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Processo nº 781/2013
(Recurso Jurisdicional Administrativo)

Relator: João Gil de Oliveira
Data: 11/Setembro/2014


Assuntos:
- Princípio da igualdade e da imparcialidade
- Mudança de critérios da Administração

SUMÁRIO:

    1. Não viola o princípio da igualdade e da imparcialidade a decisão da DSAT que indeferiu um pedido de retoma de uma matrícula cancelada anteriormente atribuída ao requerente para colocar num veículo seu diferente daquele para o qual fora anteriormente atribuída, ainda que essa opção se insira numa mudança de critério da Administração.
    
    2. No exercício de um poder discricionário a Administração pode mudar os critérios por que se pauta nas suas decisões em função de uma variação do circunstancialismo de tempo, lugar, modo e causa.

              O Relator,
             João A. G. Gil de Oliveira

Processo n.º 781/2013
(Recurso de Decisões Jurisdicionais)

Data : 11 de Setembro de 2014

Recorrente: A (XXX)

Entidade Recorrida: Director dos Serviços para os Assuntos de Tráfego

    
    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
    
    1. A (XXX), mais bem identificado nos autos, vem interpor para este Tribunal recurso jurisdicional da sentença proferida no Tribunal Administrativo que julgou improcedente o recurso que fora interposto da decisão do Exmo Senhor Director da DSAT (Direcção de Serviços de Assuntos do Tráfego), de 4 de Março de 2013 que indeferiu o seu requerimento de retoma da matrícula n.º MC-XX-XX, pedindo que fosse anulado o acto recorrido por este ter violado o princípio da proporcionalidade e da igualdade e que fossem anuladas as instruções aplicadas pelo acto por estas terem violado o princípio da igualdade.
   
   Para tanto alega em síntese conclusiva:
   
   1. A decisão de 6 de Setembro de 2013 (doravante designada por decisão recorrida) julgou improcedente o recurso interposto e rejeitou os pedidos.
   2. Desde que se atenda ao conteúdo da decisão recorrida, poderia descobrir que esta apenas conheceu da matéria da retomada do número de matrícula cancelada para o usar no “mesmo veículo”.
   3. No entanto, a questão controvertida no recurso é a reposição do número de matrícula para o usar “noutro veículo”. Tal situação não é expressamente prevista pela lei nem pelos regulamentos, pelo que existe a controvérsia. A questão de retomar o número de matrícula cancelada para o usar no “mesmo veículo”, ao contrário, pode ser resolvida de acordo com o artigo 54.º, n.º 6 do Regulamento do Trânsito Rodoviário. A DSAT autoriza de forma expressa a retomada do número de matrícula cancelada para o usar no “mesmo veículo”. (cfr., fls. 34 a 37 dos autos)
   4. Nestes termos, o Tribunal a quo compreendeu erroneamente a questão controvertida no recurso contencioso, quer dizer que a decisão recorrida não conheceu substancialmente do objecto do recurso, pelo que peço a revogação da decisão.
   Caso assim se não entenda, apresentam-se ainda os seguintes motivos:
   5. Quanto ao assunto de retomar o número de matrícula cancelada para o usar noutro veículo, a DSAT sempre tinha dado deferimento antes de 20 de Junho de 2011, mas mudou a prática anteriormente utilizada perante os requerentes depois de 20 de Junho de 2011, e determinou novos critérios de apreciação por forma das instruções internas.
   6. É certo que de acordo com a regra de precedente, no caso de existir razão legal e justificada, a Administração pode deixar de observar o precedente e adoptar a prática diferente da que foi anteriormente utilizada.
   7. No entanto, o novo método de apreciação faz a classificação dos números de matrícula cancelada, e a classificação depende do facto de se o direito de uso dos números de matrícula foi adquirido através do pagamento das taxas ou não. O recorrente entende que isso é erróneo e injusto.
   8. Bem sabemos que o direito de uso de número de matrícula trata-se de uma permissão administrativa, independentemente de o mesmo ser adquirido mediante o pagamento de taxas ou o sorteio, devendo o conteúdo e o âmbito desta permissão ser definidos pelas respectivas disposições legais.
   9. Nos termos do artigo 52.º, n.º 4 do Regulamento do Trânsito Rodoviário aprovado pelo DL n.º 17/93/M, mesmo que, invés de atribuir todos os números de matrícula por forma de sorteio, o legislador permita a escolha de número dentro do limite fixado, bem como a transferência, entre particulares, dos números dos veículos já matriculados, a respectiva lei não preveria mais distinção em relação ao direito de uso dos números.
   10. Então, a questão chave é que, quanto à retomada do número de matrícula cancelada, a lei não faz distinção entre o direito de uso de número adquirido mediante o pagamento das taxas e o atribuído por sorteio. Quer dizer que os dois direitos são de mesmas condições jurídicas e devem ser igualmente tratados.
   11. A jurisprudência entende que uma das características do princípio da igualdade é tratar da mesma forma situações factualmente idênticas e desigualmente situações desiguais.
   12. Nesta causa, a entidade recorrida distingue os números de matrícula adquiridos mediante o sorteio dos adquiridos mediante o pagamento de taxas e tratá-los desigualmente quanto à sua retomada. Tal distinção viola manifestamente o princípio da igualdade por ter tratado, de forma arbitrária e desigual, as coisas que são consideradas juridicamente de mesma natureza.
   13. Quanto à mudança da prática anteriormente aplicada e à adopção do novo método de apreciação, o acto impugnado tem por fundamento: a permissão da retomada de números de matrícula de veículo cancelada vai favorecer o clima da especulação sobre os mesmos e torná-los em objecto de especulação.
   14. Tal entendimento é manifestamente errado. Sabe-se da experiência comum da sociedade que a especulação sobre números de matrícula é causada pela permissão legal da sua transferência entre particulares, pelo que a prática mais fundamental para cercear a especulação sobre números de matrícula é proibir a sua transferência entre particulares.
   15. Por outro lado, como se sabe, o valor dos números de matrícula atribuídos não por sorteio electrónico é geralmente mais alto que o dos números sorteados por os primeiros ser normalmente com número especial. Assim sendo, caso se entenda que a retoma dos números de matrícula cancelada que foram atribuídos mediante o sorteio electrónico cause a especulação sobre os mesmos, a retomada dos números atribuídos não por sorteio necessariamente favoreceria tal clima, o qual se revela manifestamente contrário ao motivo alegado pela DSAT neste caso.
   16. Ora não há nova disposição legal que regule a utilização de número de matrícula cancelada, se a entidade recorrida permita aos cidadãos a retomada de número de matrícula cancelada, estes poderiam continuar a usar os números de matrícula que tinham usado, isso será uma medida favorável aos cidadãos e poderá aumentar a receita do Governo de Macau.
   17. Nestes termos, a decisão recorrida deve ser revogada por ter adoptado o novo método de apreciação que viola manifestamente o princípio da imparcialidade; assim sendo, por a falta do novo meio de apreciação, tendo em conta o princípio do precedente, deve a entidade recorrida apreciar o pedido neste caso segundo o critério anterior.
   18. Face ao exposto, a decisão recorrida padece do vício de errado entendimento do direito por erroneamente compreender o princípio da igualdade referido no artigo 5.º do CPAC. Pelo que deve declarar-se revogada a decisão recorrida.

    Pedidos
  Com base nos fundamentos de facto e de direito acima referidos, pede-se,
    (1) Que sejam admitidas estas alegações;
    (2) Que seja declarada revogada a decisão recorrida por a errónea compreensão da questão controvertida no recurso e o não conhecimento substancial do seu objecto;
    
    Caso assim se não entenda,
    (3) Que seja declarada revogada a decisão recorrida por padecer do vício de errado entendimento do direito resultante da errónea compreensão do princípio da igualdade referido no artigo 5.º do CPA.

   2. Wong Wan (汪雲), Director dos Serviços para os Assuntos de Tráfego, entidade recorrida nos autos acima referidos, quanto às alegações apresentadas pelo recorrente A (XXX), vem agora, nos termos do artigo 154.º do CPAC, apresentar junto do TSI a sua resposta, dizendo, a final:
1. A decisão recorrida sempre conheceu a questão indicada pelo recorrente de reactivação do número de matrícula cancelada para o usar no outro veículo. Pelo que a decisão recorrida não compreendeu erroneamente a questão controvertida e já conheceu substancialmente o objecto do recurso.
2. A decisão recorrida não compreendeu erroneamente o princípio da igualdade previsto no artigo 5.º do CPA, e a decisão feita pela entidade recorrida não violou o princípio da imparcialidade ou a regra do precedente.
3. O artigo 52.º, n.º 4 do Regulamento do Trânsito Rodoviário citado pelo recorrente não prevê a forma concreta da atribuição de matrícula (sorteio ou outra forma), mas confere à entidade competente o direito à determinação.
4. A transferência entre particulares dos números de veículo já matriculado depende da respectiva decisão administrativa da entidade competente e de outras disposições.
5. A entidade recorrida não entende que o direito de uso do número de matrícula adquirido mediante o pagamento de taxas e o atribuído por sorteio são juridicamente idênticos e devem ser igualmente tratados. Mesmo que se considere idênticas as situações jurídicas, estas limitar-se-iam apenas no prazo de duração ou de validade da respectiva matrícula.
6. O direito de uso do veículo extingue-se quando tiver sido cancelada a matrícula. Em bom rigor, a chamada reactivação é a atribuição de novo de matrícula. Nesta situação a Administração, no exercício da competência legalmente atribuída, determina os critérios de apreciação consoante a circunstância concreta, e trata da forma igual os respectivos casos de requerimento, não violando o princípio da imparcialidade ou da igualdade.
7. A decisão recorrida também não padece de qualquer vício de violação do artigo 5.º do CPA, e a entidade recorrida não fez a decisão diferente das feitas nos casos semelhantes do mesmo período.
8. O uso de números de matrícula com número normal adquiridos mediante o sorteio electrónico e o uso dos números comprados não são indiferentes como disse o recorrente: das respectivas normas resulta que se poderia gozar de mais direitos se adquira o número mediante formas específicas.
9. O aspecto nuclear do princípio da igualdade é tratar da mesma forma os casos idênticos. No entanto, tendo em conta as diversas diferenças entre as situações referidas pelo recorrente, a prática da Administração de considerá-las desiguais e tratá-las de forma diferente é absolutamente legal e razoável e não viola o princípio da imparcialidade ou da igualdade.
10. A aquisição de bens, serviços ou qualificações determinadas mediante o pagamento de taxas legalmente fixadas não significa a atribuição de certo privilégio àqueles que são mais economicamente competentes, e que a apreciação dos respectivos requerimentos não se baseia em razões económicas.
11. A Administração, tendo em conta os diversos factores tais como as finalidades da respectiva medida e as suas consequências, decidiu limitar primeiro a retomada dos números de matrícula com número normal cuja quantidade é superior, cuja aquisição não precisou o pagamento de taxas e que foram abandonados através do procedimento do cancelamento, sendo a respectiva medida muito razoável e não se violando o princípio da imparcialidade e a regra do precedente.
12. O ajustamento dos critérios de apreciação resulta do respectivo despacho proferido pela entidade recorrida no âmbito de discricionariedade legalmente permitida ou da decisão administrativa feita em relação a requerimento individual, mas não, como indicou o recorrente, vem da ordem de serviço.
13. O recorrente não tem legitimidade para impugnar os casos de outro tipo em que foi autorizada a retomada do número de matrícula.
14. A discussão do efeito da respectiva política de apreciação não pode ser o objecto de reconhecimento da causa, sendo injustificado o fundamento do recorrente.
15. Ao contrário do que referiu o recorrente, a permissão, ao proprietário de veículo, de obtenção de benefício ou de redução indirecta do custo da compra de veículo novo através da retomada de matrícula cancelada é contrária à linha de acção governativa. Pelo que é legal e razoável os limites determinados pela entidade recorrida para a apreciação dos requerimentos da retomada de matrículas.
16. O recorrente indicou que, por a falta do novo meio de apreciação, deve a entidade recorrida apreciar o pedido neste caso segundo o critério anterior. Pretensão essa que é manifestamente improcedente, porque a Administração não está obrigada a deferir o requerimento de retomada de número de matrícula.
   Face ao exposto, dado que a decisão recorrida não padece do vício de errada compreensão do objecto do recurso e que a decisão feita pela entidade recorrida é legal e justificada e não viola o princípio da igualdade e da imparcialidade e a regra do precedente, peço ao Exm.o Juiz que julgue improcedente o recurso interposto.
3. O Exmo Senhor Procurador Adjunto oferece o seguinte douto parecer:
     Se bem apreendemos o essencial do alegado pelo recorrente, insurge-se este contra a douta sentença sob escrutínio imputando-lhe o facto de, por um lado, não ter verdadeiramente apreciado o objecto do recurso contencioso, por deficiente compreensão do mesmo e, por outro, ter também apreciado incorrectamente a afronta do princípio da igualdade plasmado no art° 5°, CPA.
    Cremos que lhe não assistirá qualquer razão.
    Desde logo, aceitando-se que a questão controvertida no recurso contencioso seja a da reactivação do número de matrícula cancelada, para outro veículo, não corresponde à verdade que o aresto em crise se não tenha pronunciado sobre a matéria, bastando, para tal, atentar na última parte do extracto citado pelo próprio recorrente, onde se acentua "... sendo impossível retomar apenas o número e matrícula cancelada para o usar noutro veículo", não se entendendo, pois, o alegado a esse propósito.
    Depois, é ainda o próprio recorrente a reconhecer ser certo que " ... de acordo com a regra de precedente, no caso de existir razão legal e justificada, a Administração pode deixar de observar o precedente e adoptar a prática diferente da que foi anteriormente utilizada".
    Foi exactamente o que sucedeu.
    Conforme bem acentuou o Exmo. Colega junto do tribunal recorrido, "Pode a DSAT determinar de novo ou ajustar de forma adequada as políticas ou formas de atribuição de matrículas aos veículos consoante a alteração do ambiente social e as informações e actualizações dispostas durante do cumprimento das atribuições e tratar, desde um certo momento, os novos casos de uma forma diferente dos velhos critérios de apreciação, para o melhor cumprimento das atribuições e para fins de interesse público".
    Mister é que, como doutamente se expõe no ac. do TUI de 11/3/08 in proc. 40/2007, esse afastamento, essa preterição da regra do precedente se mostre devidamente motivada por válidas razões de facto e de direito, o que, no caso se mostra liminarmente expresso no teor da proposta n.º 058/DV/DDAVC/2013, reproduzida na douta sentença sob análise, onde se alcançam, com clareza, suficiência e congruência as razões de alteração do procedimento, as quais se prendem, em síntese, com o "desenvolvimento negativo dos números de matrícula no mercado de compra e venda, entendendo que a permissão da retomada de número de matrícula de veículo cancelada vai favorecer tal clima de especulação sobre números de matrícula e tornar estes em objecto de especulação".
    Dest´arte, fácil é constatar que razões de boa administração e (ou) alterações das circunstâncias, conjugadas com a prossecução do interesse público, justificarão, no caso, a adopção de conduta porventura diferente da adoptada na resolução de casos semelhantes registados anteriormente.
    Finalmente, podendo-se, quiçá, questionar a justeza e equidade no tratamento diferenciado entre o uso de número de matrícula adquirido mediante sorteio electrónico e o uso dos números comprados, a verdade é que se trata, inequivocamente, de situações diferentes, pelo que se não descortina que não possam ser alvo de diferente tratamento.
    E se a medida adoptada, para já apenas relativa aos primeiros, possa não conseguir cercear completamente o problema da especulação sobre os números de matrícula, nada obsta, contudo, a este nível, que a Administração "comece por algum lado" na tentativa de resolução do problema, sem que, contudo, tal possa implicar afronta da igualdade, já que, manifestamente, de situações diferenciadas se trata.
    Donde, sermos a entender não merecer provimento o presente recurso.
    4. Foram colhidos os vistos legais.
    
    III - FACTOS
    Vêm provados os seguintes factos:
“Em 7 de Outubro de 2011, o recorrente requereu à DSAT a retomada do número de matrícula MC-XX-XX do seu veículo já inutilizado para usá-lo em veículo de terceiro (vd. fls. 3 dos anexos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
O supra aludido veículo foi inutilizado e a matrícula foi cancelada.
Em 19 de Dezembro 2011, o pessoal da DSAT elaborou a proposta n.º XXX/DV/DDAVC/2011 indicando que, dado que já tinha sido cancelada a matrícula do veículo acima referido, que não tinha sido pagas taxas para a aquisição do número de matrícula e que não há registo de o número ter sido transferido para outro veículo, de acordo com as respectivas disposições da ordem de serviço n.º 81/2011 «Instruções para a Retomada do Número de Matrícula Cancelada», o respectivo número de matrícula pode ser retomado para o veículo original, não podendo, porém, ser retomado apenas o número para o usar noutro veículo. Sugere-se que seja notificado o recorrente de que não pode retomar apenas o número de matrícula por não se preenchem os requisitos (fls. 8 a 9 dos anexos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
Em 21 de Dezembro de 2011, a entidade recorrida proferiu o despacho de “deferimento” na proposta supra referida (fls. 8 dos anexos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
Em 3 de Janeiro de 2012, através do ofício n.º 1200006/XXX/DV/DDAVC/2011, a DSAT notificou o recorrente da decisão acima referida, e indicou no aviso que o recorrente poderia, no prazo legalmente fixado, deduzir reclamação, interpor recurso hierárquico facultativo para o Secretário para os Transportes e Obras Públicas ou recurso contencioso para o TA (fls. 10 dos anexos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
Em 20 de Janeiro de 2012, o recorrente deduziu a reclamação (fls. 11 a 13 dos anexos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
Em 6 de Fevereiro de 2012, o recorrente recorrer para este Tribunal (fls. 20 a 25 dos anexos e os autos de recurso contencioso n.º 910/12-ADM deste Tribunal, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
Em 20 de Março de 2012, a entidade recorrida proferiu o despacho concordando com o teor da proposta n.º XXX/DV/DDAVC/2012 e decidindo revogar a decisão feita em 21 de Dezembro de 2011 na proposta n.º XXX/DV/DDAVC/2011; também foi indicado que o proprietário do veículo com matrícula cancelada só pode requerer a reposição da matrícula desse veículo no uso do respectivo número de matrícula, mas não pode retomar apenas o número de matrícula para o usar noutro veículo, salvo nos casos de ter pago a taxa de aquisição para adquirir um número de matrícula com número determinado ou, antes do cancelamento da matrícula do veículo, ter transferido o número de matrícula para outro veículo. Aliás, conforme os dados fornecidos por esta Direcção, no tocante à cancelada matrícula n.º MC-XX-XX, não foi paga a taxa de aquisição nem foi o número transferido para outro veículo. Acresce que o veículo anterior já ficou inutilizado. Nestes termos, decide-se indeferir o requerimento de retomada do número de matrícula do veículo em causa (fls. 30 a 32 dos anexos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
Em 23 de Março de 2012, através do ofício n.º 1202280/XXX/DV/DDAVC/2012, a DSAT notificou o recorrente da decisão acima referida, e indicou no aviso que o recorrente poderia, no prazo legalmente fixado, reclamar, interpor recurso hierárquico facultativo para o Secretário para os Transportes e Obras Públicas ou recurso contencioso para o TA (fls. 33 e v dos anexos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
Em 24 de Abril de 2012, o recorrente apresentou novamente a petição inicial para os autos de recurso contencioso n.º 910/12-ADM, tornando-se a recorrer da decisão acima referida para este Tribunal (cfr., os autos de recurso contencioso n.º 910/12-ADM do TA).
Em 15 de Janeiro de 2013, este Tribunal proferiu decisão nos autos de recurso contencioso n.º 910/12-ADM, julgando parcialmente procedente o recurso e anulando o acto recorrido (fls. 38 a 41 e v dos anexos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
Em 4 de Março de 2013, a entidade recorrida proferiu o despacho em relação ao requerimento do recorrente, concordando com o teor da proposta n.º XXX/DV/DDAVC/2013, e indicando que desde 20 de Junho de 2011, o tratamento dos casos de requerimento de retomada de número de matrícula de veículo cancelada deve seguir as instruções na ordem de serviço n.º 081/2011: o proprietário do veículo com matrícula cancelada só pode requerer a reposição da matrícula desse veículo no uso do respectivo número de matrícula, mas não pode retomar apenas o número de matrícula para o usar noutro veículo, salvo nos casos de ter pago a taxa de aquisição para adquirir um determinado número de matrícula ou, antes do cancelamento da matrícula do veículo, ter transferido o número de matrícula para outro veículo; também foi indicado que a DSAT aplicou o tratamento diferente da prática anteriormente utilizada com base no desenvolvimento negativo dos números de matrícula no mercado de compra e venda. Pelo que se decidiu indeferir o requerimento do recorrente em 7 de Julho de 2011 para retomar a cancelada matrícula n.º MC-XX-XX para usá-lo noutro veículo (fls. 34 a 37 dos anexos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
Em 14 de Março de 2013, através do ofício n.º 1302283/XXX/DV/DDAVC/2013, a DSAT notificou o recorrente da decisão acima referida, e indicou no aviso que o recorrente poderia, no prazo legalmente fixado, deduzir reclamação junto da entidade recorrida, interpor recurso hierárquico facultativo para o Secretário para os Transportes e Obras Públicas ou recurso contencioso para o TA (fls. 11 a 13 dos anexos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
Em 5 de Abril de 2013, o recorrente recorreu da decisão recorrida para este Tribunal.”
    
    IV - FUNDAMENTOS
    1. As questões que vêm suscitadas pelo recorrente foram já proficientemente tratadas na sentença recorrida, pelo que bem nos poderíamos remeter para o conteúdo da fundamentação da mesma, ao abrigo do disposto no artigo 631º, n.º 5 do CPC, aplicável ao caso “ex vi” art. 1º do CPAC e que por isso mesmo passamos a transcrever:

“Na sua petição inicial, recorrente indicou que antes de 20 de Junho de 2011, a entidade recorrida permitiu ao proprietário do veículo a retomada do número de matrícula cancelada e a transferência do mesmo para outro veículo mediante o pagamento de taxas, mas a entidade deixou de observar o precedente por motivo de preocupação da especulação sobre números de matrícula. O recorrente entendeu ser inadequada e injustificada essa prática de não observação de procedente. O recorrente mais alegou que a entidade recorrida distinguiu os números de matrícula com número especial adquiridos mediante o pagamento dos números adquiridos mediante o sorteio e tratou desigualmente as duas situações. O recorrente sustentou que o acto recorrido deveria ser anulado por ter violado o princípio da igualdade e da proporcionalidade previsto no artigo 5.º do CPA e exigiu que fossem anuladas as instruções aplicadas pelo acto, por estas ter violado o princípio da igualdade.
Antes de analisar a controvérsia jurídica concreta da causa, cumpre indicar que nos termos dos artigos 20.º e 24.º do CPAC, em conjugação com o artigo 110.º do CPA, as instruções (ordem de serviço n.º 081/2011) aplicadas pelo acto recorrido não pode ser, no recurso contencioso, o objecto do processo, e o pedido de anulação das mesmas não preenche os requisitos da cumulação de pedidos, pelo que tal pedido deve ser indeferido.
Quanto ao pedido de anulação do acto recorrido deduzido pelo recorrente, é necessário citar-se o disposto legal a seguir:
Nos termos do artigo 52.º do Regulamento do Trânsito Rodoviário aprovado pelo DL n.º 17/93/M de 28 de Abril (alterado pelo Regulamento Administrativo n.º 15/2007):
1.  A matrícula dos veículos é feita no Leal Senado de Macau, a requerimento dos respectivos proprietários, formalizado em impresso próprio, devendo observar-se o seguinte:
……
4. A matrícula é efectuada por ordem numérica e atribuída por forma determinada pela entidade competente, podendo, porém, ser permitida, para os veículos a matricular pela primeira vez, a escolha de qualquer número disponível, dentro do limite fixado, assim como a mudança do número do veículo já matriculado, mediante o pagamento das taxas que forem devidas.
......
Tendo em conta o artigo 3.º, al. 18) da aprovada pelo Regulamento Administrativo n.º 3/2008, compete à DSAT proceder à atribuição de matrículas aos veículos motorizados, incluindo a efectuação da matrícula por ordem numérica e a atribuição por forma determinada pela entidade competente, podendo, porém, ser permitida, para os veículos a matricular pela primeira vez, a escolha de qualquer número disponível, dentro do limite fixado, assim como a mudança do número do veículo já matriculado, mediante o pagamento das taxas que forem devidas. 
Dado que o legislador não regula especificamente a “forma de matrícula” ou o “limite fixado” do número disponível, este Tribunal entende que a DSAT goza de um poder discricionário quanto à atribuição de matrículas aos veículos motorizados. Tal como se referiu no parecer do Digno Procurador-Adjunto junto deste Tribunal, “pode a DSAT determinar de novo ou ajustar de forma adequada as políticas ou formas da “atribuição de matrículas aos veículos” consoante a alteração do ambiente social e as informações e actualizações dispostas durante o cumprimento das atribuições, e tratar, desde um certo momento, os novos casos de uma forma diferente dos velhos critérios de apreciação, para o melhor cumprimento das atribuições e para fins de interesse público.
Quanto aos limites do exercício do poder discricionário por parte dos órgãos administrativos, cita-se aqui a análise do TUI no acórdão do processo n.º 40/2007 (11 de Março de 2008):
“III – A Administração está autovinculada no âmbito dos seus poderes discricionários, devendo ela utilizar critérios substancialmente idênticos para a resolução de casos idênticos (regra do precedente), sendo a mudança de critérios, sem qualquer fundamento material, violadora do princípio da igualdade.


IV – A regra do precedente exige a verificação de requisitos subjectivos e objectivos. A identidade subjectiva exige que se trate do mesmo órgão ou dos seus sucessores legais na matéria em apreço. A identidade objectiva das duas situações (quanto aos pressupostos relevantes) deve verificar-se. Deve, ainda, ocorrer identidade normativa (identidade da disciplina jurídica) das situações em causa.

V – A regra do precedente pode ser afastada por razões de boa administração ou de alteração das circunstâncias, se o interesse público justificar hoje uma conduta administrativa diferente daquela que antes foi adoptada na resolução de casos semelhantes ou idênticos.

VI – O afastamento da regra do precedente obriga a fundamentar as razões de facto e de direito que justificam uma tal preterição do precedente. 
De acordo com o supra referido, a regra do precedente pode ser afastada. Quando se verifica razão justificada do melhor cumprimento das atribuições para garantir o interesse público, a Administração pode alterar a conduta anteriormente adoptada na resolução de casos semelhantes ou idênticos e não violar o princípio da igualdade.
Nesta causa, a proposta n.º 058/DV/DDAVC/2013 que contém o acto recorrido tem o seguinte teor: 
“...
3) desde 20 de Junho de 2011, a DSAT começou a resolver os casos do requerimento da retomada de número de matrícula de veículo cancelada seguindo as instruções da ordem de serviço n.º 081/2011. No caso de indeferimento do requerimento, os principais motivos são: Quanto ao requerimento de matrícula, nos termos do artigo 52.º, n.º4 do Regulamento do Trânsito Rodoviário alterado pelo Regulamento Administrativo n.º 15/2007 e aprovado pelo Decreto-Lei n.º 17/93/M de 28 de Abril, a matrícula é efectuada por ordem numérica e atribuída por forma determinada pela entidade competente, podendo, porém, ser permitida, para os veículos a matricular pela primeira vez, a escolha de qualquer número disponível, dentro do limite fixado, assim como a mudança do número do veículo já matriculado, mediante o pagamento das taxas que forem devidas. Considerando em conjunto o artigo 3.º, al. 18) e artigo 30.º, n.º 1 do Regulamento Administrativo n.º 3/2008 “Organização e funcionamento da Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego”, a entidade competente acima referida é a DSAT, pelo que compete ao director da DSAT determinar a forma da atribuição da matrícula. Os números de matrícula são usados pela DSAT para a identificação dos veículos, portanto, uma vez cancelada a matrícula dum veículo, o proprietário do mesmo não pode, em geral, continuar a usar o respectivo número de matrícula. Em vez de requerer a retomada do número de matrícula já cancelada, o novo veículo deve matricular de acordo com o procedimento geral referido no artigo 52.º, n.º 4 do Regulamento do Trânsito Rodoviário. Assim sendo, o proprietário do veículo com matrícula cancelada só pode requerer a reposição da matrícula desse veículo no uso do respectivo número de matrícula, mas não pode retomar apenas o número de matrícula para o usar noutro veículo, salvo nos casos de ter pago a taxa de aquisição para adquirir um determinado número de matrícula ou, antes do cancelamento da matrícula do veículo, ter transferido o número de matrícula para outro veículo.
......
5) Ora, da situação da compra de matrícula com número normal resulta que os números de matrícula com número relativamente melhor são bem procurados no mercado, entre os quais os números utilizados na altura anterior são mais preferidos. Assim, a DSAT tem razão para crer que a retomada dos números de matrícula utilizados na altura anterior visa principalmente à especulação, e que a maioria dos requerentes usam os números retomados nos veículos de terceiro para obter benefício, sendo a situação crescente. Vê-se publicitação da venda de números de matrícula nos jornais, nas lojas e na internet.
6) A função principal do número de matrícula de veículo é a sua identificação, portanto, a DSAT entende que a continuação da permissão da retomada de número de matrícula de veículo cancelada vai favorecer tal clima e tornar o número de matrícula em objecto de especulação. Pelo que, com objectivo de garantir os valores de legalidade e equidade, a DSAT tem que limitar oportunamente a retomada de número de matrícula de veículo cancelada. Assim sendo, a Direcção apenas autorizou a retomada de número de matrícula no caso de ter sido pagas as taxas de aquisição para adquiri-lo ou no caso de o mesmo ter sido usado em diferentes veículos, medida essa que visa principalmente verificar se o número de matrícula tinha sido adquirido antes do cancelamento de matrícula. A aquisição do número de matrícula antes do cancelamento mostra que o respectivo interessado pagou as taxas para adquirir o direito de uso do número, neste caso, a Direcção autoriza a retomada do respectivo número para manter o seu direito de uso. No entanto, quanto aos números não adquiridos, isto é, os atribuídos por sorteio electrónico, o direito de uso dos interessados deve extinguir-se após o cancelamento de matrícula do veículo.
......”
Atento o teor acima referido, não é difícil descobrir que, quanto ao requerimento da retomada de número de matricula cancelada, desde 20 de Junho de 2011, a DSAT mudou a prática anterior de sempre deferimento e começou a resolver os casos segundo as instruções determinadas na ordem de serviço n.º 081/2011, permitindo que apenas o último proprietário registado do veículo possa requerer a reposição da matrícula desse veículo no uso do respectivo número de matrícula, no caso de ter pago a taxa de aquisição para adquirir um determinado número de matrícula, ou no caso de, antes do cancelamento da matrícula do veículo, ter transferido o número de matrícula para outro veículo, sendo, porém, impossível retomar apenas o número de matrícula cancelada para o usar noutro veículo (sic). A DSAT tem por fundamento o desenvolvimento negativo dos números de matrícula no mercado de compra e venda, entendendo que a permissão da retomada de número de matrícula de veículo cancelada vai favorecer tal clima  de especulação sobre números de matrícula e tornar estes em objecto de especulação.  
Este Tribunal entende que, para melhor cumprir as atribuições legais da gestão da matrícula de veículos e evitar a especulação sobre os números de matrícula de veículos, a DSAT mudou a prática anterior quanto à retomada do número de matrícula do veículo inutilizado, permitindo que apenas o último proprietário registado do veículo possa requerer a reposição da matrícula desse veículo no uso do respectivo número de matrícula, no caso de ter pago a taxa de aquisição para adquirir um determinado número de matrícula, ou no caso de, antes do cancelamento da matrícula do veículo, ter transferido o número de matrícula para outro veículo, sendo, porém, impossível retomar apenas o número de matrícula cancelada para o usar noutro veículo (sic). É manifesta que a respectiva prática da DSAT não excede o limite do seu poder discricionário quanto à determinação da forma de atribuição de matrícula. Nem se diga que o princípio da igualdade não seja violado pela mudança do precedente para que o interessado só possa requerer a reposição da matrícula do veículo cujo número de matrícula foi adquirido mediante o pagamento de taxas.
Ora, quanto ao requerimento do recorrente para retomada do número de matrícula cancelada, já se expôs plenamente os respectivos fundamentos de facto e de direito por que a prática anteriormente utilizada deixou de ser adoptada e foi alterada.
Nestes termos, deve julgar-se improcedente o presente recurso. “ 
    Não nos abstemos, contudo, de dar mais alguma resposta às diferentes questões.
    
    2. Quanto à pretensa falta de conhecimento do objecto do recurso contencioso.
    Pretende o recorrente que na douta sentença recorrida se não conheceu da questão relativa à reversão da matrícula que estava em causa e que o recorrente pretendia reaver, dizendo que se curou tão somente da reactivação da matrícula cancelada para se usar no mesmo veículo e não já para outro veículo diferente.
    Não tem razão o recorrente, pois essa questão foi expressamente abordada, como se alcança da seguinte passagem "... sendo impossível retomar apenas o número e matrícula cancelada para o usar noutro veículo", para além de que não deixou de haver a preocupação em perceber as razões subjacentes à decisão administrativa de justificar essa proibição e alteração de posição, avançando-se com razões tendentes a evitar condutas especulativas, sabendo-se, como se sabe, como são nos mercados asiáticos, e não só, tão apetecíveis determinados números ou composições de matrículas nos automóveis por banda dos consumidores em geral.
    Depois, é ainda o próprio recorrente a reconhecer ser certo que " ... de acordo com a regra de precedente, no caso de existir razão legal e justificada, a Administração pode deixar de observar o precedente e adoptar a prática diferente da que foi anteriormente utilizada".
    Na verdade, não se deixa de aludir naquela sentença ao novo método adoptado pela DSAT em relação à retomada do número de matrícula do veículo inutilizado, sendo que tal posição, abstractamente adoptada não se mostra impugnada, vindo apenas o recorrente a pôr em causa a aplicação desse novo critério, enquanto projectado na sua situação concreta. Também a isto se faz ali referência. A entidade recorrida sempre permitiu e continua a permitir ao proprietário do veículo a reactivação da matrícula deste no uso do respectivo número de matrícula, prática que nunca suscitou controvérsia, razão por que não faria sentido que tivesse sido tão somente essa prática a constituir objecto de análise e pronúncia naquele aresto ora posto em crise.
    
    3. Tal prática e opção - a utilização em veículo que não o primitivo - inserem-se no âmbito do exercício do poder discricionário por parte da Administrativa, tratando-se de matéria que não é directamente regulada já que o disposto no artigo 54.º, n.º 6 do Regulamento do Trânsito Rodoviário - “O Leal Senado de Macau pode autorizar que sejam novamente matriculados os veículos cuja matrícula tenha sido cancelada, após aprovação em inspecção e pagamento das taxas devidas” -, não obsta a que a Administração autorize nova matrícula do veículo com o novo número de matrícula, não sendo necessário que o veículo seja matriculado com número de matrícula anterior.
  
   4. Sustenta o recorrente que, nos termos do artigo 52.º, n.º 4 do Regulamento do Trânsito Rodoviário, as formas de matrícula incluem o concurso para número de matrícula com número especial, a compra de número de matrícula com número normal, o sorteio electrónico e a transferência de número de matrícula e que a distinção feita pelo novo método de apreciação é errada e injusta, porque, para além do respectivo diploma que permite a escolha de número dentro do limite fixado, bem como a transferência, entre particulares, dos números dos veículos já matriculados, a lei não prevê mais distinção em relação ao direito de uso dos números.
  
    Sem razão, porém.
   Atentemos no que esse artigo prevê:
“A matrícula é efectuada por ordem numérica e atribuída por forma determinada pela entidade competente, podendo, porém, ser permitida, para os veículos a matricular pela primeira vez, a escolha de qualquer número disponível, dentro do limite fixado, assim como a mudança do número do veículo já matriculado, mediante o pagamento das taxas que forem devidas”
  
     A norma não contempla de forma alguma o desiderato do requerente, nem sequer a forma de atribuição da matrícula, muito menos que uma matrícula em relação à qual não foram pagas as taxas e usada num veículo abatido possa ser utilizada noutro veículo ainda que do mesmo interessado.
O regulamento acima referido também não prevê a transferência, entre particulares, do número do veículo já matriculado, prevendo apenas a possibilidade de alteração da matrícula em relação ao mesmo veículo.

5. Diz ainda o recorrente que a lei não distingue o direito de uso do número de matrícula adquirido mediante o pagamento de taxas do atribuído por sorteio, indicando que estes são juridicamente idênticos e devem ser igualmente tratados, não se alcançando em que medida esse facto pode legitimar a sua pretensão.

Nem sequer se alcança onde esteja a violação do princípio da igualdade, pois que estamos perante situações diversas. O direito de uso do veículo extingue-se quando tiver sido cancelada a matrícula e, em bom rigor, a chamada reactivação é a atribuição de novo de matrícula que deve ficar livre e não deve poder ser monopolizada pelo anterior titular. Nesta situação se compreende que a Administração, no exercício da competência legalmente atribuída, determine os critérios de apreciação consoante a circunstância concreta, e trata os respectivos casos de requerimento segundo os mesmos critérios, não violando o princípio da imparcialidade ou da igualdade.
  
   O princípio da igualdade previsto no artigo 5.º, n.º 1 do CPA proíbe que a Administração Pública “privilegie, beneficie, prejudique, prive de qualquer direito ou isente de qualquer dever nenhum administrado em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social.” A decisão recorrida também não padece de qualquer vício deste tipo, e a entidade recorrida não fez a decisão diferente das feitas nos casos semelhantes do mesmo período.
  
   Nem sequer se pode dizer que houve tratamento desigual em relação a outra que se enquadre exactamente no mesmo circunstancialismo de tempo, lugar, modo e causa.
  
   Na verdade, tendo em conta as diversas diferenças entre as situações referidas pelo recorrente, a prática da Administração em considerá-las desiguais e tratá-las de forma diferente é absolutamente legal e razoável e não viola o princípio da imparcialidade ou da igualdade, não merecendo cesura.
  
   6. No que concerne à mudança de critério, isto é, sobre o novo método de apreciação, alegando que o método privilegia aqueles que são economicamente mais fortes, também aí não lhe assiste razão. Trata-se de uma pretensão materializada num serviço prestado pela Administração destinando-se a cobrança de uma taxa à contrapartida pela satisfação do interesse do particular. A aquisição de bens, serviços ou qualificações determinadas mediante o pagamento de taxas legalmente fixadas não significa a atribuição de certo privilégio àqueles que são economicamente mais fortes e a satisfação dessas necessidades correspondem no fundo às utilidades que daí advêm para os administrados. É evidente que ter um veículo arrasta com uma série de despesas que não deixa de ser proporcional às vantagens que se extraem dessa utilidade e, naturalmente, não é extensível a quem não possa possuir um veículo.
  
   7. Também não se vê como tenha sido quebrado o dever de imparcialidade que decorre daquele princípio da igualdade.
  
Por que razão foi a Administração imparcial? Em que medida foi influenciada por razões que não tenham sido unicamente ditadas pela prossecução do interesse público?
   O recorrente não materializa essa imparcialidade, razão por que não podemos ir mais além.
   Para além de que, como bem anota a entidade recorrida, “a quantidade das matrículas com número normal atribuídas por sorteio é muito mais que a das matrículas adquiridas mediante a compra, e as primeiras são atribuídas pela Administração sem o pagamento da taxa de aquisição, enquanto as segundas adquiridas mediante o pagamento de preço relativamente alto, entre as quais alguns precisavam duma despesa com concurso de valor consideravelmente elevado. Assim sendo, a Administração, tendo em conta os diversos factores tais como as finalidades da respectiva medida e as suas consequências, decidiu limitar primeiro a retoma dos números de matrícula com número normal, cuja aquisição não precisou de pagamento de taxas e que foram abandonados através do procedimento do cancelamento, sendo a respectiva medida muito razoável e não se violando o princípio da imparcialidade e a regra do precedente.”
  
Mas se se refere ao facto de ter mudado de critério, importa dizer que nada impede que a Administração mude de critério ou de procedimentos quando haja por bem, dentro dos fins do interesse público subjacente, autovinculando-se a novos critérios diferentes daqueles a que anteriormente se tenha autovinculado.
O ajustamento dos critérios de apreciação resulta do despacho proferido pela entidade recorrida no âmbito de discricionariedade legalmente permitido ou da decisão administrativa feita em relação a um dado requerimento, no exercício de poderes discricionários como já se frisou mediante critérios que passaram a ser dotados de generalidade e abstracção.

   8. Diz o recorrente que a razão invocada pela Administração – evitar uma onda especulativa no negócio das matrículas - não procede, já que se se quer evitar a especulação, então, o que se devia proibir era o negócio das matrículas entre os particulares. Sobre este argumento, em tese, até podemos concordar com o recorrente. Só que não nos cabe imiscuirmo-nos na esfera do Executivo, sendo que uma opção dessa natureza não deixa de ser uma opção política, isto é de governo, ou seja daquilo que se endente por melhor administração. E neste particular aspecto não estamos em condições de fazer uma correcta avaliação do que realmente seja melhor para o interesse público e da generalidade dos cidadãos da RAEM, bem podendo haver prós e contras que apoiem ou enjeitem uma solução dessa natureza. De uma coisa estamos certos: proibir a retoma de uma matrícula cancelada para ser utilizada num veículo abatido, ou que não seja o primitivo habilitado ao seu uso, tem em si uma filosofa subjacente anti-especulativa que não é difícil atingir para além de corresponder a uma maior abertura e transparência no acesso a essa matrícula.
  
   9. Por fim, uma palavra quanto à mudança de critério. Pela justeza e acerto, basta remetermo-nos para a jurisprudência do TUI que vem citada, enquanto aí se doutrinou: “a regra do precedente pode ser afastada por razões de boa administração ou de alteração das circunstâncias, se o interesse público justificar hoje uma conduta administrativa diferente daquela que antes foi adoptada na resolução de casos semelhantes ou idênticos. 1
  
   Nesta conformidade, o recurso não deixará de improceder.
    
    
    V - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao presente recurso jurisdicional Administrativo.
    
    Custas pela recorrente, com 6 UC de taxa de justiça
               
               Macau, 11 de Setembro de 2014,
               João A. G. Gil de Oliveira
               Ho Wai Neng
               José Cândido de Pinho
               Fui presente
               Mai Man Ieng
               Macau, d.s.
1 - Ac. do TUI, de 11 de Março de 2008, processo n.º 40/2007
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781/2013 1/28