, fê-lo de boa fé, sendo verdadeiras as suas declarações.
-97.º-
Na sua mente, nunca imaginou que faltasse qualquer documento ou informação necessária ao já volumoso processo, em epígrafe.
-98.º-
Não foi, por isso, notificado para prestar mais qualquer específico documento ou declaração!
-99.º-
Se o Digno Instrutor do processo no GJFR duvidou em algum ponto durante o processo em epígrafe, da veracidade ou da existência de qualquer irregularidade nos termos do arte 11.º do Regulamento n.º 3/2005, deveria ter suspenso o processo, disso notificando o Recorrente, e tomando decisão quando se considerasse esclarecido!
-100.º-
Pelo que não se vislumbram, novamente, razões objectivas, que legais sejam, para negar o pedido de fixação de residência do Recorrente.
-101.º-
Note-se que o Recorrente sempre esteve disponível para colaborar com a Administração para suprir qualquer falta de informação.
-102.º-
Motivos pelos quais o Recorrente considera que o acto impugnando é também pela fundamentação acima em epígrafe, também ele, ilegal, por violação do n.º 2 do art. 9.º e artigo 11.º do referido Regulamento n.º 3/2005, sendo por isso anulável, devendo ser também nessa parte revogado, considerando-se na sequência ou que os autos se encontram bem instruídos, ou alternativamente, se proceda a mais diligências instrutórias com vista a suprir qualquer deficiência ou mesmo irregularidade.
Quanto ao terceiro e quarto fundamentos
-103.º-
A justificação do digno Instrutor do processo para indeferimento do requerimento de fixação de residência pelo Recorrente por reporte às habilitações académicas do Recorrente não podia ter sido acolhida pela entidade recorrida, porquanto se funda numa errada interpretação da lei, a saber, do art. Regulamento n.º 3/2005.
-104.º-
Com efeito, dispõe o art. 1.º al. 3) do Regulamento n.º 3/2005 que Podem requerer autorização de residência temporária na Região Administrativa Especial de Macau, nos termos do presente diploma, as seguintes pessoas singulares não residentes: (...) 3) Os quadros dirigentes e técnicos especializados contratados por empregadores locais que, por virtude da sua formação académica, qualificação ou experiência profissional, sejam considerados de particular interesse para a Região Administrativa Especial de Macau;”
-105.º-
Relacionada com essa norma, está a al. 3) do n.º 1 do art. 9.º desse mesmo Regulamento, que é de natureza instrumental em relação ao art. 1.º al. 3) o qual, regulando os requisitos da “Instrução do pedido”, estabelece quanto à redacção alternativa da al. 3) do n.º 1 do art. 9.º do citado Regulamento que “1. Juntamente com o requerimento o interessado entrega os seguintes documentos, conforme aplicável:
(...)
3) Prova da formação académica e qualificação e experiência profissional do técnico especializado ou quadro dirigente;
-106.º-
Esta expressão legal dos requisitos necessários deve ser concatenada com a norma que com ela se encontra em relação de hierarquia: o referido art. 1.0 al. 3) do Regulamento n.º 3/2005!
-107.º-
Ora, o Recorrente demonstrou documentalmente estar contratado por uma empresa com sede em Macau (conforme resulta das próprias considerações do digno Instrutor do processo em epígrafe, a fls. 1/3).
-108.º-
Mais demonstrou o Recorrente, e também documentalmente, por cartas de referência assinadas por colegas de profissão do Recorrente, ou anteriores empregadores, que o Recorrente tem vasta experiência profissional, de cerca de vinte anos.
-109.º-
A redacção da aludida norma, é de natureza alternativa, facto facilmente constatável pela leitura da disjuntiva “ou” ao invés de aí se prever uma copulativa “e”.
-110.º-
Pelo que, apesar de não ter habilitações académicas correspondentes a um grau atribuído por instituição de ensino superior e sim, o equivalente ao ensino secundário, o Recorrente não deve por essa razão ser prejudicado pela Administração do IPIM pela aludida errada interpretação da lei.
-111.º-
Ou seja, o Recorrente ao ter demonstrado que tem experiência relevante, deve considerar-se ao abrigo do art. 1.º al. 3) do Regulamento n.º 3/2005, que está observado o primeiro requisito para a concessão de autorização de fixação de residência temporária: ser um quadro dirigente (Gerente Geral) que tem experiência profissional, que é relevante (cerca de vinte anos).
-112.º-
A única expressão que é cumulativa com uma das três situações alternativas (...“formação académica, qualificação ou experiência professional”...) é que esses Recorrentes de fixação de residência temporária “...sejam considerados de particular interesse para a Região Administrativa Especial de Macau...”
-113.º-
Ora, o Recorrente entregou ao cuidado do GJFR várias cartas de recomendação e ou de referência de pessoas que ocupam posições da área da gestão e da electrónica, que transmitem a ideia clara que o Recorrente é uma pessoa altamente capaz, acima da média, e produtora de riqueza, acima da média, para as empresas com as quais colaborou ou para as equipas em empresas que administrou ou dirigiu.
-114.º-
O GJFR não afirmou nunca apesar da utilização desta norma para o indeferimento, que a contratação do Recorrente não é no benefício do fomento e prestação de serviços essenciais ao tecido empresarial da RAEM.
-115.º-
Numa palavra, o IPIM nunca considerou especificadamente que não é no interesse do Território autorizar a fixação de residência do Recorrente.
-116.º-
Se o fizesse, seria uma posição ilegal, porque contrária à realidade e infundada, pelo que seria sindicável.
-117.º-
É que, a realidade foi aquela que foi testemunhada por aquelas mesmas pessoas que ou empregam o Recorrente ou o empregaram, ou com ele colaboraram, dele fazendo uma óptima, excelente impressão, nessas duas áreas: gestão e vastos conhecimentos do mundo da electrónica.
-118.º-
O IPIM nunca cuidou de solicitar do Recorrente produção de meio de prova diverso do que ele submetera.
-119.º-
Em face da documentação junta pelo Recorrente antes do presente recurso, que se deu acima por integralmente reproduzida, deveria ter sido outra a decisão da entidade recorrida, que subscreveu o parecer do referido Gabinete, no procedimento em referência.
-120.º-
Deveria ter sido emitido parecer favorável à sua fixação de residência, por ser um quadro dirigente com larga experiência profissional, e dotado de conhecimentos tecnológicos muito acima da média, do melhor que qualquer empresa de renome internacional cobiça, e remunera justamente pela escassez desses recursos humanos (V d. por todas as conclusões, o Documento n.º 1).
-121.º-
Como é justamente remunerado o Recorrente (vd. especialmente, Apêndice 3 do Documento n.º 1).
-122.º-
Motivos que devem levar a que seja revogado o acto que foi proferido no procedimento administrativo em epígrafe, por violação do art. 1.º al. 3) do Regulamento n.º 3/2005, al. 3) do n.º 1 do art. 9.º desse mesmo Regulamento, e errada interpretação da lei, lavrando-se outro que acolha a pretensão do Recorrente (e sua entidade patronal, que espera o conforto de poder contar com o Recorrente seu trabalhador como Residente de Macau).».
*
A entidade recorrida, apresentou contestação, na qual formulou as seguintes conclusões:
«I. A lei não autoriza a Administração a conceder autorização de residência à generalidade dos trabalhadores não residentes;
II. A concessão de autorização de residência a trabalhadores não residentes, nos termos do art. 1º, 3, do RA 3/2005, tem carácter excepcional;
III. Para efeitos de autorização de residência, ao abrigo do RA 3/2005, a Administração goza de ampla discricionariedade na avaliação do particular interesse de um trabalhador do exterior para a RAEM;
IV. A fundamentação do acto impugnado permite conhecer de forma clara os seus motivos, factuais e legais.
V. As provas fornecidas pelo recorrente em sede de procedimento administrativo não conseguiram esclarecer, sem margem para dúvidas, qual o montante exacto do seu salário;
VI. A prova que deveria ter sido feita no procedimento administrativo não pode ser substituída por prova feita no recurso contencioso;
VII. As cartas de recomendação produzidas no procedimento administrativo não eram forma idónea de provar, de forma rigorosa, a experiência profissional do recorrente e tiveram, como toda a prova, de ser objecto da adequada valoração.
Pelas razões expostas, entendemos, portanto, que deve ser negado provimento ao presente recurso».
*
O recorrente apresentou alegações facultativas, tendo-as concluído pelo seguinte modo:
«I. Quanto aos primeiro e segundo fundamentos constantes do acto administrativo que motivou a adesão da entidade recorrida, no que respeita a diligências instrutórias, e se constata da leitura da douta contestação, tendo ficado demonstrado ainda que indiciariam ente, ainda que como princípio de prova, por documentos, que o R. não é um qualquer administrador, nem um qualquer técnico especializado com vastos conhecimentos em determinada área, e que o R. é sim um trabalhador dotado de ímpar experiência profissional com aptidões e competências em áreas vitais que lhe permitiriam progressão mais' acelerada da sua carreira, e, do lado da sua entidade patronal, em parte consequentemente, esta espera obter do R. contributo relevante para o natural desenvolvimento das suas actividades em Macau, como futura plataforma de desenvolvimento do Grupo em que se integra o R., e sem prejuízo da larga margem de discricionariedade da Administração em conceder, ou não, a final, a autorização de residência ao R., está no entanto a Administração vinculada a procurar suprir qualquer informação deficiente que o R. tenha prestado, seja quanto a conformidades ou desconformidades quanto ao montante do salário - devendo entender-se que o R. sempre auferiu a quantia que declarara ao IPIM, a título de salário base, e que, o registo de quantia inferior ao declarado num mês se deveu a um lapso de reporte de contabilidade da sua empregadora - seja sobretudo, quando respeita à comprovação da vasta experiência profissional do R., pelo que, a exigência de formalidades pela Administração (que o R. desconhecia) para a certificação das suas habilitações ou da sua vasta experiência profissional relevante deveria ter sido expressamente comunicada ao R., para que este as cumprisse, atento o regime consagrado nos arts. 86.º e 87.º do CPA, sendo nessa parte inválido e anulável nos termos do art. 124.º do mesmo diploma, devendo ser anulado.
II. Acresce que o digno Instrutor, consultando as ofertas de mão-de-obra disponível para as áreas pretendidas, em que tem vasta experiência e conhecimentos o R., a mesma oferta de mão-de-obra por outrem que não o R., não existia, conforme resulta da leitura do relatório do Sr. Instrutor do GJFR (a fls dos autos do processo instrutor, e a fls. dos autos de recurso tradução oficial).
III. Quanto aos terceiro e quarto fundamentos do parecer que instruiu o despacho das entidades recorridas, incluindo as atinentes a quaisquer formalidades a observar quanto à prova dos factos que alega, se se tivesse verificado impulso instrutório do Exmo. Sr. Instrutor nesse sentido, notificando o R. para fornecer prova suplementar que fosse bastante para as entidades recorridas poderem devidamente considerar essa prova suplementar, e então, se lançasse mão da sua discricionariedade em conceder ou não a autorização de residência ao R..
IV. Não pode assim o Recorrente concordar com o acto administrativo impugnando, por entender que o mesmo é inválido por se encontrar ferido de anulabilidade, por falta de fundamentação, contradição e falta de impulso instrutório, pelo que, nos termos conjugados dos arts. 9.º/2 do Regulamento Administrativo n.º 3/2005 e CPA, arts. 59.º, 86.º e 87.º 114.º/1/a), 115.º/2, 124.º, 125 e 130.º, deverá ser anulado».
*
A entidade recorrida limitou-se a oferecer o merecimento dos autos.
*
O digno Magistrado do MP, em termos que aqui damos por legalmente reproduzidos para os devidos e legais efeitos, opinou no sentido da improcedência do recurso.
*
Cumpre decidir.
***
II – Pressupostos processuais
O Tribunal é absolutamente competente.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito.
***
III – Os Factos
1 – Em 17/02/2012 o recorrente apresentou no IPIM, ao abrigo do art. 1º, nº3, do Regulamento Administrativo nº 3/2005 um pedido de concessão do título de residente temporário em Macau (fls. 233 dos autos).
2 – No IPIM foi prestada a seguinte informação (fls. 162-164 dos autos)
«INSTITUTO DE PROMOÇÃO DO COMÉRCIO E DO INVESTIMENTO DE MACAU
Informação 0104/Residência/2012
Requerimento de residência de quadro dirigente - Primeira vez
Requerente: A
Aplica-se o Regulamento Administrativo n.º 3/2005
Assunto: Revisão do requerimento da residência temporária.
Comissão Executiva:
1. De acordo com os seguintes elementos da identificação do interessado:
N.º
Nome
Relações
Documentos
N.º
Validade
1
A
Requerente
Passaporte da Austrália
XXX
08/04/2020



TI/TNR
XXX
10/01/2013
2. O CPSP emitiu parecer sobre os documentos de viagem do interessado ao abrigo do Despacho n.º 120-I/GM/97 proferido pelo Governador de Macau, e notificou ao IPCIM de que o requerente satisfaz as condições da identificação exigidas pelo requerimento de fixação de residência por investimento.
3. O requerente pediu a autorização de residência temporária em Macau com fundamento da qualidade de quadro dirigente e por isso, entregou documentos comprovativos da formação académica e da qualificação profissional.
Certificado da formação académica:
Nome da escola
Período
Certificado
JUNEE HIGH SCHOOL
1993
HIGHER SCHOOL CERTIFICATE
4. O requerente apresentou documento comprovativo (vide fls. 34 a 70), provando a seguinte relação laboral:
Entidade patronal: XXX Asia Ltd. (XXX有限公司)
Cargo: General Manager (vide fls. 34)
Vencimento: MOP 35.500,00 (vide fls. 34)
Data de ingresso: 1 de Julho de 2011 (vide fls. 34)
O requerente apresentou documento comprovativo de trabalho (vide fls. 25 a 34), verificando que trabalhava como Technical Manager, General Manager Operations e General Manager em diversos órgãos da mesma entidade patronal desde o ano 2006 até hoje, com cerca de sete anos de experiência em gestão deste tipo de cargo.
A Sociedade XXX Asia Ltd. foi estabelecida em 10 de Agosto de 2010 (vide fls. 44), com capital de registo em MOP 40.000,00, dedicando-se à venda de mecanismos electrónicos, aos serviços de apoio técnico e de programação e aos negócios de importações e exportações.
Segundo os dados estatísticos do 4º trimestre do ano 2012 recolhidos pela DSEC, o valor médio da retribuição auferido por quadros diligentes não residentes em outros sectores é de MOP 30.000,00, e neste caso concreto, a retribuição do requerente é de MOP 35.500,00, sendo superior ao nível médio da retribuição deste sector.
Conforme o contrato de trabalho assinado pelo requerente em 1 de Janeiro de 2012 (vide fls. 35), a retribuição de base mensal fixa-se em MOP 35.500,00, enquanto conforme o EMPLOYEE PAY SLIP do requerente (vide fls. 66), a retribuição de 1 de Janeiro a 31 de Janeiro de 2012 é de MOP 28.956,03, montante esse foi igual à base de MOP 204.80 multiplicada pelo número de horas de trabalho, que não corresponde ao valor da retribuição de base fixado no contrato (MOP 35.500,00).
Para verificar que se o requerente seja ou não indivíduo especializado carente em Macau, o IPCIM consultou os dados na rede informática da DSL relativo ao registo de pedido de emprego (vide fls. 128 a 156), resultando que entre os candidatos a emprego na duração válida, há 404 candidatos que dispõem de ensino secundário complementar como formação académica e não há candidato a procurar o respectivo emprego em apreço, enquanto há dois a procurar emprego de gerente.
Considerando que:
1. Embora o valor da retribuição declarado pelo requerente seja de MOP 35.500,00, que foi superior ao nível médio da retribuição de quadros dirigentes não residentes em outros sectores (MOP 30.000,00), aliás, o montante real foi igual à base de MOP 204.80 multiplicada pelo número de horas de trabalho, cujo total não corresponde ao valor da retribuição de base mensal fixado no contrato (MOP 35.500,00), isto é, segundo o Employee Pay Slip do requerente (vide fls. 66), o montante da retribuição de 1 de Janeiro a 31 de Janeiro de 2012 é de MOP 28.946,03, não correspondendo ao valor da retribuição mensal fixado no contrato de trabalho que é de MOP 35.500,00;
2. O requerente possui 7 anos da experiência profissional nos cargos de Technical Manager, General Manager Operations e de General Manager;
3. Segundo as informações da Divisão de Promoção de Emprego da DSI, entre os candidatos a emprego na duração válida, há 404 candidatos que possuem ensino superior geral como formação académica, entre os quais há 7 candidatos que possuem experiência de 3 a 27 anos variável em gestão; não obstante não há candidato a procurar o respectivo emprego em apreço, mas há candidatos a procurar o emprego de vice-gerente/ gerente, entre os quais há um candidato possui cerca de 16 anos da experiência em gestão; quer dizer, em Macau não carece de respectivo pessoal especializado em respectivo sector;
4. O Regulamento Administrativo n.º 3/2005 dispõe no seu art.º 1.º n.º 3 o requerimento da autorização de residência temporária dos respectivos técnicos especializados, destacando que o pessoal neste âmbito deve possuir formação académica, qualificação ou experiência profissional adequadas de particular interesse para Macau. Portanto, neste caso concreto, os documentos apresentados pelo recorrente não mostram, de forma suficiente, que o recorrente possui qualificação profissional de particular interesse para Macau;
5. Pelo que se sugere aqui que não seja dada a consideração positiva sobre o requerimento da autorização da residência temporária do recorrente.
Com base na análise supracitada, o IPCIM emitiu o ofício n.º 15526/GJFR/2012 (fls. 127) em 15 de Outubro de 2012, notificando ao requerente de fazer a audiência escrita.
O requerente contestou em 31 de Outubro de 2012 (vide fls. 100 a 126), nomeadamente:
1. Uma vez que no ensino superior, não há lição relativa a conhecimentos de jogos, pelo que o requerente apresentou as respectivas cartas de recomendação para provarem que o mesmo possui respectivos conhecimentos e experiência em gestão que são considerados carentes em Macau;
2. O recibo de remuneração que o recorrente entregou posteriormente pode revelar que o requerente auferiu retribuição mensal no valor de MOP 35.500,00;
3. O curriculum vitae do recorrente pode provar a sua experiência em gestão nos anos 1995 a 2001.
4. Os candidatos a empregado de Macau carecem de experiência real de trabalho e consequentemente, não são capazes de assumir o cargo do recorrente;
5. Não obstante o recorrente não tem por formação académica o ensino superior, ainda espera que, através dos documentos apresentados, possa funcionar um factor positivo relativo à sua habilitação e I experiência em gestão.
Face à contestação supracitada, vem analisar nos seguintes termos:
1. Não obstante o recorrente apresentou várias cartas de recomendação para provarem a sua experiência profissional por vários anos, mas as cartas não são emitidas pelo ex-empregador e por isso, não se pode determinar a antiguidade real, devendo apenas tomar por referência as cartas;
2. O requerente não entregou documentos para provarem que a sua retribuição de base corresponde ao valor fixado no contrato;
3. Nem apresentou mais documentos de formação académica, pelo que o mesmo não possui por formação académica o ensino superior;
4. É de salientar, considerando sinteticamente os diversos factores, apesar da experiência profissional de vários anos, os documentos apresentados pelo recorrente ainda não bastam de satisfazer os requisitos exigidos na formação académica ou qualificação profissional de particular interesse para Macau.
Visto.
Sugere-se que, ao abrigo dos dispostos no Regulamento Administrativo n.º 3/2005, seja indeferido o requerimento da autorização de residência temporária do requerente.
n.º
Nome
Relação
1
A
Requerente
Submete-se o presente parecer a visto da V. Ex.ª.
O técnico superior
Ass.: vide o original
XXX
Aos 8 de Maio de 2013»
3 - Foi seguidamente lavrado o seguinte parecer do Presidente da Comissão Executiva do IPIM ao Exm.º Sr. Secretário para a Economia e Finanças:
“Através da investigação e análise, dado que em Macau se encontra candidatos titulares da respectiva formação académica e qualificação profissional que estavam a procurar emprego e não carece de tal pessoal especializado e por isso, os documentos apresentados pelo requerente não mostram, de forma suficiente, que o mesmo dispõe da qualificação profissional de particular interesse para Macau, daí que emita um parecer desfavorável à concessão da autorização da residência temporária ao seguinte interessado, propondo a não autorização do respectivo requerimento.
N.º
Nome
Relação
1
A
Requerente
Este requerente não solicitou no IPCIM a residência antes.
Cumpre decisão da vossa excelência.
O Presidente
XXX
Ass.: vide o original
Aos 22 de Maio de 2013
4 – O Chefe do Gabinete Jurídico e de Fixação de Residência pronunciou-se nos seguintes termos:
“Concordo com a proposta”.
5 – Em 11/06/2013, o Exmo Secretário para a Economia e Finanças proferiu então o seguinte despacho:
«Autorizo a proposta» (fls. 160 dos autos e 146 do p.a.).
6 – O recorrente foi notificado do despacho no dia 10/07/2013 (fls. 144 e 145 do p.a.)
***
IV – O Direito
1 - Destaquemos os fundamentos que evolam do parecer lavrado no IPIM:
«1. Embora o valor da retribuição declarado pelo requerente seja de MOP 35.500,00, que foi superior ao nível médio da retribuição de quadros diligentes não residentes em outros sectores (MOP 30.000,00), aliás, o montante real foi igual à base de MOP 204.80 multiplicada pelo número de horas de trabalho, cujo total não corresponde ao valor da retribuição de base mensal fixado no contrato (MOP 35.500,00), isto é, segundo o Employee Pay Slip do requerente (vide fls. 66), o montante da retribuição de 1 de Janeiro a 31 de Janeiro de 2012 é de MOP 28.946,03, não correspondendo ao valor da retribuição mensal fixado no contrato de trabalho que é de MOP 35.500,00;
2. O requerente possui 7 anos da experiência profissional nos cargos de Technical Manager, General Manager Operations e de General Manager;
3. Segundo as informações da Divisão de Promoção de Emprego da DSI, entre os candidatos a emprego na duração válida, há 404 candidatos que possuem ensino superior geral como formação académica, entre os quais há 7 candidatos que possuem experiência de 3 a 27 anos variável em gestão; não obstante não há candidato a procurar o respectivo emprego em apreço, mas há candidatos a procurar o emprego de vice-gerente/ gerente, entre os quais há um candidato possui cerca de 16 anos da experiência em gestão; quer dizer, em Macau não carece de respectivo pessoal especializado em respectivo sector;
4. O Regulamento Administrativo n.º 3/2005 dispõe no seu art.º 1.º n.º 3 o requerimento da autorização de residência temporária dos respectivos técnicos especializados, destacando que o pessoal neste âmbito deve possuir formação académica, qualificação ou experiência profissional adequadas de particular interesse para Macau. Portanto, neste caso concreto, os documentos apresentados pelo recorrente não mostram, de forma suficiente, que o recorrente possui qualificação profissional de particular interesse para Macau».
E depois da audiência escrita, concluiu o parecer:
«1. Não obstante o recorrente apresentou várias cartas de recomendação para provarem a sua experiência profissional por vários anos, mas as cartas não são emitidas pelo ex-empregador e por isso, não se pode determinar a antiguidade real, devendo apenas tomar por referência as cartas;
2. O requerente não entregou documentos para provarem que a sua retribuição de base corresponde ao valor fixado no contrato;
3. Nem apresentou mais documentos de formação académica, pelo que o mesmo não possui por formação académica o ensino superior;
4. É de salientar, considerando sinteticamente os diversos factores, apesar da experiência profissional de vários anos, os documentos apresentados pelo recorrente ainda não bastam de satisfazer os requisitos exigidos na formação académica ou qualificação profissional de particular interesse para Macau.».
O recorrente atacou cada um destes fundamentos, concluindo:
Quanto ao primeiro, haver falta de fundamentação e de impulso instrutório, em violação do disposto nos arts. 9º, nº2 e 11º do Regulamento nº 3/2005, bem como 59º, 114º, nº1, al. a), 115º, nº2, 124º, 125º e 130º do CPA.
Quanto ao segundo, existir falta de fundamentação e violação do nº2, do art. 9º do Regulamento citado. Ao mesmo tempo, mesmo sem assim o qualificar expressamente, alega que o acto é errado nos seus pressupostos de facto, uma vez que o seu salário não é aquele que o acto considerou, mas outro superior.
Quanto ao terceiro e quarto, mostrar-se violado o art. 1º, al. 3) e do art. 9º, nº1, al. 3), do Regulamento referido.
*
2 - Do Regulamento citado importa, então, respigar as normas invocadas.
Elas dispõem do seguinte modo:
O art. 1º, al. 3):
«Podem requerer autorização de residência temporária na Região Administrativa Especial de Macau, nos termos do presente diploma, as seguintes pessoas singulares não residentes:
1) …; 2) …; 3) Os quadros dirigentes e técnicos especializados contratados por empregadores locais que, por virtude da sua formação académica, qualificação ou experiência profissional, sejam considerados de particular interesse para a Região Administrativa Especial de Macau; 4) …».
O nº2, do art. 9º:
«O Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau pode solicitar a qualquer requerente, independentemente dos fundamentos do pedido, a submissão de quaisquer outros documentos que se mostrem razoavelmente úteis à apreciação do mesmo».
O art. 11º:
«Quando haja suspeitas fundadas da ocorrência de falsas declarações, falsificação de documentos ou prática, pelo interessado, de outras irregularidades no âmbito do procedimento, não será este objecto de decisão até que se prove que a irregularidade não se verifica ou foi sanada, sem prejuízo de outras consequências legais».
*
3 - Antes de mais nada, importa sublinhar que a competência para decidir os pedidos de residência temporária apresentados ao abrigo do referido Regulamento é discricionária e pertence ao Chefe do Executivo (art. 6º, nº1), sem prejuízo da delegação no Secretário que tutela a área da Economia (nº2, cit. art. 6º).
Mas, evidentemente, não é por ser discricionária que a actividade administrativa foge a toda a espécie de vinculação. Na verdade, nem mesmo no campo da actividade discricionária deixa de haver limites internos e externos que a Administração não pode deixar de observar.
Por exemplo, nos limites externos, neste assunto, é preciso que a Administração se paute por critérios de vinculação, como é o caso da competência do órgão decisor, dos pressupostos de facto, que devem ser verdadeiros, do dever de fundamentação e de observância de formalidades prescritas na lei.
E nos internos, também a Administração está obrigada ao respeito dos princípios gerais do direito administrativo plasmados nos arts. 3º e sgs. do CPA.
Fora desse enquadramento de vinculação, a actuação administrativa escapa ao controlo dos tribunais, a não ser nos casos de erro ostensivo, grosseiro e palmar, como é consabido.
Para terminar este exórdio, não podemos deixar de alertar que, para além da discricionariedade prevista no art. 6º, nº1 acima aludido, não se pode ignorar o estabelecimento do conceito indeterminado de “particular interesse” contido no nº3, do art. 1º do Regulamento. E, como se sabe, já aí não estamos perante um terreno de pura discricionariedade, mas ante uma situação pautada por uma densificação que, perante a situação real, à Administração cumpre efectuar através de uma tarefa de intelecção e interpretação1 ou em face de um quadro legal que obriga a Administração a observar aqueles parâmetros de actuação concreta2. Ou seja, a Administração está vinculada a interpretar bem o conceito e a integrá-lo correctamente.
*
4 - Dito isto, comecemos, então, pelo vício de forma por falta de fundamentação.
Será mesmo infundamentado ou conterá fundamentação insuficiente o acto em crise?
A nós parece-nos que não. O acto administrativo em causa tem por fundamento o parecer de 8/05/2003 do IPIM e a proposta do Presidente da Comissão Executiva do IPIM.
E destes actos instrutórios é possível inferir, como o inferiria qualquer homem de mediana capacidade de entendimento e inteligência, as razões concretas para o indeferimento. O parecer citado expõe os passos do procedimento ocorridos, sintetiza a posição do requerente, toma posição sobre a área profissional em que o interessado se insere, sobre a existência de outros candidatos locais ao emprego, sobre a remuneração auferida por ele, sobre a sua experiência profissional, sobre as suas habilitações e qualificação.
E foi depois de ter sopesado todos estes dados que o parecer concluiu pela falta de interesse da RAEM na sua contratação e, consequentemente, pelo indeferimento da sua pretensão respeitante à autorização de residência.
A “proposta” do parecer da Comissão que se lhe seguiu, embora mais parca em fundamentação, acaba por aderir ao sentido do parecer do técnico superior do Serviço.
Ora, visto isto, sinceramente não vemos em que medida se possa achar deficientemente fundamentada a decisão administrativa. Todos os condimentos necessários à compreensão do acto administrativo de indeferimento estão lá contidos. Desta maneira, tal como também o entende o digno Magistrado do MP no seu parecer final, não se pode dizer haver violação do dever de fundamentação contido nos arts. 114º, nº1, al. a), 115º, nº2, do CPA.
Improcede, pois, o vício de forma por falta ou insuficiente fundamentação.
*
5 - Tem o recorrente a impressão, por outro lado, de tudo ter feito para comprovar a sua qualificação profissional, a sua capacidade técnica, as suas habilitações académicas e que, se algo faltou demonstrar, deveria ser a Administração a utilizar os seus poderes inquisitivos ao abrigo do art. 59º do CPA. Conclui, portanto, que a Administração não podia decidir com base nos elementos juntos ao procedimento administrativo se para ele outros podiam ser encaminhados sob seu impulso instrutório.
Bem, é certo que a Administração dispõe do poder inquisitivo (cit. art. 59º do CPA), que lhe permite, por exemplo, averiguar todos os factos cujo conhecimento seja conveniente para uma justa e rápida decisão, e recorrer, para o efeito, a todos os meios de prova admitidos em direito (art. 86º, nº1, do CPA). Poder este que, não só lhe consente obter por si mesma a indagação dos factos, como através de solicitação dirigida aos próprios interessados (art. 88º, do CPA). Todos já sabemos isso muito bem e no caso em apreço, esse poder inquisitivo tem, inclusive, consagração normativa no nº2, do art. 9º acima transcrito. Mas, se esse é um “poder”, o seu não exercício não pode reverter contra a Administração como se dever se tratasse.
Todavia, tal poder, bem podendo levar a uma ampliação do acervo instrutório recolhido, se exercitado, não pode volver-se contra a Administração que o não tenha usado, porquanto, estando nós em presença de uma actividade própria da chamada administração autorizativa, o respectivo ónus sempre pertence ao interessado directo do procedimento. Portanto, em princípio, quando existe “deficit instrutório” é ao requerente que ele fica a deve-se. E, de qualquer modo, ele a existir não vale autonomamente como vício do acto; não se diz que o acto é inválido porque houve “deficit instrutório”, embora se possa dizer que o acto possa vir a ser inválido por não ter considerado todos os factos possíveis, precisamente por instrução deficiente. Quer dizer, a carência de elementos instrutórios o que pode é fazer resvalar o caso para a existência de um quadro factual imperfeito ou incompleto da realidade, apto, portanto, a preencher o vício do erro sobre os pressupostos de facto. Todavia, nem mesmo aí convém esquecer que esse é um ónus probatório que pesa inteiro sobre os ombros do interessado particular e que nem sempre pode servir de alavanca automática aos seus desígnios anulatórios.
*
6 - O problema está na fundamentação dos pareceres/propostas em que o acto parece fundar-se.
Assim, por exemplo, é dito na Informação prestada no IPIM (facto 2 supra) que os documentos não demonstram que a sua retribuição corresponde ao valor base fixado no contrato.
Lê-se ali: «Embora o valor da retribuição declarado pelo requerente seja de MOP 35.500,00, que foi superior ao nível médio da retribuição de quadros diligentes não residentes em outros sectores (MOP 30.000,00), aliás, o montante real foi igual à base de MOP 204.80 multiplicada pelo número de horas de trabalho, cujo total não corresponde ao valor da retribuição de base mensal fixado no contrato (MOP 35.500,00), isto é, segundo o Employee Pay Slip do requerente (vide fls. 66), o montante da retribuição de 1 de Janeiro a 31 de Janeiro de 2012 é de MOP 28.946,03, não correspondendo ao valor da retribuição mensal fixado no contrato de trabalho que é de MOP 35.500,00».
E depois: «O requerente não entregou documentos para provarem que a sua retribuição de base corresponde ao valor fixado no contrato».
Ou seja, um dos fundamentos para o indeferimento foi o de que o recorrente, ao contrário do que dizia, não podia auferir o salário indicado de Mop$ 35.500,00.
Vejamos.
Quando um acto remete directamente para um documento específico, será apenas com base nele que a sua fundamentação deve ser apreciada. Se remete directamente para uma proposta será no teor do acto instrutório onde se encontra essa proposta que o acto radica a sua fundamentação. Se houver mais do que um acto instrutório que contenham o mesmo tipo de sugestão ou proposta haverá de ver-se no contexto do acto a qual delas este se refere.
Isto serve para explicar que, por vezes, antes do acto administrativo há mais do que um acto instrutório (relatórios, informações procedimentais, pareceres, etc.) que contêm, frequentemente, propostas de decisão no mesmo sentido. Isto é, há uma sucessão de actos instrumentais em sentido decisório semelhante, ainda que por vezes com fundamentos nem sempre coincidentes.
Quando o acto administrativo se limita a dizer “Acolho a proposta” ou “Concordo com a proposta” ou “Autorizo a proposta” é preciso atentar no contexto do procedimento e olhar para o momento em que o acto é praticado, a fim de se apurar a qual das propostas o acto quer aludir, isto é, a qual dos actos instrutórios ele alude especificamente. Isto é muito importante, uma vez que, apesar de ser semelhante o sentido das propostas, frequentemente difere a fundamentação em cada um desses actos preparatórios.
Ora, o acto administrativo do Secretário para a Economia e Finanças limitou-se a dizer “Autorizo a proposta” (facto 5 supra). A qual proposta se refere ele?
Em nossa opinião, não está a referir-se à “Informação” (facto 2 supra). Isto por duas razões. Em primeiro lugar, por essa Informação, datada de 8/05/2013, ser cronologicamente anterior ao acto instrutório subsequente, datado de 22/05/2013. Em segundo lugar, por ela nem sequer fazer qualquer “proposta” em sentido literal, mas apenas conter uma simples sugestão.
O acto administrativo está, em vez disso, a aludir ao “parecer” do Presidente da Comissão Executiva do IPIM (facto 3 supra), não só por provir de um órgão hierarquicamente dependente do Secretário (embora este argumento não seja, por si só, decisivo), mas também por dele (a.a.) estar mais próximo temporalmente e, finalmente, por esse parecer, realmente, conter uma proposta de não autorização da residência.
Sendo assim, será nesse “parecer” que deve buscar-se a fundamentação relevante para o acto, ainda que quanto a ela (mas só quanto a ela) se possa entender que, por sua vez, acolhe os fundamentos da “Informação” precedente (havendo nesse aspecto uma fórmula de remissão sucessiva).
Ora, tal parecer excluiu o fundamento do salário do recorrente e apenas acolheu os fundamentos referentes à qualificação académica e qualificação profissional. Foi apenas com base nestes dois fundamentos que o “parecer” em apreço considerou que o recorrente não apresentava “particular interesse para Macau”. Logo, foi também esta a fundamentação que o acto unicamente relevou na sua remissão para a “proposta” contida no parecer.
Consequentemente, nada do que respeite ao vencimento do recorrente tem agora qualquer importância como vício, por não ter feito parte do conteúdo fundamentativo deste.
Improcede, pois, este vício.
*
7 - Quanto à experiência profissional e qualificação profissional, devemos entender que o parecer, por seu turno, remete para a “informação” que o precede.
De qualquer maneira, o acto aceitou que o recorrente, com tais factores, não fosse de “particular interesse para Macau”.
O que é isto “particular interesse”?
Será, quanto a nós, um conceito vago ou indeterminado. Ora, relativamente aos conceitos indeterminados, na sua pureza, a jurisprudência e a doutrina vêm considerando que eles não se confundem com a discricionariedade. Se praticamente ninguém hoje em dia já admite que a concretização daqueles conceitos escape a toda e qualquer sindicabilidade contenciosa3, tem-se entendido, por outro lado, que a apreciação judicial dos conceitos indeterminados não se pode restringir às situações em que o caso levado a juízo evidencia um erro grosseiro ou manifesto. Ou seja, a Administração não pode escolher discricionariamente os critérios para o densificarem, antes têm que cumprir a lei densificando-os correctamente.
Sobre o assunto, de resto, na jurisprudência comparada, um acórdão do STA português de 18/06/2003, Proc. nº 01283/02 asseverou:
«Como este Supremo Tribunal vem ultimamente decidindo, ao usar tais termos o legislador não está a entregar à Administração poderes discricionários, mas a fixar-lhe um quadro de vinculação, se bem que mitigado pela possibilidade de preenchimento de conceitos vagos e indeterminados – v. sobre a matéria os Acs. deste STA de 22.9.09, P. nº 44.217, 11.5.99, P. n.º 43.248, e 29.3.01, P. n.º 46.939, de 20/6/02, P.41.706, de 11/3/03, P.42.973 e de 26/3/03, P.1168/02».
Como se refere no acórdão deste STA de 10-12-98, tirado no Processo nº 37.572, "conceitos indeterminados são aqueles que, por concreta opção do legislador, envolvem uma definição normativa imprecisa e a que se terá de dar, na fase de aplicação, uma definição específica; em face dos factos concretos, de tal forma que o seu emprego exclui a existência de várias soluções possíveis, uma vez que se impõe uma única solução (a concreta) para o caso em concreto. Não estamos, aqui, no domínio da discricionariedade.
Nos conceitos indeterminados, a lei refere-se a uma realidade cujos contornos e limites não aparecem bem delineados no seu conceito enunciado, mas que, contudo, resulta também claro que se pretende ver delineado um pressuposto concreto.
Estamos, assim, no campo da aplicação da lei, já que, no fundo, se trata de subsumir os factos a uma determinada categoria legal contida em conceitos indeterminados" (Neste sentido e na perspectiva geral do problema, Fernando Azevedo Moreira, in Revista de Direito Público, n.º 1, pg. 67 e ss.4).
E outra vez afirmou:
«… o uso de conceitos indeterminados, não é uma fórmula de concessão à autoridade de uma qualquer margem de apreciação insusceptível de controle judicial pleno ulterior, sem embargo da existência de situações, em que, por razões essencialmente práticas se aceite redução do controle judicial, em situações em que as normas contenham juízos de valor de carácter não jurídico, fazendo apelo a regras técnicas, científicas, ou juízos de prognose, valorizações subjectivas de situações de facto…
… Nas situações, de conceitos meramente descritivos, dos que contenham conceitos de valor cuja concretização resulte de mera exegese dos textos legais, sem necessidade de recurso a valorações extra legais ou quando tais juízos envolvam valorações especificamente jurídicas, o tribunal haverá de proceder ao controle pleno, designadamente de interpretação/aplicação realizada pela Administração no acto prolatado ao seu abrigo…»5.
Efectivamente, há diferença entre discricionariedade e conceitos indeterminados. Além, a lei permite a escolha de uma solução entre várias possíveis; logo, a discricionariedade revela-se na vontade do administrador. Os conceitos indeterminados caracterizam-se por uma indeterminação do seu sentido, para cujo apuramento se supõe uma tarefa intelecção e de interpretação; logo, a interpretação revela a vontade legislativa determinada pelo sistema jurídico em si mesmo.
É assim que para alguns, na utilização dos conceitos jurídicos indeterminados6 através da interpretação não existe qualquer poder discricionário e não se permite senão uma única solução.
E assim, ou se respeita a lei na concretização fáctica aos pressupostos abstractos da norma (tatbstand) ou os tribunais podem fazer o seu papel de controle de legalidade. Não tendo sido alcançada pelo administrador, pode ser, sem esforço algum, fiscalizada pelo julgador, avaliando se a solução administrativa foi realmente a única solução justa que a norma permitia7. De modo que, essa tarefa implica concluir se o “edifício ameaça ruína” ou não, se a pessoa é “idónea” ou não, se o edifício tem “valor monumental”, se a manifestação representa “perigo para a ordem ou segurança públicas”, se a substância é “tóxica” ou não. Sim ou não; não há talvez, mais ou menos, nem meios-termos (não se é mais ou menos capaz, mais ou menos criminoso; a situação não é mais ou menos perigosa, mais ou menos inconveniente; não existem conclusões do tipo “assim-assim”).
Por isso é que se defende que a interpretação e aplicação dos conceitos indeterminados é sempre uma actividade da Administração vinculada à lei, que visa a busca da (única) solução justa8, sob pena de a realização de certos direitos fundamentais ficar dependente do livre critério da autoridade administrativa9
Isto é, o conceito é finito, contendo um núcleo de certeza onde tertium non datur (por exemplo, ou há “urgência” ou “insalubridade”, ou não): certeza positiva, ao lado de um núcleo de certeza negativa. Essa é hoje a posição predominante na Alemanha, onde se reconhece um controle judicial pleno aos conceitos indeterminados.
*
7.1 - Todavia, não se esgota aqui toda a questão em torno dos conceitos indeterminados.
Na realidade, ainda há quem pense que o problema dos conceitos indeterminados não é resolúvel pela busca da única solução, mas da melhor solução, cuja valoração incumbe apenas ao administrador. Tal controle de mérito é privativo da Administração10.
Poderia dizer-se que, entre aqueles núcleos de certeza há, por vezes, lugar para um espaço de valoração subjectiva, zonas cinzentas onde flutuam incertezas e onde o poder judiciário não pode actuar, por esse ser já um campo do domínio do discricionário. Estaremos, aí, não segundo uma “única solução” possível (se assim fosse, o judiciário poderia fazer controle), mas perante a possibilidade de mais do que uma hipótese de solução. Em tais hipóteses, é o administrador quem melhor está colocado na formulação do juízo subjectivo para a busca da “melhor solução” face à finalidade legal.
Com efeito, não se pode esquecer que a doutrina da solução única não consegue dar resposta a todas as situações, nomeadamente aquelas complexas que importem a intervenção de elementos subjectivos (valorações11), prognoses, apreciações técnicas e até actividades de planificação e políticas12. Wolf, citado por Sérvulo Correia, dizia que quando a subsunção de uma situação de facto a um conceito indeterminado não é factível através de um raciocínio discursivo, mas somente através de um juízo de avaliação, ou quando a lei remete para parâmetros extra-jurídicos incertos e em especial para uma estimativa de desenvolvimentos futuros, o tribunal deve respeitar os «limites de tolerância» e não substituir a sua avaliação à da Administração13. Serão situações em que o administrador deve agir sem sujeição a revisibilidade jurisdicional porque o juiz não pode substituir-se ao administrador, salvo casos raros de erro grosseiro. E seria, por exemplo, o caso da prognose14 (o que não se verifica aqui).
*
7.2 - E o caso em apreço?
Salvo melhor entendimento, “particular interesse” para a Região Administrativa Especial de Macau (cfr., v.g., art. 1º, 3), Regulamento Administrativo nº 3/2005) é um daqueles conceitos que encerra um largo espectro de avaliação que é própria da entidade (RAEM) a favor de quem ele foi criado. Isto é, mesmo que a Administração tenha que preencher o conceito com a factualidade correcta e verdadeira, certo é que em caso nenhum o tribunal pode substituir-se a ela para lhe impor uma noção de utilidade e de interesse que ela mesma pode rejeitar. Esse é um domínio onde o jurisdicional não pode actuar sob pena de estar a exercer a sua acção em terreno que é próprio da actividade político-administrativa e, assim, ofender o respeito pela separação de poderes.
Ou seja, para casos destes, não se prefigura uma solução única, antes é possível outra diferente, em função do juízo subjectivo que o administrador formula no caso específico que tem à sua frente para resolver, face ao fim legal, com se disse acima. É um campo onde predominam opções de índole político-administrativa que impõem valorações administrativas especiais que o judiciário não pode impedir15.
Assim, estamos perante um caso que abre a via para uma margem de livre apreciação administrativa que escapa ao controle jurisdicional, sob pena de se cair naquilo a que se chama “dupla administração”.
“Por isso se diz que só os erros manifestos, grosseiros ou palmares ou só os critérios e juízos ostensivamente desacertados e visivelmente ofensivos da lógica e do bom senso que traduzam manifestações de pura arbitrariedade são passíveis de censura por parte do tribunal em casos destes16. Isto é, apesar de não haver entrave à interpretação dos conceitos pelo Judiciário, não se pode dizer que eles apenas permitem uma só interpretação (e, portanto, uma única solução) e que ao intérprete-juiz seja fácil identificar se a situação fáctica estaria ou não abrangida pelo conceito. Saber se uma conduta pode vir futuramente a preencher o conceito implica um juízo que deve ficar subtraído ao papel do julgador, porque pode haver mais do que uma solução justa (a melhor solução) dentro da zona de incerteza que ele comporta17. O controle jurisdicional, em casos destes, só pode ser exercido quando o acto administrativo de concretização do conceito “ultrapassar os limites da tolerância, aceitabilidade, ofendendo o consenso geral” e for “absurda e irrazoável”18-19-20.
*
7.3 - Em face do que se disse, no caso em apreço não cremos que se vislumbre na apreciação efectuada pela Administração qualquer atropelo ostensivo, manifesto e palmar quanto aos requisitos de “formação académica” e “qualificação profissional”.
Ou seja, o acto não referiu ser necessário que o recorrente tivesse formação académica de nível universitário; o que fez, simplesmente, foi o exame comparativo com outros profissionais locais que possuem formação de nível superior procurando colocação no mercado de emprego para a actividade exercida pelo recorrente. Nesse sentido, não vemos em tal análise nenhum vício grosseiro que possa ser censurado pelo tribunal.
E quanto à experiência profissional, do mesmo modo entendeu a Administração haver candidatos com larga experiência profissional, um dos quais com 16 anos na experiência em gestão, outros entre 3 e 27 anos em área de gestão variada, capazes de desempenhar aquele serviço (o recorrente não o nega).
Também aqui não vemos que isso corresponda a um erro manifesto e ostensivo.
Em resumo, ainda que a sua larga experiência seja aquela que o recorrente aqui defende, isso em nada parece afastar a aparente justeza da afirmação administrativa acerca da existência de profissionais locais aptos a desempenhar o mesmo cargo com idêntica experiência profissional.
Portanto, não achamos que o acto peque por essa via.
***
V – Decidindo
Nos termos expostos, acordam em julgar improcedente o recurso e manter o acto administrativo impugnado.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça em 5 UCs.
TSI, 24 de Julho de 2014
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
Presente
Vitor Coelho
1 Ac. TUI, de 3/05/2000, Proc. nº 9/2000; TSI, de 18/07/2013, Proc. nº 801/2012.
2 Ac. TSI, de 18/10/2012, Proc. Nº 127/2012.
3 Neste sentido, por exemplo, Ac. TUI, de 27/04/2000, Proc. nº 6/2000, 3/05/2000, Proc. nº 9/2000,
4 Para este autor estariam excluídas da apreciação pelos tribunais situações muito específicas: (i) actos praticados por órgãos autónomos (v.g. júris de exames ou de avaliação de conhecimentos, (ii) certas avaliações, operadas sem a autonomia do ponto anterior (v.g. avaliação de funcionários), (iii) as hipóteses da chamada discricionariedade técnica, desde que reduzida a limites muito estreitos (v.g. importância de um monumento) e (iv) aqueles casos em que se verifica uma conexão particularmente íntima entre o exercício de uma competência discricionária e o seu pressuposto vinculado (v.g., distúrbios violentos justificativos das intervenções policiais) – ob. cit., fls. 69 a 75.
5 Ac. do STA de 20/11/2002, Proc. nº 0433/02. No mesmo sentido, e citando Marcelo Rebelo de Sousa, "Lições de Direito Administrativo, I, 111, dizendo que "Apurado que seja um conceito indeterminado, … a sua interpretação e aplicação não são discricionárias e, por conseguinte, são jurisdicionalmente controláveis», ver o Ac. do STA de 17/01/2007, Proc. nº 01068/06.
6 “Bons costumes”, “ordem pública”, “interesse colectivo”, “segurança pública”, “bem comum”, tranquilidade”, “perigo”, “lesão grave”, “maiores vantagens” “boa resolução do assunto”, etc.
7 Eduardo Garcia de Enterria e Tomás-Ramón Fernandéz, Curso de Derecho Administrativo I, Civitas, 2000, pag. 457, para quem a aplicação de tais conceitos à qualificação de circunstâncias concretas não admite mais do que uma solução: ou se dá ou não se dá o conceito; ou há ou não boa fé; o preço ou é justo ou não o é; ou se violou a probidade ou não se violou: Tertium non datur.
8 António Francisco de Sousa, Conceitos Indeterminados no direito Administrativo, Almedina, 1994, pag. 205.
9 Autor e ob. cits. pag. 207.
10 Na doutrina brasileira, por exemplo, é o caso do autor José dos Santos Carvalho Filho, em O Controle Judicial da concretização dos conceitos jurídicos indeterminados:
http://download.rj.gov.br/documentos/10112/783251/DLFE-46989.pdf/Revista54Doutrina_pg_109_a_120.pdf.
11 Decisões sobre exames escolares ou similares; deliberações de natureza valorativa proferidas por comissões independentes constituídas por peritos ou representantes de interesses, designadamente de qualificação de escritos como perigosos para a juventude; decisões respeitantes a factores específicos relevantes para o conceito jurídico indeterminado, em especial sobre matéria político-administrativa: apud, José Manuel Sérvulo Correia, in Legalidade e Autonomia Contratual nos Contratos Administrativos, pag. 126/127.
12 A actividade planificadora referente ao ordenamento do território, à rede de estradas, de infra-estruras hospitalares, de protecção do ambiente, etc fazem ao mesmo tempo da política da Administração, não podendo ficar sujeita ao controlo do tribunal, salvo casos limitados (António F. de Sousa, ob. cit., pag. 213/216).
13 Ob. cit., pag. 125.
14 Sobre o tema da prognose, ver Ac. do TSI, de 17/10/2012, Proc. nº 127/2012
15 José Manuel Sérvulo Correia, in Legalidade e Autonomia Contratual nos Contratos Administrativos, pag. 126/127. Também aqui se pode incluir a actividade planificadora referente ao ordenamento do território, à rede de estradas, de infra-estruras hospitalares, de protecção do ambiente, etc fazem ao mesmo tempo da política da Administração, não podendo ficar sujeita ao controlo do tribunal, salvo casos limitados (António F. de Sousa, ob. cit., pag. 213/216).
16 Sobre o assunto, ver Azevedo Moreira, ob. cit. e ainda Miguel Nogueira de Brito, Sobre a Discricionariedade Técnica, in separata da Revista de Direito e Estudos Sociais, 1994.
17 Garcia de Enterria-Tomás-Ramon Fernandez, Curso de Derecho Administrativo, CIvitas, 4ªçed., , vol. I, pag.275;
18 José dos Santos Carvalho Filho, em “O controle judicial da concretização dos conceitos jurídicos indeterminados”, in http://r.j.gov.br/c/document_library/get_file?
19 Ac. cit. do TSI nº 127/2012.
20 No sentido de que estamos, quanto a este aspecto, em presença de discricionariedade, ver o Ac. do TSI, de 5/06/2014, Proc. nº 625/2013.
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558/2013